Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 24/2022-T
Data da decisão: 2023-03-21  IRC  
Valor do pedido: € 11.612,47
Tema: Personalidade judiciária tributária — Sociedade comercial extinta — Caducidade do direito de liquidação — Fundamentação do ato de liquidação — Exercício do direito de participação procedimental.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

— I —

            A..., contribuinte fiscal n.º ..., na qualidade de representante fiscal da cessação de atividade da sociedade de que foi sócio único e que girou sob a firma B..., UNIPESSOAL, LDA., já extinta mas que teve o número de pessoa coletiva ... (doravante a “requerente”), veio deduzir pedido de pronúncia arbitral tributária contra a AUTO­RI­DADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “a AT” ou “a requerida”), peticionando a declaração da ilegalidade do ato de liquidação de IRC relativo ao ano de 2014 (Liquidação n.º 2019-...), e da correspondente liquidação de juros compensatórios, bem como do despacho de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra aquele ato tributário.

Para tanto alegou, em síntese, que, o ato de liquidação impugnado teria por destinatária a sociedade requerente tendo sido notificado na pessoa do representante fiscal desta para efeitos de cessação de atividade; que a liquidação foi efetuada depois de ultrapassado o prazo de caducidade; que foi preterido o exercício, pelo sujeito passivo, do direito de participação procedimental antes da prolação do ato de liquidação; e, finalmente, que tal ato se encontra ferido de vício de insuficiência de fundamentação.

Concluiu peticionando a declaração da ilegalidade e anulação do ato de liquidação de IRC em crise na presente arbitragem bem como da correspondente de liquidação de juros compensatórios.

Juntou documentos e procuração forense, declarando não pretender proceder à designação de árbitro. Atribuiu à causa o valor de EUR 11.612,47 e procedeu ao pagamento da taxa de arbitragem inicial.

*

            Constituído o Tribunal Arbitral, nos termos legais e regulamentares aplicá­veis, foi determinada a notificação da administração tributária requerida para os efeitos previstos no art. 17.º do RJAT.

            Depois de devidamente notificada, a requerida veio apresentar resposta defendendo-se por impugnação, sustentando, em síntese, que no âmbito do procedimento de inspeção n.º 012016... levado a cabo à requerente B... foram efetuadas em IRC correções técnicas à matéria tributável referente ao período de tributação de 2014, que deram origem à liquidação adicional de IRC n.º 2019... e respetiva liquidação de juros compensatórios, no valor global de EUR 11.612,47; que, com referência ao referido exercício, o prazo de caducidade esteve suspenso, tendo o respetivo termo ocorrido em 30-05-2019, por força da pendência da aludida ação inspetiva; que a sociedade inspecionada foi notificada, na pessoa do seu representante fiscal, para se pronunciar acerca do projeto de relatório da inspeção tributária, tendo nesse âmbito sido exercido o correspondente direito de participação procedimental; que, quanto à invocada falta de fundamentação, se deverá considerar que o dever de fundamentação dos atos administrativos terá sido satisfeito quando a motivação aduzida se mostrar apta a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinam a decisão, requisito que quer o ato tributário impugnado, quer a consequente liquidação de juros compensatórios preencheriam.

            Concluiu pela improcedência do pedido e sua consequente absolvição. Juntou um despacho de nomeação de mandatários forenses e a cópia eletrónica dos processos administrativos.

*

            Tendo-se dispensado a realização da reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, foi ordenada a notificação das partes para, querendo, produzirem alegações escritas quanto à matéria de facto e de direito, tendo ambas as partes procedido à sua apresentação, mantendo no essencial as posições por si já avançadas nos articulados. Nas suas contra-alegações, a requerida ofereceu ainda um documento novo, cuja junção foi admitida, tendo-se concedido à contraparte prazo para contraditório a respeito do mesmo, vindo a ser apresentadas alegações complementares nas quais se mantiveram no essencial as posições já manifestadas nas alegações anteriormente produzidas.

 

 

— II —

Revela-se, desde logo, como controvertida a situação jurídico-processual de uma sociedade já definitivamente extinta e, portanto, desprovida de personalidade jurídica. Não se questiona que, no plano substantivo, a entidade extinta é ainda ela mesma o sujeito passivo das relação jurídica tributária relativa a factos tributários ocorridos anteriormente à sua extin­ção, sem prejuízo da responsabilidade pelo pagamento dos tributos que sejam devidos poder recair sobre outros sujeitos (assim, cfr. Ac. STA 12-10-2022, P.º 218/13.6BEAVR). Questão diversa é a da personalidade judiciária de uma tal entidade já extinta — ou seja, a suscetibilidade dessa entidade poder ser sujeito processual numa ação de impugnação de ato tributário que diga respeito a facto anterior à sua extinção — na medida em que, à data da propositura de uma tal ação, essa entidade estaria já desprovida de personalidade jurídica e, por conseguinte, também de personalidade judiciária.

