DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. João Menezes Leitão e Prof. Doutor Rui Miguel Zeferino Ferreira, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 13-12-2022, acordam no seguinte:
1. Relatório
A...– FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO (doravante abreviadamente designado por “Fundo” ou “A...”), com número de identificação fiscal..., representado pela sua sociedade gestora B...– SOCIEDADE GESTORA DE ORGANISMOS DE INVESTIMENTO COLECTIVO, S.A. (doravante designada por “Requerente”), com o número de identificação fiscal ... e sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...‐... Lisboa, vieram, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a anulação da liquidação adicional de IVA n.º..., de 04-01-2021, bem como a Demonstração de liquidação de IVA n.º 2021..., de 04-01-2021 e a Demonstração de acerto de contas n.º 2021..., de 06-01-2021.
A Requerente pede ainda o reembolso da quantia de € 101.435,35, que é o valor do IVA que considera ter pagado em excesso, bem como juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 29-09-2022.
Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.
Em 21-11-2022, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1 alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 13-12-2022.
A AT apresentou Resposta, em que suscitou a questão da «incompetência material do Tribunal para a apreciação do pedido respeitante à execução de julgado arbitral» e defendeu que, caso assim não se entenda, o pedido seja julgado improcedente.
Por despacho de 31-01-2023, foi decidido dispensar a realização de reunião e alegações, com possibilidade de o Requerente se pronunciar sobre a excepção.
No mesmo despacho, foi ordenada a junção ao processo de certidão da decisão arbitral de 08-05-2020, proferida no processo arbitral n.º 599/2019-T, referida pelas Partes.
A Requerente pronunciou-se sobre a excepção, defendendo que «deve ser declarada a competência material do Tribunal para a apreciação do pedido formulado pela Requerente».
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 11.º, ambos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não há nulidades.
Importa apreciar prioritariamente a excepção da incompetência material suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, de harmonia com o preceituado no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
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O Fundo apresentou em 09-08-2018, um pedido de reembolso de IVA, por ocasião da entrega da declaração periódica de IVA relativa a Junho de 2018, em que incluiu IVA liquidado em facturas emitidas entre 31 de Março de 2014 e 31 de Janeiro de 2018, pela empresa "C... SA", relativas a serviços de construção civil por esta prestados (página 9 do Relatório da Inspecção Tributária, doravante designado por “RIT”, que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Na sequência desse pedido de reembolso apresentado em 09-08-2018, foi desencadeado pela Autoridade Tributária um procedimento inspectivo de carácter externo e parcial em sede de IVA, ao abrigo das OI 2018.../.../.../.../... e Ol 2018... (página 9 do RIT);
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Dessa inspecção resultaram, entre outras, correcções por o Fundo não ter aplicado a regra de inversão do sujeito passivo (reverse charge), relativamente aos serviços de construção civil a que se reportam as referidas facturas emitidas entre 31 de Março de 2014 e 31 de Janeiro de 2018 (página 9 do RIT);
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Na sequência dessa inspecção, foi indeferido o pedido de reembolso apresentado em 09-08-2018 e foram emitidas liquidações adicionais de IVA, em que se incluiu o valor de IVA que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que devia ter sido autoliquidado pela Requerente aplicando a regra da inversão do sujeito passivo, no montante de € 751.168,49 ( [1] ), em que se inclui o valor de € 101.435,35 relativo às facturas relativas aos meses de Março de 2014 a Agosto 2015 ( [2] );
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No que respeita às liquidações adicionais de IVA, o Fundo pagou o IVA liquidado e procedeu à sua dedução, no montante de € 751.168,51, no campo 21 da declaração periódica de 2019-06;
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Em 11-11-2019, o Fundo apresentou um pedido de reembolso, que foi deferido na totalidade (página 9 do RIT e email da Requerente de 13-10-2020, reproduzido na página 11 do RIT);
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O Fundo apresentou pedido de pronúncia arbitral, que deu origem ao processo n.º 599/2019-T, para ser apreciada a legalidade das liquidações adicionais de IVA, referidas no ponto D., quanto ao referido valor de € 101.435,35 relativo às facturas respeitantes aos meses de Março de 2014 a Agosto 2015;
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Nesse processo arbitral n.º 599/2019-T foi proferida decisão em 08-05-2020, considerando procedente o pedido, com fundamento em duplicação de colecta, “(...) quanto à exigência de liquidação e pagamento de IVA em relação às faturas de março de 2014 a agosto de 2015, relativamente às quais a Requerente não pode obter o reembolso do imposto que já havia suportado anteriormente", e anulando «os actos tributários de liquidação quanto ao imposto devido por aquisição de serviços de construção civil, dentro dos limites peticionados pela Requerente»;
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A Notificação daquela decisão arbitral ao Fundo foi realizada Via CTT no dia 13-05-2020 (certidão junta ao processo em 03-02-2023);
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A Notificação daquela decisão arbitral à Autoridade Tributária e Aduaneira foi realizada via email no dia 13-05-2020 (certidão referida);
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Até 03-02-2023 não foi feita comunicação ao CAAD de interposição de recurso ou de impugnação daquela decisão arbitral (certidão referida);
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A conta de custas do processo arbitral n.º 599/2029-T foi notificada às partes no dia 17-07-2020 (certidão referida);
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A Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes procedeu à sua execução da decisão arbitral referida, através da introdução de documentos de correção às declarações periódicas dos períodos de Março de 2014 a Agosto de 2015 e reembolsou o Fundo da quantia de € 101.435,35 (páginas 11 e 14 do Relatório da Inspecção Tributária realizada tendo por objecto o ano de 2019); ( [3] )
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Em cumprimento da Ordem de Serviço n.° 012020..., de 20-09-2020, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção interna de âmbito parcial, relativa a IVA, ao A..., com incidência no ano de 2019;
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Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
III.1 -Correções ao Imposto sobre o Valor Acrescentado -IVA
III.1.1 - Reversão de deduções efetuadas relativas a anteriores correções efetuadas pela Inspeção Tributária €101.435,35
No decurso da ação inspetiva efetuada ao abrigo do Despacho Interno n.° DI2019..., com o objetivo de validar o pedido de reembolso n.° .../..., de 2019-11-11, do Fundo no valor de € 646.478,27, relativo à declaração periódica n.º..., referente ao período de 201909, verificámos que o mesmo resultou maioritariamente da importância de € 751.168,51, deduzida no campo 21 da declaração periódica de 201906.
Questionado, no âmbito do referido reembolso, sobre a dedução de €751.168,51, o A... respondeu, através do e-mail de 2020-01-10, o que passamos a indicar resumidamente:
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"(...) o IVA deduzido pelo Fundo A... respeita às liquidações adicionais deste imposto emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira ("AT") na sequência de uma acção inspectiva parcial em IVA, no âmbito da qual verificou a AT que o Fundo A... «(...) deveria ter procedido à autoliquidação do IVA nos serviços de construção civil, adquiridos ao empreiteiro C... SA Pontevedra Representação em Portugal (NIF...). (...) No âmbito da aquisição dos serviços de construção (...).
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(...) o imposto liquidado adicionalmente pela AT diz respeito a operações tributadas relacionadas com a aquisição de serviços de construção civil de um imóvel, que decorreram no período compreendido entre Março de 2014 e Janeiro de 2018.
