Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 406/2022-T
Data da decisão: 2023-03-13  IRC  
Valor do pedido: € 9.606.158,57
Tema: IRC – Determinação do lucro tributável obtido com a compra e venda de imóveis (arrematação judicial, resolução antecipada do contrato de leasing e aquisição antes da entrada em vigor do artigo 64.º do CIRC); participation exemption e diferenças de câmbio; dedução do Imposto do Selo em sede de IRC.
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SUMÁRIO:

1 – Nos imóveis adquiridos por arrematação judicial, o valor de aquisição a ter em conta para efeitos do disposto no artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do Código do IRC, é o valor que consta do acto ou contrato previsto na regra 16.ª, do n.º 4, do artigo 12.º do Código do IMT;

2 – A resolução antecipada de um contrato de locação financeira (leasing) de bens imobiliários não implica uma nova aquisição/transferência da propriedade na esfera do locador, pelo que o valor de aquisição a ter em conta para efeitos do disposto no artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do Código do IRC é o VPT que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT no momento da aquisição;

3 – Quanto aos imóveis que foram adquiridos antes da entrada em vigor do artigo 64.º do Código do IRC e que foram alienados durante a sua vigência, não existe fundamento para que o sujeito passivo realize qualquer ajustamento ao valor de aquisição dos imóveis nos termos da alínea b) do n.º 3 do art.º 64.º daquele código;

4 – A aplicação do regime de participation exemption previsto no artigo 51.º, n.º 1, do Código do IRC aos dividendos distribuídos ao sujeito passivo não abrange as perdas cambiais associadas àqueles rendimentos, que continuam a ser dedutíveis como gasto no apuramento da matéria tributável ao abrigo do disposto no artigo 23.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) do Código do IRC;

5 – Não é dedutível no apuramento da matéria tributável de IRC, por força do disposto no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea f), do Código do IRC, o montante de Imposto do Selo liquidado por aplicação da verba 17.3.4 da TGIS às comissões cobradas a título de Taxa de Serviço do Comerciante, Taxa Multilateral de Intercâmbio e de comissões interbancárias pela utilização de TPA’s e ATM’s, já que este imposto não é um encargo daquele sujeito passivo nos termos do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Paulo Nogueira da Costa e António Martins, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

            1. A..., S.A., com o número de identificação fiscal..., com sede na ..., ..., ...-... Porto (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), em conjugação com a alínea a), do n.º 1, do artigo 102.º, do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2022 ... e da demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., referentes ao período de tributação de 2018, bem como a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

            2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 6 de Julho de 2022 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

            3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 25 de Agosto de 2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

            4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 13 de Setembro de 2022, sendo que naquela mesma data foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.

 

            5. Em 17 de Outubro de 2022 a Requerida apresentou a sua resposta e juntou aos autos o processo administrativo (“PA”), invocando uma excepção de litispendência face ao processo arbitral n.º 358/2022-T e a sua consequente absolvição da instância. A título subsidiário requereu a suspensão do processo até ao trânsito em julgado daqueles autos, tendo-se ainda defendido por impugnação e sustentado a improcedência do pedido arbitral com a sua consequente absolvição de todos os pedidos.

 

            6. Por despacho proferido em 24 de Outubro de 2022, foi o Requerente notificado para exercer o direito ao contraditório relativamente à matéria de excepção invocada pela AT, direito que aquele veio a exercer por requerimento apresentado em 4 de Novembro de 2022.

 

            7. Por despacho proferido em 9 de Novembro de 2022, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais, previstos nos artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT, tendo-se remetido para a decisão arbitral a apreciação da matéria de excepção. Foi ainda facultada às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas, por prazo simultâneo de 15 dias, direito que ambos exerceram em 29 de Novembro de 2022.

 

II. THEMA DECIDENDUM

 

            8. Os actos de liquidação objecto de contestação nestes autos, que não deram lugar a imposto a pagar, têm subjacente as correcções efectuadas pela AT à matéria colectável de IRC do exercício de 2018. Das diversas correcções efectuadas, o Requerente apenas contesta no presente processo as correcções do Relatório de Inspecção Tributária (“RIT”) relativas ao ponto III.1.5 – Regime de Participation Exemption (artigo 51.º do Código do IRC), no montante de 5.709.330,74 e ao ponto III.1.6 – Correcção pelo adquirente do imóvel quando adopta o Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) para a determinação do resultado tributário na respectiva transmissão (alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC), no montante de € 2.588.033,47. Peticionou ainda o Requerente a declaração de ilegalidade do não reconhecimento do custo fiscal com Imposto do Selo (“IS”), no montante de € 1.308.794,36, decorrente da correcção em sede de IS feita pelos serviços de inspecção tributária (“SIT”).

 

III. SANEAMENTO

 

            9. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

            10. Na resposta que apresentou invocou a Requerida que se verificava uma excepção de litispendência face ao processo n.º 358/2022-T, que impunha a sua absolvição da instância quanto ao pedido de reconhecimento do custo fiscal com IS, no montante de € 1.308.794,36, atento o disposto nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea i) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. Isto na medida em que no processo n.º 358/2022-T também se discutia a legalidade das correcções operadas quanto ao IS liquidado no ano de 2018.

 

            11. Pelo contrário, entendeu o Requerente no exercício do direito ao contraditório que o pedido e a causa de pedir dos presentes autos não se confundem com os do processo arbitral n.º 358/2022-T. De acordo com o Requerente, enquanto nos presentes autos se visa “o reconhecimento do custo fiscal tido em sede de IS, nos termos em que foi corrigido por parte da Administração tributária, discutindo-se por isso a dedutibilidade deste custo nos termos da alínea f), do n.º 1, do artigo 23.º do Código do IRC”, no processo arbitral n.º 358/2022-T (bem como no processo de impugnação judicial n.º .../22.0BEPRT), discute-se a concreta “legalidade da correcção em sede de imposto do selo”.

 

            12. A excepção dilatória de litispendência, que se encontra regulada nos artigos 580.º e 581.º do Código de Processo Civil (“CPC”) aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea e) do RJAT, verifica-se nos casos em que ocorra a repetição de uma causa quando uma outra ainda está em curso, evitando-se pela sua procedência a possibilidade de o Tribunal ser colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. Para que se considere que uma causa é repetição de uma outra, é necessário nos termos dos citados artigos que exista uma correspondência entre os sujeitos, o pedido e a causa de pedir.

 

            13. Ora, ainda que os sujeitos dos presentes autos sejam os mesmos que os do processo arbitral n.º 358/2022-T, a verdade é que os pedidos e respectivas causas de pedir não são coincidentes. Nos presentes autos o Requerente peticionou a declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação de IRC referente ao período de tributação de 2018, com fundamento na violação do disposto nos artigos 17.º, 18.º e 23.º, n.º 1, alínea f), todos do Código do IRC. Já no processo arbitral n.º 358/2022-T, o Requerente peticionou a declaração de ilegalidade parcial dos actos de liquidação de IS resultantes da acção inspectiva que também está na origem dos presentes autos, com fundamento na não sujeição à verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo das comissões cobradas a título de Taxa Multilateral de Intercâmbio (“TMI”) e de comissões interbancárias pela utilização de TPA’s e ATM’s.

 

            14. O objecto e os efeitos jurídicos subjacentes a cada um dos processos são distintos,

pelo que inexiste o risco de contradição que está na génese da excepção de litispendência. Neste sentido, porque não se verifica a tríplice identidade exigida nos termos dos artigos 580.º e 581.º do CPC, julga-se improcedente a excepção dilatória de litispendência invocada pela Requerida.

 

            15. A título subsidiário, requereu a AT que fosse determinada a suspensão destes autos por existir uma relação de prejudicialidade ou dependência face ao processo arbitral n.º 358/2022-T, já que “a decisão de reconhecer como custo o IS objeto de correção dependente absolutamente da decisão a proferir sobre a legalidade da liquidação desse mesmo imposto”.

 

            16. Quanto a este ponto, começou o Requerente por referir no exercício do direito ao contraditório que após a realização da acção de inspecção tributária foram emitidos actos de liquidação adicional de IS, referentes ao ano de 2018, que reflectem de forma definitiva as correcções efectuadas pelos SIT. No entanto, segundo o Requerente, não foi feita a correcção simétrica que se exigia quanto ao IRC do exercício de 2018, sendo que a apreciação de tal ilegalidade não depende do julgamento de outra acção já proposta, pelo que não estaria verificado o disposto no n.º 1 do artigo 272.º do CPC. Referiu ainda o Requerente que na eventualidade de ser decretada a suspensão do processo até ao trânsito em julgado da decisão do processo arbitral n.º 358/2022-T, a suspensão teria igualmente de abranger o trânsito em julgado da decisão do processo de impugnação judicial n.º .../22.0BEPRT, já que em ambos se discute a ilegalidade dos actos de liquidação de IS referentes ao ano de 2018.

