Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 530/2014-T
Data da decisão: 2015-05-21  IVA  
Valor do pedido: € 2.277,16
Tema: IVA – Taxa de IVA a aplicar às transações de implantes e pilares constitutivos de implantes dentários quando transacionados em separado – competência do Tribunal Arbitral
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

Processo de Arbitragem Tributária

Processo nº 530/2014 – T

 

 

 

A Árbitro Dra. Filipa Barros (árbitro singular), designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 26 de Setembro de 2014, acorda no seguinte:

 

       I.     RELATÓRIO

 

                 A sociedade A…, LDA,  pessoa colectiva n.º …, com sede na …, adiante “Requerente”, e B… com número de identificação fiscal …, com domicílio no …, adiante “Requerente Repercutido” vêm, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do artigo 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante referido por “RJAT”[1], requerer a constituição de Tribunal Arbitral para pronúncia sobre a ilegalidade e consequente anulação das liquidações de IVA, no valor total de € 2.277,16 referentes ao ano de 2012 e primeiro trimestre de 2013.

 

                 Para fundamentar o seu pedido, considera a Requerente e o Requerente Repercutido, em síntese, que a transmissão individualizada e não conjunta de implantes, pilares se reconduz ao conceito de “artefacto” ou “material de prótese” constante da verba 2.6 da Lista I do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, devendo em consequência ser tributada à taxa reduzida de 6%. Assim, refere não ter qualquer suporte legal o entendimento preconizado pela Administração Tributária, segundo o qual a taxa reduzida se aplicaria tão-somente a “unidades únicas de implante”.

 

                 Mais refere que os pilares e implantes são exclusivamente utilizados no âmbito da implantologia, enquanto somente destinados à substituição no todo ou em parte do dente do doente. Porquanto, entende a Requerente e o Requerente Repercutido que seria contrário à teleologia da norma e ao princípio do legislador razoável uma interpretação que exigisse a presença de “uma única unidade de implante” pois levaria à consequência prática e absurda de – por razões de ordem técnica – excluir totalmente qualquer implante dentário do âmbito objetivo da taxa reduzida de IVA.

 

                 No dia 28 de Julho de 2014, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.

                 A Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro.

                 Assim, nos termos e para os efeitos do disposto do nº 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foi designado árbitro do Tribunal Arbitral Singular a Exma. Dra. Filipa Barros, que comunicou, ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4.º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

                 Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 26 de Setembro de 2014, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

                 A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

                 Para tanto, invoca entendimento administrativo reiterado e coincidente, entre a Direção de Serviços do IVA e a Direção Geral das Alfândegas, desde o início da vigência do Código do IVA, segundo o qual, “apesar de ser difícil distinguir entre componentes e próteses (implantes) completas, afigura-se que quando transacionados completos (...) de modo a constituir uma unidade de implante propriamente dito + peças de ligação + dente constituindo uma unidade de venda por enquadráveis na verba 2.5 da lista I anexa ao CIVA, são passíveis de IVA pela taxa reduzida. As transmissões dos diversos componentes avulsos, partes e peças são passiveis de IVA pela taxa normal.”

                 Assim, a Requerida opera uma distinção entre o conceito material de implante e o de prótese, sendo o primeiro, o implante, uma mera peça, parte ou acessório, utilizada na elaboração e fixação da prótese, enquanto, a prótese propriamente dita configura uma peça artificial capaz de substituir autonomamente e num só momento, um órgão do corpo humano ou parte dele, merecendo, ao contrário do implante, enquadramento na verba 2.6 da lista I anexa ao Código do IVA.

                 Defende ainda que a interpretação da verba 2.6 do Código do IVA não pode ignorar o quadro jurídico comunitário, sendo para este efeito fundamental atender à Nomenclatura Combinada por proceder à identificação dos bens objeto de importação e exportação, à determinação da classificação pautal e, em consequência, ao respectivo enquadramento tributário, que deverá encontrar-se em consonância com o critério de classificação utilizado pelas alfândegas.    

 

                 Em 19 de Dezembro de 2014, realizou-se a primeira reunião do tribunal arbitral, nos termos e com os objetivos previstos no artigo 18.º do RJAT.

                 No exercício do direito ao contraditório, o Tribunal decidiu admitir a produção de prova pericial requerida pela Requerente, tendo-se oficiado junto da Ordem dos Médicos e Dentistas a designação de perito especialista em implantologia.

                 Em 12 de Março de 2015, e após ouvidas as partes quanto ao objeto da perícia, foi notificado o Senhor Perito para responder aos quesitos definidos pelo Tribunal Arbitral.

                 Em 30 de Março de 2015, o Senhor Perito designado pela Ordem dos Médicos e Dentistas apresentou o seu relatório de resposta aos quesitos formulados.

                 Foram apresentadas alegações escritas pelos Requerentes, seguidas das alegações da Requerida.

                 Nas alegações apresentadas as partes reiteraram as posições defendidas nos respectivos articulados.