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De notar que o IVA cujo reembolso foi solicitado na Declaração Periódica de IVA de Setembro de 2019 respeita, integralmente, à construção do um imóvel destinado ao exercício de uma actividade hoteleira, o qual foi objecto de uma transferência onerosa de exploração, tributada em IVA, tal como a AT confirma no Relatório de Inspecção Tributária (vide página 10). Por conseguinte, não restam dúvidas que o IVA incorrido pelo Fundo A..., liquidado oficiosamente pela AT, pode ser deduzido porquanto se encontra directamente afecto à realização de operações tributadas que conferem tal direito.
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Por outro lado, no que respeita ao momento em que ocorreu a dedução daquele imposto, o Fundo A... entende que o direito à dedução do correspondente imposto, por parte do Fundo, nasceu no momento em que as liquidações adicionais referentes ao IVA que deveria ter sido autoliquidado pelo Fundo A... nos serviços de construção civil foram emitidas pela AT, i.e., em Maio de 2019.
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A este respeito cumpre reforçar que o Fundo A... só procedeu à dedução do IVA respeitante à autoliquidação pela aquisição daqueles serviços de construção civil após o pagamento das liquidações adicionais que, a esse respeito, foram emitidas pela AT. A dedução do imposto em apreço foi concretizada na Declaração Periódica de IVA relativa a Junho de 2019, ou seja, no período de imposto imediatamente seguinte ao da emissão das liquidações adicionais impostas pela AT.
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(...) entende o Fundo A... que o seu direito à dedução relativamente ao IVA liquidado oficiosamente pela AT em Maio de 2019 não deve ser, de forma alguma, precludido, porquanto respeita a operações que conferem o direito à dedução que, de resto, foi exercido atempadamente."
Neste sentido, importa esclarecer que na sequência do pedido de reembolso, efetuado em 9 de agosto de 2018, no montante de € 891.255,70 foi desencadeada uma ação de inspeção tributária em sede de IVA, pela Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo das 012018.../.../.../.../... e 012018..., de que resultaram, entre outras, correções por falta de autoliquidação de IVA, no montante de € 751.168,49, relativamente a serviços de construção civil adquiridos à entidade empreiteira "C... SA", em consequência da desaplicação da regra de inversão do sujeito passivo, conforme descrição dos factos e dos fundamentos do ponto 111.2.2. do relatório de inspeção.
Após a análise efetuada no âmbito do reembolso solicitado na declaração periódica de 201909 não foi efetuada qualquer correção à referida dedução, por se terem aceitado as explicações do A... contantes do e-mail de 2020-01-10 e se ter verificado que a importância deduzida no campo 21 da declaração periódica de 201906, no montante €751.168,51, correspondia às correções efetuadas pela Direção de Finanças de Lisboa relativas à falta de autoliquidação, e foi pago pelo sujeito passivo, conforme Anexo 1, pelo que o reembolso solicitado na declaração periódica de junho de 2019 foi deferido na totalidade.
No entanto, o A..., representado pela sua sociedade gestora B..., S.A., com o NF..., requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.°, n.° 1, alínea a), e 10.° do Decreto-Lei n.° 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade dos atos tributários de liquidação de IVA, de juros compensatórios e de acerto de contas, emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com referência aos anos 2014 a 2018, no montante parcial de € 245.278,50, e correlativas juros de € 89.094,88, requerendo ainda a restituição do imposto indevidamente pago e a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.
A importância de €245.278,502, incluía as correções no valor de € 101.435,35, por falta de autoliquidação de IVA nos serviços de construção civil adquiridos, cujas faturas foram emitidas entre março de 2014 até agosto de 2015, que o A... contestou alegando duplicação da coleta, contido nas correções totais de € 751.168,49.
Em 2020-05-08 o Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) proferiu a decisão arbitral, no Processo n.° 599/2019-T, de 8 de maio de 2020, de considerar procedente o pedido do A..."(...) quanto à exigência de liquidação e pagamento de IVA em relação às faturas de março de 2014 a agosto de 2015, relativamente às quais a Requerente não pode obter o reembolso do imposto que já havia suportado anteriormente."
A decisão do CAAD foi concretizada pela Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes através da introdução de documentos de correção às declarações periódicas dos períodos de março de 2014 a agosto de 2015, anulando deste modo as anteriores correções por falta de autoliquidação na importância de € 101.435,35, efetuadas nessas mesmas declarações, conforme quadro abaixo:
Do exposto, conclui-se que o sujeito passivo recebeu em duplicado o valor de € 101.435,35, pelo que a dedução efetuada pelo A... no campo 21 da declaração periódica de 201906, no total de €751.168,51, deverá ser reduzida na importância de € 101.435,35, em virtude desta última já ter sido revertida pela Justiça Tributária, em cumprimento da decisão do CAAD.
Tendo sido informado desta situação o A... veio referir, através de e-mail de 2020-10-13:
"A este respeito, o Fundo esclarece que não existiu uma dedução excessiva no montante de €101.435,35 no campo 21 da declaração de Junho de 2019.
Com efeito, importa ter presente que o Fundo apresentou, na Declaração Periódica referente ao período de Junho de 2018, um pedido de reembolso de IVA no valor de €891.255,70. Tal montante resultou, concretamente, da acumulação de IVA suportado em facturas recebidas desde Junho de 2014 no âmbito da projecção e construção de um hotel e cujo IVA foi objecto de liquidação pelos respectivos fornecedores.
Na sequência do pedido de reembolso referido supra, foi despoletada, por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira ("AT"), uma acção inspectiva externa de âmbito parcial em sede de IVA, dela resultando:
a) o indeferimento do pedido de reembolso, no valor do € 891.255,70, em virtude da não aceitação da dedução do IVA liquidado pelos fornecedores; e, b) a emissão de liquidações adicionais de IVA, no montante de € 784.089, 59, acrescidas de juros compensatórios, relativas à autoliquidação do imposto devido na aquisição de serviços de construção civil.
No que respeita ao IVA cujo reembolso foi negado (alínea a) supra), o Fundo apresentou pedido de pronúncia arbitral quanto ao imposto liquidado, pelos fornecedores, há mais de 4 anos, no valor de € 101.435,35. Este pedido obteve procedência integral, tendo o A... sido reembolsado do referido montante.
Por outro lado, no que respeita às liquidações adicionais de IVA (alínea b) supra), o Fundo procedeu à dedução do IVA, na declaração periódica de Junho de 2019, respeitante à autoliquidação pela aquisição de serviços de construção civil, o qual foi objecto de reembolso.
Como resulta do acima exposto, o IVA cujo reembolso foi efectuado em concretização da decisão arbitral (processo n.° 599/2019-T) não se confunde com o IVA deduzido na declaração periódica de Junho de 2019. Na verdade, enquanto o primeiro respeita ao IVA (indevidamente) liquidado pelos fornecedores, o segundo é referente ao IVA autoliquidado pelo Fundo (mediante a emissão das liquidações adicionais de imposto pela AT).
Assim, o Fundo entende que não é devida qualquer regularização de IVA com referência ao imposto deduzido na declaração periódica de Junho de 2019."