A jurisprudência fiscal tem vindo a reconhecer para esses casos, muito pontuais e bastante específicos do contencioso tributário, uma figura sucedânea da personalidade judiciária, que seria a personalidade judiciária tributária, postulando que deve o “art. 3.º, n.º 1, do CPPT ser interpretado no sentido de que a personalidade judiciária tributária resulta da atribuição da personalidade tributária a quem, em abstrato e nos termos da lei tributária, a possa ter” (Ac. STA 04-05-2022, P.º 2587/18.2BEBRG) e que “[t]em, por isso, personalidade judiciária tributária a sociedade comercial extinta nos termos da lei comercial, se no ato tributário lhe é atribuída personalidade tributária e das leis tributárias não resulta que, em abstrato, não a possa ter” (assim, cfr. Ac. STA 01-07-2020, P.º 1041/17.4BEBRG; Ac. STA 23-06-2021, P.º 219/13.4BEAVR).

Assim, há que concluir que a requerente B... tem personalidade judiciária tributária e se encontra devidamente representada na presente arbitragem pelo seu representante fiscal de cessação de atividade.

Também a requerida goza de personalidade judiciária e capacidade judiciária.

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Ambas as partes têm legitimidade ad causam e estão devidamente patrocinadas nos autos.

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            Nos termos do art. 97.º-A do CPPT, o valor atendível, para efeitos de custas, quando se impugne um ato de liquidação será o da importância cuja anulação se pretende.

            Ora, o valor que a requerente atribuiu à presente arbitragem, tendo presente o regime legal aplicável, foi de EUR 11.612,47, valor que não foi objeto de impugnação por parte da requerida. Na ausência de quaisquer outros elementos factuais que permitissem fixar à causa um valor diferente daquele que resulta do acordo das partes, não se antevê motivo para corrigir o montante indicado pela requerente e aceite pela requerida.

            Fixa-se assim à presente arbitragem o valor de EUR 11.612,47.

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Fixado que está o valor da causa e uma vez que a requerente optou por não proceder à designação de árbitro, dispõe o presente Tribunal Arbitral Singular de competência funcional e de competência em razão do valor para conhecer da presente arbitragem (art. 5.º, n.º 2, do RJAT).

Há também que concluir pela competência do presente Tribunal em razão da matéria por força do art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT e da vinculação à arbitragem tributária instituciona­lizada do CAAD por parte da administração tributária requerida, tal como resulta da Portaria n.º 112-A/2011.

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            Devidamente saneados os presentes autos, resulta assim que as questões de que importa nestes conhecer são então:

— a ilegalidade do ato tributário impugnado decorrente de vício de ilegitimidade procedimental em virtude de ter tido por destinatária a sociedade requerente, a qual à data se encontrava já extinta, bem como o correspondente procedimento tributário ter corrido no confronto desta sociedade;

— a ilegalidade do ato tributário impugnado decorrente de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, na medida em teria sido proferido já depois de caducado o poder de proceder à liquidação do tributo;

— a ilegalidade do ato tributário impugnado decorrente de vício de procedimento em virtude preterição do exercício do direito de partici­pa­ção procedimental;

— a ilegalidade do ato tributário impugnado decorrente de vício de fundamentação em virtude da insuficiência ou inexistência de motivação válida da liquidação operada por intermédio de tal ato.

 

 

— III—

FACTOS PROVADOS:

            Com relevância para o conhecimento das questões decidendas nos presentes autos consideram-se provados os seguintes factos:

  1. Por intermédio da inscrição n.º 2 da matrícula n.º..., em 21-04-2016 foi registada no registo comercial a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade B..., UNIPESSOAL, LDA., contribuinte fiscal n.º... .
  2. Nessa data foi designado A... como representante para fins fiscais da referida sociedade.
  3. Por intermédio da ordem de serviço n.º OI2016..., determinada por despacho de 12-05-2016 da Diretora de Finanças Adjunta C..., foi ordenada a instauração de uma ação de inspeção externa à sociedade requerente tendo âmbito geral e extensão correspondente ao exercício de 2014.
  4. Em 10-09-2018 a ordem de serviço referida em C. foi pessoalmente notificada ao representante fiscal referido em B.
  5. Em 04-01-2019 a requerente notificou a sociedade requerente, mediante comunicação expedida por via postal registada sob o registo postal n.º RH...PT, de um projeto de relatório de inspeção tributária relativo ao procedimento inspetivo referido em C.
  6. Em 22-01-2019 a sociedade requerente, por intermédio do representante fiscal referido em B.. outorgou procuração constituindo o ilustre Advogado Dr. D... como seu mandatário e a quem conferia os mais amplos poderes forenses em direito permitidos.
  7. Em 25-01-2019 A procuração referida em F. foi remetida aos serviços da requerida mediante correio eletrónico expedido do endereço ...@adv.oa.pt.
  8. Em 25-01-2019 a sociedade requerente veio ao procedimento tributário referido em C. exercer o seu direito de audição mediante requerimento subscrito pelo mandatário identificado em F. e entrado sob o n.º 2019....
  9. Através do ofício n.º ... datado de 07-02-2019, e expedido por via postal registada nessa mesma data sob o registo postal n.º RH ... PT, foi notificado o mandatário da sociedade requerente da conclusão dos atos de inspeção, com cópia da respetiva nota de diligência.
  10. O ofício referido em I. foi notificado ao mandatário da requerente em 11-02-2019.
  11. Nessa data de 07-02-2019 foi elaborado o relatório final do procedimento inspetivo referido C.
  12. Sobre o relatório referido em K. recaiu, em 08-02-2019 um despacho da Chefe da Divisão de Inspeção Tributária III da Direção de Finanças de Lisboa, sob invocação de competências subdelegadas, do seguinte teor:

