Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 562/2022-T
Data da decisão: 2023-03-08  IRS  
Valor do pedido: € 42.641,87
Tema: IRS - Regime fiscal do residente não habitual - Rendimentos das categorias A e B - Actividade de elevado valor acrescentado de carácter científico, artístico ou técnico.
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SUMÁRIO: I - A tributação dos rendimentos do trabalho dependente e independente à taxa especial de 20% prevista no regime do residente não habitual, exige que os mesmos provenham do exercício de uma actividade de elevado valor acrescentado com carácter científico, artístico ou técnico. II - A prestação de serviços de consultoria (planificação, coordenação, operacionalização, gestão e apoio) não constitui uma actividade de investigação científica e desenvolvimento (código 714 da Portaria n.º 12/2010, de 7 de Janeiro), por  não preencher os conceitos de investigação fundamental, investigação aplicada ou desenvolvimento experimental (código 72 da tabela CAE). III - As decisões de deferimento e indeferimento de duas reclamações graciosas, submetidas pelo mesmo sujeito passivo e relativas a diferentes períodos de tributação, não constituem uma actuação discriminatória ou desigual por parte da Administração Fiscal, dado que os fundamentos dessas decisões assentam em diferentes enquadramentos fácticos e de direito.

 

DECISÃO ARBITRAL

A..., com o número de identificação fiscal ... e domicílio em ..., ..., Finlândia (doravante designado por “Requerente”), solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).

I.       Relatório

O pedido formulado pelo Requerente consiste (i) na declaração de ilegalidade do acto de liquidação n.º 2017 ... de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referente ao ano de 2016, no valor de € 42.641,87, com a consequente revogação do indeferimento expresso da reclamação graciosa por si apresentada e (ii) o pagamento de juros indemnizatórios.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 6 de Dezembro de 2022.

Em 20 de Janeiro de 2023, a Requerida apresentou a sua Resposta e juntou o processo administrativo.

Por despacho deste Tribunal foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

Posição do Requerente

No pedido de pronúncia arbitral o Requerente alega que:

  1. É um cidadão de nacionalidade finlandesa, residente não habitual em Portugal desde 2015, tendo-lhe o correspondente estatuto sido reconhecido em 7 de Outubro de 2015;
  2. A partir do ano de 2015 era considerado trabalhador da entidade “B...”, empresa sediada na Finlândia. Ao abrigo da relação laboral com esta entidade patronal, prestou serviços de assessoria às “Operações Educativas Internacionais da C...”, através de contrato celebrado (pela entidade patronal) com o Instituto Politécnico ...;
  3. Em 13 de Junho de 2017, apresentou a declaração de IRS relativamente ao ano de 2016, na qual indicou rendimentos enquadráveis nas categorias A e B. Nessa declaração submeteu o anexo L (residente não habitual), tendo assinalado o regime de tributação sobre rendimentos de atividades de elevado valor acrescentado, com opção pela tributação autónoma;
  4. Foi notificado da liquidação adicional n.º 2017..., relativamente ao período de 2016 e no montante de 42.641,87 €, na medida em que a AT considerou não ser aplicável o regime de residente não habitual (do qual decorreria a aplicação de uma taxa autónoma de 20% sobre os rendimentos provenientes de actividade de elevado valor acrescentado);
  5. Em 7 de Dezembro de 2017, apresentou reclamação graciosa, cuja decisão de indeferimento lhe foi notificada em 20 de Junho de 2022. Entendeu a AT que o Requerente deveria “apresentar documentação que clarifique a função que exerceu, demonstrando inequivocamente que se tratou de uma atividade constante da Tabela de Atividades de elevado Valor Acrescentado, aprovada pela Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro (…)”;
  6. Todavia, não oferece dúvida que as actividades exercidas pelo Requerente se enquadram no código 714 referente a “actividades de investigação científica e desenvolvimento”. Não considerar as suas actividades como de elevado valor acrescentado, significa declarar inútil o conteúdo da Portaria n.º 12/10, de 7 de janeiro, porquanto não se descortina que tipo de actividades preencheriam esse código 714;
  7. Foi entregue uma declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2017, na qual foram incluídos rendimentos auferidos ao abrigo da mesma relação laboral. Devido a um lapso na indicação do período de residência em Portugal, foi submetida uma declaração de substituição;
  8. A AT não aceitou essa declaração de substituição e emitiu uma nota de liquidação de imposto no valor de € 20.878,16, da qual foi apresentação reclamação graciosa em que se voltou a discutir a aplicabilidade do regime associado ao estatuto de residente não habitual;
  9. A AT deferiu esta reclamação graciosa refente ao IRS do ano de 2017, tendo a correspondente nota de liquidação sido anulada;
  10. O estatuto de residente não habitual é atribuído sem exigência de reconhecimento administrativo prévio quanto ao enquadramento da actividade exercida ou a exercer. Com efeito, o enquadramento como actividade de elevado valor acrescentado pode ser provado a qualquer momento;
  11. A AT considerou o Requerente como residente não habitual em 2016 e 2017, mas decidiu-se pela aplicação de um tratamento diferenciado quanto aos rendimentos auferidos a título de trabalhado dependente. Que considerou como não tributáveis em 2017, mas não em 2016;
  12. Impõe-se um enquadramento fiscal uniforme, uma vez que as situações fáctica e de direito são idênticas e se mantiveram inalteradas ao longo de 2016 e 2017. Sob pena de manifesta violação dos princípios, de dignidade constitucional, da igualdade e legalidade;
  13. Acresce que o indeferimento da reclamação graciosa referente a 2016, e consequente não aplicação do regime de residente não habitual, materializa-se na violação dos princípios da segurança e da confiança jurídicas. Isto, porquanto o comportamento da AT provocou no Requerente a falsa expectativa acerca da sua situação e enquadramento tributários;
  14. Por fim, a reconstituição natural, vertida na anulação do acto tributário controvertido e restituição do valor indevidamente pago ao Requerente, conduz ao direito a receber juros indemnizatórios.