Não obstante, não assiste razão ao A..., uma vez que conforme a seguir se demostra o que foi efetivamente peticionado pelo Fundo, decidido pelo CAAD e concretizado pela Justiça Tributária foi a anulação das correções de autoliquidação de imposto sobre as faturas emitidas pelos fornecedores entre março de 2014 a agosto de 2015, relativamente às quais o contribuinte alegou que a autoliquidação originava duplicação da coleta.
Assim transcrevem-se as partes mais relevantes do Pedido Arbitral do Fundo e da Decisão Arbitral.
Pedido Arbitral
Paragrafo 31-"(...) pretende a requerente (a) que seja apreciada a legalidade subjacente aos actos tributários de liquidação de IVA, e correspondentes juros compensatórios e de acerto de contas, que tiveram por base o entendimento da AT no sentido de que o IVA contido nos serviços de construção civil adquiridos deveria ter sido autoliquidado pelo Fundo (correspondendo às Facturas de Março de 2014 até Agosto de 2015 inclusive no montante total de IVA de € 101.435,35 -cujo detalhe se encontra no Anexo 3 do Projecto de Relatório de Inspeção Tributária junto enquanto documento 2); (...)"
Paragrafo 41.°-"(...) não poderia a Requerente deixar de notar que a AT optou por, deliberadamente, contrariar o entendimento do Subdiretor Geral da AT, incitando o fundo a autoliquidar o imposto que já havia sido liquidado pela entidade prestadora dos serviços de construção civil."
Paragrafo 45.-"(...) a requerente pretende nesta matéria tão-somente contestar a legalidade dos actos de liquidação de IVA na componente associada às facturas cujo prazo geral de caducidade de quatro anos se encontre precludido."
Paragrafo 65.º - (...) não obstante o fornecedor do Fundo ter, no momento da prestação dos serviços de construção civil, liquidado e entregue nos cofres do Estado o IVA devido por essas operações, ainda assim a AT veio impor novamente a liquidação dos mesmos valores de imposto referentes a tais serviços de construção civil."
Paragrafo 66.º - "Acresce que respeitando, indubitavelmente, tanto o imposto inicialmente liquidado pelo fornecedor como o imposto posteriormente liquidado pela AT ao mesmo facto tributário - reitere-se, as prestações de serviços de construção civil - encontra-se também preenchido o segundo requisito para a aplicação do instituto da duplicação da colecta (...)"
Paragrafo 69.° -"(...) entende a ora Requerente que se está perante uma flagrante situação de duplicação de colecta quando a AT procedeu à emissão dos actos de liquidação adicional de IVA em crise.
Paragrafo 73.º-"(...) encontram-se preenchidos os requisitos estabelecidos para a anulação parcial dos actos tributários acima melhor identificados, em virtude da sua ilegalidade, por motivo de duplicação de colecta, devendo ser restituído ao Fundo o valor de imposto indevidamente pago de €101.435,35 e correspondentes juros compensatórios.
Decisão Arbitral
"Quanto à primeira questão, a Requerente alega que, por efeito da exigência do imposto com base na aplicação da regra da inversão do sujeito passivo, ocorre uma duplicação de colecta, porquanto o IVA havia já sido liquidado e entregue ao Estado pelo prestador dos serviços."
"O que se constata, na situação do caso, é que a correção efetuada pela Autoridade Tributária por não liquidação de IVA relativamente à aquisição de serviços de construção civil se reporta a facturas emitidas entre 31 de Março de 2014 e 31 de Janeiro de 2018, conforme a descrição constante do Anexo III ao Relatório de Inspecção Tributária, e à data em que a Requerente foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária (...) não poderia já obter, pelo decurso do prazo de quatro anos previsto no artigo 98.º, n.° 2 do CIVA, o reembolso do imposto incorrido relativamente às facturas emitidas em 2014 e durante parte do ano de 2015."
(...) não pode deixar de reconhecer-se - como vem alegado - que se verifica a duplicação de coleta porquanto o sujeito passivo suportou o imposto liquidado pelo prestador na aquisição de serviços e é agora obrigado a pagar o mesmo imposto na condição de adquirente dos mesmos serviços, sem que lhe seja dada oportunidade de recuperar parte do imposto relativamente ao qual tenha já decorrido o prazo de quatro anos para o pedido de revisão oficiosa por iniciativa do contribuinte."
"Sendo devida a liquidação de imposto independentemente da preterição da regra da reverse charge, nos termos das apontadas disposições de direito interno e de direito europeu, e não ocorrendo prejuízo para o erário público, não se vê motivo para desconsiderar a liquidação e pagamento de imposto já efectuado e exigir à Requerente um segundo pagamento, que corresponde, na prática, à duplicação de colecta.
Nestes termos, o pedido mostra-se ser procedente quanto à exigência de liquidação e pagamento de IVA em relação às facturas de Março de 2014 a Agosto de 2015, relativamente às quais a Requerente não pode obter o reembolso do imposto que já havia suportado anteriormente."
"Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular os actos tributários de liquidação quanto ao imposto devido por aquisição de serviços de construção civil, dentro dos limites peticionados pela Requerente (...)".
Face ao referido pela A... no seu e-mail de 2020-10-13, após análise do Pedido Arbitral e da Decisão Arbitral importa referir o seguinte.
Contrariamente ao defendido pela A... no seu e-mail, não é correto que "(...) o IVA cujo reembolso foi efectuado em concretização da decisão arbitral (processo n.° 599/2019-T) não se confunde com o IVA deduzido na declaração periódica de Junho de 2019. Na verdade, enquanto o primeiro respeita ao IVA (indevidamente) liquidado pelos fornecedores, o segundo é referente ao IVA autoliquidado pelo Fundo (mediante a emissão das liquidações adicionais de imposto pela AT)."
O IVA devolvido ao A..., em resultado da concretização judicial, no montante de € 101.435,35, acrescido juros compensatórios, foi efetivamente o IVA resultado das correções às autoliquidações efetuadas pela Direção de Finanças de Lisboa, nas declarações periódicas de março de 2014 a agosto de 2015, tanto mais que a concretização judicial foi efetuada por reversão das correções nessas mesmas declarações, tal como foi referido ao sujeito passivo através de contacto telefónico.
Por outro lado, IVA indevidamente liquidado pelos fornecedores foi totalmente deduzido na declaração periódica de junho de 2018, tendo sido igualmente na declaração desse período que a Direção de Finanças de Lisboa efetivou as correções, que no caso em concreto ascenderam ao total de € 741.992,44. Por outro lado, o total das correções à autoliquidação ascendeu a €751.168,49, conforme já mencionado.
Daqui se pode constatar que, apesar do imposto liquidado indevidamente pelos fornecedores e a obrigação de autoliquidação penderem sobre as mesmas faturas, a correção às deduções efetuadas na declaração periódica de junho de 2018 (€741.992,44) e a totalidade das correções efetuada por falta de autoliquidação às faturas de março de 2014 a janeiro de 2018 (751.168,49) apresenta uma diferença de €9.176,05, que conforme referido no relatório de inspeção e na própria decisão judicial, resultou do facto da A... não ter deduzido o IVA contido nas 3 faturas do contrato de empreitada referentes a 2014-03-31, 2014-04-30 e 2014-05-30. Assim a importância de € 9.176,05 não foi deduzida pelo A..., nem corrigida pela AT.