 

            17. Ora, a suspensão do processo por determinação do Tribunal pode ocorrer nos casos em que a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado, nos termos do artigo 272.º, n.º 1 do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, alínea e) do RJAT.

 

            18. É certo que os presentes autos, o processo arbitral n.º 358/2022-T e o processo de impugnação judicial n.º .../22.0BEPRT têm por base a mesma acção inspectiva, contudo, aqueles processos não configuram causa prejudicial face à decisão que cabe aqui tomar, já que a ilegalidade a apreciar reporta-se apenas e exclusivamente à falta de correcção simétrica em sede de IRC que o Requerente entende que deveria ter resultado das correcções feitas pelos SIT em sede de IS, a qual depende da aplicação das concretas regras previstas no código do IRC para a dedutibilidade de gastos de natureza fiscal.

 

            19. Acresce que a suspensão do processo é uma faculdade do Tribunal que não deve ser utilizada nas situações em que os prejuízos da suspensão superem as respectivas vantagens, conforme previsto no artigo 272.º, n.º 2 do CPC, o que sempre ocorreria no presente caso. Veja‑se que a arbitragem tributária tem como um dos principais objectivos imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem os sujeitos passivos e a AT, determinando o artigo 21.º do RJAT que a decisão arbitral terá de ser proferida no prazo máximo de um ano. Ora, a suspensão dos presentes autos até que transite em julgado a decisão do processo de impugnação judicial n.º .../22.0BEPRT poderia, eventualmente, vir a colocar em causa o cumprimento daquele prazo, o que implicaria uma clara negação do propósito de celeridade e de obtenção de uma tutela jurisdicional efectiva num prazo razoável subjacente à arbitragem tributária. Nestes termos, julga-se improcedente o pedido de suspensão dos autos formulado pela Requerida.

 

            20. Não existem outras nulidades, excepções ou questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

IV. DO MÉRITO

 

IV.1. MATÉRIA DE FACTO

IV.1.1. Factos provados

 

            21. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  1. O Requerente é uma instituição de crédito que se dedica à actividade de comércio bancário;
  2. O Requerente está integrado no grupo dos contribuintes de elevada relevância económica e fiscal, nos termos previstos no artigo 68.º-B da LGT, cujo acompanhamento permanente e gestão tributária competem à Unidade dos Grandes Contribuintes, de acordo com o disposto no Anexo I do Despacho da Directora‑geral da AT n.º 977/2019, de 28/1, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 19, Parte C, de 28/172019;
  3. O Requerente foi objecto de uma acção de inspecção externa, de âmbito geral, ao exercício de 2018, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2020...;
  4. O Requerente foi notificado do relatório de inspecção tributária, através do Ofício n.º ..., de 28 de Dezembro de 2021, do qual resultaram correcções à matéria colectável em sede de IRC e ao IS relativo ao ano de 2018;
  5. Foram as seguintes as correcções apuradas em sede de IRC:

Ponto

Descrição da Correcção

Montante (€)

III.

1.1.

Fundo de Pensões de Contribuição definida (art. 23.º do CIRC)

-170.507,96

III.

1.2.

Dedução indevida para efeitos de determinação do lucro tributável – Juros indemnizatórios (art. 20.º do CIRC)

334.011,68

III.

1.3.

Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato (alínea a) do n.º 3 do art. 64.º do CIRC)

A – Imóveis em que o sujeito passivo accionou o procedimento previsto no art.º 139.º do CIRC

1.210.123,82

B – Imóveis em que o sujeito passivo não accionou o procedimento previsto no art.º 139.º do CIRC

814.788,56

III.

1.4.

Correcções relativas a créditos desreconhecidos do activo em anos anteriores, recuperados em 2018 (n.º 2 do art. 18 do CIRC)

313.778,72

III.

1.5.

Regime de Participation Exemption (art. 51.º do CIRC)

5.709.330,74

III.

1.6.

Correcção pelo adquirente do imóvel quando adopta o VPT para a determinação do resultado tributário na respectiva transmissão (alínea b) do n.º 3 do art. 64.º do CIRC)

A – Imóveis adquiridos sobre arrematação judicial

2.472.149,63

B – Não utilização do VPT definitivo nem do valor do acto à data de aquisição

36.770,07

C – Imóveis adquiridos antes da vigência do art. 64.º do CIRC

79.113,77

III.

1.7.

Perdas por imparidade em créditos e benefícios pós emprego ou a longo prazo de empregados dedutíveis com o limite do montante do lucro tributável, calculado antes da dedução destes gastos e variações patrimoniais negativas (n.º 1 do art. 4.º do REAID)

- 10.799.559,03

 

  1. Foram as seguintes as correcções apuradas em sede de IS:

Ponto

Descrição da Correcção

Montante (€)

III.

2.1.

RETENÇÕES NA FONTE – IS

 

III.

2.1.1.

Taxa de Serviço do Comerciante (n.º 1 do art.1.º do CIS - verba 17.3.4 da TGIS)

303.719,36

III.

2.1.2.

Taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM's (n.º 1 do art. 1.º, n.º 1 do art. 9.º e n.º 1 do art. 22.º, todos do CIS e verba 17.3.4 da TGIS)

1.005.075,0

 

 

IS - Total de Imposto em Falta

1.308.794,36

         

 

  1. Na sequência das referidas correcções, o Requerente foi notificado do acto de liquidação de IRC n.º 2022... e da demonstração de acerto de contas n.º 2022..., referentes ao período de tributação de 2018, tendo sido apurado o montante de imposto a reembolsar de € 163.533,33;
  2. Em 5 de Julho de 2022, o Requerente apresentou o presente pedido de constituição de Tribunal Arbitral, no qual apenas contestou as correcções do RIT relativas aos pontos III.1.5, no montante de 5.709.330,74 e III.1.6, no montante de € 2.588.033,47, tendo ainda contestado o não reconhecimento do custo fiscal com IS decorrente das correcções daquele no âmbito da inspecção tributária, no montante de € 1.308.794,36, perfazendo um valor total de € 9.606.158,57.

 

IV.1.2. Factos não provados

 

            22. Com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que devam considerar-se como não provados.

 

IV.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

23. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

24. Considerando as posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados, a prova documental e o processo administrativos juntos aos autos, respectivamente, pelo Requerente e pela Requerida, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados.

 

IV.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

IV.2.1. Ordem do conhecimento dos vícios

 

            25. Tendo presente o thema decidendum anteriormente descrito, cumpre fixar a ordem de conhecimento dos vícios. Uma vez que o Requerente não invocou vícios que impliquem uma eventual declaração de inexistência ou nulidade dos actos de liquidação impugnados, será seguida na decisão arbitral a ordem de vícios indicada pelo Requerente no pedido arbitral, em conformidade com o disposto no artigo 124.º do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT.

 

IV.2.2. Correcção pelo adquirente do imóvel quando adopta o VPT para a determinação do resultado tributário na respectiva transmissão – artigo 64.º, n.º 3, alínea b) do Código do IRC

 

a) Imóveis adquiridos sob a forma de arrematação judicial - € 2.472.149,63

 

            26. No pedido de pronúncia arbitral, entendeu o Requerente que relativamente aos imóveis que alienou no período de tributação de 2018 e que tinha previamente adquirido por arrematação judicial, se impunha a consideração do VPT definitivo no apuramento do lucro tributável, sempre que tal valor fosse superior ao valor constante do acto ou do contrato. Segundo o Requerente, não resulta do artigo 64.º do Código do IRC a remissão para as regras de apuramento do valor tributável para efeitos de IMT, designadamente para a regra 16.ª do n.º 4, do artigo 12.º do Código do IMT, mas sim uma remissão para o VPT, cujo conceito se encontra previsto no artigo 7.º, n.º 1, do Código do IMI. Referiu ainda o Requerente que o VPT definitivo será o valor determinado pela última avaliação efectuada a cada imóvel, pelo que no momento da alienação a mensuração fiscal do imóvel para efeitos do artigo 64.º do Código do IRC se faz pelo VPT actualizado quando este seja superior ao custo de aquisição, não fazendo sentido, face à letra da lei, repristinar um VPT expirado e desactualizado.