                 Face às alegações produzidas pelas partes, a questão principal a decidir nos presentes autos, passa por aferir se a transmissão de pilares e implantes, que constituem material protético, habitualmente vendido em separado, poderá ser tributada à taxa reduzida de 6% por se subsumir no âmbito do disposto na verba 2.6 da Lista I anexa ao Código do IVA, ou pelo contrário, se deverá antes ser tributada à taxa normal de 23% aplicável à generalidade das transmissões de bens, por consistirem em peças, partes e acessórios de próteses, incapazes de cumprir, considerados individualmente, a função de substituição de uma parte do corpo ou da sua função, conforme previsto na referida verba.

 

II. SANEAMENTO DO PROCESSO

                

                 O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

                 As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).                                                    

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

 

1. Factos dados como provados

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos no âmbito do processo administrativo, nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, a resposta apresentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira e, finalmente, o relatório pericial nos pontos indicados.

 

1)      A Requerente tem como atividade principal a importação e distribuição por grosso de dispositivos médicos utilizados no âmbito do sector da implantologia, estando classificada para efeitos do exercício da atividade económica no CAE 46460 – Comércio por Grosso de Produtos Farmacêuticos;

2)      Para efeitos de IVA, a Requerente é um sujeito passivo de IVA, nos termos da alínea a), do n.º 1 do artigo 2.º do Código do mesmo imposto, enquadrado no regime trimestral desde 01-09-2001;

3)      Os dispositivos médicos comercializados pela Requerente são de vária ordem, tendo em comum o facto de serem utilizados no tratamento de anomalias e deficiências dos dentes, boca maxilares e estruturas anexas; 

4)      No âmbito da sua atividade a Requerente importa implantes e pilares que vende, posteriormente, a médicos dentistas ou a técnicos de prótese dentária;

5)      O Requerente Repercutido aufere rendimentos da categoria B – rendimentos profissionais -, para efeitos de IRS, exercendo a atividade profissional de médico-dentista;

6)      Para efeitos de IVA o Requerente Repercutido encontra-se enquadrado no regime de isenção de IVA, ao abrigo do disposto no artigo 9.º do Código daquele Imposto; 

7)      Nos exercícios de 2012 e primeiro trimestre de 2013 a Requerente liquidou IVA, à taxa de 23%, devidamente reportado nas declarações periódicas respectivas, relativo às vendas de pilares de implantes efetuadas ao Requerente Repercutido, tituladas pelas seguintes facturas:

N.º

N.º Factura

Data

Material

Valor

IVA

23%

1

263/2012A

29-03-2012

COPING MINI PILAR CONICO

160,92

37,0116

2

311/2012A

16-04-2012

UCLA+PARAFUSO+COPPING

288,72

66,4056

3

517/2012A

31-05-2012

MINI PILAR +CPING MINI PILAR +UCLA

300,72

69,1656

4

566/2012A

18-06-2012

IMPLANTE SISTEMA

136,8

31,464

5

599/2012A

20-06-2012

MINI PILAR + UCLA HEXAGONAL

164

37,72

6

635/2012A

29-06-2012

IMPLANTE SISTEMA

1064

244,72

7

792/2012A

16-08-2012

IMPLANTE SISTEMA

304,02

69,9246

8

793/2012A

16-08-2012

IMPLANTE SISTEMA

304,02

69,9246

9

905/2012A

20-09-2012

UCLA

306,84

70,5732

10

908/2012A

21-09-2012

UCLA

28,8

6,624

11

917/2012A

24-04-2012

COPING MINI PILAR CÓNICO

80,46

18,5058

12

921/2012A

24-09-2012

UCLA

261

60,03

13

1072/2012A

31-10-2012

IMPLANTE SISTEMA +UCLA

4600,5

1058,115

14

1095/2012A

08-11-2012

UCLA

13,5

3,0015

15

1241/2012A

13-12-2012

IMPLANTE

1469,43

337,9689

16

3/2013A

03-01-2013

IMPALNTE + PARAFUSO

1400,04

322,0092

17

23/2013A

07-01-2013

UCLA

228,37

52,5251

18

208/2013A

19-02-2013

COPING MINI PILAR CÓNICO

107,46

24,7158

19

431/2013A

04-04-2013

UCLA+PARAFUSO

96,93

22,2939

20

527/2013A

24-04-2013

UCLA

143,55

33,0165

21

564/2013A

06-05-2013

IMPLANTES SISTEMA

380

87,4

22

592/2013A

10-05-2013

UCLA+MINI PILAR+COPING MINI PILAR

1251,45

287,8335

23

596/2013A

10-05-2013

IMPLANTE

304

69,92

 

 

8)      Os materiais transacionados constituem implantes e pilares sobre os quais a Requerente aplicou IVA à taxa de 23%, em cumprimento das orientações emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira através da Ficha Doutrinária relativa ao processo T -120 2005093 de 11 de Maio de 2007; 