Daqui se comprova que a correção efetuada pela Direção de Finanças de Lisboa relativa à dedução indevida, materializada na declaração periódica de junho de 2018, no que respeita às faturas de construção civil até ao mês de agosto de 2015, ascendeu apenas a € 92.259,31, como o sujeito passivo bem o sabia, pelo que querendo solicitar a anulação da correção ao imposto deduzido e não a anulação da correção à autoliquidação teria solicitado a importância de € 92.259,31 e não € 101.435,35.
Da leitura da decisão do CAAD também não restam dúvidas que mesma determina a anulação das correções relativas à autoliquidação de IVA referentes às faturas de março de 2014 a agosto de 2015, por serem estas que correspondem ao segundo pagamento e originaram a duplicação da coleta.
Relativamente à questão da dedução do IVA indevidamente contido nas faturas dos fornecedores o CAAD não se pronunciou.
Face ao exposto, uma vez que as correções à autoliquidação efetuadas pela Direção de Finanças de Lisboa, materializadas nas declarações periódicas de março de 2014 a janeiro de 2018, no total de €751.168,49, foram deduzidas pela A... na declaração periódica de junho de 2019, pela mesma importância, e que a Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes procedeu à concretização da decisão do CAAD através da introdução de documentos de correção às declarações periódicas dos períodos de março de 2014 a agosto de 2015, anulando as anteriores correções por falta de autoliquidação na importância parcial de € 101.435,35, o sujeito passivo recebeu em duplicado o valor de € 101.435,35, primeiro via reembolso solicitado em 11-11-2019 para o período 1909, segundo via concretização pela Justiça Tributária em cumprimento da decisão arbitral do CAAD, deste modo a dedução efetuada pelo A... no campo 21 da declaração periódica de junho de 2019, no total de € 751.168,513, deverá ser reduzida na importância de€ 101.435,35.
(...)
IX -DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
(...)
IX.1 -Correções ao Imposto sobre o Valor Acrescentado -IVA
Ponto III.1.1 - Reversão de deduções efetuadas relativas a anteriores correções efetuadas pela Inspeção Tributária
€ 101.435,35
O A... pronunciou-se em sede de direito de audição prévia sobre a correção proposta no projeto de relatório de inspeção, no valor de € 101.435,35, alegando que "(...) não existiu por parte do Fundo qualquer dedução excessiva no campo 21 da declaração periódica de Junho de 2019, mais concretamente, no montante de € 101.435,35" (parágrafo 17.°).
Neste sentido, merecem atenção as seguintes alegações do A..., contidas no direito de audição exercido:
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No parágrafo de 24.°, argumenta que "(...) no que respeita ao IVA suportado em facturas recebidas de prestadores de serviços de construção civil, cuja dedução foi realizada na Declaração Periódica referente ao período de Junho de 2018, e cujo reembolso foi indeferido, o Fundo A... apresentou:
i) um pedido de revisão oficiosa relativo ao IVA incorrido há menos de 4 anos (que se encontra a correr termos) e
ii) um pedido arbitral com referência ao IVA com mais de 4 anos, no valor de €101.435,35.
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No parágrafo 27.°, refere que "(...) encontram-se preenchidos os requisitos estabelecidos para a anulação parcial aos actos tributários acima melhor identificados, em virtude da sua ilegalidade, por motivo de duplicação da coleta, devendo ser restituído ao Fundo o valor de imposto indevidamente pago de € 101.435,35 e correspondentes juros compensatórios" (retirado do parágrafo 73.° do pedido de pronúncia arbitral);
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No paragrafo 28.° expõe que "[n]essa sede, e tal como já anteriormente referido, decidiu esse douto Tribunal pela total procedência do pedido apresentado pelo Fundo";
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No parágrafo 29.° alude que "(...) o IVA cujo reembolso foi efectuado em concretização da decisão arbitral não se pode, de alguma forma, confundir com o IVA deduzido na declaração periódica de Junho de 2019";
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No parágrafo 30 alega que "Enquanto o primeiro montante respeita ao IVA (indevidamente) liquidado pelos fornecedores o segundo é referente ao IVA autoliquidado pelo Fundo (mediante a emissão das liquidações adicionais de imposto pela AT)";
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No parágrafo 31° concretiza o seu pensamento referindo que "Mais concretamente, enquanto o primeiro se refere ao pedido de reembolso realizado em 2018, cifrado no montante de € 891.255,70, o segundo, refere-se as correcções levadas a cabo pela AT no âmbito dessa mesma
inspeção cifradas no montante de € 784.089,59".
Face à exposição da A... e para melhor compreensão da situação passamos de seguida enumerar os factos que foram considerados assentes pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e que fundamentaram a sua decisão:
"M) Na sequência de um pedido de reembolso apresentado pelo Fundo em 9 de Agosto de 2018, por ocasião da entrega da declaração periódica de IVA relativa de Junho de 2018, foi desencadeado pela Autoridade Tributária um procedimento inspetivo de carácter externo e parcial em sede de IVA.
N) No âmbito da acção inspectiva, a Autoridade Tributária procedeu à alteração de enquadramento da Requerente em IVA, com efeitos desde 1 de Janeiro de 2014, para o regime de periodicidade mensal com afectação real de todos os bens como sujeito passivo misto para efeitos de IVA;
O) O Relatório de Inspecção Tributária baseou as correcções aritméticas, nas partes mais relevantes nos seguintes considerandos:
III.2. Correcções ao IVA liquidado - €874.166,58
II.2.1. IVA não liquidado- € 122.998,09
[...]
III.2.2. Autoliquidação de IVA em Serviços de Construção Civil- € 751.168,49
(...)
III.3. Correcções ao IVA dedutível- € 885.835,59
(...)
III.3.1. IVA liquidado indevidamente- € 741.992,44
(...)
III.3.2. Dedução indevida- € 143.843,15
(...)
P) As facturas relativas a serviços de construção civil foram emitidas pela sociedade C..., entre as data de 31 de Março de 2014 e 31 de Janeiro de 2018, e encontram-se descritas no anexo III ao Relatório de Inspecção Tributária, que aqui se dá como reproduzido.
Q) O Relatório de Inspecção Tributária foi notificado à Requerente por ofício datado de 30 de Abril de 2019."
Tendo em conta o referido e contrapondo a argumentação do A..., importa desde já referir que é convicção da Inspeção Tributária que a decisão arbitral de "julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular os actos tributários de liquidação quanto ao imposto devido por aquisição de serviços de construção civil, dentro dos limites peticionados pela Requerente", só pode ter origem na correção efetuada pela Direção de Finanças de Lisboa resultante da falta de autoliquidação, por o Fundo não ter aplicado regra da inversão do sujeito passivo, em violação da alínea j) do n.° 1 do artigo 2. do CIVA.