Posição da Requerida

A Requerida apresentou contestação, tendo alegado que:

  1. O Requerente está inscrito no cadastro fiscal como residente não habitual, durante o período de 2015 a 2024 (ainda que suspensa, desde 2017-08-23) e não se encontra associado a qualquer tipo de actividade de elevado valor acrescentado;
  2. No Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes verifica-se a inclusão do Requerente como residente não habitual com início em 2015. No entanto, o registo é omisso quanto ao código de actividade de elevado valor acrescentado, conforme identificado na Portaria n.º 12/2010, de 7 de Janeiro. Pelo que ao Requerente foi atribuído o código 888: “sem actividade de elevado valor acrescentado;
  3. A submissão da declaração de IRS de 2016 originou a abertura de um processo de divergência, para efeitos de comprovação do exercício de uma actividade de elevado valor acrescentado. Processo este que foi suspenso após apresentação da reclamação graciosa, a qual foi expressamente indeferida;
  4. A questão decidenda centra-se não no estatuto de residente não habitual, mas antes na apreciação da actividade económica exercida pelo Requerente. Concretamente, importa determinar se os rendimentos auferidos em 2016 provêm ou não do desempenho de actividades de prestação de serviços de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico;
  5. A Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, que procedeu à listagem da tabela de actividades de elevado valor, determina que as dúvidas interpretativas respeitantes ao âmbito e alcance dessas actividades, devem ser enquadradas nos códigos de actividade económica (CAE) vigentes à data da entrada em vigor da citada portaria;
  6. Consultado o código “72 - actividades de investigação científica e de desenvolvimento” da Classificação Portuguesa das Actividades Económicas (revisão 3), ao qual corresponde o código 714 da Portaria n.º 12/2010, de 7 de Janeiro, verifica-se que ao mesmo não se subsumem as actividades desempenhadas pelo Requerente em 2016;
  7. O contrato celebrado entre a B... e o Instituto Politécnico ... versa sobre o “fornecimento de serviços de assessoria às operações educativas da C...”, visando a articulação operacional entre a C... e as demais instituições internacionais de ensino, através da implementação de programas educativos conjuntos;
  8. Não se alcança de que modo o exercício das tarefas subjacentes ao cumprimento do contrato, poderá concorrer para o conceito de actividades de investigação científica e de desenvolvimento;
  9. De acordo com a declaração modelo 3 submetida pelo Requerente para o ano de 2016, encontra-se discriminada a quantia de € 103.500,00€, no quadro 4A do anexo J (rendimentos da categoria A obtidos no estrangeiro), a que corresponde o código do país da fonte n.º 246 - Finlândia);
  10. Todavia, o Requerente não referiu qualquer imposto suportado na Finlândia nem provou a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse país. Não lhe sendo, por esse motivo, aplicável o regime de isenção para os rendimentos auferidos no estrangeiro pelos sujeitos passivos enquadrados no regime de residente não habitual;
  11. Quanto ao deferimento da reclamação graciosa referente aos rendimentos auferidos em 2017, tal decisão versou sobre a atribuição da condição de residente não habitual ao contribuinte, independentemente da suspensão desse regime, por saída do país do requerente durante esse mesmo ano. O que lhe permitiu, durante o período de tributação de 2017, beneficiar da tributação segundo o regime dos residentes não habituais;
  12. Acresce que, nesse mesmo ano de 2017, o Requerente preencheu no anexo J o montante relativo ao imposto suportado no estrangeiro (€ 5.075,42), cumprindo um dos requisitos para aplicação do método de isenção na eliminação da dupla tributação internacional dos rendimentos da categoria A.