9)      A função de uma reabilitação oral de um implante é a de substituir um único dente. O implante osteointegrado pode ser reabilitado com uma coroa (prostodontia fixa sobre implante). Se forem colocados dois implantes ou mais, a sua função pode ser reabilitar um espaço edêntulo de dois dentes até uma arcada completa, de forma fixa ou removível, cfr. Relatório de peritagem; 

10)  As partes envolvidas num procedimento cirúrgico de reabilitação oral são: o planeamento pré-cirúrgico clínico e radiográfico; anestesia local; incisão para exposição da cortical óssea que servirá de ponto de entrada para a preparação cirúrgica do leito implantar, com uma sequência de brocas de osso específicas, de acordo com as instruções do fabricante; colocação do implante e do parafuso ou pilar de cicatrização; sutura; Conforme os casos o implante poderá ficar submerso ou transmucoso, cfr. Relatório de peritagem;         

11)  O implante é uma estrutura geralmente rosqueada de forma semelhante à raiz de um dente monorradicular, cuja superfície se encontra preparada para osteointegrar. Apresenta um colo, (região que fica mais perto da superfície óssea) onde se acoplam estruturas como pilares de impressão, ou de cicatrização, ou componentes protéticos, cfr. Relatório de peritagem;

12)  O implante substitui a função da raiz do dente;

13)  As partes protéticas de um implante dentário conferem ao implante a aptidão mastigatória e funcional, sendo indispensáveis para que um implante seja reabilitável. Servem para o encaixe (aparafusamento ou cimentação) de coroas unitárias, pontes, próteses totais ou encaixes para ancoragem de uma prótese removível, cfr. Relatório pericial;   

14)  O pilar consiste numa estrutura cilíndrica inserida no implante;

15)  Sobre o pilar é introduzida uma coroa cuja função é restabelecer, tanto quanto possível, a forma original de um dente tornando-o funcional;

16)  O implante dentário é uma estrutura composta por três elementos: implante, pilar e coroa destinados a substituir no seu conjunto o órgão dente;

17)  Os implantes e pilares são produzidos em série ao passo que a coroa – elaborada pelos técnicos de prótese dentária – necessita de se ajustar às características de dentição do paciente, sendo especificamente produzida para cada caso clínico, cfr. Relatório pericial;

18)  O procedimento cirúrgico deverá ser executado por fases que integram a colocação da coroa sobre o implante realizada nas 72 horas após a cirurgia (estética ou carga imediata, geralmente executada com coroas provisórias em acrílico), ou então num período não menor que dez semanas, para garantir que há osteointegração do implante antes de ser submetido a forças mastigatórias, cfr. Relatório pericial;

19)  O processo de reabilitação oral através de implante encontra-se dividido em duas fases: a colocação do implante dentário numa fase inicial, e colocação do pilar e da coroa numa fase posterior;

20)   Uma prótese é qualquer componente que não faz parte da dentição natural e que visa reestabelecer a função mastigatória, substituindo dentes perdidos, cfr. Relatório pericial;

21)   Uma peça protética pode ser uma coroa, um pilar ou outro componente necessário para o fabrico de uma prótese. Uma prótese terá de ter em si todas as partes integrantes que lhe permitam exercer a sua função, cfr. Relatório pericial;

22)  Os componentes protéticos só podem ser utilizados em conjunto com o respectivo implante, cfr. Relatório pericial;

23)  O implante poderá igualmente servir para a tração ortodôntica, cfr. Relatório pericial;

24)  Os benefícios alcançados com a reabilitação oral são os de conferir e optimizar a função mastigatória de um paciente parcial ou totalmente desdentado. As melhorias na qualidade de vida prendem-se com a capacidade de mastigação, melhorando a mastigação, estética e autoconfiança. Anteriormente ao surgimento dos implantes dentários apenas era possível reabilitar espaços edêntulos de forma fixa, executando pontes sobre dentes, o que implicava um procedimento evasivo de pelo menos dois dentes. Com implantes dentários é possível reabilitar pequenas e grandes áreas edêntulas sem compromisso dos dentes contíguos e de forma fixa, evitando-se assim as próteses removíveis, cuja retenção, em casos de grande absorção óssea, se torna muitas vezes um problema além de poderem causar diminuição do paladar. Em casos de edentação total, em que as próteses completas apresentam grandes problemas de retenção, os implantes vieram dar resposta para a qual não existia solução com tratamentos convencionais, aumentando significativamente a qualidade de vida dos pacientes, cfr. Relatório pericial;  

25)   Em 27 de Março de 2014, a Requerente e o Requerente Repercutido submeteram uma Reclamação Graciosa junto da Direção de Finanças de Lisboa pretendendo a correção das suas autoliquidações de IVA respeitantes ao exercício de 2012 e primeiro trimestre de 2013, relativas às vendas de pilares de implantes que a Requerente efetuou ao Requerente Repercutido tendo sido liquidado IVA em excesso no valor de € 2.277,16, resultante da aplicação da taxa geral de IVA ao material dentário em causa (pilares e implantes) ao invés da aplicação da taxa de reduzida de 6%;

