Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 624/2022-T
Data da decisão: 2023-03-06  IRC  
Valor do pedido: € 251.107,35
Tema: IRC - Dedutibilidade de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital. Fusão inversa.
Versão em PDF

Sumário:

 

I - As operações de fusão inversa, permitindo a incorporação da sociedade adquirente pela sociedade adquirida, implicam que os encargos financeiros com os contratos de mútuo e de suprimento suportados pela entidade incorporada – que entretanto se extinguiu – tenham passado a ser assumidos, por efeito da transferência global do património, pela sociedade incorporante;

II - Concluindo-se que os encargos inerentes ao financiamento incorridos num momento anterior à fusão, tendo em vista a aquisição de participações sociais, poderiam potenciar, na perspectiva das entidades intervenientes, a geração de rendimentos e lucros, esses encargos são dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos do artigo 23.º do Código de IRC, não obstante a operação de fusão inversa.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., LDA., contribuinte n.º..., com sede na Rua ..., n.º ..., ... ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de liquidação adicional de IRC n.º 2022... e de juros compensatórios n.º 2022..., no montante total a pagar de € 251.107,35, referentes ao exercício de 2018, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é uma sociedade comercial de direito português que se dedica essencialmente à produção e comercialização de bidões metálicos.

 

No âmbito de uma operação de fusão invertida, realizada em 21 de junho de 2017, a Requerente  incorporou na sua esfera jurídica a sociedade B... Lda., passando a deter a totalidade do capital social da sociedade incorporada e a assumir os encargos financeiros que eram suportados por esta entidade,  juntamente com as demais situações ativas e passivas, e, designadamente, os encargos financeiros relativos a um suprimento concedido à sociedade B..., em 2012, pela sociedade C... Bv.

 

A Requerente foi entretanto objecto de um procedimento de inspecção tributária em que se concluiu que os encargos financeiros suportados pela A... com a operação de financiamento para a aquisição de partes de capital da própria sociedade, não preenchem os requisitos legais enunciados no artigo 23.º do Código do IRC, por não se considerar comprovado o interesse económico ou a necessidade para o desenvolvimento da atividade da empresa, tendo sido determinada uma correcção do rendimento tributável, apurado no exercício de 2017, no montante de € 1.773.407,08, correspondente ao valor dos encargos financeiros, suportados naquele exercício fiscal, com o empréstimo da C... BV.

 

Entende a Requerente que com a extinção da sociedade incorporada se transmitem todos os direitos e obrigações para a sociedade incorporante, havendo uma modificação jurídica com continuidade económica da actividade prosseguida pela entidade extinta, sendo que os juros tidos como dedutíveis antes da fusão deverão ser aceites após a fusão, na medida em que continuam a ser considerados juros de capitais alheios aplicados na exploração.

 

 Nesse sentido, além de diversa outra jurisprudência, aponta a decisão arbitral proferida no Processo n.º 768/2021-T, que teve por base a mesma factualidade por referência ao período de tributação de 2016.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, reiterando o entendimento expresso no Relatório de Inspecção tributária, sustenta que os encargos financeiros no montante de €133.167,52, registados na contabilidade da Requerente, respeitam a juros suportados com um financiamento obtido, em forma de suprimento, em 2012, pela B... junto da sociedade C... BV, e que se destinou à aquisição de partes de capital social da Requerente.

Com a operação de fusão, os encargos financeiros associados ao financiamento obtido passaram a ser suportados pela própria da Requerente, na qualidade de sociedade incorporante.

 

Não existe, no caso concreto, o balanceamento entre os gastos suportados com os encargos financeiros e os respetivos proveitos, uma vez que o financiamento em causa teve como finalidade, destino e uso, a aquisição das próprias participações sociais da Requerente pela sociedade B... .

 

E, deste modo, a afetação do empréstimo não se prende com a atividade nem com ativos detidos pela Requerente, mas sim com as participações sociais representativas do seu capital social, e os correspondentes gastos de financiamento foram incorridos pela Requerente no âmbito de uma política de interesses do Grupo e não por motivações empresariais resultantes da sua própria atividade. 

 

Conclui que os gastos não são dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, por não gerarem direta ou indiretamente quaisquer rendimentos, nem deles resultar beneficiada a prossecução da atividade económica da Requerente.