 

            27. Em sede de alegações suscitou ainda o Requerente, pela primeira vez, que a interpretação da expressão “valor patrimonial tributário definitivo do imóvel” enquanto “preço constante do acto ou do contrato e que serviu de base à liquidação de IMT” era inconstitucional. Isto na medida em que a AT teria extravasado o sentido literal do conceito de VPT definitivo ínsito no artigo 64.º, n.º 2 e n.º 3, alínea b), do Código do IRC, efectuando uma “interpretação correctiva” que não seria admissível por estar em causa uma norma que releva para questão substantiva do apuramento do quantum do imposto, sob pena de violação do princípio da legalidade em matéria de impostos que se extrai dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

 

            28. Pelo contrário, entendeu a Requerida que as correcções dos SIT eram legais, já que o artigo 64.º, n.º 3, alínea b) do Código do IRC tem de ser interpretado em conjugação com o disposto na regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT. No entender da Requerida, também não assiste razão ao Requerente quando invoca que o VPT definitivo a ter em conta é aquele que se encontrava em vigor na data em que alienou os imóveis. Para a Requerida, o VPT definitivo a que se refere o artigo 64.º do Código do IRC é aquele que vigorava ao momento da aquisição do imóvel, sob pena de se desvirtuar a intenção legislativa de repercutir no lucro tributável os valores de mercado dos bens imóveis objecto de transmissão. De acordo com a Requerida, só assim se garante que o ajustamento a efectuar pelo alienante, caso o VPT definitivo seja superior ao valor constante do contrato, corresponde exactamente ao que o adquirente aproveita no momento da transmissão do imóvel.

 

            29. A questão que se coloca a este respeito é, portanto, a de saber se na aplicação da correcção prevista no artigo 64.º, n.º 3, alínea b) do Código do IRC se deve considerar enquanto VPT definitivo o valor que consta do acto ou contrato no momento da aquisição do imóvel por arrematação judicial com base numa aplicação conjugada da regra 16.ª, do n.º 4, do artigo 12.º do Código do IMT ou, pelo contrário, se o VPT definitivo a considerar é o do valor que tiver sido fixado na última avaliação do imóvel que vigorava à data da sua alienação.

 

            30. A controvérsia em torno desta questão, que deu azo a decisões arbitrais contraditórias, encontra-se actualmente resolvida através do acórdão de uniformização de jurisprudência, proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) em 19 de Outubro de 2022, no âmbito do processo n.º 077/22.8BALSB, no qual se determinou o seguinte:

Avançando, no que diz respeito à primeira questão enunciada nos autos, ou seja, “no caso dos imóveis alienados e adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, mediante arrematação judicial ou administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, o valor que serviu de base à liquidação do IMT, para efeitos do artigo 64.º, n.ºs 2 e 3, do Código do IRC, é o VPT definitivo ou o preço constante do ato ou do contrato, conforme determina a regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT”, temos que a primeira das normas apontadas - art. 64º do CIRC - afasta-se da contabilidade e do preço declarado pelos contribuintes, na medida em que dispõe que o preço de venda (para cálculo das mais valias imobiliárias do vendedor) será o maior entre o VPT e o preço declarado (mesmo que real, evidentemente).

 

Na verdade, como é sabido os factos tributários em IRC assentam, em geral, nos preços reais e efectivos das transacções, tal como são declaradas pelas partes - e documentadas pela contabilidade, não podendo escamotear-se que em relação aos imóveis há uma enorme distorção a esta regra geral, até porque deparamos, em geral, com transacções que envolvem valores elevados e, sobretudo, porque nas transmissões de imóveis, comprador e vendedor podem ter um interesse alinhado em potencialmente defraudar o Estado, através da manipulação do preço, declarando no contrato um preço inferior ao real, que permite ao vendedor poupar IRC e ao comprador poupar IMT.

 

Nesta sequência, surge o modelo descrito no art. 64º do CIRC para ambos os contraentes, de acordo com o qual o VPT (quando superior ao preço do contrato) prevalece, em imposto de rendimento (CIRC), para o “alienante e adquirente” (nº 1 e 3 da norma apontada).

 

Pois bem, no que concerne à aplicação do modelo no caso dos autos importa notar que o nº 2 da norma em apreço determina que para efeitos de determinação do lucro tributável nas transmissões onerosas de imóveis referidas no nº 1, sempre que o valor do contrato seja inferior ao VPT definitivo, então é esse o que deve ser considerado tanto para o adquirente como para o alienante, sendo que o sujeito passivo deve efectuar “uma correcção correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato” que, por força do corpo no nº 1 do art. 64º, tem que ser o valor que serviu ou serviria de base para a liquidação do IMT.

 

Ora, é neste ponto que a decisão arbitral recorrida, e bem, introduz na discussão a norma decorrente do artº 12º do CIMT que prevê na regra 16ª do nº 4 que para efeitos desse imposto (IMT) o valor a considerar nos casos de aquisição de imóveis por dação em pagamento ou ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, mediante arrematação judicial ou administrativa, ou adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos de revitalização sob controlo judicial, é o valor do contrato, pelo que para efeitos do art. 64º do CIRC temos que aceitar como valor patrimonial definitivo o que serve ou serviria de base à liquidação de IMT na alienação destes imóveis (cfr. Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág. 549, em anotação ao art. 64º).

 

Aliás, a decisão arbitral recorrida encontra a razão de ser da posição assumida no Ac. deste Supremo Tribunal de 05-11-2014, Proc. nº 01508/12, www.dsgi.pt, onde se aponta que “as razões de perigo de evasão ou fraude fiscal no que respeita à declaração do valor real das transacções não existirão, por regra em condições normais, quando o facto tributário sujeito a imposto for a aquisição de imóveis ou direitos sobre eles ao Estado, Regiões Autónomas e Autarquias Locais.” E, citando José Maria Fernandes Pires (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2010, pág. 211/213), acrescentava: “pelas mesmas razões referidas, a Lei manda alargar a sua aplicação a outras aquisições sujeitas a imposto em que essas entidades intervenham. É o caso das arrematações judiciais ou administrativas de bens imóveis”.

 

Assim sendo, referindo a norma que as transmissões em causa são as do número anterior e que o número anterior se refere ao valor tributário definitivo que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT, então não restam dúvidas de que o CIRC não contém qualquer conceito de valor patrimonial tributários definitivo diferente daquele que serve de base à liquidação de IMT e que deve servir de base às correcções do art. 64º.

 

Deste modo, em termos de determinação do valor para efeito de IRC, temos de concluir que no respeitante aos imóveis adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias Locais ou mediante arrematação judicial ou administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, o valor que serviu de base à liquidação de IMT não é o VPT definitivo, mas sim o preço constante do acto ou contrato, dando expressão ao art. 64º do CIRC em conjugação com o que decorre da regra 16ª do nº 4 do art. 12º do CIMT.

 

Note-se que este Supremo Tribunal, no âmbito do Ac. de 21-11-2019, Proc. nº 0816/08.0BECBR 0558/17, www.dgsi.pt, com referência a esta mesma matéria, entendeu que se justificava a aplicação do disposto no parágrafo 16 do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, correspondendo o valor a atender ao preço constante do contrato, para efeitos de IMT e, consequentemente, para efeitos de IRC.

 

Neste domínio, cabe ainda ter presente que a decisão fundamento no âmbito do Proc. nº 105/2021-T reconhece que o artigo 12.º do Código do IMT fixa uma regra própria para a fixação do valor tributável relativamente a imóveis adquiridos mediante arrematação judicial, fazendo-o coincidir com o preço do acto ou do contrato, significando que, nesse caso, fica afastada a regra geral do n.º 1 desse artigo, não havendo que tomar em consideração o valor patrimonial tributário. Isto é, em geral, o IMT incide sobre o maior dos valores a considerar de entre o valor do contrato ou o valor patrimonial tributário (n.º 1) e bem assim que nas situações consideradas na falada norma da subalínea 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT não subsistam as razões de perigo de evasão ou fraude fiscal no que respeita à declaração do valor real das transacções, pelo que não se torna necessário comparar o valor declarado com o valor patrimonial (cfr. JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, Lições de Impostos sobre o Património e o Selo, Coimbra, 2010, pág. 211), mas depois, sem grande convicção, alude a uma derrogação do nº 3 do art. 64º do CIRC, quando o que está em causa é precisamente a aplicação de tal norma e o funcionamento da fórmula que aí se encontra prevista para determinar o lucro tributável em IRC quando haja lugar à transmissão onerosa.”.