Suportam a nossa convicção os seguintes factos:
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A correção realizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), na sequência do pedido de Reembolso teve 2 componentes:
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Correções por falta de liquidação de IVA no montante total de € 874.166,58, no qual se integra a correção efetuada por falta de autoliquidação de IVA em serviços de construção civil, no valor de € 751.168,49; e
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Correcções ao IVA dedutível no total € 885.835,59, as quais incluem a correção ao IVA liquidado indevidamente, no valor de € 741.992,44;
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O Tribunal deu como assente que (...) no que concerne ao Pedido de reembolso o sujeito passivo não deduziu as 3 facturas iniciais (faturas n.ºs 00214FE/O00001, 00214FE/000002 e 00214FE/000003, de 2014-03-31, 2014-04-30 e 2014-05-30, não obstante estar obrigado à sua autoliquidação. O imposto relativo a estas três faturas ascende a €9.176,05, pelo que a diferença entre o IVA que havia sido liquidado indevidamente e deduzido pelo A..., no valor total de € 741.992,44, e o IVA em falta por não ter sido efetuada a autoliquidação, no montante de € 751,168,49, respeita apenas às três faturas referidas;
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Ora, tendo as facturas relativas a serviços de construção civil sido emitidas pela sociedade C... e tendo o Tribunal conhecimento que as deduções efetuadas pelo Fundo e respetivas correções promovidas pela AT na declaração periódica de junho de 2018, respeitaram apenas às faturas de junho 2014 a janeiro de 2018, consequentemente as correções até agosto de 2015 totalizaram apenas € 92.259,31, pelo que, caso o Tribunal se estivesse a pronunciar pela anulação das correções à dedução, algo que não aconteceu, a sua decisão teria que recair apenas sobre esta importância(€ 92.253,91);
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Importa salientar que as três faturas referidas não foram deduzidas pelo A... na declaração periódica de junho de 2018, uma vez que já havia passado o prazo para a sua dedução, nomeadamente nos termos do referido no n." 2 do art.° 98.° do CIVA, pelo que nunca poderia o A... pedir a devolução daquele imposto no valor de €9.176,05, nem vir agora sustentar que o valor decidido pelo CAAD teve origem nas correções às deduções relativas ao IVA liquidado indevidamente pela sociedade C..., no total de€ 741.992,44;
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Por outro lado, o A... refere sempre, no direito de audição, como valor peticionado e concedido pelo Tribunal, o montante de € 101.435,35, apesar de ter o perfeito conhecimento que as correções relativas à falta de autoliquidação de IVA até agosto de 2015 ascenderam a € 101.435,35, enquanto as correções por dedução indevida até à mesma data foram apenas de € 92.259,31, o que evidencia que as correções que estavam a ser discutidas e foram decididas em Tribunal foram as primeiras;
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No mesmo sentido, a decisão do CAAD, ao considerar que "Sendo devida a liquidação de imposto independentemente da preterição da regra da reverse charge, nos termos das apontadas disposições de direito interno e de direto europeu, e não ocorrendo prejuízo para o erário público, não se vê motivo para desconsiderar a liquidação e pagamento de imposto já efectuado e exigir à Requerente um segundo pagamento, que corresponde, na prática, à duplicação de colecta. (sublinhado da AT), demonstra inequivocamente que as correções que considera deverem ser anuladas são as relativas à falta de autoliquidação de IVA sobre os serviços de construção civil relativamente às faturas de março de 2014 até agosto de 2015, uma vez que foram estas correções que originaram a duplicação da coleta.
Nestes termos, está provado, que o Tribunal ao decidir que "o pedido mostra-se ser procedente quanto à exigência de liquidação e pagamento de IVA em relação às facturas de Março de 2014 a Agosto de 2015, relativamente às quais a Requerente não pode obter o reembolso do imposto que já havia suportado anteriormente", apenas se poderá estar a referir às correções efetuadas relativamente à falta de autoliquidação pelo A... com relação às faturas relativas ao período de março de 2014 a agosto de 2015.
Por outro lado, conforme já referido no projeto de relatório e no ponto 111 do presente documento, sobre a legitimidade das correções à dedução indevida o CAAD não se pronunciou, tendo apenas decidido sobre as correções por falta de autoliquidação e relativamente a estas apenas nos períodos em que a impossibilidade de obter o reembolso do imposto liquidado indevidamente pelo prestador dos serviços originava uma duplicação da coleta.
Não tem razão igualmente o A... ao referir que "(...) o IVA cujo reembolso foi efetuado em concretização da decisão arbitral não se pode, de alguma forma, confundir com o IVA deduzido na declaração periódica de Junho de 2019" (parágrafo 29."%), uma vez que:
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O IVA deduzido na declaração periódica de junho de 2019, foi, conforme referido pelo sujeito passivo, o IVA liquidado de AT pela falta de autoliquidação das faturas de construção civil de março de 2014 a janeiro de 2018;
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A anulação parcial das correções efetuadas pela AT, na sequência da decisão do CAAD, foi concretizada, pela Justiça Tributária da UGC, nas declarações periódicas de março de 2014 a agosto de 2015, anulando assim às liquidações adicionais promovidas pela AT, por falta de autoliquidação nos períodos em questão;
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Assim o procedimento da Justiça tributária da UGC resultou na devolução parcial de imposto, corrigido por falta de autoliquidação, relativamente ao qual o A... já havia efetuado a dedução na declaração periódica de junho de 2019.
Se contrariamente a Justiça Tributária da UGC pretendesse devolver ao A... o IVA relativo às correções efetuadas por dedução indevida relativa às faturas de serviços de construção civil, tê-lo-ia efetuado na declaração periódica de junho de 2018, declaração na qual tinha sido efetuada a dedução pela A... e a correção pela AT.
Assim, uma vez que foi devolvido pela Justiça Tributária da UGC o IVA corrigido pela AT relativamente às faturas de construção civil, no valor de € 101.435,35, relativo à falta de autoliquidação, e tendo esta importância sido deduzida pelo A... na declaração periódica de Junho de 2019, terá que ser mantida a correção proposta no projeto de correção de forma e evitar uma dupla devolução do mesmo imposto:
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primeiro via reembolso solicitado em 11-11-2019 para o período 1909 no montante de € 646.478,27 (o qual inclui o montante de IVA em falta no valor de € 751.168,49, relativamente a serviços de construção civil adquiridos à entidade empreiteira "C... SA", em consequência da desaplicação da regra de inversão do sujeito passivo após pagamento por parte do A... das liquidações adicionais emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira);
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segundo via concretização pela Justiça Tributária em cumprimento da decisão arbitral do CAAD, processo n.° 599/2019-T de 8 de maio de 2020.
Face ao exposto, já que em resultado da concretização pela AT da decisão do CAAD, o A... recebeu em duplicado o montante de € 101.435,35, incluído no valor de€751.168,51, registado no campo 21 da declaração periódica de junho de 2019, deverá assim este último ser diminuído no montante de € 101.435,35, pelo que se mantém a correção proposta no projeto de relatório.
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Na sequência desta inspecção ao ano de 2019, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação adicional de IVA n.º ... ( [4] ), a demonstração de liquidação de IVA n.º 2021 ... e a demonstração de acerto de contas com o número de compensação 2021 ..., que constam do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, de que resultou o valor a pagar de € 101.435,35;
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Em 11-03-2022, a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa dos actos referidos (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e processo administrativo);
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O pedido de revisão oficiosa foi indeferido por despacho de 23-06-2022, proferido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo de Delegação de Competências;
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Em 28-09-2022, o Fundo apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não Provados
Não se provou que o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa tivesse sido notificado ao Fundo ou à Requerente.