 

2. Por despacho arbitral de 7 de fevereiro de 2023, foi dispensada reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, por não haverem novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 2 de janeiro de 2023.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

  1. A Requerente é uma sociedade que se dedica à produção e comercialização de bidões metálicos especialmente destinados ao uso industrial dos setores alimentar, encontrando-se registada com o Código de Atividade Económica (CAE) principal 25910 - Fabricação de Embalagens Metálicas Pesadas.
  2. A Requerente está enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de tributação e adota um período de tributação diferente do ano civil, com início em 1 de novembro de cada ano e fim em 30 de outubro do ano seguinte.
  3. Nos períodos anteriores a 2016, a Requerente fazia parte do perímetro de um grupo de sociedades tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), sendo a sociedade dominante do grupo a B..., Lda.
  4. O Grupo em causa também adoptava um período de tributação diferente do ano civil, com início em 1 de novembro de cada ano e fim em 30 de outubro do ano seguinte.
  5. A Requerente (A...) e a B... fazem parte do Grupo multinacional D..., o qual se dedica à indústria e comércio de tambores ou quaisquer outros recipientes ou processos de embalagens e todas as atividades afins.
  6. No dia 21 de junho de 2017, realizou-se uma fusão por incorporação mediante a transferência global do património da sociedade B... (sociedade incorporada) para a Requerente (incorporante).
  7. Antes da fusão a B... era detentora de 100% do capital social da Requerente. 
  8. A B... tinha como atividade principal a prestação de serviços de assessoria empresarial, administração e gestão empresarial, incluindo serviços de consultoria e acessória técnica relacionados, entre outras, com a atividade industrial e comercial de quaisquer outros recipientes ou processos de embalagens para a indústria alimentar, bem como serviços de natureza administrativa, contabilística e económica.
  9. A B... era uma sociedade por quotas, constituída em 18 de outubro de 2011, com o capital social de € 100.000,00 detido pelas seguintes entidades residentes na Holanda: C... BV, com uma quota no valor nominal de € 50.000,00, e E... BV, com uma quota no valor nominal de € 50.000,00.
  10. A operação de fusão teve como objetivos a redução dos custos operacionais, uma maior racionalização dos recursos utilizados e consequentemente um aumento de produtividade e rentabilidade, concentrando o Grupo D... o negócio e atividades desenvolvidas pela A... e pela B... numa única entidade jurídica em território nacional.
  11.  A Requerente registou na contabilidade encargos financeiros no montante de € 133.167,52 relativos a um suprimento concedido pela sociedade C... BV, em 2012, à sociedade B... . 
  12. Na sequência da operação de fusão, o empréstimo em forma de suprimento obtido pela sociedade B... passou a integrar o passivo da Requerente.

M) O financiamento obtido destinou-se à aquisição por parte da B... das ações da Requerente.

  1.  A Requerente foi objecto de uma ação de inspeção, ao abrigo das Ordens de Serviço OI2019... e OI2021..., destinada ao controlo e validação dos valores declarados pelo sujeito passivo, incidente sobre os exercícios de 2017 e 2018.
  2. O Relatório de Inspecção Tributária consta do documento n.º 4 junto ao pedido arbitral, que aqui se dá como reproduzido, e que, na parte relevante, refere o seguinte.

 

  1. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas a matéria coletável

III.1.1 Correções em sede de IRC

III.1.1. Matéria coletável

III.1.1.1. Juros de suprimentos - Exercício 2017 (01/11/2017 A 31/10/2018)

a) Introdução

Foram registados na contabilidade da A..., encargos financeiros (juros) relativos a um suprimento concedido pela sociedade C... BV (atualmente com a designação F... B.V.). Este suprimento foi concedido em 2012 à sociedade B..., conforme se apurou no decurso do procedimento inspetivo que incidiu sobre o exercício fiscal de 2016 da A... o qual foi determinado pela Ordem de Serviço n.º 0120190... . […]

Na sequência da operação de fusão ocorrida em 21 de junho de 2017, entre a sociedade B... (Sociedade incorporada) e a A... (Sociedade Incorporante), o

empréstimo em forma de suprimento obtido pela sociedade B..., passou a integrar o passivo da sociedade A... . À data dos factos, o capital social da A... era detido na sua totalidade pela B..., pelo que se trata de uma fusão inversa.

O contrato que suporta o financiamento obtido registado na contabilidade da A..., nos exercícios de 2016 e seguintes é o mesmo e diz respeito ao suprimento concedido em 2012 à B..., pela sociedade C... BV, o qual passou a integrar o passivo da A... por via da fusão. Apresenta-se no quadro seguinte o montante do empréstimo e dos respetivos juros registados no passivo da empresa A..., nos exercícios fiscais de 2016 e 2017:

 

Conta

descrição da conta

saldo a 31-10-2017

(EF 2016)

Movimentos a débito

Movimentos a crédito

Saldo a 31-10-2018 (EF 2017)

26701

Emprest. Obtidos – F... BV

 

18.266.854,09

18.266.654,09

 

26703

Juros Emprest. – F... BV

 

4.081.993,61

5.856.400,69

 

Soma

 

 

 

 

 

Os encargos financeiros (juros) suportados com o empréstimo atrás referido, contabilizados em gastos nos exercícios fiscais de 2016 e 2017, foram os seguintes:

 

Período Fiscal

Conta

descrição conta

Saldo

2016

69131

Suprimentos C...

1. 852.056,04

2017

69131

Suprimentos C...

1. 773.407,08

 

Assim, os encargos registados em 2017, no montante de 1.773.407,08€, foram considerados na determinação do resultado líquido referente ao período fiscal de 2017, à semelhança do sucedido no exercício fiscal anterior, em relação aos encargos registados nesse exercício.