 

            31. Com base nestas considerações, concluiu o STA nos seguintes termos:

No respeitante aos imóveis adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias Locais ou mediante arrematação judicial ou administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, o valor que serviu de base à liquidação de IMT não é o VPT definitivo, mas sim o preço constante do acto ou contrato, dando expressão ao art. 64º do CIRC em conjugação com o que decorre da regra 16ª do nº 4 do art. 12º do CIMT.”.

 

            32. Tendo presente a posição do STA, à qual se adere e cujos argumentos não cumpre replicar por tal se afigurar um acto inútil e proibido no processo (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil e artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), cumpre apenas sublinhar que “o momento a atender para apuramento do VPT definitivo é o da aquisição dos imóveis pelo impugnante (e não o da sua alienação a terceiros) porquanto é esse e não outro o momento da aquisição efetiva dos bens e logo o momento relevante para a aferição da existência da obrigação corretiva imposta pela alínea b) do nº 3 do artigo 64º, do CIRC”, conforme evidenciou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 14 de Março de 2022, no âmbito do processo n.º 44/2021-T.

 

            33. Nestes termos, sem necessidade de maiores concretizações, entende este Tribunal Arbitral que é improcedente o vício de violação de lei invocado pelo Requerente a respeito desta correcção, já que o “VPT definitivo” a ter em conta no cálculo do resultado tributário referente à transmissão de imóveis adquiridos por arrematação judicial é o valor que consta do acto ou do contrato, determinado no momento da aquisição, conforme resulta da aplicação conjugada do artigo 64.º do Código do IRC e da regra 16.ª, do n.º 4, do artigo 12.º do Código do IMT.

 

            34. De igual modo, considera este Tribunal que não assiste razão ao Requerente quanto ao vício de inconstitucionalidade invocado em sede de alegações finais, já que os SIT não efectuaram qualquer “interpretação correctiva” da norma constante do artigo 64.º, n.º 2 e n.º 3, alínea b), do Código do IRC. Pelo contrário, os SIT limitaram-se a aplicar no caso concreto as regras interpretativas vigentes no ordenamento jurídico, designadamente no artigo 11.º da Lei Geral Tributária e no artigo 9.º do Código Civil.

 

            35. No que respeita ao processo interpretativo que se impõe na aplicação do direito registou o STA, no acórdão proferido em 16 de Fevereiro de 2005, no âmbito do processo n.º 035/05, o seguinte:

“(…) na actividade interpretativa, a letra da lei constitui o primeiro passo da interpretação, constituindo simultaneamente seu ponto de partida e seu limite – cfr. art. 9º do CC.

Mas, assim sendo, o intérprete não pode limitar-se ao sentido aparente e imediato, ao seu sentido literal, antes tendo que perscrutar a sua finalidade, em suma, o seu sentido e força normativa...

Pelo que, para se fixar o sentido e alcance da norma jurídica, intervêm, para além, desde logo, do elemento gramatical (o texto ou letra da lei) elementos vários que a doutrina vem considerando: de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.

Consiste este na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma.

Como escreve Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, págs. 182/183, “o conhecimento desse fim, sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.) em que a norma foi elaborada ou da cojuntura político-económico-social que motivou a “decisão” legislativa (ocasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma. Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a “valoração” ou a ponderação de diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime. Sem esquecer, ainda, que, pela descoberta daquela “racionalidade” que (por vezes inconscientemente) inspirou o legislador na fixação de certo regime jurídico particular, o intérprete se apodera de um ponto de referência que ao mesmo tempo o habilita a definir o exacto alcance da norma e a advinhar outras situações típicas com o mesmo ou diferente recorte”.

Toda a norma assenta, pois, num certo fundamento ou razão de ser que é a finalidade a que se dirige, sendo a ratio legis reveladora da valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina.

Por sua vez, o elemento sistemático “funda-se na circunstância de que um preceito jurídico não existe por si só, isoladamente, antes se encontrando ligado a vários outros de modo a constituírem todos eles um sistema”, podendo a sua confrontação “vir a revelar um nexo de subordinação, uma relação de analogia ou paralelismo (lugares paralelos) ou ainda um certo grau de conexão”.

Cfr. parecer da PGR, de 27/02/2003 in DR, II série, de 05/08/2004, que, aliás, aqui se segue de perto” (Acórdão desta Secção do STA de 13/10/04, in rec. nº 950/04).”.

 

            36. Ora, o que os SIT fizeram foi precisamente conjugar o elemento gramatical da norma com o seu elemento lógico (composto pelos elementos sistemático, histórico e teleológico), daí extraindo o resultado interpretativo segundo o qual o conceito de “VPT definitivo que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT” que consta do artigo 64.º do Código do IRC, corresponde ao valor de aquisição efectivo dos imóveis determinado no âmbito da arrematação judicial e que é o valor sobre o qual é liquidado o IMT.

 

            37. O que não faria sentido era desconsiderar todo o elemento lógico da interpretação para sustentar um resultado interpretativo que não é conforme com a ratio legis da norma e que se revela incoerente do ponto de vista histórico-sistemático. Veja-se que o objectivo do artigo 64.º do Código do IRC é o de assegurar que os sujeitos passivos não praticam, nas transmissões de imóveis, valores inferiores aos de mercado, utilizando-se o referencial do VPT como forma de assegurar essa conformidade. Acontece que nos casos de imóveis adquiridos por meio de arrematação judicial não se colocam aquelas preocupações anti-abuso, uma vez que os preços são fixados e/ou controlados no âmbito do próprio processo de arrematação, pelo que o preço praticado corresponde ao preço real e efectivo. Nestes casos, o valor a ter em conta na liquidação do IMT é o valor do contrato ou do acto e não o valor patrimonial que consta da matriz, conforme resulta da regra 16.ª, do n.º 4, do artigo 12.º do Código do IMT. Por conseguinte, uma interpretação meramente literal redundaria numa tributação sobre um valor artificialmente determinado (o VPT constante da matriz), quando nem se coloca o eventual abuso que convoca a aplicação do artigo 64.º do Código do IRC, o que não seria admissível perante o princípio da tributação sobre o rendimento real previsto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP.

 

            38. Não se verificam, assim, os vícios de inconstitucionalidade invocados pelo Requerente a este respeito, julgando-se em conformidade parcialmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

b) Não utilização do VPT definitivo nem do valor do acto à data de aquisição: imóveis adquiridos por rescisão antecipada do respectivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros – € 36.770,07

 

            39. Quanto a este ponto, alegou o Requerente que as correcções feitas pelos SIT quanto aos imóveis em relação aos quais se verificou uma rescisão antecipada dos respectivos contratos de locação financeira imobiliária e que foram posteriormente alienados a terceiros eram ilegais por violarem o princípio do primado da substância sobre a forma na aplicação do artigo 64.º do Código do IRC.

 

            40. No entender do Requerente, aquela norma não circunscreve os seus efeitos à aquisição da propriedade plena de imóveis, referindo-se a quaisquer transmissões onerosas de direitos reais sobre bens imóveis, das quais resultou a obtenção de rendimentos com a operação de transmissão. Neste sentido, defendeu o Requerente que aquela norma se aplicava aos contratos de leasing, já que nestes se verifica, aquando da resolução contratual, a “transmissão” da “propriedade económica” do imóvel do locador para o locatário, conforme evidenciado pela contabilidade. De acordo com o Requerente é este o efeito que resulta da extinção do direito do locatário à “propriedade económica” do imóvel, com a recuperação pelo locador da propriedade plena mediante o pagamento de uma contrapartida monetária correspondente ao capital em dívida.

 

            41. Nestes termos, concluiu o Requerente que se impunha a consideração do valor das rendas vincendas à data da resolução antecipada dos contratos de leasing como valor de aquisição para efeitos do artigo 64.º do Código do IRC, operando-se a correcção prevista naquele artigo sempre que o VPT definitivo à data da alienação (e não à data da aquisição) fosse superior ao montante de capital em dívida à data da rescisão do contrato.

 

            42. Pelo contrário, defendeu a Requerida que as correcções feitas pelos SIT eram legais, já que no seu entender não se verifica nos contratos de locação financeira uma transmissão da propriedade do imóvel da esfera do locador para o locatário, pelo que a recuperação do imóvel na sequência da resolução antecipada do contrato não constitui uma nova aquisição da propriedade. De acordo com a Requerida, os imóveis que são objecto dos contratos de leasing encontram-se registados no activo do Requerente desde o momento em que foram adquiridos, sendo que a transferência jurídica da propriedade sobre o imóvel locado ocorreu aquando da aquisição do imóvel, não se alterando tal facto pela circunstância de a fruição ter sido cedida a um terceiro (locatário) no âmbito de uma locação financeira. Concluiu assim a Requerida que para efeitos do ajustamento a efectuar pelo adquirente do imóvel, decorrente da adopção do VPT definitivo para a determinação do lucro tributável, aquando da alienação, nos termos do artigo 64.º, n.º 3, alínea b) do Código do IRC, é o VPT definitivo à data da aquisição do imóvel e não o valor das prestações vincendas que ficaram por liquidar na sequência da rescisão antecipada dos contratos de leasing.