Na verdade, do processo administrativo conta cópia de um ofício destinado à notificação mas não se refere nele qualquer número de registo postal nem qualquer elemento que possa levar a concluir que tenha sido notificado.
2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente, os que constam do processo administrativo e a certidão da decisão arbitral proferida no processo 599/2019-T.
Não há controvérsia sobre o conteúdo textual dos documentos, apenas havendo divergência parcial das Partes quanto a sua interpretação.
3. Questão da incompetência material do Tribunal Arbitral
3.1. Posições das Partes
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que se verifica a incompetência material do Tribunal Arbitral pelas seguintes razões, em suma:
– o artigo 24.º, n.º 1, do RJAT prevê várias possibilidades de execução de julgado, inclusivamente a prática de novos actos em substituição de anteriores, não tendo este Tribunal Arbitral competência para decidir quais os efeitos que essa decisão arbitral deve ter, nomeadamente afastar a possibilidade de renovação total ou parcial do acto impugnado nesse outro processo;
– assim, interpretando conjugadamente as normas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 24.º, n.º 1, do RJAT, conclui-se que nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não se inclui a declaração de ilegalidade de actos com fundamento em ilegalidades conexionadas com a execução de decisões arbitrais, pelo menos enquanto não estiverem assentes os termos da execução.
Na pronúncia que apresentou sobre esta excepção, a Requerente não se pronuncia sobre a questão colocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, mas sim sobre a competência material dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de indeferimentos tácitos de pedidos de revisão oficiosa de actos de liquidação, questão que não é objecto de controvérsia e sobre a qual é unânime a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo ( [5] ).
Assim, apreciar-se-á apenas a questão de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
3.2. Competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciação da legalidade de actos de liquidação praticados em execução de julgado
A questão da incompetência que a Autoridade Tributária e Aduaneira coloca é a de saber se, tendo em conta o preceituado no artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, designadamente a possibilidade de renovação total ou parcial do acto impugnado no processo arbitral em que foi proferida a decisão que se executa, se inclui nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a declaração de ilegalidade de actos com fundamento em ilegalidades conexionadas com a execução de decisões arbitrais.
Conclui-se da certidão emitida pelo CAAD junta ao processo em 03-02-2023, que a decisão arbitral transitou em julgado antes de 17-07-2020, data em que foi feita a notificação da conta de custas, após o trânsito em julgado, nos termos do artigo 4.º n.º 6, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária do CAAD.
O período em que há possibilidade legal de a Autoridade Tributária e Aduaneira determinar os termos da execução de decisões arbitrais é o de execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários (artigo 24.º, n.º 1, do RJAT), que é o prazo procedimental de 90 dias, contado a partir da data do trânsito em julgado da decisão (artigo 146.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT, e artigo 175.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, para que naquele n.º 1 se remete).
A liquidação impugnada foi emitida em Janeiro de 2021, muito depois do termo do prazo para execução de julgado, e não foi emitida com base no âmbito ou na sequência de um procedimento que visasse a execução da referida decisão arbitral, mas sim com base num procedimento de inspecção tributária, que «visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias» (artigo 2.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira).
Por outro lado, a liquidação impugnada baseia-se em factos (excesso no exercício do direito à dedução) ocorridos em 2019, pelo que não pode considerar-se renovação da liquidação que foi anulada no processo n.º 599/2019-T, que tinha por objecto factos (falta de liquidação de IVA em situações de inversão do sujeito passivo) ocorridos em 2014 e 2015.
Assim, apesar de a liquidação impugnada ter alguma conexão com a decisão arbitral, na medida em que o excesso de dedução de IVA que a justifica decorre da anulação das liquidações em que se baseou o exercício do direito à dedução, não pode considerar-se um acto de execução daquele decisão, designadamente não podendo considerar-se um acto de renovação do acto impugnado, admitida pelo artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, a que alude a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Por outro lado, a emissão de actos renovadores dos actos anulados por decisões arbitrais, só se insere no poder/dever que é atribuído à Autoridade Tributária e Aduaneira pelo artigo 24.º, n.º 1, do RJAT quando tal emissão decorre dos «exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo». No caso em apreço, quanto à parte da decisão arbitral que anulou as liquidações anteriores emitidas com fundamento em falta de liquidação de IVA em 2014 e 2015, por tal implicar duplicação de colecta, é manifesto que não se contém nos termos da procedência da decisão arbitral a possibilidade de renovação, pois esta, tendo como pressuposto os mesmos factos tributários, implicaria necessariamente a reincidência na duplicação de colecta que justificou a anulação.
Para além disso, a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal Administrativo é no sentido de que «o processo executivo tende a conferir efectividade prática ao respectivo título, a que por inteiro se subordina, não servindo para se obterem pronúncias declarativas sobre questões novas e independentes» e que qualquer vício do acto emitido em execução era «declarável em processo a instaurar para o efeito, mas não configura uma infidelidade ao acórdão exequendo». ( [6] )
A fundamentação desta jurisprudência do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo pode considerar-se duvidosa à face do regime do CPTA, como bem evidenciam, desde logo, os sete votos de vencido que foram emitidos.
Mas, as dúvidas sérias que se suscitam relativamente a esta jurisprudência maioritária reportam-se, como decorre dos votos de vencido, à decidida inadmissibilidade de utilização do processo de execução de julgados e consequente obrigatoriedade de utilização de meio impugnatório autónomo para sindicar a legalidade dos actos praticados em execução que enfermem de vícios que não apreciados pela decisão exequenda e não sobre a possibilidade de optar pela impugnação autónoma, quando o interessado apenas pretende discutir a legalidade do conteúdo inovador dos actos praticados em execução do julgado, possibilidade esta que sempre foi permitida e resulta do teor literal das normas que prevêem a possibilidade de impugnação contenciosa.
Isto é, a crítica que se pode fazer a esta jurisprudência é por impor impugnação autónoma para apreciar vícios exclusivos do novo acto e não por a proibir.
Por isso, a liquidação impugnada no presente processo não foi emitida no âmbito de um procedimento de execução da decisão arbitral, nem pode considerar-se um acto de execução desta decisão cuja apreciação da legalidade deve ocorrer em processo de execução de julgado, tratando-se, antes, de um acto de liquidação emitido na sequência de factos apurados num procedimento de inspecção, distintos dos que foram apreciados na decisão arbitral, cuja legalidade, à luz daquela jurisprudência do Pleno, só pode ser apreciada em processo impugnatório próprio.
Assim, sendo os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competentes para a apreciação da legalidade de actos de liquidação, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, tem de se concluir pela competência deste Tribunal Arbitral.
Pelo exposto, improcede a excepção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
4. Tempestividade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral
O Fundo faz referência a indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, mas constata-se que foi proferida decisão expressa de indeferimento, antes de decorrido o prazo de 4 meses previsto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT para a formação de indeferimento tácito.
No entanto, não se provou que o Fundo tivesse sido notificado daquela decisão.