Concordo com o teor do presente relatório e respetivo parecer do chede de equipa.

Dos fundamentos deles constantes resulta que se encontram verificados os pressupostos legais e de facto para, nos termos constantes dos artigos 16.º n.º 1 e 3 e, 17.º n.º 1, ambos do CIRC, do artigo 87.º do CIVA e art.º 128.º do CIRC, conjugados com os artigos 81.º e 82.º da LGT, proceder às correções técnicas propostas.

Nestes termos determino o apuramento e as correções à matéria tributável de IRC, do imposto IVA e das retenções de IRC em falta, conforme montantes e períodos propostos.

São ainda devidos juros compensatórios, nos termos do art.º 35.º da LGT.

Dê-se tramitação ao(s) Documento(s) corretivos.

Notifique-se o sujeito passivo nos termos do art.º 62.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA).

Lisboa, 8 de fevereiro de 2019.

A Chefe de Divisão

Por subdelegação da DF Adjunta

[assinatura autógrafa]

...- ITA

 

  1. O relatório referido em L. foi notificado à sociedade requerente, por intermédio do seu advogado constituído no procedimento, através do ofício n.º ... datado de 11-02-2019.
  2. O ofício referido em M. foi expedido por via postal registada em 11-02-2019 sob o registo postal n.º RH...PT.
  3. Em 21-02-2019 foi proferida a Liquidação n.º 2019-... com seguinte teor:

 

 

 

  1. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 27-02-2019, foi proferida liquidação de juros compensatórios e moratórios com seguinte teor:

 

 

  1. A liquidação referida em O. foi remetida em 27-02-2019 à sociedade requerente, na pessoa do representante fiscal referido em B., por via postal registada sob o registo postal n.º RY...PT.
  2. A liquidação referida em P. foi remetida em 27-02-2019 à sociedade requerente, na pessoa do representante fiscal referido em B., por via postal registada sob o registo postal n.º RY...PT.
  3. A notificação das liquidações referidas em O. e P. realizou-se a 04-03-2019.
  4. Em 06-06-2019, mediante requerimento entrado sob o n.º 2019..., a requerente apresentou, no Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira – ..., requerimento de interposição de reclamação graciosa, tendo por objeto o ato de liquidação referido em O.
  5. Por despacho da Chefe de Divisão..., proferido em 11-12-2019 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi negado provimento à reclamação graciosa referida em T.
  6. Da decisão referida em U. a requerente B... interpôs recurso hierárquico em data não concretamente apurada.
  7. Em 29-09-2021 a inspetora tributária E... elaborou informação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, da qual constava a seguinte proposta de decisão: “Tendo em conta o exposto nos pontos anteriores, será de indeferir o presente recurso hierárquico, mantando-se as correções efetuadas pelos serviços da inspeção da Direção de Finanças de Lisboa e a liquidação contestada.”
  8. Em 19-11-2021 a Chefe da Divisão de Administração da Direção de Serviços do IRC da requerida AT, proferiu sobre a informação/proposta referida em W. o seguinte despacho: “Concordo. [§] Indefiro o recurso hierárquico nos termos e com os fundamentos invocados.
  9. O despacho referido em X., assim como a informação/proposta sobre o qual foi proferido foi notificado à recorrente hierárquica, na pessoa do mandatário constituído no procedimento tributário, por intermédio do ofício n.º ... datado de 25-11-2021 e remetido por via postal registada nessa mesma data sob o registo postal n.º RF...PT.
  10. A notificação referida em Y. realizou-se em 29-11-2021.

 

 

FACTOS NÃO PROVADOS:

            Da factualidade alegada, ou daquela que cumprisse ao Tribunal conhecer oficiosamen­te, inexistem quaisquer outros factos que sejam relevantes para a decisão da causa de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão que forma o objeto da presente arbitragem, tal como delimitado em sede saneamento.