 

  1. Empréstimo C... BV

O contrato de financiamento data de 3 de fevereiro de 2012 e foi celebrado entre a sociedade B... NIF ...(à data com a denominação social G..., Lda.) e a sua acionista C... BV que  detinha uma participação de 50% no capital social daquela desde 19-10-2011. O contrato de financiamento foi celebrado nos seguintes termos:

I O mutuante C... BV detém 50% do capital social da mutuada (B...)

II A mutuada adquiriu ao mutuante, 333.333 ações da empresa A... com valor nominal de 0,01€ cada, pelo preço de 12.149.443,83€, o qual deve ser pago até 28-02-2012. Parte do preço já foi pago e presentemente a mutuada deve o montante de 6.399.444,00€

III Na data do contrato, o mutuante adquiriu à sociedade E... BV (titular de uma participação de 50% no capital social da B...) um crédito que a E... BV detinha sobre a mutuada (B...), o qual está relacionado com a aquisição de 6.666.667 ações da empresa A... com valor nominal de 0,01€ cada, efetuada pela mutuada (B...) à empresa E... BV. Este crédito, no montante de 16.542.551,00€, corresponde a parte do preço de aquisição que a mutuada (B...) devia à empresa E... BV, o qual deve ser pago até 28-02-2012.

IV Conforme referido nas alíneas ii e iii do contrato, o mutuante detêm, na data do contrato, um crédito sobre a mutuada (B...), no montante de 22.941.995,00€, (6.399.444,00€ + 16.542,551,00€), o qual deve ser pago até 28-02-2012.

V O mutuante e a mutuada concordam em diferir o prazo de pagamento do crédito por um período de 10 anos.

Nos termos anteriormente referidos, a mutuante (E... BV) concedeu à mutuada (B...) um empréstimo, em forma de suprimento, no montante de 22.941.995,00€, para efeitos de dilatação do prazo de reembolso da dívida da B... mencionada nos pontos II e III anteriores. O empréstimo tem um prazo de 10 anos, com data de vencimento em 03-02-2022. De acordo com o previsto no ponto 5 do contrato de empréstimo, os juros do empréstimo são calculados trimestralmente a uma taxa anual de 10%.

Devido às operações de fusão no seio do grupo D..., o mutuante do empréstimo passou a ser a empresa F..., BV, conforme documentos em anexo 5.

 

  1. Análise à dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados com o empréstimo da C... BV à luz das regras de dedutibilidade fiscal previstas no artigo 23.º do CIRC

 

O financiamento obtido registado no balanço da sociedade A... com início no exercício fiscal de 2016), ocorreu em 2012 (antes da fusão inversa) e destinou-se exclusivamente à aquisição por parte da B... das ações da A..., conforme descrito na alínea anterior. Este financiamento gerou encargos com juros no exercício fiscal de 2017, no montante de 1.773.407,08€ (1.852.056,04€ em 2016), Estes encargos encontram-se registados na conta #69131.,

Juntam-se em anexo 6 o extrato da conta #69131 do exercício de 2017 e os documentos de suporte dos registos efetuados nessa conta, bem como, os extratos das contas #26701 (empréstimos obtidos) e #26703 (juros acumulados do empréstimo), referentes ao exercício de 2017.

Face as conclusões alcançadas e devidamente fundamentadas no Relatório Final de Inspeção Tributária correspondente a 0I201900305, não será aceite a dedução fiscal do gasto reconhecido no exercício de 2017, no montante de 1.773.407,08€, nos termos e com os fundamentos apresentados pela AT para a correção dos gastos registados no exercício fiscal de 2016, os quais se aplicam com as necessárias adaptações à correção agora proposta, uma vez que os encargos financeiros (juros de suprimentos) registados em 2016 e em 2017 estão relacionados com o mesmo contrato de empréstimo.

Da leitura do contrato que suporta o financiamento obtido, conclui-se que este financiamento se consubstancia num empréstimo, em forma de suprimento, concedido pela C... BV à sociedade B..., para efeitos de dilatação do prazo de reembolso da divida da mutuada decorrente da aquisição de partes de capital da A... .

A sociedade B... foi constituída em 18-10-2011 e pela consulta às declarações fiscais (IES) de exercícios anteriores, esta sociedade era detentora de 100% do capital social da A... no exercício findo em 31/10/2012.

Com a fusão entre as sociedades A... (incorporante) e a B... (incorporada), o financiamento obtido junto da C... BV transitou da sociedade B... para a sociedade A..., mediante a integração do passivo da B... no património da A..., conforme se demonstra no quadro infra:

[…]

Verifica-se assim que o financiamento, bem como os respetivos encargos a ele associados, relacionados com a aquisição de partes de capital social (ações) da A..., com a operação de fusão passam a ser suportados por ela própria, isto é, a sociedade A..., passa a suportar os encargos financeiros com a aquisição dela própria.