De qualquer modo, o acto cuja anulação é pedida é o de liquidação adicional de IVA, pelo que a notificação da decisão do pedido de revisão oficiosa ou a formação de indeferimento tácito apenas relevam para efeitos de apurar a tempestividade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, à face do preceituado no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, com remissão para as alíneas d) e e) do n.º 1, do artigo 102.º do CPPT.
No caso em apreço, não se provando que a decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa tivesse sido notificada ao Fundo, o momento relevante para apreciar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral é o da formação de indeferimento tácito.
O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 11-03-2022, pelo que o prazo para formação de indeferimento tácito terminou em 11-07-2022, nos termos dos referidos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT.
Por isso, o prazo de 90 dias para apresentação de pedido de pronúncia arbitral, previsto no artigo 10.º, mº 1, alínea a), do RJAT, terminaria em 09-10-2022.
Tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado em 28-09-2022, é manifesta a sua tempestividade.
5. Questão da ilegalidade da correcção subjacente à liquidação impugnada
O Fundo adquiriu serviços de construção civil, entre os quais se incluem os prestados por uma empresa construtora, nos anos de 2014 e 2015.
Relativamente a facturas respeitantes aos meses de Março de 2014 a Agosto 2015, a empresa fornecedora dos serviços de construção civil liquidou IVA, no valor de € 101.435,35, que o Fundo pagou, relativamente ao qual efectuou dedução e apresentou, depois, em 09-08-2018, um pedido de reembolso.
Para apreciar o pedido de reembolso, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção ao Fundo em que constatou que este não tinha autoliquidado IVA, fazendo aplicação do regime de inversão do sujeito passivo, de harmonia com o disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, relativamente a várias facturas emitidas por aquela empresa que lhe forneceu serviços de construção civil, entre as quais as respeitantes aos meses de Março de 2014 a Agosto 2015.
Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu o pedido de reembolso e emitiu liquidações adicionais de IVA correspondentes às autoliquidações omitidas, que, quanto à facturas relativas aos meses referidos, totalizaram € 101.435,35, quantia esta que a Requerente pagou, com referência a essas liquidações adicionais.
No período de 2019-06, o Fundo deduziu o IVA liquidado pela Autoridade Tributária e Aduaneira nestas liquidações adicionais, em que se inclui o referido valor de € 101.435,35 e, com a declaração relativa ao período 2019-09, apresentou, em 11-11-2019, um pedido de reembolso, que foi deferido.
Na sequência do deferimento do pedido de reembolso de 11-11-2019, o Fundo foi efectivamente reembolsado daquele valor de € 101.435,35, que pagara com referência as liquidações adicionais.
Paralelamente à dedução do IVA e apresentação do pedido de reembolso em 11-11-2019, o Fundo apresentou um pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao processo do CAAD n.º 599/2019-T, em que, além do mais, impugnou, com fundamento em duplicação de colecta, as liquidações adicionais de IVA correspondentes às autoliquidações omitidas referentes às facturas respeitantes aos meses de Março de 2014 a Agosto 2015, no valor de € 101.435,35.
O pedido de pronúncia arbitral foi julgado procedente e, na sequência do trânsito em julgado da decisão, a Administração Tributária reembolsou o Fundo da quantia de € 101.435,35.
Em inspecção realizada ao período de 2019, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que «o sujeito passivo recebeu em duplicado o valor de € 101.435,35, pelo que a dedução efetuada pelo A... no campo 21 da declaração periódica de 201906, no total de €751.168,51, deverá ser reduzida na importância de € 101.435,35, em virtude desta última já ter sido revertida pela Justiça Tributária, em cumprimento da decisão do CAAD».
O Fundo defende, em suma, o seguinte:
– no que respeita ao IVA suportado em facturas recebidas de prestadores de serviços de construção civil, cuja dedução foi realizada na Declaração Periódica referente ao período de Junho de 2018, e cujo reembolso foi indeferido, o Fundo A... apresentou:
i. um pedido de revisão oficiosa relativo ao IVA incorrido há menos de 4 anos (que se encontra a correr termos) e
ii. um pedido arbitral com referência ao IVA com mais de 4 anos, no valor de € 101.435,35;
– o valor de € 101.435,35 que lhe foi reembolsado na sequência da decisão arbitral «respeita ao IVA (indevidamente) liquidado pelos fornecedores, cuja ilegalidade foi objecto de apreciação pelo tribunal arbitral»;
– por isso, a AT não tem razão, uma vez que o imposto no montante global de € 101.435,35, que aqui se discute, não foi entregue em duplicado ao Fundo, padecendo a correcção propugnada pela AT, assim como a respectiva liquidação adicional que lhe sucedeu, de manifesto erro que se considera “imputável aos serviços”.
O Fundo faz referência, nos artigos 43.º e 61.º do pedido de pronúncia arbitral, à imputação à liquidação impugnada de ilegalidade por erro sobre os «pressupostos de facto e de direito que regem o exercício do direito à dedução», mas não identifica qualquer norma ou princípio jurídico relativo ao exercício do direito à dedução que tenha sido violado, fazendo referência apenas às normas legais de que entende decorrer o dever de revisão oficiosa de actos de liquidação ilegais, designadamente os artigos 266.º, n.ºs 1 e 2, da CRP e 55.º e 78.º n.º 1, da LGT.
5.1. Vício de erro sobre os pressupostos de facto
O erro sobre os pressupostos de facto que o Fundo invoca é sobre a existência de reembolso de IVA em duplicado do valor de € 101.435,35:
– a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que tanto o reembolso de IVA concretizado na sequência do pedido de reembolso de 2019 como o efectuado em execução da decisão arbitral proferida no processo n.º 599/2019-T se reportam ao IVA que foi liquidado pela Autoridade Tributária e Aduaneira nas liquidações adicionais emitidas aplicando a regra da inversão do sujeito passivo, que foram anuladas nesse processo;
– o Fundo entende que o reembolso do IVA operado na sequência em execução da decisão arbitral referida, se reporta ao indevidamente liquidado pelos fornecedores, cujas liquidações entende terem sido objecto daquele processo n.º 599/2019-T: «não há dúvida que o valor de € 101.435,35 respeita ao IVA (indevidamente) liquidado pelos fornecedores, cuja ilegalidade foi objecto de apreciação pelo tribunal arbitral» (artigo 56.º do pedido de pronúncia arbitral).
No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém o entendimento adoptado no RIT.
Como resulta da matéria de facto fixada, o Fundo foi reembolsado duas vezes da quantia de € 101.435,35, que pagou com referência às liquidações adicionais emitidas aplicando a regra da inversão do sujeito passivo:
– uma vez, na sequência do exercício do direito à dedução no período de 2019-06 e do subsequente pedido de reembolso que apresentou em 11-11-2019, que foi deferido;
– outra vez, no âmbito da execução da decisão arbitral que anulou essa liquidação adicional.
O Fundo defende que o pedido de pronúncia arbitral que apresentou e deu origem ao processo 599/2019-T teve por objecto as liquidações de IVA efectuadas pelos fornecedores e não a liquidação adicional efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, por falta de autoliquidações referentes às facturas respeitantes aos meses de Março de 2014 a Agosto 2015, mas é manifesto, à face do texto dessa decisão, que isso não sucedeu.