 

            43. À semelhança do que se referiu quanto à correcção anterior, a resposta a esta questão também deu azo a que fosse proferida jurisprudência arbitral contraditória, que também foi objecto de uniformização no já citado acórdão do STA proferido em 19 de Outubro de 2022, no âmbito do processo n.º 077/22.8BALSB, tendo aquele Tribunal determinado o seguinte:

No que concerne à segunda questão em equação nos autos, ou seja, saber se, nos termos do artigo 64.º do Código do IRC, no caso dos imóveis adquiridos por rescisão antecipada do respectivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros, o valor de aquisição dos referidos imóveis deve ser o valor das prestações vincendas que ficaram por liquidar na sequência da rescisão antecipada, comparando-o depois com o VPT aplicável à data da alienação ao terceiro adquirente, ou o VPT da aquisição é o que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT no momento dessa aquisição, cabe adiantar que o presente recurso não conhece melhor sorte.

 

Na verdade, o próprio árbitro presidente que subscreveu a decisão fundamento no âmbito do Proc. nº 443/2021-T já abandonou a posição aí defendida, tal como se alcança da decisão arbitral nº 15/2022-T, onde começou por constatar o óbvio, ou seja, no âmbito dos contratos de locação financeira imobiliária, a locadora adquire um bem (imóvel, no caso), para o ceder ao locatário - que o poderá comprar decorrido o prazo acordado, sendo que, findo o contrato (e não exercendo o locatário a faculdade de compra), o locador (requerente) pode aliená-lo, entre outras coisas, o que significa que os imóveis (dados à locação) são propriedade da requerente.

Por outro lado, a resolução dos contratos de locação não provoca a transmissão jurídica da propriedade - que sempre foi do locador (requerente) -, mas a extinção dos direitos e obrigações associados à locação financeira imobiliária: pagamento de rendas, disponibilização da coisa…; ou seja, no momento da resolução do contrato de locação financeira não há qualquer transmissão de direitos reais sobre o imóvel, mas tão-só o retomar da plena posse do mesmo (e não da propriedade plena), para depois dizer que, em termos fiscais, a norma em causa - art. 64º do CIRC - só é adequadamente interpretada quando se foca o tema da locação no momento inicial de aquisição do imóvel - para o cálculo do preço de aquisição aquando da sua ulterior venda.

Deste modo, andou bem a decisão arbitral recorrida ao apontar que como o momento da aquisição se verifica quando o Banco adquire o bem imóvel objecto do contrato, os valores a considerar como sendo os valores patrimoniais tributários, dado o disposto no art. 64º do CIRC, são os correspondentes aos VPT que serviram ou serviriam de base à liquidação de IMT devido pelas respectivas aquisições, pelo que bem andou a AT em corrigir os valores de aquisição quando correspondente aos valores das prestações vincendas porque a isso se opõe uma mais adequada leitura do art. 64º do CIRC, até porque, nas situações de rescisão de contrato de leasing, com a consequente retoma dos imóveis que constituem o seu objeto, em circunstância nenhuma se pode considerar estarmos perante uma transmissão, nem sequer na perspectiva contabilística.

Como se refere na tal decisão arbitral 15/2022-T “… O argumento de base contabilística esgrimido pela requerente não prova a sua tese: a contabilidade opera a ficção de que o imóvel é (considerado) propriedade do locatário - o que não corresponde à realidade do direito, mas à realidade prática, por utilização pacífica do bem e por assunção dos riscos da coisa. E sobretudo, não se pode fazer o silogismo absoluto da dependência do IRC sob a contabilidade. Desde logo, a dependência é parcial - isto é, há situações em que o IRC diverge da solução contabilística, sempre que o indique e tal ocorre quando o interesse fiscal não é tutelado na dependência face à contabilidade, mas em discrepâncias e divergências. O tema das cláusulas antiabuso - e o art. 64.º do CIRC é exemplo claro desse tipo de disposições - é um dos campos em que tal acontece: a aceitação acrítica da contabilidade pode desembocar numa menor tributação, melhor dito, numa tributação menos equitativa e justa – e então a lei fiscal afasta-se do comando contabilístico. É neste referencial que se deve ler o art. 64.º do CIRC, aplicado ao caso dos autos – prevalência de um valor normal (VPT) sobre o preço real. Assim, o valor de aquisição refere-se ao momento de compra do imóvel ao terceiro, para o dar à locação - só assim funciona a cláusula anti-abuso, como se viu; ainda que em termos contabilísticos se diga o oposto, assistindo-se a uma autonomia do IRC face à contabilidade, permitida pelo art. 17.º do CIRC. Além disso, a prevalência da substância não é um valor absoluto - o que prevalece é a composição entre a justiça e legalidade na tributação, descrita no art. 64.º do CIRC, ainda que se ceda na prevalência da substância, sendo certo, além disso, que o art. 11.º, n.º 3, da LGT não tem um conteúdo prescritivo, mas ou é considerada letra morta ou quanto muito um tópico para o legislador (e não para o intérprete), de atender à realidade económica na configuração do tipo e regras de incidência (Casalta Nabais, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2014, p. 208 e Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2015, p. 361).

Deste modo, resta apenas reiterar, como se decidiu, que “o valor a considerar é como estabelece o nº 1 do artº 64º, o que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT no momento da aquisição, porque no momento da rescisão do contrato, com a consequente consolidação do direito e propriedade, não há qualquer transmissão. A transmissão relevante dos contratos de leasing nestas circunstâncias é que ocorreu com a aquisição inicial do imóvel para o ceder mediante contrato ao locatário de tal contrato.”.

 

            44. Concluiu assim o STA a este respeito que:

Nos termos do artigo 64.º do Código do IRC, no caso dos imóveis adquiridos por rescisão antecipada do respectivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros, o valor de aquisição dos referidos imóveis deve ser o VPT da aquisição que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT no momento dessa aquisição.”.

 

            45. Ora, tendo em conta a jurisprudência do STA, com a qual se concorda e que deve aqui ser respeitada enquanto concretização dos princípios da segurança jurídica e da coerência sistemática, entende este Tribunal que assiste razão à Requerida. De facto, a rescisão antecipada do contrato de leasing não opera a transmissão da propriedade sobre o imóvel, pelo que não há nesse momento que aplicar a correcção prevista no artigo 64.º do Código do IRC

 

            46. Aquele efeito translativo da propriedade também não resulta do modo segundo o qual é feito o registo contabilístico do activo na esfera do locador e do locatário, pelo que é infundada a alusão feita pelo Requerente ao princípio do primado da substância sobre a forma.

 

            47. Este princípio contabilístico, que decorre do Sistema de Normalização Contabilística e das Normas Internacionais de Contabilidade (IAS/IFRS), visa contribuir para uma representação apropriada e fidedigna da posição financeira das entidades empresariais. Assim, o bem locado influencia o balanço quer do locador quer do locatário: enquanto o primeiro regista um valor de direitos de crédito a receber por via de rendas futuras, o segundo regista uma quantia que representa um activo fixo, já que se considera que o controlo sobre os benefícios esperados está na esfera do locatário enquanto utilizador económico do bem, o que não significa que o locatário detenha a propriedade jurídica do bem. A resolução do contrato muda tal contabilização, mas não desencadeia uma nova aquisição, com efeitos fiscais, do bem originariamente locado, cuja propriedade jurídica não saiu, durante a vigência da locação, da esfera do locador.

 

            48. Em suma, o direito de propriedade sobre o bem imóvel locado adquire-se com a sua aquisição original por parte do locador, não se verificando uma nova aquisição da propriedade sempre que ocorra um reingresso do bem na “esfera económica” do locador em resultado da resolução antecipada do contrato de leasing. Por conseguinte, ao não se verificar nestes casos um efeito jurídico translativo da propriedade, não há que aplicar a correcção prevista no artigo 64.º do Código do IRC, pelo que se julga improcedente a ilegalidade invocada a este respeito.