Neste contexto, importa aferir se os encargos financeiros suportados pela A..., são fiscalmente dedutíveis nos termos do artigo 23.º do CIRC.

Em primeiro lugar, é de referir que os juros suportados pelos sujeitos passivos de IRC como remuneração de empréstimos contraídos e demais encargos financeiros associados, são dedutíveis como custos no apuramento do lucro tributável em conformidade com o disposto no artigo 23.º do CIRC, n.º 1, al. c), na redação em vigor em 2016 e 2017, na qual se dispõe o seguinte:

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

a)...

b)...

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e omissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado.

 

Nos termos desta disposição legal, a dedutibilidade fiscal dos juros suportados relativos ao recurso a capitais alheios, depende de um juízo quanto à sua natureza, conexão com a exploração e capacidade para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, requisitos previstos no corpo do n.º 1) do artigo 23º, e na alínea c) do nº 2 do mesmo número.

A dedutibilidade fiscal pressupõe, então, que os custos incorridos com os encargos financeiros possuam uma conexão de causalidade com a atividade empresarial desenvolvida, máxime sirvam ao desenvolvimento da atividade da sociedade deles devedora.

Importa assim, atento o disposto no artigo 23.º do CIRC, verificar em concreto, se os gastos financeiros relativos aos juros incorridos com o empréstimo que permitiu financiar a compra de ações da empresa A..., preenchem os requisitos legais necessários à aceitação da sua dedutibilidade para efeitos fiscais, nomeadamente no que se refere à sua conexão a capitais alheios aplicados na exploração e à capacidade para obter ou garantir para a própria empresa, rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRC.

Deste modo, importa analisar o fim a que o financiamento obtido se destinou e a sua aplicação, para aferir o enquadramento dos respetivos encargos suportados, à luz do disposto no artigo 23.º do CIRC, e assim determinar as correspondentes implicações para efeitos do apuramento do lucro tributável do exercício.

Devemos ter presente que o cumprimento dos requisitos elencados no artigo 23.º do CIRC, é justificado pela necessidade de impedir que "certos" gastos contabilizados pelas empresas, que sejam considerados inapropriados ou excessivos, sejam dedutíveis fiscalmente.

Daqui decorre que são aceites os gastos essenciais ao processo produtivo e à obtenção de proveitos, que são realizados no interesse da empresa e que contribuem para obtenção do lucro de forma direta ou indireta, contudo, não deverá este requisito ser visto de "per si", mas sim coadjuvado com critérios de motivação económica, ou seja, deve o mesmo ser interpretado de acordo com critérios essencialmente económicos.

Assim sendo, é afastada a dedutibilidade fiscal dos gastos que não estejam relacionados com o negócio da empresa ou o fim económico da mesma, ainda que registados na contabilidade.

Vislumbrando o caso em apreço e, confrontando-o com o exposto, conclui-se pela inexistência do balanceamento entre os gastos suportados com os encargos financeiros e os respectivos proveitos, o que constitui um elemento relevante para efeitos de dedutibilidade dos gastos para efeitos fiscais nos termos artigo 23.º do CIRC.

Em termos contabilísticos, esta premissa corresponde ao princípio contabilístico do balanceamento previsto na Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), mais concretamente quando estabelece que:

Ponto 93- Reconhecimento de gastos (Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística).

 Os gastos são reconhecidos na demonstração de resultados com base numa associação direta entre os custos incorridos e a obtenção de rendimentos específicos. Este processo, geralmente referido como balanceamento dos custos com réditos, envolve o reconhecimento simultâneo ou combinado de réditos e de gastos que resultem direta ou conjuntamente das mesmas transações ou de outros acontecimentos;

Daqui podemos concluir que um gasto será fiscalmente aceite desde que conexionado com a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC o que significa que, para efeitos fiscais, não são aceites todos e quaisquer gastos e perdas incorridos pelo sujeito passivo, mas apenas aqueles que se mostrem necessários à obtenção de rendimentos sujeitos a imposto.

Efetivamente, da leitura do contrato de financiamento apresentado pelo contribuinte no decurso do presente procedimento inspetivo, retira-se, que o empréstimo teve como finalidade, destino e uso, a aquisição das próprias participações sociais da A... pela sociedade B..., pelo que a afetação do empréstimo não se prende com a atividade nem com ativos detidos pela sociedade que dele é agora devedora, ou seja, a A..., mas sim com ativos detidos pelos seus acionistas.

O empréstimo concedido à B... teve por finalidade exclusiva prolongar o prazo de reembolso da dívida que a mesma detinha para com o credor C... BV, sendo que essa dívida resultou da aquisição de partes de capital da sociedade A... .

Ora, com a operação de fusão, na sequência da qual o património da B... foi integrado na sociedade A..., as partes de capital em causa passaram a fazer parte do património dos acionistas da A... (os acionistas à data eram as sociedades C... BV e E... BV) e não da própria (caso em que constituiriam ações próprias).