26)   Pelo ofício n.º … de 09 de Junho de 2014 a Requerente e o Requerente Repercutido foram notificados para exercer o Direito de Audição Prévia à proposta de indeferimento do seu pedido, cfr. Processo Administrativo;

27)  A posição da Requerida baseia-se na Ficha Doutrinária de 11 de Maio de 2007, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira e reiterada na Informação n.º 2883, de 20 de Dezembro de 2012;

28)   Em 18 de Junho de 2014 a Requerente e Requerente Repercutido foram notificados da decisão de indeferimento definitivo da Reclamação Graciosa apresentada contra os atos de autoliquidação de IVA respeitantes ao exercício de 2012 e primeiro trimestre de 2013,  cfr. Processo Administrativo;               

29)  Em 25 de Julho de 2014, a Requerente deduziu o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo. (cfr. requerimento electrónico ao CAAD).

2.    Factos não provados

 

       Não se constataram factos com relevo para a apreciação da matéria que não se tenham provado.

 

3.    Motivação

           

       A convicção do Tribunal ao estabelecer o quadro factual supra, fundou-se no Processo Administrativo instrutor, nos documentos que instruíram as peças processuais das partes e no relatório pericial elaborado pelo Exmo. Senhor Dr. C…, designado pela Ordem dos Médicos e Dentistas, enquanto especialista em matéria de implantes dentários.

 

4.    Matéria de Direito

 

       A questão a decidir é a de saber se a transmissão individualizada das várias mbito do disposto  lantes dentr eral Tributensamento  nlo TJCE duzida de 5% nas transmissulta diferenciar o que sder componentes dos implantes dentários - implante, pilar e coroa - poderá ser tributada à taxa reduzida de IVA de 6%, por se subsumir no âmbito do disposto na verba 2.6 da Lista I anexa ao Código do IVA.                              

       A Autoridade Tributaria e Aduaneira (AT) tem vindo a defender que a transmissão de pilares, implantes e respectivas peças de ligação deverá ser tributada à taxa normal de IVA de 23%, aplicável à generalidade das transmissões de bens, por consistirem em partes e acessórios de próteses, incapazes de cumprir, considerados individualmente, a função de substituição de uma parte do corpo ou da sua função.

       Tal posição encontra-se sustentada na Ficha Doutrinária de 11 de Maio de 2007, reiterada na Informação n.º 2883, de 20 de Dezembro de 2012.

       A tese da Requerida radica num Despacho do Senhor Subdirector-Geral do IVA, datado de 1987-08-04, sancionando o entendimento de que “os dentes artificiais (com ou sem pivot) são incluídos na verba 2.5 (atual verba 2.6) da lista I, anexa ao CIVA, por se considerarem material de prótese e pelo facto de possuficas que os tornam  possuexa ao CIVA, por se considerarem material de prde que "ito comercial dos bens por preceder írem características muito específicas que os tornam inaplicáveis em outras funções que não sejam exclusivamente as de substituição de parte de um órgão.

       Acresce uma Informação n.º 1717, de Setembro de 1996, prestada a uma empresa de equipamentos médicos, perante um catálogo de produtos idênticos aos comercializados pela Requerente (como sejam material de implante, material de aplicação dos mesmos, nomeadamente cilindros, parafusos pilares, coroas, pontes, entre outros) em que foi sancionado que “na montagem dos componentes constantes do referido catálogo conseguem-se obter várias combinações do referido material consoante cada caso e segundo o que o doente precisa, o que dificulta diferenciar o que são componentes e o que já são implantes completos tendo sido orientação deste Serviço que somente os aparelhos completos podem beneficiar da taxa reduzida de 5% nas transmissões dos mesmos”. 

 

       Por conseguinte, de acordo com a doutrina Administrativa o elemento literal da verba 2.6 da Lista I anexa ao Código do IVA só abrange a transmissão do artigo que, em si, configure uma peça artificial completa, apta a substituir o órgão ou parte do corpo humano, excluindo do seu âmbito de aplicação os implantes constituídos por várias peças, pois estes, não configuram um “aparelho completo” ou “produto acabado”. Aliás, invoca-se para este efeito, a importância da Nomenclatura Combinada que procede à delimitação de cada uma destas categorias, merecendo o implante dentário, também a esta luz, uma classificações diferenciada, denominada como “artigo que serve de suporte a dente artificial”.

 

       Vejamos a questão considerando a matéria de facto dada como provada e a matéria de direito considerada pertinente. 

      

       Comecemos, por atender ao disposto na verba 2.6 da Lista I, anexa ao Código do IVA, relativa aos bens e serviços sujeitos à taxa reduzida de 6%, o seguinte:

 

Aparelhos ortopédicos, cintas médico-cirúrgicas e meias medicinais, cadeiras de rodas e veículos semelhantes, acionados manualmente ou por motor, para deficientes, aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano ou a tratamento de fraturas e as lentes para correção de vista, bem como calçado ortopédico, desde que prescrito por receita médica, nos termos regulamentados pelo Governo.