 

c) Imóveis adquiridos antes da vigência do artigo 64.º do Código do IRC – € 79.113,77

 

            49. Ainda a respeito das correcções feitas pelos SIT por referência ao artigo 64.º do Código do IRC, sustentou o Requerente que se se considera que aquela norma é aplicável a imóveis adquiridos antes da sua entrada em vigor, então terá de ser feito o ajuste ali previsto quer na esfera do alienante quer na esfera do adquirente, sob pena de se violar os princípios da tributação das sociedades pelo lucro real vertido no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e da igualdade tributária consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP.

 

            50. Em sentido contrário, alegou a Requerida que a posição defendida pelo Requerente assenta num erro de interpretação do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do Código do IRC. Segundo a Requerida, este artigo tem como objectivo ajustar o valor de aquisição contabilizado na esfera do adquirente aos valores normais de mercado. Assim, de acordo com a Requerida, se o VPT definitivo for superior ao valor constante do contrato à data de aquisição, a dedução que o Requerente tem de fazer, enquanto adquirente, no momento da transmissão do imóvel em 2018, deve corresponder exactamente ao acréscimo efectuado pelo sujeito passivo alienante no período de tributação em que vendeu os bens imóveis ao Requerente. Como a transmissão dos imóveis e a aquisição por parte do Requerente ocorreu antes de 2004, isto é, antes da entrada em vigor da norma, e como o sujeito passivo alienante, à data, não estava obrigado a efectuar na sua declaração de rendimentos a correcção prevista no artigo 64.º, n.º 3, alínea a) do Código do IRC, concluiu a Requerida inexistir fundamento para o Requerente proceder a qualquer ajustamento ao valor de aquisição destes imóveis, até porque qualquer ajustamento a efectuar nos termos da referida norma teria que ter por base o VPT definitivo em vigor na data de aquisição e nunca o VPT definitivo em vigor na data da alienação.

 

            51. Cabendo decidir, desde já se diga que quanto a este ponto também não assiste razão ao Requerente.

 

            52. O artigo 64.º do Código do IRC tem subjacente, como já anteriormente referido, um propósito anti-abusivo, assegurando que os sujeitos passivos não declaram nas transmissões de imóveis bens inferiores aos efectivamente declarados, impondo-se para o efeito que na determinação do lucro tributável em sede de IRC seja considerado como valor de transmissão/aquisição o valor do VPT definitivo caso seja superior ao valor declarado.

 

            53. Para assegurar tal propósito, determina‑se uma dupla correcção, que se concretiza em momentos distintos. Num primeiro momento, aplica-se a correcção prevista no artigo 64.º, n.º 3, alínea a), do Código do IRC na esfera do alienante (que neste caso corresponde aos sujeitos passivos que venderam os imóveis ao Requerente). Num segundo momento, aplica-se a correcção prevista no artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do Código do IRC na esfera do adquirente (que neste caso corresponde ao Requerente e que estará na posição de alienante quando vender os imóveis a terceiros).

 

            54. Com esta dupla correcção o legislador pretendeu garantir que a tributação da transmissão dos imóveis com base no valor do VPT e não no valor do contrato era fiscalmente neutra, porque simétrica entre alienante e adquirente. É essa a razão pela qual se determina no artigo 64.º do Código do IRC que o alienante irá acrescer ao lucro tributável a diferença positiva entre o VPT do imóvel e o valor do contrato e, posteriormente, o adquirente, quando vender o imóvel a terceiros, irá deduzir aquela mesma quantia.

 

            55. Ora, se os sujeitos passivos que alienaram os imóveis ao Requerente não procederam à correcção prevista no artigo 64.º, n.º 3, alínea a), do Código do IRC porque à data ela não era exigida, fica consequentemente inviabilizada, a correcção que o Requerente pretende fazer ao abrigo do artigo 64.º, n.º 3, alínea a), daquele código e que acabaria por implicar uma distorção da neutralidade fiscal que se procurou acautelar na concretização desde regime.

 

            56. Em sentido próximo ao aqui exposto, vejam-se as considerações do Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 26 de Abril de 2022, no âmbito do processo n.º 464/2021-T:

O que está aqui em causa é determinar qual o momento a que se atende na aplicação da alínea b) do nº 3 do artº 64º do CIRC no que se refere ao adquirente.

 

O artº 64º do CIRC faz questão de determinar no nº1 que as suas regras devem ser adotadas tanto ao alienante como ao adquirente dos direitos reais sobre imóveis.

 

Ou seja, até 2004 o CIRC não continha quaisquer regras sobre estas correções pelo que se põe a questão de saber se as mesmas podem ser aplicadas a aquisições anteriores em que a posterior transmissão ocorre já no âmbito da sua vigência, e se, como refere a AT, “não existe qualquer fundamento para o Banco proceder a qualquer ajustamento ao valor de aquisição destes imóveis, até porque qualquer ajustamento a efetuar nos termos da alínea b) do n.º 3 do art.º 64.º do CIRC, teria que ter por base o VPT definitivo em vigor na data de aquisição e nunca o VPT definitivo em vigor na data da alienação”, sendo que, antes da vigência do art.º 64.º do CIRC, não havia um patamar tido por objetivo que pudesse servir de limiar para esse efeito.

 

Contrariamente ao que acontecia no âmbito da redação do ex-artigo 58.º-A, o adquirente dos direitos reais sobre bens imóveis já não pode contabilizar os imóveis pelo valor patrimonial tributário (VPT) quando superior ao valor de aquisição, tendo de respeitar o conceito de custo de aquisição referido nos normativos contabilísticos. Portanto, como o imóvel já não pode ser contabilizado pelo VPT já não pode ser aceite o acréscimo de depreciações que resultavam dessa contabilização.

 

O que o Requerente pretende obter, no fundo, seria a retroação de um mecanismo para tempos em que ele não tinha equivalente, o que se afigura como não exequível.”.

 

            57. Por fim, cumpre apenas referir que a não aplicação do artigo 64.º, n.º 3, alínea a), do Código do IRC aos imóveis adquiridos antes de 2004 não implica uma violação dos princípios da tributação das empresas pelo lucro real e da igualdade tributária, previstos respectivamente nos artigos 104.º, n.º 2 e 13.º da CRP, uma vez que o montante que o Requerente pretende deduzir à matéria tributável do período de tributação de 2018 não corresponde a uma quantia que este tenha suportado, mas sim a um valor que iria neutralizar a correcção anteriormente feita na esfera do vendedor que, conforme se viu, não ocorreu nos casos aqui em análise.

 

            58. Em face do exposto, julgam-se improcedentes os vícios alegados pelo Requerente quanto a este ponto.

 

IV.2.3. Regime de participation exemption – artigo 51.º do Código do IRC

 

            59. Relativamente a esta correcção, começou o Requerente por contextualizar as operações em causa, referindo para o efeito que no exercício de 2018 auferiu rendimentos de dividendos que haviam sido registados contabilisticamente nos anos de 2016 e 2017. Os dividendos em causa foram distribuídos pelo Banco B..., S.A.R.L. (Angola), tendo sido pagos em Kwanzas e convertidos na contabilidade do Requerente para euros com base numa taxa utilizada pelo Requerente, uma vez que entre os anos de 2017 e 2018 o Banco de Portugal não deu cotação para a moeda oficial de Angola. De acordo com o Requerente, no momento em que foi feito o pagamento dos dividendos foi apurada uma variação cambial que se traduziu numa perda de € 36.783.777,17 e que concorreu para o apuramento do lucro tributável. Mencionou também o Requerente que em momento prévio ao recebimento contratou um forward cambial com o Banco B..., S.A.R.L., cujo valor nocional corresponde ao montante atribuído em kwanzas líquido do imposto pago, nos exercícios de 2016 e 2017, de modo a fixar o valor a receber (no futuro) e mitigar o risco cambial, que resultou numa cobertura cambial no montante de € 31.074,446,43 que concorreu para o apuramento do lucro tributável do exercício de 2018.

 

            60. Segundo o Requerente, a correcção feita pelos SIT no montante de € 5.709.330,74 – correspondente ao resultado da diferença entre o valor dos dividendos distribuídos (€ 111.861.591,59) e o valor contabilizado quanto a esta operação antes da aplicação do regime de participation exemption (€ 106.152.260,85) –, resultou de uma interpretação errónea do disposto nos artigos 23.º, n.º 1, e 51.º do Código do IRC. Isto na medida em que, no entender do Requerente, não resulta daqueles artigos que os valores da perda cambial e, bem assim, do forward cambial, estão abrangidos pelo regime de participation exemption previsto no artigo 51.º do Código do IRC, já que o mesmo apenas faz referência aos lucros e reservas e já não aos demais encargos subjacentes a estes. No entender do Requerente, se fosse intenção do legislador aplicar o regime de participation exemption aos encargos tidos com a obtenção dos rendimentos, então tê-lo-ia feito à semelhança do que sucede no artigo 51.º, n.º 6, do Código do IRC.