Consabidamente, o ativo financeiro consistente numa participação social representa, como regra, uma fonte suscetível de produzir rendimentos tributáveis (dividendos em face da distribuição de lucros pela empresa participada, mais-valias em face da alienação das participações).

No caso em apreço, a entidade que pode aproveitar, no seu interesse próprio, como fonte de rendimentos o ativo financeiro (ações da A...) não é a entidade que suporta, em exclusivo, os custos relativos ao financiamento da aquisição do ativo (a A...), mas sim outras entidades distintas (os acionistas da A...).

Verifica-se assim, que os gastos incorridos com o empréstimo em apreciação, não são aplicados na atividade empresarial da A..., nem garantem a obtenção por parte desta de rendimentos sujeitos a IRC. Tais gastos, embora inscritos na contabilidade da A..., não beneficiam a sua atividade nem o respetivo interesse empresarial, quando muito beneficiam terceiros, no caso os acionistas da A... .

Assim, os gastos suportados com o empréstimo, transitaram por força da operação de fusão para a A..., que incorreu em gastos que não possuem conexão económica com a atividade desenvolvida por esta entidade e que acabou por ficar a suportar os encargos financeiros decorrentes da sua própria aquisição.

Daqui resulta que os referidos gastos financeiros, não têm enquadramento na definição de custos e perdas (gastos) para efeitos de determinação do lucro tributável da A..., uma vez que ficou demonstrado que a assunção dos encargos em causa não foi determinada por motivações empresariais desta entidade, mas sim no âmbito de uma política de interesses do Grupo em que as entidades A... e B... se inserem. Este propósito está descrito no próprio documento "Projeto de Fusão", onde relativamente ao motivo da Fusão, é descrito:

"É atual estratégia do grupo, a nível internacional, proceder à integração e unificação das estruturas societárias locais, com vista a obter uma redução dos custos operacionais e uma maior racionalização dos recursos utilizados, com um consequentemente aumento de produtividade e rentabilidade. É assim, com vista a concretização destes objetivos que o Grupo D... pretende concentrar, em Portugal, o negócio e atividades desenvolvidas pela A... e pela B... numa única entidade jurídica, através de operação da fusão por incorporação daquela última na A... ."

O corolário de todos os factos que têm vindo a ser descritos ao longo deste relatório, não poderá deixar de se consubstanciar na desconsideração da dedutibilidade para efeitos fiscais, dos encargos financeiros que oneraram negativamente a estrutura de gastos da A..., decorrentes do financiamento contratualizado pela B... e transpostos para as suas demonstrações financeiras por via da fusão com esta entidade.

 Não podendo descurar que é às empresas que cabe decidir quais as opções negociais que consideram preferíveis para assegurar os seus interesses, o cumprimento dos requisitos que determinam a dedutibilidade fiscal dos gastos, reprime qualquer ato de gestão que seja desconforme com o interesse social da própria empresa que o suporta, sobretudo quando sacrifica o objetivo de potenciar o lucro, à satisfação de interesses alheios.

Como se escreve no acórdão do TCA Sul de 02/02/2010, processo nº 03669/09 é "no conceito de indispensabilidade ínsito no artigo 23.º do CIRC que radica a questão essencial de consideração fiscal dos custos empresariais e que assenta a distinção fundamental entre o custo efetivamente incorrido no interesse coletivo de empresa e o que pode resultar apenas no interesse individual do sócio, de um grupo de sócios, de terceiros ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo".

Daí que a apreciação de dedutibilidade fiscal dos gastos assumidos por uma sociedade inserida num grupo económico, não poderá pautar-se por uma "lógica de grupo". Esta não pode ser atendida para a justificação da dedutibilidade fiscal de um gasto, quando este comprovadamente, não contribuiu direta ou indiretamente. para a obtenção de lucros para o sujeito passivo que os suporta.

No caso em apreço, da análise objetiva do impacto dos gastos financeiros resultantes da operação de financiamento para adquirir partes de capital da A..., concluiu-se que para além da mesma não ter capacidade para potenciar os resultados do sujeito passivo em análise (A...), ainda colocou em causa o seu propósito - O lucro. Noutra vertente, encontra-se igualmente devidamente explicitado que é pressuposto na aplicação do artigo 23.º do CIRC "a consideração individualizada de cada empresa ou instituição pelo que não podem interferir aqui raciocínios daqueles em que se faz apelo a critérios de gestão do "grupo" ou mesmo dos financiamentos - ainda que gratuitos - dos seus sócios ou mesmo a vontade destes que nessa maioria é irrelevante, visto que só trata de um critério legal, sendo unicamente relevante a pessoa coletiva cujos custos estão em apreciação" (vd. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16.10.2007, proc. n.º 01276/06).

Deste modo, é estritamente em relação à entidade cujos gastos estão em consideração e à atividade empresarial que desenvolve, que importa apreciar a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros.