 

  1. Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objecto do processo dirigido à anulação do acto de liquidação de IRS.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.

Não foram identificadas nulidades ou irregularidades.

  1. Fundamentação de Facto

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

  1. Ao Requerente, de nacionalidade finlandesa, foi reconhecido, em 7 de Outubro de 2015, o estatuto de residente não habitual;
  2. Em 8 de Julho de 2015 foi assinado um contrato de aquisição de serviços (N.º CT....2015...) entre o Instituto Politécnico ... (NIPC ..., com sede na Rua ... ..., ...-... ...) e a b..., entidade de direito finlandês (com registo de pessoa colectiva n.º FI-... e sede social em ..., Finlândia);
  3. No acto de assinatura do referido contrato, a entidade finlandesa foi representada pelo Requerente, na qualidade de “director executivo, conforme extracto do registo comercial”;
  4. O contrato tem por objecto principal “o fornecimento de serviços [pela B...] de assessoria às operações educativas internacionais da C...”. Mais detalhadamente:

-   Apoiar a direcção do Instituto Politécnico ... (doravante “IP..,”) e a coordenação da C... na articulação operacional com a gestão da rede internacional “D...” e cada um dos seus parceiros;

-   Apresentar e implementar (após aprovação) um plano de actividades para a articulação com essa rede de parceiros;

-   Apoiar na negociação e implementação de programas educativos conjuntos com as instituições de ensino superior, centros de investigação e outras instituições de renome mundial;

-   Desenho, implementação e gestão de determinados programas educativos conjuntos (elencados no contrato);

-   Negociação e implementação de programas de investigação conjuntos;

-   Planificação e operacionalização de grandes eventos focados nas temáticas e objectivos da C...;

-   Coordenação na participação de estudantes, docentes e investigadores do IP... em programas internacionais; e

-   Apoiar o IP... e C... nos seus esforços de promoção internacional e de captação de estudantes internacionais.

  1. Os serviços supra elencados, a par dos respectivos termos e condições, constam do caderno de encargos do procedimento de adjudicação AJ/PC....2015... que é parte integrante do referido contrato (conforme a sua cláusula 10ª);
  2. Em 23 de Setembro de 2016, os mesmos contraentes celebraram um segundo contrato (N.º CT...2016...) destinado à prestação de serviços de “acompanhamento especializado à dinamização das operações de investigação & desenvolvimento, transferência de tecnologia, partilha de conhecimento, cocriação e desenvolvimento de produto da C...”;
  3. Este segundo contrato está suportado no caderno de encargos do procedimento de adjudicação do IP... n.º AJ/PC...2016..., o qual é parte integrante do contrato conforme a cláusula 10ª deste último. Esse caderno de encargos não foi junto aos autos;
  4. Em 13 de Junho de 2017, o Requerente submeteu a declaração de IRS n.º ...-... -..., referente aos rendimentos auferidos em 2016, na qual declarou, no Anexo J, rendimentos obtidos no estrangeiro no valor de € 103.500,00. No Anexo L declarou (i) actividade correspondente ao código 714 relativamente aos referidos rendimentos obtidos no estrangeiro, (ii) a opção pela tributação autónoma de rendimentos de actividade de elevado valor acrescentado  (Anexo J) e (iii) a opção pelo método de isenção para efeitos de eliminação da dupla tributação internacional;
  5. O Requerente exerceu as tarefas e funções acometidas à B... no âmbito do contrato firmada entre esta e o IP... (conforme atestado pelo IP...);
  6. A AT emitiu a nota de liquidação n.º 2017..., na qual foi apurada uma colecta de € 42.641,87. Esta valor foi pago pelo Requerente;
  7. Em 7 de Dezembro de 2017, o Requerente submeteu uma reclamação graciosa na qual solicitou a anulação integral da referida nota de liquidação de IRS. Em 20 de Junho de 2022, a Direcção de Finanças do Porto emitiu despacho de indeferimento dessa reclamação graciosa, com os seguintes fundamentos:

(…)

   (…) (…)

 

 

 

 

 (…)