 

            61. A este respeito invocou ainda o Requerente que as perdas cambiais consistem num gasto que se enquadra no disposto no artigo 23.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) do Código do IRC, não sendo aplicável nenhuma norma que exclua a sua dedutibilidade no apuramento do lucro tributável, pelo que a correcção feita pelos SIT para além de violar os artigos já citados, seria ainda ilegal por violar os princípios da legalidade fiscal e da capacidade contributiva, estabelecidos nos artigos 103.º, n.º 2 e 104.º, n.º 2 da CRP.

 

            62. Por seu turno, registou a Requerida que o Requerente afectou positivamente o resultado líquido dos exercícios de 2017 e 2018, respectivamente, nos montantes de € 57.624.679,36 e € 43.050.753,07, perfazendo um valor total de € 100.675.432,43, ainda que tenha vindo a acrescer nas declarações Modelo 22 daqueles períodos um montante total de €111.861.591,59 referente ao valor dos impostos retidos, por forma a incluir o valor bruto dos rendimentos na base tributável.

 

            63. Prosseguiu a Requerida por mencionar que o Requerente afectou o resultado líquido positivamente pelo montante de € 106.152.260,859 (resultante da diferença entre o total dos rendimentos de dividendos no valor de € 111.861.591,59 e a variação cambial negativa de € 5.709.330,74.), mas, para efeitos fiscais e tendo em vista a eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos nos termos do artigo 51.º do Código do IRC, deduziu uma quantia superior, no montante de €111.861.591,59.

 

            64. Tendo isto presente, concluiu a Requerida que não pode o Requerente dissociar uma mesma operação, isto é, a atribuição e recebimento de dividendos abrangidos pelo regime de participation exemption, pelo que se aos dividendos atribuídos foi aplicado aquele regime, não tendo estes concorrido para efeitos de determinação do lucro tributável, então as diferenças cambiais directamente associadas a esses dividendos também não devem concorrer para efeitos de determinação do lucro tributável.

 

            65. Cabendo decidir, sublinha-se que a questão controvertida nos presentes autos respeita unicamente à legalidade da aplicação do regime de participation exemption previsto no artigo 51.º, n.º 1 do Código do IRC às variações cambiais apuradas aquando do recebimento de créditos por dividendos distribuídos anteriormente.

 

            66. No artigo 51.º, n.º 1 do Código do IRC determina-se que “[o]s lucros e reservas distribuídos a sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português não concorrem para a determinação do lucro tributável”, desde que se verifiquem os demais requisitos previstos naquela norma, cujo preenchimento nos presentes autos não é posto em causa.

 

            67. No restante regime jurídico previsto naquele artigo não se prevê, em momento algum, qualquer regra que determine a aplicação do regime de participation exemption aos gastos ou rendimentos associados aos lucros e reservas por ele abrangidos. Com efeito, se não existe no teor gramatical da norma qualquer elemento que permita extrair tal resultado interpretativo, não se poderá ter o mesmo como admissível porquanto “[n]ão pode (…) ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, conforme previsto no artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil.

 

            68. Na jurisprudência, entendimento semelhante foi adoptado pelo Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 21 de Fevereiro de 2021, no âmbito do processo n.º 440/2021-T, onde se concluiu o seguinte:

 

A Requerente inscreveu como gasto do exercício de 2017 a diferença desfavorável de câmbio resultante da distribuição de dividendos efetuada por uma sociedade relacionada, residente no Brasil, por efeito do intervalo de tempo decorrido entre a deliberação da distribuição dos dividendos e o seu efetivo pagamento.

 

A Autoridade Tributária não admitiu a dedução por considerar que os rendimentos em causa não estão sujeitos a IRC, por se encontrarem abrangidos pelo regime de participation exemption previsto no artigo 51.º, n.º 1, do CIRC, visto que o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC circunscreve os gastos dedutíveis àqueles que são incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

Dispõe o artigo 51.º, n.º 1, do CIRC que, desde que se verifiquem cumulativamente determinados requisitos, “os lucros e reservas distribuídos a sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português não concorrem para a determinação do lucro tributável”

 

A norma abrange a distribuição de resultados, abarcando a distribuições de dividendos e outras distribuições de lucros e a distribuição de reservas, e pretende transpor para o direito interno o artigo 4.º, n.º 1, da Diretiva 2011/96/UE do Conselho, de 30 de novembro de 2011, que prevê dois métodos alternativos para a eliminação da dupla tributação económica internacional: o método de isenção (alínea a)) ou o método de crédito de imposto (alínea b)).

 

O legislador nacional terá optado por uma das soluções possíveis (a isenção dos dividendos auferidos), ao consignar que os lucros e reservas distribuídos (aí se incluindo os dividendos) não concorrem para a determinação do lucro tributável (cfr. GUSTAVO LOPES COURINHA, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Coimbra, 2019, pág. 125).

 

E embora o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC prescreva que, “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC” - o que parece excluir prime facie a dedutibilidade dos gastos inerentes a rendimentos da empresa que que não concorram para o lucro tributável -, o certo é que, no caso, estamos perante uma norma específica destinada a eliminar a dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos, que tem a natureza de uma norma de isenção e não propriamente de uma norma de não incidência objetiva de imposto (idem, pág. 108).

 

E como se concluiu nos acórdãos proferidos nos Processos n.º 177/2019-T e 8/2019-T, a referência, no artigo 23.º, n.º 1 , do CIRC, a «rendimentos sujeitos a IRC» não pode ser entendida como uma fórmula abrangente da globalidade das situações de não tributação (incluindo isenções), mas como tendo visado excluir os gastos relacionados com rendimentos não incluídos no âmbito de incidência do IRC, designadamente os abrangidos por delimitações negativas expressas da incidência (como é o caso das previstas nos artigos 6.º e 7.º do CIRC).

 

Tendo a Autoridade Tributária baseado a não dedutibilidade dos gastos por diferença cambial desfavorável, relacionada com a distribuição de dividendos, na circunstância de os rendimentos subjacentes não se encontrarem sujeitos a IRC por efeito da aplicação do regime de participation exemption, a correção tributária, com tal fundamento, mostra-se ser ilegal.”.

 

            69. À semelhança do decidido naqueles autos, entende o presente Tribunal Arbitral que não existe fundamento legal para incluir no regime previsto no artigo 51.º do Código do IRC as variações cambiais associadas a distribuições de dividendos, sejam elas negativas (perdas cambiais) ou positivas (ganhos cambiais, tal como sucedeu com os rendimentos provenientes do forward cambial).

 

            70. Tendo isto presente, constata-se que as perdas cambiais suportadas pelo Requerente no âmbito da distribuição de dividendos feita pelo Banco B..., S.A.R.L. aqui em análise eram efectivamente dedutíveis no apuramento do lucro tributável do exercício de 2018, não só porque se encontram abrangidas pela cláusula geral prevista no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, mas também porque as “diferenças de câmbio” são um dos tipos de gasto expressamente previstos na alínea c), do n.º 2 daquele mesmo artigo. Acresce que a dedutibilidade deste conjunto de gastos não se encontra expressamente excluída nos termos do artigo 23.º-A do Código do IRC, não sendo de resto controvertido o cumprimento dos demais requisitos de dedutibilidade exigidos nos termos daquele código.

 

            71. Em face do exposto, julga-se procedente o vício de violação de lei invocado pelo Requerente a este respeito, impondo-se a anulação dos actos de liquidação de IRC contestados na concreta parte que concretizou este conjunto de correcções feitas pelos SIT.

 

IV.2.4. – Reconhecimento do custo fiscal com IS, no montante de € 1.308.794,36, decorrente da correcção de IS imposta em sede de inspecção tributária

 

            72. Por fim, referiu o Requerente que no âmbito da acção de inspecção tributária foi determinada a correcção de IS em falta quanto à Taxa de Serviço do Comerciante e quanto à TMI e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s, tendo os SIT apurado um imposto em falta no montante de € 303.719,36 e de € 1.005.075,00, respectivamente, que foram posteriormente vertidos no acto de liquidação adicional daquele imposto.

 

            73. No entendimento do Requerente, ao terem os SIT efectuado correcções em sede de IS e ao terem emitido o consequente acto de liquidação adicional, impunha-se que fosse feito o correspondente ajustamento em sede do IRC do exercício de 2018, considerando o montante liquidado adicionalmente em sede de IS como custo fiscal nos termos da alínea f), do n.º 1, do artigo 23.º do Código do IRC. Por não ter sido feita essa correcção, considerou o Requerente que a liquidação de IRC impugnada nos presentes autos é parcialmente ilegal.