 

       A questão que se coloca reconduz-se à aplicação, no caso vertente, do normativo legal que estabelece as regras a observar na interpretação da lei, ou seja, do artigo 9.º do Código Civil, que, sob a epígrafe “Interpretação da Lei”, diz o seguinte:

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

       Por seu turno, na anotação a este artigo, escreveram Pires de Lima e Antunes Varela, o seguinte: “Em lugar de impor um método ou consagrar uma corrente doutrinária em matéria de interpretação das leis, o Código limita-se a consagrar os princípios que podem considerar-se já uma aquisição definitiva na matéria, combatendo os excessos a que os autores objectivistas e subjectivistas têm chegado muitas vezes.

Afasta-se, assim, o exagero dos objectivistas que não atendem sequer às circunstâncias históricas em que a norma nasceu, na medida em que o nº 1 do artigo 9º manda reconstituir o pensamento legislativo e atender às circunstâncias em que a lei foi elaborada. Como se condena igualmente o excesso dos subjectivistas que prescindem por completo da letra da lei, para atender apenas à vontade do legislador, quando no nº 2 se afasta a possibilidade de qualquer pensamento legislativo valer como sentido decisivo da lei, se no texto desta não encontrar um mínimo de correspondência verbal.

E ao mesmo tempo que manda atender às circunstâncias (históricas) em que a lei foi elaborada, o preceito não deixa de expressamente considerar relevantes as condições específicas do tempo em que a norma é aplicada (nota vincadamente actualista).

O facto de o artigo afirmar que a reconstituição do pensamento legislativo deve fazer-se a partir dos textos não significa, de modo nenhum, que o intérprete não possa ou não deva socorrer-se de outros elementos para esse efeito, nomeadamente do espírito da lei (mens legis)[2].

      

       Considerando os vários elementos interpretativos citados, importa referir que o IVA é um imposto de matriz comunitária, introduzido em Portugal pelo Decreto-Lei nº 394-B/94, de 26.12, que veio transpor a 6ª Diretiva do IVA (Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17.05.1977) alterada pela Diretiva n.º 2006/112/CE, de 28 de Novembro, doravante Diretiva do IVA.

       Vejamos, por conseguinte, se pela análise das normas pertinentes constantes da Diretiva Comunitária se podem extrair argumentos a favor da tese defendida pela Requerida.                               

       Nos termos do disposto no artigo 98.º da Diretiva do IVA os Estados membros poderão aplicar uma ou duas taxas reduzidas às entregas de bens e prestações de serviços das categorias constantes do anexo III da Diretiva do IVA, (anteriormente Anexo H da Sexta Diretiva) que contempla, para os efeitos do caso em apreço, as seguintes realidades:

Ponto 4: “equipamento médico, material auxiliar e outros aparelhos normalmente utilizados para aliviar ou tratar deficiências, para uso pessoal exclusivo dos deficientes, incluindo a respectiva reparação, bem como assentos de automóvel para crianças”;

Ponto 17: “Tratamentos médicos e dentários assim como curas termais, desde que estas prestações não estejam isentas por força do disposto nas alíneas b) a e) do n.º 1 do artigo 132.º”;

 

       Ora, a Diretiva é um ato comunitário que nos termos do artigo 288.º do Tratado da União Europeia vincula o Estado membro destinatário “quanto ao resultado a alcançar, deixando no entanto às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios.”.

       Assim, se por um lado o IVA português obedece aos princípios estabelecidos na Diretiva, esta, ao contrário do Regulamento que tem efeito direto e imediato independente da respectiva transposição, não se aplica diretamente aos sujeitos passivos, que só devem obediência às normas de direito interno que operem a transposição da Diretiva.

       Acresce que do texto da Diretiva não resulta nenhum elemento interpretativo que induza no sentido de promover uma distinção de taxas entre “unidades únicas de implante” e “implantes compostos por várias peças”. De resto, os bens e serviços supra referidos elencados pela Diretiva IVA enquanto passiveis de beneficiar da taxa reduzida assumem interesse geral e cumprem o objetivo de impedir que certos equipamentos e prestações médicas não se tornem inacessíveis devido ao custo acrescido resultante da sujeição ao IVA à taxa geral.

       Por conseguinte, também à luz dos objetivos prosseguidos pelo legislador comunitário, não há qualquer razão para considerar que o conceito de “...aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano...” utilizado na verba 2.6 da lista I anexa ao Código do IVA tenha um sentido que só autorize o benefício da taxa reduzida às próteses constituídas por “Unidade Única de Implante”.   

 

       Em todo o caso, caberia à Lei portuguesa determinar o alcance da taxa reduzida, e introduzir, se assim entender, distinções desse tipo, o que claramente não fez (vide neste sentido ponto 3 e seguintes do parecer junto aos autos emitido por José Guilherme Xavier de Basto). 

        

       Prosseguindo a análise do ponto de vista do direito comunitário, dispõe o n.º 3 do artigo 98.º da Diretiva que “ao aplicarem as taxas reduzidas previstas no n.º 1 às categorias relativas a bens, os Estados-membros podem utilizar a Nomenclatura Combinada  para delimitar com exatidão cada categoria”. 