 

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

            Os factos dados como provados resultam demonstrados pela prova documental constante do Processo Administrativo instrutor relativo à ação de inspeção tributária (identificado nos autos como fascículos R5, R6 e R7), em especial de fls. 278 (factos C. e D.), fls. 162-164 (facto E.), fls. 40 (factos F.), fls. 159 (facto G.), fls. 154-156 (facto H.), fls. 28 e 32 (facto I.), fls. 43-ss. (factos K., L. e M.), fls. 41-42 (facto N.). Já os factos T.. U., V., W., X. e Y. foram dados como provados pelos documentos constantes dos fascículos RG1, RG2, RH1, RH2 e RH8 do Processo Administrativo. Por seu turno, os factos A. e B. do probatório foram dados como provados em face do teor da publicações oficiais do registo comercial junto como o documento n.º 3 oferecido com a petição inicial.

            Os factos O.. P., Q. e R. do probatório foram dados como provados pelos documentos juntos pela requerida com as suas contra-alegações. Com efeito desses documentos consta a cópia da demonstração da liquidação adicional de IRC impugnada nestes autos, da correspondente liquidação de juros compensatórios e, bem assim, da demonstração de acerto de contas. De cada uma daquelas duas primeiras demonstrações consta um número de registo postal correspondente à sua expedição por correio registado (RY...PT e RY...PT). Por outro lado, dessa documentação consta ainda uma guia de expedição de registos postais (com a referência ... e o n.º 2019/...) emitida pelo opera­dor do serviço postal universal (a empresa CTT), da qual resulta que a 27-02-2019 foram expedidos pela AT 68.435 objetos postais incluindo, para o que releva à economia da presente arbitragem, os objetos com os números de registo postal de RY...PT a RY...PT (assim, cfr. facto Q. do probatório) e de RY...PT a RY...PT (assim, cfr. facto R. do probatório), permitindo assim concluir efetivamente pela efetiva expedição postal, e respetiva data, dos referidos ofícios. Acresce que, contrariamente ao que sustenta a requerente, tais documentos não são meros prints do próprio sistema informático da AT: bem pelo contrário, trata-se de guias de expedição postal emitidas pelos CTT e que, sem margem para quaisquer hesitações, fazem prova bastante da expedição dos referidos objetos postais, bem como da data em que esta teve lugar.

            O facto S. foi dado como provado por força da presunção legal prevista no art. 39.º, n.º 1, do CPTT: provada que está a expedição das notificações por via postal registada em 27-02-2019 (factos Q. e R. do probatório), e uma vez que não foi feita qualquer prova que pudesse abalar o facto legalmente presumido, há que considerar que tais notificações se realizaram no primeiro dia útil subsequente ao terceiro dia posterior ao do registo postal (que não foi dia útil) — ou seja, a 04-03-2019. Idêntica motivação, mutatis mutandis, conduziu à demonstra­ção dos factos J. e Z. do probatório.

           

 

— IV—

DO VÍCIO DE ILEGITIMIDADE PROCEDIMENTAL,

            Invoca a requerente a ilegalidade da Liquidação Impugnada decorrente de ilegitimidade procedimental, na medida em que, sustenta, a sociedade requerente foi definitivamente extinta em 2016, tendo o ato tributário em causa sido proferido em 2019, em data em que o sujeito passivo já não tinha existência jurídica e, portanto, carecia quer de personalidade jurídica quer, por arrastamento, de personalidade tributária própria. Adianta que, após a extinção da sociedade, a posição desta nas relações jurídico-tributárias de que esta fosse titular teria sido assumida pelo seu sócio único, na qualidade de sucessor universal do património societário, devendo o ato tributário impugnado na presente arbitragem tê-lo tido a ele como destinatário e não já, como efetivamente sucedeu, uma sociedade extinta e sem personalidade jurídica.

            Sem embargo da argumentação invocada suscitar uma importante reflexão acerca da delimitação da personalidade tributária e se afigurar como pertinente e não desprovida de acerto, a verdade é que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativa é, hoje em dia, praticamente unânime em rechaçá-la.       

            Com efeito, como já foi afirmado em sede de saneamento a posição consensual na jurisprudência do Supremo acerca desta questão está sintetizada no Ac. STA 12-10-2022 (P.º 0218/13.6BEAVR), de cujo sumário consta:

I – Uma sociedade extinta continua a ser o sujeito da relação jurídica tributária relativamente aos factos tributários ocorridos no período temporal anterior à respectiva extinção, mesmo que a lei designe outros responsáveis pelo pagamento dos tributos que se venham a liquidar relativamente àquele período.

II – Nada na lei impede a AT de efectuar um acto tributário de liquidação de imposto já depois de extinto o sujeito passivo da obrigação jurídica tributária, ainda que o seu pagamento haja de ser exigido a outrem, que a lei designe como responsável pelo pagamento.

 

Esta jurisprudência encontra amplo e abundante respaldo em vários outros arestos do Supremo (assim, por todos, cfr. Ac. STA 04-05-2022, P.º 2587/18.2BEBRG; Ac. STA 01-07-2020, P.º 1041/17.4BEBRG; e Ac. STA 23-06-2021, P.º 219/13.4BEAVR).