Assim, independentemente da assunção do empréstimo em causa pela A... ter resultado de Fusão, os gastos relativos aos juros do empréstimo, contabilizados por esta sociedade no exercício em causa, não satisfazem os requisitos previstos no artigo 23.º do CIRC, dado faltar a necessária afetação dos gastos em consideração ao interesse empresarial e à atividade produtiva da A... .

 

Conclusão

Conforme referido nas alíneas anteriores, resulta da análise efetuada, que os encargos financeiros (juros) suportados pela A... com a operação de financiamento para a aquisição de partes de capital da própria sociedade, não preenchem os requisitos legais enunciados no artigo 23.º do CIRC, para que se aceite a sua dedutibilidade para efeitos fiscais, nomeadamente por não se considerar comprovado o interesse económico ou a necessidade para o desenvolvimento da atividade, da operação que lhes está subjacente. Efetivamente, os gastos financeiros incorridos, não geram diretamente ou indiretamente quaisquer rendimentos, nem deles sai beneficiada a prossecução da atividade da empresa. Estamos na presença de operações de financiamento, aquisição de participações sociais e de concentração empresarial, que ocorrem no "seio" do próprio grupo, motivo pelo qual são merecedoras de uma especial atenção, no sentido de afastar eventuais situações de planeamento fiscal, que desvirtua as normais relações entre os contribuintes e a igualdade de tratamento, situação que o legislador pretendeu acautelar ao conferir ao artigo 23.º do CIRC, a natureza de cláusula geral.

Salienta-se uma vez mais, que em resultado da fusão, a sociedade A... "herdou" um financiamento destinado exclusivamente à aquisição de ações dela própria, o qual havia sido contraído pela sociedade incorporada B... (detentora à data de 100% do capital social da A...). Consequentemente, a sociedade A... passou a suportar encargos financeiros relativos a um financiamento ao qual não está associado qualquer ativo suscetível de produzir rendimentos para a sociedade.

 

e) Correções ao lucro tributável nos termos do artigo 23.º do CIRC

Em face do exposto na alínea anterior, e na medida em que os gastos financeiros não concorrem para a formação do lucro tributável, por não se considerarem verificados os requisitos legais que determinam a sua dedutibilidade para efeitos fiscais, à luz dos nºs 1 e 2 alínea c) do artigo 23.º do CIRC, é corrigido o montante de 1.773.407,08€, correspondente aos encargos financeiros (juros) relativos ao empréstimo (suprimento) da C... BV.

 

III.1.1.2. Juros de suprimentos – exercício de 2018 (01/11/2018 a 31/10/2019)

No exercício fiscal de 2018, o sujeito passivo registou na conta #69131, encargos financeiros (juros) no montante de 133.167,52€, relativos ao empréstimo referido no ponto III.1.1.1 anterior (suprimento concedido pela C... BV).

De referir que no início do exercício fiscal de 2018 (04-12-2018), foi liquidada uma parte significativa do empréstimo, no montante de 16.266.854,05€, tendo a divida reduzido para 2.000.000,00€. O empréstimo foi totalmente liquidado a 30-05-2019. Durante o exercício fiscal de 2018, a taxa de juro aplicada ao empréstimo foi de 5% . Por estes motivos, os encargos com juros registados no exercício de 2018, na conta #69131, diminuíram significativamente comparativamente aos exercícios anteriores (2016 e 2017).

Juntam-se em anexo 7, o extrato da conta #69131 do exercício de 2018 e os documentos de suporte dos registos efetuados nessa conta, bem como, os extratos das contas #26701(empréstimos obtidos), #26703 (juros do empréstimo acumulados) e #1217, referentes ao exercício de 2018.

Pelos motivos expostos nas alíneas a), b) e c) do ponto III. 1.1.1 e na medida em que os gastos financeiros não concorrem para a formação do lucro tributável, por não se considerarem verificados os requisitos legais que determinam a sua dedutibilidade para efeitos fiscais, à luz dos nos 1 e 2 alínea c) do artigo 23.º do CIRC, é corrigido o montante de 133.167,52€, correspondente aos encargos financeiros (juros) relativos ao empréstimo (suprimento) da C... BV.

  1. Na sequência da acção inspectiva, foram emitidos os atos de liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) n.º 2022 ... e de juros compensatórios n.º 2022 ..., referentes ao exercício de 2018, e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., da qual resultou um montante a pagar de € 251.107,35.
  2.  A Requerente procedeu ao pagamento do imposto em dívida em 27 de junho de 2022.
  3. O pedido arbitral deu entrada no dia 18 de outubro de 2022.

Factos não provados

 

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.

 

Matéria de direito

Dedutibilidade dos encargos financeiros como custos fiscais

 

5. A Autoridade Tributária procedeu à correção da liquidação de IRC da Requerente, relativamente ao exercício de 2018, por considerar não serem fiscalmente dedutíveis, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, os encargos financeiros decorrentes de um suprimento concedido pela sociedade C... BV à sociedade B... que foi utilizado para a aquisição de participações da A... e que, por efeito de uma operação de incorporação por fusão, passaram a ser suportados pela A... na qualidade de sociedade incorporante.