  1. Em 2016 a B... emitiu facturas às sociedades “E..., SA” e “F... LDA”, ambas com sede social em Portugal. Os serviços prestados consistiram, respectivamente, em “market study” e “advisory and benchmarking for international furniture markets”;
  2. Em 2018 o Requerente submeteu a declaração de IRS referente ao ano de 2017, que corrigiu em 19 de Agosto de 2018 através de uma declaração de substituição. A AT não considerou a declaração de substituição e emitiu a nota de liquidação n.º 2018 ... com apuramento de colecta na importância de € 20.878,16;
  3. Apreciando a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, a AT decidiu-se pelo respectivo deferimento, com os seguintes fundamentos:

(…)

V – Conclusão

4.  O ónus da prova do facto constitutivo do direito à correcção solicitada recai sobre o contribuinte, na medida em que o exercício desse direito foi invocado por este, conforme consagra o n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária.

5.  Aos autos o contribuinte reclamante não trouxe qualquer suporte documental ao preenchimento da sua declaração nos moldes presentemente pretendidos.

6.  Contudo, em face dos seus elementos cadastrais, concluímos:

a.  Que ao mesmo é atribuído pela Direcção de Serviços do Registo de Contribuintes o Estatuto de Residente não Habitual, no período de 2015 a 2024.

b.  Que o mesmo estatuto fica suspenso no momento em que ocorre a sua saída de território português;

7.  Ainda que o estatuto de residente não habitual tenha ficado suspenso no momento em que é comunicada a sua saída do território português, a sua permanência neste território é por um período superior a 183 dias, facto que determina a sua tributação como residente não habitual na totalidade do ano.

8.  Acresce a norma constante do n.º 11 do artigo 16.º do Código do IRS, que determina que o direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 subsiste, mesmo quando se dá a saída do território no ano de 2017, porquanto este direito fica dependente do sujeito passivo ser considerado residente em território português em qualquer momento desse ano.

9.  Razão pela qual estamos em crer que se encontram reunidas as condições necessárias para atender ao pedido do contribuinte, sendo de corrigir a declaração em conformidade com o estatuto do reclamante e com os rendimentos constantes da declaração de substituição.

10.Quer na primeira declaração de rendimentos, quer na declaração de substituição apresentadas pela reclamante, não consta o Anexo L, circunstância que inviabilizou a aplicação do regime de tributação dos residentes não habituais, já que a declaração de substituição se limitou a corrigir o montante do rendimento declarado, o valor das contribuições e o imposto suportado no estrangeiro.

11. A reclamante afirma no ponto 23 da petição que no Anexo L - residente não habitual - foi assinalada a opção pelo regime de tributação de atividade de elevado valor acrescentado, com opção pela tributação autónoma, mas tal não ocorre nem na primeira declaração nem na segunda.

12.Quanto ao exposto no requerimento datado de 14-03-2019 relativamente à apresentação de reclamação graciosa relativa ao ato de liquidação do IRS do ano de 2016, a qual se encontra a correr os seus trâmites legais no Serviço de Finanças do Porto ..., não cabe nesta informação qualquer análise, na medida em que é aquele serviço de finanças a entidade competente para a sua decisão.

(…)

14.Em face do exposto e dos fundamentos invocados, será de propor o deferimento da presente reclamação graciosa nos termos propostos.

 

Os factos dados como provados são confirmados pela documentação junta aos autos.

Com relevância para a apreciação do mérito, não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

  1. Do Mérito

O pedido e a causa de pedir, que circunscrevem a apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral, centram-se na natureza e qualificação das actividades exercidas pelo Requerente em 2016.

No despacho de indeferimento da reclamação graciosa (objecto imediato), a AT fundamenta a nota de liquidação controvertida (objecto mediato) no facto de as funções profissionais alegadas pelo Requerente não se subsumirem ao conceito de actividades de elevado valor acrescentado.

Contrariamente, o Requerente entende não oferecer dúvidas de que os serviços contratuais prestados ao IP... e a outras entidades sediadas em território nacional configuram “actividades de investigação científica e de desenvolvimento”.

Vejamos.

No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente solicita que o acto de liquidação de IRS de 2016 seja “substituído por outro que aplique o regime de tributação de residente não habitual por comprovado exercício de actividade de valor acrescentado”.

Mais formula o pedido de que “relativamente ao exercício de 2016, deverá ser aplicável o mesmo entendimento pugnado no ano de 2017 cuja liquidação teve por subjacente o regime de residente não habitual, dando origem a saldo nulo”.

Analisemos separadamente os pedidos.