 

            74. Em sentido oposto, começou a Requerida por enquadrar as correcções no âmbito do IS, sublinhando para o efeito que tanto a TMI como as comissões interbancárias referentes a operações realizadas com cartões bancários são qualificadas como comissões bancárias, correspondendo a prestações pecuniárias exigidas pelas instituições de crédito como retribuição por serviços por elas prestados no âmbito da sua actividade.

           

            75. Prosseguiu a Requerida por mencionar que em nenhuma destas operações o IS constitui encargo do Requerente, mas sim das entidades a quem são cobradas as referidas comissões e o correspondente IS devido, conforme resulta do disposto no artigo 3.º do Código do IS. Nestes termos, por entender que a TMI e que as comissões interbancárias foram suportadas pelos clientes do Requerente e não por este, concluiu a Requerida que o IS a elas associado não era dedutível em sede de IRC à luz do disposto no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea f), do Código do IRC.

 

            76. Quanto a este ponto, cumpre ter presente que se parte do pressuposto de que a TMI e as comissões interbancárias preenchem os pressupostos de incidência previstos no Código do IS e estão sujeitas à verba 17.3.4 da respectiva tabela geral, conforme determinado pelos SIT em sede de inspecção tributária. Dito isto, impõe-se compreender previamente se o IS constitui ou não um encargo suportado pelo Requerente, já que a resposta a essa questão influenciará o regime aplicável em sede de IRC.

 

            77. De acordo com o disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 2.º do Código do IS, são sujeitos passivos deste imposto as “[e]ntidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações”.

 

            78. Nos termos da alínea h), do n.º 1, do artigo 5.º do Código do IS, a obrigação tributária nasce nas “operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, no momento da cobrança dos juros, prémios, comissões e outras contraprestações”, recaindo sobre o sujeito passivo o dever de liquidar o imposto, conforme resulta dos artigos 23º, n.º 1, 41.º, 43.º e 44.º, n.º 1, todos do Código do IS.

 

            79. No artigo 3.º, n.º 1 do Código do IS determina-se que “o imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico”, que “[n]as restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, [corresponde] [a]o cliente destas”, conforme previsto na alínea g) do n.º 3 daquele mesmo artigo, e que “[n]as operações de pagamento baseadas em cartões, previstas na verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo, [se considera como aquele titular] as instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras a quem aquelas forem devidas”.

 

            80. Significa isto que o IS não consiste num encargo do Requerente, que não o suporta e que o repercute nas instituições financeiras ou instituições de crédito com quem se relaciona.

 

            81. Em idêntico sentido vejam-se as considerações do Tribunal Arbitral feitos no acórdão proferido em 15 de Setembro de 2021, no âmbito do processo n.º 763/2020-T, onde decidiu o seguinte:

Assim, sendo sujeito passivo do imposto, compete ao Requerente a sua liquidação, por força do preceituado no n.º 1 do artigo 23º do CIS, invocado pela AT (artigo 25º da Resposta), se se encontrar em alguma das situações em que é devido Imposto do Selo.

 

Não é relevante para afastar a incidência subjetiva, apurar se o Requerente é sujeito passivo na qualidade de contribuinte direto ou substituto (duas das categorias previstas no n.º 3, do artigo 18.º da LGT), pois, em qualquer caso, independentemente de se saber quem detém a titularidade do interesse económico da operação, é sobre o Requerente que recai o ónus de liquidar e é apenas a este e não aos titulares dos cartões ou aos comerciantes que a Autoridade Tributária e Aduaneira pode exigir o pagamento do imposto.

 

Por outro lado, de harmonia com o disposto na alínea h), do artigo 5.º do CIS, nas operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a estas legalmente equiparadas, a obrigação tributária considera-se constituída no momento da cobrança das comissões e contraprestações, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira podia exigir ao Requerente o pagamento do Imposto do Selo.

 

Resulta deste regime que se está, nas relações entre o banco e as entidades a quem cobra comissões ou contraprestações, não perante situação de substituição tributária (que se efetua através de retenção na fonte do imposto liquidado pelo substituto, nos termos do artigo 20.º da LGT), mas antes perante situação em que se admite (e legalmente se pretende) a repercussão económica do imposto, sendo este, por facilidade de cobrança, exigido a quem não é o titular do interesse económico, mas está numa situação em que lhe é possível transferir o encargo para a esfera do titular do interesse económico no âmbito das suas relações privadas com este, ficando na disponibilidade do sujeito passivo efetuar ou não essa transferência, através da inclusão ou não do valor do imposto nos preços dos bens que lhe transmite ou dos serviços que lhe presta.

 

Em situações deste tipo, «o único responsável tributário, perante o Estado, pela falta de imposto liquidado é, em caso de divergência entre a pessoa que figura como sujeito passivo e a que figura como titular do interesse económico que tem o encargo do imposto, o sujeito passivo, e não o repercutido ou o titular daquele interesse económico (acórdãos arbitrais proferidos nos processos n.ºs 496/2017-T e 431/2018-T).

 

Assim, nem a alínea g) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS, nem o artigo 28.º da LGT são obstáculo à exigência do imposto ao Requerente (se se apurar que deve existir tributação).”.

 

            82. Estando assente que o IS não constituiu um encargo do Requerente mas sim de terceiros, cumpre finalmente aferir se o valor que lhe está subjacente é ou não dedutível no apartamento da matéria tributável em sede de IRC.

 

            83. Nos termos do artigo 23.º, n.º 1, alínea f), do Código do IRC são dedutíveis para efeitos de IRC os gastos de “natureza fiscal e parafiscal”. Não obstante, determina-se no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea f), daquele mesmo código que “[n]ão são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável (…) mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação (…) [o]s impostos, taxas e outros tributos que incidam sobre terceiros que o sujeito passivo não esteja legalmente obrigado a suportar”.

 

            84. Ora, tal como se verificou, o IS liquidado no presente caso consiste precisamente num imposto que não só incide sobre terceiros por via do fenómeno da repercussão jurídica, como consiste num imposto que por imposição legal deve ser suportado pelas instituições financeiras ou pelos comerciantes/clientes (e já não pelo Requerente). Consequentemente, entende-se que as correcções feitas pelos SIT em sede de IS não são dedutíveis em sede de IRC por força do disposto no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea f), daquele mesmo código.

 

            85. Em face do exposto, julga-se improcedente a ilegalidade invocada pelo Requerente a este respeito.

 

IV.2.5. Juros indemnizatórios

 

            86. No pedido arbitral requereu ainda o Requerente a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

            87. A este respeito, determina-se no artigo 43.º, n.º 1, da LGT que “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

            88. Nos presentes autos apenas se julgou procedente a ilegalidade suscitada pelo Requerente quanto às correcções do ponto IV. 2.3. da decisão arbitral, referentes à aplicação do regime de Participation Exemption às perdas cambiais. Tal ilegalidade é exclusivamente imputável aos serviços da AT, pelo que se considera serem devidos juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, conforme previsto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT.

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar improcedente a excepção dilatória de litispendência invocada pela Requerida;
  2. Julgar improcedente a ilegalidade invocada a respeito da correcção pelo adquirente do imóvel quando adopta o VPT para a determinação do resultado tributário na respectiva transmissão (ponto IV. 2.2. da decisão arbitral) e, bem assim, a ilegalidade invocada quanto ao reconhecimento do custo fiscal com IS (ponto IV. 2.4.);
  3. Julgar procedente a ilegalidade invocada a respeito da correcção referente à aplicação do regime de Participation Exemption às perdas cambiais (ponto IV. 2.3. da decisão arbitral) e, consequentemente, determinar a anulação parcial do acto de liquidação, condenando-se a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios;
  4. Condenar ambas as partes no pagamento das custas do presente processo, na proporção dos respectivos decaimentos, que se fixa em 59% para a Requerida e em 41% para o Requerente.

 

V. VALOR DO PROCESSO

           

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 9.606.158,57.

 

VI. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 119.340,00, sendo a parte a suportar pela Requerida de € 70.410,60 e a parte a suportar pelo Requerente de € 48.929,4, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de Março de 2023

 

A Árbitra Presidente,

 

Carla Castelo Trindade

(Relatora)

 

O Árbitro Adjunto,

 

Paulo Nogueira da Costa

 

O Árbitro Adjunto,

 

António Martins