            Portanto: à luz deste enquadramento jurisprudencial torna-se inevitável a conclusão de que, não obstante a sua extinção e carência de personalidade jurídica, as sociedades extintas mantêm ainda personalidade tributária quanto aos factos tributários ocorridos anteriormente à sua extinção, sem embargo de a responsabilidade de pagamento dos correspondentes tributos poder vir a recair sobre terceiros.

            Por conseguinte, inexiste a apontada ilegitimidade procedimental da requerente B..., devendo ser esta — e não os sucessores do seu património social — a destinatária de eventual ato de liquidação que tenha por objeto factos tributários anteriores à sua extinção e sendo também ela, devidamente representada pelo representante fiscal de cessação de atividade, quem deve figurar como sujeito procedimental no quadro dos procedimentos tributários destinados ao apuramento das responsabilidades fiscais pelos factos tributários anteriores à sua extinção e que lhe sejam imputáveis.

            Improcede assim este vício.

 

 

DO VÍCIO DE ERRO NOS PRESSUPOSTOS,

            Invoca ainda a requerente a existência de vício de violação de lei decorrente de erro nos pressupostos de facto e de direito na medida em que o ato de liquidação, ora impugnado, teria sido proferido já depois de esgotado o prazo de caducidade para o exercício do correspondente poder tributário, que seria de 4 anos nos termos do art. 45.º, n.º 1, da LGT. Assim, de acordo com a posição sustentada pela requerente, por dizer respeito ao IRC relativo ao exercício de 2014 o prazo de caducidade teria terminado a 31-12-2018, tendo o ato de liquidação em crise na presente arbitragem sido proferido a 21-02-2019, já muito após o termo daquele.

            A este vício contrapõe a requerida que, no caso concreto da presente arbitragem, o prazo de caducidade se visto a sua contagem suspensa por força da realização de uma ação inspetiva externa, conforme se prevê no art. 46.º da LGT.

            Importa decidir.

            Com efeito, o poder tributário para as administrações tributárias procederem à liquidação de quaisquer tributos está submetido a um prazo de caducidade que, de um modo geral, está estabelecido em quatro anos (art. 45.º, n.º 1, da LGT). No caso específico dos impostos periódicos (como é o caso do IRC, em causa nesta arbitragem) o dies a quo deste prazo quadrienal ocorre “a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário” (art. 45.º, n.º 4, da LGT). Por conseguinte, uma vez que está em causa o IRC relativo ao exercício de 2014, cujo termo ocorreu em 31-12-2014, o prazo de caducidade a que se refere o n.º 1 do art. 45.º da LGT terminaria a 31-12-2018.

            Quer isto dizer, portanto, que qualquer ato de liquidação relativo ao IRC do exercício de 2014 teria de ser notificado ao sujeito passivo da correspondente obrigação tributária até ao dia 31-12-2018 (assim, art. 45.º, n.º 1, da LGT).

            Porém, como muito bem salienta a requerida, este prazo de caducidade vê a sua contagem suspensa com a notificação ao sujeito do passivo do início de ação de inspeção externa, retomando a sua contagem com o termo desta ação, salvo se a duração deste ultrapassar seis meses, caso em que o prazo de caducidade se contará normalmente desde o seu dies a quo e sem a interferência de qualquer causa suspensiva (art. 46.º, n.º 1, da LGT). Por seu turno, do art. 61.º, n.º 1, do RCPITA resulta que os atos de inspeção se consideram concluídos na data da notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento inspetivo.

            Ora, compulsados os factos dados como provados é possível verificar que:

— Por intermédio da ordem de serviço n.º OI2016..., determinada por despacho de 12-05-2016 da Diretora de Finanças Adjunta C..., foi ordenada a instauração de uma ação de inspeção externa à sociedade requerente tendo âmbito geral e extensão correspondente ao exercício de 2014 (facto C. do probatório);

— Em 10-09-2018 a referida ordem de serviço referida foi pessoalmente notificada ao representante fiscal de cessação da atividade da requerente B... (facto D. do probatório);

— Através do ofício n.º ... datado de 07-02-2019 foi notificado o mandatário da sociedade requerente da conclusão dos atos de inspeção, com cópia da respetiva nota de diligência, considerando-se tal notificação realizada a 11-02-2019 (factos I. e J. do probatório);

— A liquidação adicional impugnada na presente arbitragem foi notificada à requerente B..., na pessoa do seu representante fiscal de cessão de atividade, em 04-03-2019 (facto S. do probatório).

 

            Portanto: a ação inspetiva externa iniciou-se a 10-09-2018 e terminou a 11-02-2019, período durante o qual se suspendeu a contagem do prazo de caducidade que, como se viu, terminaria normalmente a 31-12-2018. Dito de outro modo, a contagem do referido prazo de caducidade esteve suspensa durante um período de 154 dias.

            Assim, tendo em conta o já referido período de suspensão da sua contagem, o prazo de caducidade aqui em crise teve o seu dies a quo em 31-12-2014 e teria o seu dies ad quem a 03-06-2019.