 

       Ora, em primeiro lugar a Diretiva comunitária confere aos Estados membros a faculdade ou opção de utilização da Nomenclatura Combinada para delimitar as várias categorias de bens que integram as suas listas de bens e serviços a que se aplicam taxas reduzidas. Trata-se, por isso, de uma faculdade e não de uma obrigação, a qual, o legislador português não utilizou no Código do IVA, havendo a assinalar, com uma única exceção, a que consta da alínea i) do n.º 1 do artigo 14.º do mesmo Código.

       É por conseguinte irrelevante, para efeitos de IVA, a classificação que os artigos de prótese tenham na Nomenclatura Combinada, pois ressalta evidente que o legislador português não recorreu a essa nomenclatura para definir os bens que constam da Lista I anexa ao Código do IVA, não sendo, também por este motivo, válidos os argumentos invocados pela Requerida para recusar a aplicação da taxa reduzida de IVA à transmissão de implantes dentários compostos por várias peças.

      

       A Requerida lembra também as posições assumidas pelo TJUE, sobre o carácter excepcional dos casos em que é permitida a aplicação de taxas reduzidas, uma vez que o princípio geral consiste na aplicação da taxa normal de IVA. Por outro lado, refere que o princípio da neutralidade fiscal opõem-se a uma diferenciação na tributação de bens ou serviços de idêntica natureza, considerando-se verificado quando o imposto não influi na escolha do consumidor, sendo discutível a comparação comercial que se possa fazer entre o bem “prótese amovível” e “prótese fixa” acrescida das respectivas peças de fixação.   

       Ora, sobre este aspeto, importa atender à Jurisprudência do TJUE.

        

       Na esteira desta jurisprudência, a introdução e manutenção de taxas reduzidas de IVA só é admissível se não violar a neutralidade fiscal[3]. O TJUE sustenta que os Estados Membros, quando fazem uso da possibilidade que lhes confere o artigo 98.° da Diretiva 2006/112 de aplicar uma taxa reduzida de IVA, devem respeitar os critérios elaborados pela jurisprudência para determinar se uma operação que contém diversos elementos deve ser considerada uma prestação única, sujeita a um único tratamento fiscal, ou duas ou várias prestações distintas, que podem ser tratadas de modo diferente[4].

       A este propósito, reconhece-se a impossibilidade de dar uma resposta exaustiva ao problema, devendo ser tomadas em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão e observar-se critérios, como a expectativa do consumidor médio, com o objetivo de proteger a funcionalidade do sistema do IVA face à diversidade das transações comerciais[5].

       Acresce que o princípio da neutralidade fiscal importa a consideração de dois outros princípios: o da uniformidade do IVA e da eliminação das distorções de concorrência. Assim, operações semelhantes, que estão portanto em concorrência entre si, não devem ser tratadas de modo diferente do ponto de vista do IVA, sob pena de se introduzir discriminações arbitrárias e aplicações casuísticas do Imposto. 

       Por conseguinte, na delimitação dos bens e serviços que podem beneficiar de taxas reduzidas deverão ser encontrados critérios objetivos, cabendo aos Estados-membros no exercício da margem de apreciação que lhes é consentida pela Diretiva 2006/112 quanto à aplicação da taxa reduzida do IVA, observar os critérios gerais e objetivos, tais como os formulados na Jurisprudência do TJUE[6].

       Ora, no caso dos autos, a Requerida pretende distinguir para efeitos de aplicação da taxa reduzida entre implantes compostos por peças separadas e implantes completos, assumindo como pressuposto que as componentes de um implante composto não têm a finalidade que a lei quis privilegiar. Contudo, admitir tal argumentação, seria, na verdade, introduzir dentro do sistema do IVA uma discriminação arbitrária entre duas modalidades possíveis de reabilitação dentária através de implantes.

       Aliás, refira-se que nenhum dos argumentos invocados pela Requerida poderá colher, uma vez que tal interpretação não tem um mínimo de correspondência verbal com a letra da Lei.

       Conforme resulta do probatório, a função de uma reabilitação oral de um implante é a de substituir um dente.

       Tal desiderato deve respeitar um processo complexo de natureza cirúrgica.

        De acordo com o Relatório Pericial, o processo cirúrgico apresenta várias fases, que culminam necessariamente na aludida substituição de um ou mais dentes do paciente. Assim, o implante é introduzido por partes na boca do paciente “planeamento pré-cirúrgico clínico e radiográfico; anestesia local; incisão para exposição da cortical óssea que servirá de ponto de entrada para a preparação cirúrgica do leito implantar, com uma sequência de brocas de osso específicas, de acordo com as instruções do fabricante; colocação do implante e do parafuso ou pilar de cicatrização; sutura; Conforme os casos o implante poderá ficar submerso ou transmucoso”.