 

 

Neste condicionalismo, a Administração Tributária sustenta que os rendimentos gerados pela atividade da sociedade incorporante passaram a suportar os custos com a aquisição pela B... das próprias participações sociais da Requerente, e, nesse sentido, os fundos não estão a ser utilizados na respetiva exploração nem constituem fonte produtora dos proveitos ou ganhos que resultem da sua atividade empresarial, pelo que os mesmos não reúnem os requisitos de indispensabilidade e correlação que são exigidos pelo artigo 23.º do Código do IRC.

 

Em contraposição, a Requerente considera que, tendo em atenção que a incorporante beneficiária da fusão agregou a realidade jurídico-económica que existia nas sociedades incorporadas, os critérios do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC devem ser aferidos no contexto empresarial próprio da entidade que deduz os gastos devendo atribuir-se a estes custos uma conexão empresarial com a atividade da Requerente, enquanto sociedade incorporante.

Estando em causa a dedutibilidade, para efeitos fiscais, de gastos de financiamento incorridos com a aquisição de participações sociais de sociedades que passaram a integrar a Requerente, por efeito de uma operação de fusão por incorporação, interessa ter presente, num primeiro momento, a disposição do artigo 23.º do Código de IRC.

Na redação resultante da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com efeitos desde 1 de janeiro de 2014, e aplicável ao período de tributação em análise, o n.º 1 desse preceito passou a dispor que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

Embora a nova redação tenha afastado o requisito de indispensabilidade do gasto, continua a ser exigível, para a sua relevância fiscal, a conexão entre os gastos e o interesse empresarial, ainda que não significando uma necessária relação causal entre os gastos e os rendimentos.

 Tem-se como assente e constitui entendimento jurisprudencial firme que da noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.º do Código de IRC não resulta que a Administração Tributária possa pôr em causa o princípio da liberdade de gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, apenas podendo desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (cfr. acórdão do STA de 24 de setembro de 2014, Processo n.º 0779/12, e, no mesmo sentido, o acórdão do STA (Pleno) de 27 de junho de 2018, Processo n.º  01402/17).

Nessa mesma linha de entendimento, o STA, referindo-se ao antigo conceito de indispensabilidade, e chamando a atenção para o carácter casuístico do seu preenchimento, formula o seguinte critério:

“A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizados como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito”.

Vindo o mesmo aresto a concluir que, “sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou, ao menos, com nítido excesso desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa” (acórdão de 29 de março de 2006, Processo n.º 1236/05).

Em síntese conclusiva, deve entender-se que a atividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito (e não um obrigatório nexo de causalidade imediata) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento. Nesse sentido, a atividade produtiva não deverá ser entendida em sentido restritivo, mas sim em sentido amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Ao buscar-se o sentido do conceito de atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços, mas pressupõe uma relação com as operações económicas globais de exploração ou com as operações ou atos de gestão que se insiram no interesse próprio da entidade que assume os custos (cfr. neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 480/2016).

É nesse âmbito compreensivo que se enquadra a nova redação introduzida pela Lei n.º 2/2014, que, visando implementar um maior grau de certeza na aplicação concreta dos critérios de dedutibilidade, passou a consagrar como princípio geral que são dedutíveis os gastos relacionados com atividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados, reforçando a ideia de que basta a conexão com a atividade empresarial, independentemente da efetiva contribuição para os rendimentos sujeitos a imposto (cfr. Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, 30 de junho de 2013).

 

6. No caso vertente, como resulta da matéria de facto tida como assente, o financiamento obtido pela B... teve como finalidade a aquisição de capital social da A..., ora Requerente, tendo ocorrido posteriormente a incorporação por fusão nesta última entidade.

 

E cabe fazer notar - como tem sido sublinhado pela jurisprudência – que a fusão de sociedades por incorporação, ainda que implique a perda de personalidade jurídica das sociedades incorporadas, não determina o desaparecimento da realidade económica que elas constituíam, que passa a encontrar-se integrada na sociedade incorporante por efeito da reorganização societária (cfr. acórdão do STA de 13 de abril de 2005, Processo n.º 01265/04).  

 

E é em relação à realidade económica no seu conjunto, resultante da incorporação, que cabe aferir se os encargos inerentes ao financiamento incorrido num momento anterior à fusão, tendo em vista a aquisição de participações sociais, podem ter contribuído para originar rendimentos sujeitos a tributação que, como tal, possam ser deduzidos para efeitos fiscais nos termos do artigo 23.º do Código de IRC.

 

O que se afigura determinante, por conseguinte, é que a aquisição de participações sociais de uma outra sociedade se torne passível de contribuir para a obtenção de rendimentos tributáveis.

 

Como se viu, a operação de fusão teve como objetivos a redução dos custos operacionais, uma maior racionalização dos recursos utilizados e o consequente aumento de produtividade e rentabilidade, concentrando o Grupo D... o negócio e atividades desenvolvidas pela A... e pela B... numa única entidade jurídica em território nacional (alínea J) da matéria de facto).