            Ora, do probatório resulta que o ato de liquidação impugnado na presente arbitragem foi notificado à requerente, na pessoa do seu representante fiscal de cessação de atividade, em 04-03-2019 (facto S. do probatório), portanto bastante tempo antes de terminado o correspondente prazo de caducidade.

            Improcede assim este vício.

 

DO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO PROCEDIMENTAL,

            Insurge-se ainda a requerente contra a violação do seu direito de participação procedimental na medida em que, sustenta, o ato de liquidação impugnado na presente arbitragem não teria sido antecedido do exercício do direito de participação procedimental que lhe assistia, designadamente através da sua audição em momento prévio à prolação da liquidação.

            Ora, neste ponto é manifesta a improcedência da argumentação da requerente.

Com efeito, se é certo que, nos termos do art. 60.º, n.º 1, al. a), da LGT, no procedimento tributário o princípio da participação procedimental se exerce mediante a audi­ção do sujeito passivo antes da liquidação, é igualmente verdadeiro que esse momento de audiência procedimental é expressamente dispensado pelo legislador quando os fins participatórios visados com tal exigência já tiverem sido plenamente realizados mediante precedentes oportunidade de intervenção procedimental. Na verdade, estatui-se no n.º 3 do cit. art. 60.º da LGT que “[t]endo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado,” sendo certo, além do mais, que na al. e) do n.º 1 do referido preceito legal se prevê o exercício do direito de participação procedimental “antes da conclusão do relatório da inspeção tributária.”

Compulsada a factualidade dada como provada, é manifesto que foi facultado à requerente o exercício do direito de participação procedimental no decurso da ação inspetiva (facto E. do probatório) e que esta veio efetivamente a exercê-lo (facto H. do probatório). Esta circunstância permite assim dispensar a renovação do exercício do direito de participação procedimental em fase anterior à prolação do ato de liquidação, como resulta do já cit. art. 60.º, n.º 3, da LGT, não tendo sido sequer alegado — nem, muito menos, se vislumbrando nos autos — que o ato de liquidação tivesse assentado na invocação de factos novos, não anterior­mente discutidos na fase de audiência prévia levada a cabo no decurso da ação inspetiva.

Improcede assim também este vício.

 

 

DO VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO,

            Finalmente, suscita ainda a requerente a verificação de um vício de falta de fundamentação, alegando que do teor do próprio ato de liquidação não consta a invocação de quaisquer fundamentos que lhe permitissem conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo que conduziu à concreta decisão constante do ato impugnado.

            Contrapõe a requerida que resulta demonstrado que a requerente teria entendido perfeitamente o sentido e o alcance do ato tributário que foi proferido no seu confronto e que a motivação do mesmo se encontraria plasmada no relatório da ação inspetiva, que lhe foi oportunamente notificado.

Importa decidir.

Nos termos do art. 77.º, n.º 1, da LGT “[a] decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram.” Trata-se de concretizar, no plano do direito tributário, uma regra geral relativa ao ato administrativo, atualmente consagrada no art. 152.º do CPA e a qual, por seu turno, corresponde à concretização no plano do direito ordinário do princípio constitucionalmente consagrado da fundamentação dos atos administrativos, previsto no art. 268.º, n.º 3, da CRP.

Daí que o ato tributário que não contenha fundamentação seja anulável.

É certo que a lei permite que a fundamentação do ato tributário seja feita por remissão (assim, art. 77.º, n.º 1, da LGT), pelo que o ato tributário pode não conter imediatamente qualquer fundamentação própria, desde que os fundamentos que o motivam constem de anteriores pareceres, informações ou propostas produzidos no decurso do procedimento a que o ato diz respeito e para os quais o próprio ato remeta expressa e especificadamente.

Forçoso é que o ato tributário contenha, positivamente, uma remissão para fundamentos constantes de anteriores pareceres, informações ou propostas. Isto é: torna-se necessário que o ato tributário identifique expressamente os pareceres, informações ou propostas para cujos fundamentos remete a sua própria fundamentação. Nesse sentido: “Nos casos de fundamentação por remissão, em face da exigência constitucional de que a fundamentação seja expressa, deverá referir-se explicitamente a concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas”, acrescentando-se que “a fundamentação ou a remissão para documentos que a contenham têm de integrar-se no próprio ato e serem contemporâneas dele, não relevando para apreciação da validade formal do ato fundamentos invocados posteriormente” (LEITE CAMPOS / SILVA RODRI­GUES /LOPES DE SOUSA, LGT Anotada e Comentada, pp. 676-678). Este entendimento é, de resto, partilhado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo. Assim, o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA veio fixar o entendimento de que “[a] fundamentação, mesmo por remissão, deve ser expressa no próprio ato, por indicação da peça do processo cujas razões o ato assume, não podendo, na ausência dessa indicação no próprio ato, ser buscada em qualquer peça do processo administrativo”.