       Adicionalmente, do probatório resulta que “o implante substitui a função da raiz do dente” e que “as partes protéticas de um implante dentário conferem ao implante a aptidão mastigatória e funcional, sendo indispensáveis para que um implante seja reabilitável. Servem para o encaixe (aparafusamento ou cimentação) de coroas unitárias, pontes, próteses totais ou encaixes para ancoragem de uma prótese removível” conforme Relatório pericial.

 

       Por seu turno, o relatório pericial esclarece que o pilar consiste na estrutura cilíndrica que encaixa no implante, e que sobre o pilar é introduzida uma coroa cuja função é restabelecer, tanto quanto possível, a forma original de um dente tornando-o funcional.

       Ficou, portanto, demonstrado que uma prótese fixa, introduzida através de um implante é composta por três peças, - implante, pilar e coroa, - incindíveis entre si e cuja finalidade consiste tão só na substituição de um órgão do corpo humano: o dente.

      

       Porquanto, o conceito de “unidade única de implante” utilizado pela Requerida para sustentar a aplicação da taxa normal de IVA às componentes da prótese dentária, não tem qualquer correspondência nem com a prática de implantologia vigente em medicina dentária, nem com o próprio texto legislativo, ainda que imperfeitamente expresso, como se demonstrou.

      

       Ademais, do ponto de vista interpretativo, a verba 2.6 da lista I anexa ao Código do IVA fala apenas de “(...) artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano (...)”, e ao preconizar um entendimento que não encontra um mínimo de suporte na letra da lei, a Requerida procede a uma interpretação restritiva daquela norma, ao arrepio dos bons princípios da hermenêutica jurídica que recomendam a interpretação declarativa, tendo em conta as características do IVA e a interpretação que o TJUE tem vindo a fazer, conforme se decidiu recentemente em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo[7].   

 

       No que respeita ao conceito de “unidade única de implante”, o probatório deixou claro tratar-se de algo que pura e simplesmente não existe em matéria de reabilitação oral através de implante, pelo que ao se pretender atribuir o benefício da taxa reduzida apenas a implantes constituídos por peças únicas, negar-se-ia qualquer possibilidade de aplicação da taxa reduzida a implantes compostos. O Relatório pericial foi perentório a este respeito, referindo por exemplo, que “os implantes e pilares são produzidos em série ao passo que a coroa – elaborada pelos técnicos de prótese dentária – necessita de se ajustar às características de dentição do paciente, sendo especificamente produzida para cada caso clínico”, acrescentando de forma convincente, que o implante, pilar e coroa são aplicados no paciente por fases as quais “integram a colocação da coroa sobre o implante realizada nas 72 horas após a cirurgia (estética ou carga imediata, geralmente executada com coroas provisórias em acrílico), ou então num período não menor que dez semanas, para garantir que há osteointegração do implante antes de ser submetido a forças mastigatórias.”

 

       Ora, o entendimento preconizado pela Requerida, criaria regras de tributação em sede de IVA diferenciadas entre dois tipos de prótese, que embora tenham processos de fabrico e de implantação cirúrgica diferentes entre si, cumprem os mesmos objetivos, à luz dos preceitos legais aplicáveis, ou seja, em ambos os casos pretende-se a substituição de um dente e a melhoria da saúde e qualidade de vida do paciente.

      

       Acresce que, uma interpretação seletiva, que limite a possibilidade de aplicação da taxa reduzida de IVA apenas às próteses clássicas, seria contrária aos princípios gerais de Diretiva IVA, violando designadamente o princípio da neutralidade fiscal, e da tributação uniforme o qual se opõe a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão em concorrência entre si, sejam tratadas de modo diferente do ponto de vista deste imposto.

        

       Neste sentido, importa também atender à jurisprudência do CAAD[8] sobre esta mesma matéria. Conforme se decidiu em Acórdão recente “não existindo tais “bens completos de implante”, na acepção que a AT pretende veicular, o entendimento da Administração Fiscal acaba por negar o benefício da taxa reduzida a este tipo de próteses, pondo assim em causa, sem motivo racional atendível, a ratio legis que presidiu ao acolhimento desta verba nos termos em que se encontra redigida – a proteção da saúde pública. Com efeito, a colher-se tal entendimento introduzir-se-ia um tratamento discriminatório arbitrário entre as diferentes próteses dentárias. Por um lado, as próteses compostas por uma única peça beneficiariam da taxa reduzida de 6%, por outro lado, as próteses “compostas” seriam tributadas à taxa normal”. Acrescenta-se, ainda que “acolher-se o entendimento veiculado pela AT nos caso concreto teríamos uma diferença de tratamento para realidades idênticas resultantes não da Diretiva IVA mas sim de uma deficiente aplicação da mesma por parte da Administração Fiscal”. 

   

       Por ultimo, importa também salientar que todas as componentes que formam o implante composto – implante, pilar e coroa – não podem ser utilizadas separadamente, sendo especialmente concebidos e preparados para a execução de uma peça que se designa por implante.