Na verdade, refere-se naquela decisão arbitral o seguinte:
– o Fundo «... vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), de juros compensatórios e de acerto de contas, emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com referência aos anos 2014 a 2018»;
– « Relativamente aos actos tributários emitidos com referência às facturas de Março de 2014 até Agosto de 2015 cujo IVA deveria ter sido autoliquidado pelo Fundo, por via da aplicação do mecanismo da inversão do sujeito passivo ... a correcção efetuada pela AT, a esse título, constitui duplicação de colecta»;
– «O pedido arbitral circunscreve-se às correcções efectuadas pela Autoridade Tributária, no âmbito de uma acção inspectiva, que resultam da não liquidação de IVA em relação a serviços de construção civil em que a responsabilidade pelo pagamento do imposto incumbia à Requerente na qualidade de adquirente desses serviços, nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA ...»;
– «... a correcção efectuada pela Autoridade Tributária por não liquidação de IVA relativamente à aquisição de serviços de construção civil se reporta a facturas emitidas entre 31 de Março de 2014 e 31 de Janeiro de 2018 ...»;
– «... se verifica a duplicação de colecta porquanto o sujeito passivo suportou o imposto liquidado pelo prestador na aquisição de serviços e é agora obrigado a pagar o mesmo imposto na condição de adquirente dos mesmos serviços, sem que lhe seja dada oportunidade de recuperar parte do imposto relativamente ao qual tenha já decorrido o prazo de quatro anos para o pedido de revisão oficiosa por iniciativa do contribuinte»;
– «... não se vê motivo para desconsiderar a liquidação e pagamento de imposto já efectuado e exigir à Requerente um segundo pagamento, que corresponde, na prática, à duplicação de colecta»;
– «o pedido mostra-se ser procedente quanto à exigência de liquidação e pagamento de IVA em relação às facturas de Março de 2014 a Agosto de 2015, relativamente às quais a Requerente não pode obter o reembolso do imposto que já havia suportado anteriormente»;
– «Termos em que se decide ... Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular os actos tributários de liquidação quanto ao imposto devido por aquisição de serviços de construção civil, dentro dos limites peticionados pela Requerente».
Como resulta claramente destes excertos, naquele processo n.º 599/2019-T o Fundo pediu a pronúncia arbitral para apreciar a legalidade dos actos tributários de liquidação de IVA «emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira», na sequência da inspecção efectuada na sequência do pedido de reembolso de 2018, e não a apreciação da legalidade das liquidações de IVA efectuadas pelos fornecedores nas facturas.
Por outro lado, o fundamento da anulação decidida pelo Tribunal Arbitral foi a duplicação de colecta, que de harmonia com o preceituado no artigo 205.º do CPPT, só se pode verificar em relação à exigência de pagamento de um imposto já pago: no caso referido, o Tribunal Arbitral entendeu que, como o Fundo já tinha suportado o IVA liquidado pelos fornecedores nas facturas dos meses de Março de 2014 até Agosto de 2015, a exigência do IVA liquidado pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sequência da inspecção enfermava de duplicação de colecta.
Não há assim, qualquer dúvida que os actos anulados naquele processo 599/2019-T foram os actos de liquidação adicional de IVA praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, na sequência da inspecção efectuada em 2018 e não as liquidações de IVA efectuadas pelos fornecedores.
E, consequentemente, também não há qualquer dúvida de que o reembolso da quantia de € 101.435,35, efectuado pela Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, que se refere na alínea M. da matéria de facto fixada, se reporta ao IVA liquidado adicionalmente pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Assim, tendo o Fundo com base, nessas liquidações emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira obtido já o reembolso daquela quantia por via do exercício do direito a dedução, conclui-se que foi reembolsado duas vezes da quantia referida, que pagou uma única vez, relativamente às liquidações adicionais emitidas pela Administração Tributária.
Pelo exposto, o pedido de pronúncia arbitral não enferma do vício de erro sobre os pressupostos de facto que o Fundo lhe imputa.
5.2. Erro sobre os pressupostos de direito
Como se referiu, o Fundo faz referência também a erro sobre os «pressupostos ... de direito que regem o exercício do direito à dedução», mas não indica qualquer norma ou princípio relativo a esse exercício que tenha sido violado.
De qualquer forma, a norma específica que rege o exercício do direito à dedução nos casos de inversão do sujeito passivo é o n.º 8 do artigo 19.º do CIVA, que estabelece que «nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação».
Está ínsito nesta norma que só existe o direito à dedução na medida em que subsista na ordem jurídica uma liquidação ou autoliquidação efectuada com fundamento nessa obrigação de liquidação e pagamento do imposto pelo adquirente dos bens ou serviços.
A referida anulação judicial das liquidações adicionais tem eficácia retroactiva, como decorre do preceituado no artigo 163.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo de 2015, efeito retroactivo este que está também ínsito no dever de «plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade», previsto no artigo 100.º da LGT e mais concretizado no artigo 24.º, n.º 1, do RJAT.
Assim, para efeito do exercício do direito à dedução baseado nas liquidações adicionais anuladas judicialmente, tudo se passa como se elas não tivessem sido emitidas.
Consequentemente, tendo sido eliminado retroativamente o direito à dedução que o Fundo com base naquelas liquidações adicionais exercera, a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira, ao concretizar a sua eliminação através da exigência de pagamento ínsita na liquidação impugnada no presente processo, não viola qualquer regra relativa ao exercício daquele direito.
Pelo exposto, a liquidação impugnada não enferma de vício de erro sobre os pressupostos de direito.
5.3. Pedido de anulação, reembolso e juros indemnizatórios
O Fundo formula no pedido de pronúncia arbitral pedidos de anulação da liquidação impugnada, reembolso do imposto pago relativamente a ela e de juros indemnizatórios.
Não enfermando a liquidação impugnada dos vícios que o Fundo lhe imputa, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de anulação da liquidação.
Por outro lado, dependendo da anulação da liquidação os pedidos de reembolso e de juros indemnizatórios, a improcedência do pedido de anulação tem como consequência a improcedência dos restantes pedidos.
6. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 101.435,35, valor indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Fundo.
Lisboa, 22-02-2023
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(relator)
(João Menezes Leitão)
(Rui Miguel Zeferino Ferreira,)
[1] É este o valor indicado na decisão arbitral proferida no processo n.º 599/2019-T.
No RIT fazem-se referências ao valor de € 751.148,51, mas a diferença de 2 cêntimos não é relevante para a decisão da causa.
[2] A Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa quanto IVA respeitante as restantes facturas, como refere ano artigo 51, i) do pedido de pronúncia arbitral.
[3] A Requerente confirma o reembolso no email de 13-10-2020, reproduzido na página 11 do RIT que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral.
[4] A Requerente indica o n.º 104182878, que é o número do documento e não o número da liquidação.
[5] A título de exemplo, indicam-se os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-04-2017, processo n.º 8599/15; de 25-06-2019, processo n.º 44/18.6BCLSB; de 11-07-2019, processo 147/17.4BCLSB; e de 13-12-2019, processo n.º 111/18.6BCLSB.
[6] Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2006, processo n.º 1A/02, com nove votos a favor e sete contra.