Não basta, por conseguinte, que no procedimento que o ato tributário culmina e no no qual veio a ser proferido, e de que serve de ato final e definitivo, tenham sido proferidos pareceres, informações ou propostas que possam em abstrato servir de fundamentação a tal ato tributário. Pelo contrário: torna-se necessário, para que o dever de fundamentação previsto no art. 77.º, n.º 1, da LGT esteja cumprido, que o ato tributário remeta a sua própria motivação de forma expressa e especifi­cada­ para a fundamentação constante de algum ou alguns desses pareceres, informações ou propostas. Faltando essa remissão expressa e especificada, e faltando simultaneamente uma fundamentação própria, não poderá senão concluir-se pela violação do dever de fundamentação e, por consequência, pela verificação de um vício gerador da anulabilidade do ato tributário.

Ora, compulsado o ato de liquidação impugnado verifica-se que dele não consta qualquer fundamentação. Tratando-se de um ato de liquidação adicional, na sequência de iniciativa oficiosa da própria administração fiscal, dele não consta um único motivo ou fundamento que justifique ou motive a decisão de tributação nele adotada e, em especial, a aparente decisão de desconsiderar os valores declarados pelo próprio sujeito passivo e constantes da autoliquidação que ele realizou com relação ao mesmo imposto e exercício.

Não se indica, desde logo, uma única linha motivadora, um único iter argumentativo, que permita compreender o modo como foi determinada a base tributável que gerou a liquidação do quantitativo de imposto que veio a efetivamente a ser liquidado no ato ora em crise. Da leitura, ainda que atenta e minuciosa, do próprio ato de liquidação (cujo teor integral consta do facto O. do probatório) resulta ser impossível para qualquer leitor médio compreender como e porquê foi corrigida a matéria coletável do IRC relativo ao exercício de 2014 de um montante de EUR 9.046,37 (constante do anterior ato de liquidação relativo ao mesmo exercício) para um valor de EUR 54.963,85. Não é descortinável qual o iter de qualificações jurídico-tributárias e de operações lógicas e algébricas que conduziram àquele concreto resultado: nada se afirma na liquidação impugnada que pudesse fundamentar ou motivar — que pudesse levar qualquer pessoa média colocada na posição de destinatário a compreender — o resultado a que nela se chega, sendo certo que, como se estatui no art. 77.º, n.º 2, da LGT, a fundamentação do ato tributário deve “sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”

Mais: não só não se vislumbra no referido ato de liquidação qualquer fundamentação que permita, com efeito, compreender a qualificação e a quantificação dos factos tributários, as disposições legais aplicáveis ou as operações seguidas que levaram à determinação da base tributável e do quantitativo de tributo liquidado, como nele não se remete para a fundamentação constante de qualquer parecer, informação ou proposta que tivesse sido proferida no respetivo procedimento tributário e que conste do processo administrativo.

Da liquidação impugnada consta apenas uma nota demonstrativa das diversas operações algébricas relativas ao cálculo da coleta líquida referente ao IRC de 2014 e mesmo neste passo, como se viu, de forma grosseiramente deficiente, porquanto não é possível a qualquer destinatário médio aperceber-se do modo como foi apurado o montante da “Matéria coletável – regime geral” mencionado na linha n.º 1 do quadro demonstrativo da liquidação do imposto. Em momento algum se justifica ou fundamenta as específicas operações de apuramento empregues com vista à determinação daquele concreto montante de matéria coletável e do concomitante imposto que foi liquidado à requerente e, sobretudo, em momento algum se avançam os motivos e fundamentos que justificam e determinam a correção da matéria coletável em relação à matéria tributável constante do precedente ato de liquidação relativo ao mesmo imposto e exercício.

Dir-se-ia que o art. 77.º, n.º 1, in fine, da LGT permitiria, em todo o caso, que tal fundamentação pudesse não constar da própria liquidação impugnada e, em vez disso, ser feita por remissão para anteriores pareceres, informações ou propostas formulados no precedente procedimento de liquidação, designadamente para os fundamentos constantes do relatório final da ação de inspeção tributária que, consabidamente, foi elaborado e notificado à requerente.

E poderia, de facto, assim ser, mas é incontornável que não é essa a realidade que os autos espelham: o ato de liquidação impugnado nesta arbitragem não só não alinha um único motivo ou argumento que fundamente o montante de imposto que nele concretamente se liquida, como tão-pouco remete, de forma expressa e especificada, essa fundamentação para qualquer anterior parecer, informação ou proposta constante do respetivo procedimento.

Na verdade, dele consta apenas a menção críptica, vaga e genérica de que “[f]ica notificado(a) da liquidação de IRC relativo ao período a que respeitam os rendimentos, conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida” (realce adicionado), não se indicando, nem especificando, a que fundamentação se faz referência, quais as concretas peças procedimentais da qual essa fundamentação constaria nem em que data teria ocorrido a sua pretensa remessa ao sujeito passivo.