       E sendo assim, de acordo com um princípio de substância sobre a forma, que deverá prevalecer em matéria fiscal, o simples facto de tais peças serem comercializadas individualizadamente e objeto de faturação separada não pode condicionar o enquadramento e qualificação da transação para efeitos de IVA. Veja-se também neste sentido o processo arbitral n.º 171/2013 -T no qual se considerou irrelevante para efeitos de aplicação da taxa reduzida, a faturação em separado dos acessórios e peças de cadeiras de rodas e de scooters de mobilidade de uso exclusivo para deficientes motores, uma vez que tais acessórios só faziam sentido se usados em conjunto com a cadeira de rodas completando-a e assegurando o cumprimento das suas funções.

 

       Por conseguinte, a realidade que está em causa nos presentes autos subsume-se na previsão legal da verba 2.6 da Lista I anexa ao Código do IVA, consubstanciando-se como “(...) aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação  destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano”. 

      

       Assim, de acordo com os factos dados como provados, a interpretação das normas fiscais convocáveis para o efeito, as características do IVA e a interpretação veiculada quer pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, quer pela jurisprudência do TJUE, concluiu-se que no caso presente se deverá aplicar a taxa reduzida de IVA prevista na verba 2.6 da Lista I anexa ao Código do IVA, à transmissão de pilares e implantes, dando-se razão à Requerente e ao Requerente Repercutido.  

 

       5. Juros indemnizatórios

 

       Os Requerentes peticionaram ainda a condenação da Requerida em juros indemnizatórios, vencidos e vincendos até à data da devolução das quantias de imposto indevidamente liquidadas, por considerarem, no caso concreto, que ocorreu liquidação de IVA superior ao devido por erro imputável aos serviços.

 

       Nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária e artigo 61.º do CPPT “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

       Entende-se por erro imputável à administração, o erro que não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto e de direito que, não sejam da responsabilidade do contribuinte. Assim, “o direito a juros indemnizatórios abrange apenas uma das causas de responsabilidade da Administração tributária, agindo como tal: a originada pelo pagamento indevido de tributos, que lhe for imputável (...) o direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte provem, em regra geral, de um dever de indemnização da Administração tributária resultante da forçada improdutividade das importâncias desembolsadas pelo contribuinte.”(cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, p. 204 e 205).

      

       Ora, atento supra exposto, não pode deixar de se considerar ter havido erro imputável aos serviços, na medida em que as autoliquidações de IVA em causa foram consequência da errónea interpretação que a Requerida fez relativamente ao disposto na verba 2.6 da Lista I anexa ao Código do IVA.

       Conclui-se, assim, pela procedência da pretensão dos Requerentes a serem ressarcidos através do pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento das liquidações de imposto anuladas até à data da emissão da nota de crédito, nos termos do artigo 61.º, n.ºs 2 a 5, do CPPT.

      

       6. Remuneração do Perito

      

       Para efeitos da remuneração do perito adotam-se os critérios previstos nos n.ºs 3 e 4 do Artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, e assim, atendendo à complexidade das matérias constantes do relatório pericial elaborado e aos usos de mercado, fixa-se a respectiva remuneração em 8 Unidades de Conta, a pagar pela Requerida.

 

       7. DECISÃO

      

       De harmonia com o exposto acorda-se neste Tribunal Arbitral o seguinte:

 

a)        Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)        Anular a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada pelos Requerentes;

c)        Serem corrigidas as autoliquidações de IVA correspondentes às faturas identificadas no ponto 7 da matéria de facto fixada, num total de IVA liquidado em excesso de € 2.277,16;

d)       Em consequência, serem restituídos os valores de IVA liquidados e pagos, acrescidos dos juros indemnizatórios calculados nos termos da lei, e nos termos da presente decisão arbitral;

e)        Finalmente, condena-se a Requerida no pagamento dos honorários do perito designado nos autos, no valor total de 8 Unidades de Conta e no pagamento da taxa de arbitragem (vide artigos 12.º, n.º 2 e 22.º n.º 4, do RJAT), fixando-se esta na importância de € 612,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

*

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e artigo 3.º, n.º 1 e 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 2.277,16 (dois mil duzentos de setenta e sete euros e dezasseis cêntimos).

 

Notifique.

 

Lisboa, 21 de Maio de 2015

 

 A Árbitro

 

 

 

(Filipa Barros)



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

[2] Vide, in Código Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, págs. 57-58

[3] Acórdão de 3 de Abril de 2008, Caso Torgau‑Westelbien, Proc. C-442/05. 

[4] Acórdão de 25 de Fevereiro de 1999, Caso CPP, Proc. C-349/96.

[5] Acórdão de 21 de Fevereiro de 2008, Caso Part Service, C‑425/06.

[6] Acórdão de 8 de Maio de 2003, Caso Comissão/França, C‑384/01.

[7] Acórdão do STA de 15 de Abril de 2015, Processo 01563/14.

[8] Vide sobre a mesma questão Acordão do CAAD de 24 de Novembro de 2014, Processo n.º 429/2014-T.