 

Há assim uma ligação entre o suprimento efetuado para compra de participações sociais e a estratégia de restruturação e redimensionamento que se pretendeu que a sociedade incorporante pudesse desenvolver posteriormente.

 

Como pode concluir-se, o aumento do passivo da Requerente, por efeito da fusão por incorporação, está relacionado com razões empresariais que poderiam potenciar, na perspetiva das entidades intervenientes, a geração de rendimentos e lucros. Por outro lado, a assunção dos encargos inerentes aos investimentos anteriormente efetuados pela sociedade incorporada não pode deixar de ser entendida como uma necessária consequência da transferência global do património, que está subjacente às considerações de racionalidade económica que justificaram a fusão, sendo certo que é o Código das Sociedades Comerciais que admite que a fusão de sociedades pode realizar-se mediante a transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra e, com a  inscrição da fusão no registo comercial, extinguem-se as sociedades incorporadas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante (artigos 97.º, n.º 4, alínea a), e 112.º, alínea a)).

 

Esses encargos financeiros não podem, por isso, deixar de ser considerados afetos à exploração.

 

Como se faz notar no acórdão proferido no Processo n.º 610/2018-T, se não se pode questionar, num momento prévio à fusão, que os encargos financeiros associados aos financiamentos obtidos pelas sociedades para aquisição de um ativo constituem juros de capitais alheios aplicados na exploração, e, como tal, são dedutíveis nos termos do disposto no 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, não é a fusão por incorporação que pode conduzir a uma diferente consequência jurídica.

 

Ou seja, se os juros eram fiscalmente aceites previamente à fusão, também o serão após a fusão, visto que o que está em causa é a transmissão dos direitos e obrigações das sociedades incorporadas para a sociedade incorporante de acordo com as regras do direito comercial, pelo que continuam a ser considerados juros de capitais alheios aplicados na exploração.

 

Poderia discutir-se se um dado investimento constitui um ato normal de gestão quando, por virtude de uma ulterior operação de fusão, tem em vista permitir a dedução pela sociedade incorporante de um passivo que resulta da própria aquisição das sociedades incorporadas.

 

Afigura-se, porém, que a desconsideração dos efeitos fiscais, neste contexto, apenas poderia ter lugar pelo recurso à cláusula geral antiabuso a que se refere o artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, que, em síntese geral, pressupõe que tenha sido praticado um ato ou negócio artificioso ou fraudulento que represente o abuso das formas jurídicas e que tenha como objetivo único ou principal a obtenção de uma vantagem fiscal (sobre este aspeto, António Castro Caldas/J.M Cabral Sacadura, “A dedutibilidade de encargos financeiros no âmbito de fusões e aquisições”, in Atualidade Jurídica Úria Menéndez, n.º 36, 2014, págs. 125-126).

 

Cláusula esta cuja aplicação está sujeita a procedimento próprio, sendo exigida a autorização do dirigente máximo do serviço, a audição prévia do contribuinte e dever especial de fundamentação por parte da Autoridade Tributária (cfr. artigo 63.º do CPPT). Não é esse o fundamento dos atos tributários que estão em causa, que se reconduzem unicamente à desconsideração da dedutibilidade de custos fiscais nos termos do artigo 23.º do Código de IRC.

 

Por todo o exposto, não pode deixar de reconhecer-se que se encontram preenchidos os requisitos da dedutibilidade dos encargos financeiros como custos fiscais, havendo de julgar-se procedente o pedido arbitral.

 

Neste mesmo sentido se pronunciou, em situação similar, o acórdão do STA de 22 de março de 2018 (Processo n.º 0208/17) e esse entendimento tem sido seguido nas decisões arbitrais proferidas nos Processos n.º 606/2016-T, 610/2018-T, 470/2020-T e 222/2021-T, que incidiram sobre idênticos atos de correção adicional, e no Processo n.º 93/2015-T, cuja doutrina foi igualmente seguida nos Processos n.º 120/2017-T, 120/2018-T, 191/2019-T, 568/2021-T e 221/2022-T.

 

Em idêntico sentido se pronunciou o acórdão proferido no Processo n.º 768/2021-T, no âmbito de um pedido pronúncia arbitral deduzido pela ora Requerente e que, com base na mesma factualidade, se reportava à liquidação de IRC referente ao ano de 2016.

 

Por todo o exposto, o pedido arbitral mostra-se ser procedente.

 

Juros indemnizatórios

 

7. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRC, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar procedente o pedido arbitral e anular o ato tributário de liquidação adicional de IRC.º n.º 2022... e o correspondente ato de liquidação de juros compensatórios, referentes ao exercício de 2018, no montante total a pagar de € 251.107,35;
  2. Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 251.107,35, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 4.896,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 6 de março de 2023  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

 

A Árbitro vogal

 

 

Filipa Saraiva Barros

 

 

A Árbitro vogal

 

 

Sofia Cardoso