Consequentemente, aqui chegados não poderia senão concluir-se pela verificação do vício de falta de fundamentação que conduziria inelutavelmente à anulação da Liquidação Impugnada.

Porém, o vício em questão foi sanado pelas decisões supervenientemente proferidas nos procedimentos de reclamação graciosa e de recurso hierárquico que tiveram o mencionado ato tributário por objeto.

Com efeito, como se refere no Ac. STA 08-02-2023 (P.º 0373/17.6BEPNF), “[p]ade­cen­do o ato de determinação oficiosa de rendimentos e a liquidação provisoriamente efetua­da de falta ou insuficiência de fundamentação, o procedimento de segundo grau também pode servir para o suprimento deste vício, valendo a decisão deste procedimento como o ato de convalidação da atividade administrativa a montante.”

Concluindo-se seguidamente, neste mesmo aresto, que “o vício de falta ou insuficiência de fundamentação de que padecesse o ato primário de determinação oficiosa de rendimentos e a liquidação adrede efetuada deve considerar-se sanado.”

E exemplo paralelo, quanto ao suprimento do vício de preterição do direito de participação procedimental pela superveniente interposição de procedimentos de segundo grau, pode encontrar-se no Ac. STA 26-09-2018 (P.º 01506/17.8BALSB).

É precisamente esse o caso da presente arbitragem.

Com efeito, como se deixou dito, o ato (primário) de liquidação não contém qualquer fundamentação — nem direta, nem mediante remissão para anteriores peças procedimentais — que permita alcançar as razões de facto e de direito que determinaram a que nele se tivesse fixado, para o exercício de 2014, uma matéria coletável de EUR 54.968,85.

Essa motivação, a partir das decisões quer da reclamação graciosa (facto U. do probatório), quer do recurso hierárquico (factos W. e X. do probatório), a requerente passou então a poder aceder a todo itinerário cognoscitivo percorrido pela requerida no apuramento daquele valor, circunstância que permite assim convalidar o ato tributário primário que, manifestamente, carecia de qualquer fundamentação válida.

Foi assim atingida, no momento da conclusão da atividade procedimental adminis­tra­tiva, a finalidade visada pela lei com a obrigação da fundamentação: assegurar a plena compre­ensão da motivação do agir administrativo e permite o escrutínio e a impugnação da deci­são tomada.

E essa sanação é claramente apreendida a partir do seguinte excerto da informa­ção/pro­pos­ta para qual remete o despacho de indeferimento do recurso hierárquico (cfr. fls. 15 (p. 14/16) do fascículo RH7 do PA):

É certo que daquelas demonstrações de liquidação não constava a referência expressa ao relatório de inspeção tributária, mas este já pré-anunciava a emissão daquele atos e a sua posterior notificação, com um conteúdo em tudo correspondente ao que resulta do relatório, constituem elementos bastantes para que se considere preenchido, in casu, o dever de fundamentação do ato de liquidação.

 

            Assim, pelo menos a partir deste momento procedimental ficou a requerente plenamente ciente de que a quantificação da matéria coletável operada pelo ato de liquidação primário teria por fundamentação as motivações de facto e de direito constantes do relatório final da ação de inspeção tributária elaborado em 07-02-2019 e notificado à requerente, por intermédio do mandatário por si constituído no procedimento, através de ofício expedido em 11-02-2019 (cfr. factos K. a N. do probatório).

            Consequentemente, o aludido vício de falta de fundamentação de que padecia o ato (primário) de liquidação foi sanado pela superveniente intervenção dos atos secundários que, nos procedimentos administrativos de segundo grau contra aquele ato deduzidos, vieram esclarecer, de modo claro e inequívoco, as razões de facto e de direito em que assentava a decisão de exação anteriormente proferida pelos órgãos da requerida.

            Motivo pelo qual tem também de improceder este vício.

 

 

DA RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS,

Vencida na presente arbitragem, é a requerente responsável pelas custas — art. 12.º, n.º 2, do RJAT e arts. 4.º, n.º 5, e 6.º, al. a), do Regulamento de Custas da Arbitragem Tributária do CAAD.

Assim, tendo em conta o valor de EUR 11.612,47 atribuído ao presente processo arbitral em sede de saneamento, por aplicação da l. 3 da Tabela I anexa ao mencionado Regulamento, há que fixar a taxa de arbitragem desta arbitram em EUR 918,00, em cujo pagamento se condenará a final a requerente.

 

 

— V—

            Assim, pelos fundamentos expostos, julgo a presente arbitragem totalmente improcedente e, em consequência, absolvo a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido.

Condeno a requerente B..., UNIPES­SOAL, LDA., já extinta e nestes autos representada por A... na qualidade de representante fiscal da cessação de atividade, nas custas da presente arbitragem, fixando o valor total da taxa de arbitragem em EUR 918,00.

 

 

Notifiquem-se as partes.

Registe-se e deposite-se.

 

CAAD, 21 de março de 2023.

 

 

O Juiz-Árbitro,

 

 

(Gustavo Gramaxo Rozeira)