 

a) Actividade de elevado valor acrescentado

É consensual que o regime de residente não habitual é aplicável ao Requerente no ano de 2016. Quanto ao correspondente enquadramento tributário, o n.º 10 do artigo 72.º do Código do IRS (que corresponde ao n.º 6 antes da renumeração operada pela Lei n.º 3/2019, de 9 de Janeiro) determina que os rendimentos do trabalho dependente e independente são tributados à taxa de 20%, desde que auferidos em “actividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico”.

Não está causa a adicional vantagem fiscal conferida pelo regime dos residentes não habituais e que se traduz na isenção de tributação dos rendimentos do trabalho dependente auferidos num país estrangeiro e que, nos termos do acordo de dupla tributação celebrado entre Portugal e esse pais, sejam passíveis de tributação neste último.

Retomando a aplicabilidade da taxa de tributação autónoma supra referida, a Portaria n.º 12/2010, de 7 de Janeiro, aprovou a tabela de actividades de elevado valor acrescentado, consagrando a regra segundo a qual as dúvidas interpretativas quanto ao âmbito e alcance de uma dada actividade devem ser dirimidas nos termos dos códigos de actividade económica (CAE).

Essa codificação das actividade económicas corresponde à que se encontrar em vigor no início da vigência da referida Portaria. Não serão, assim, aplicáveis as alterações provocadas pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de Julho, a qual, para além de modificar as actividades de elevado valor acrescentado, enquadraram as dúvidas interpretativas da sua qualificação no âmbito dos códigos de Classificação Portuguesa de Profissões.

A Classificação Portuguesa das Actividades Económicas, Revisão 3, foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de Novembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2008.

O código “714 - Actividades de investigação científica e de desenvolvimento” previsto da Portaria n.º 12/2010 apresenta plena correspondência com o código “72 - Actividades de investigação científica e de desenvolvimento” da CAE revisão 3.

Este código 72 encontra-se definido nos seguintes termos:

Compreende as actividades de investigação e de desenvolvimento envolvendo todos os domínios do conhecimento humano (biologia, geologia, física química, ciências sociais, ciências humanas, etc), com ou sem fim lucrativo. A investigação e o desenvolvimento assentam nas três actividades a seguir indicadas:

Investigação fundamental - investigação experimental ou teórica, efectuada principalmente com o objectivo de adquirir novos conhecimentos sobre as causas dos fenómenos e de factos observáveis, sem ter em vista uma aplicação ou utilização específica;

Investigação aplicada - investigação original, efectuada para adquirir novos conhecimentos, com vista a uma aplicação ou utilização específica;

Desenvolvimento experimental - actividade sistemática, baseada em conhecimentos adquiridos na investigação e/ou na experiência prática, com vista à produção de novos produtos, materiais, dispositivos, processos, sistemas e serviços ou ao aperfeiçoamento dos já existentes.

Não inclui:

- Estudos de mercado (73200);

- Gestão e financiamento das actividades de investigação pelos poderes públicos (84);

- Actividades de investigação relativas ao ensino (85);

- Laboratórios de análises clínicas (86901).

 

Importa, nestes termos, identificar se a actividade exercida pelo Requerente em 2016, é subsumível aos conceitos de “investigação fundamental”, “investigação aplicada” ou “desenvolvimento experimental”.

Dado que o Requerente exerceu a sua actividade enquanto director executivo da B..., o respectivo enquadramento assentará, forçosa e exclusivamente, nos dois contratos assinados entre a empresa finlandesa e o IP..., bem como nas facturas emitidas a outras duas sociedades sediadas em território nacional.

Começando pelos serviços prestados à “ E..., SA”, a factura indica “HQ Contracted Work Market Study”. A tradução directa, na falta de qualquer outra documentação ou elementos probatórios juntos aos autos, não permite o enquadramento como actividade de investigação científica e de desenvolvimento. Estamos perante meros estudos de mercado, com profundidade e métricas desconhecidas e desprovidas de qualquer um dos três elementos essenciais definidas na tabela CAE. Na verdade, esta tabela especificamente desconsidera os estados de mercado no âmbito do código 72.

Passando para a factura emitida à “F…, LDA”, a mesma refere “HQ Contracted Working Day; Advisory and benchmarking for International Furniture Markets”.

Mais uma vez, e à míngua de quaisquer outros elementos probatórios, o recurso à tradução directa, não permite o enquadramento no código 72. Com efeito, a análise documental não permite ir além da prestação de serviços de consultoria e contrastação de dados (benchmarking) no mercado internacional de mobília.

Não se descortina qualquer actividade de investigação ou de desenvolvimento.

Avançando para os dois contratos celebrados com o IP.., está disponível um dos cadernos de encargos que, conforme estipulação contratual entre os contraentes (B... e IP...), constitui parte integrante de tais contratos.

Embora o Requerente enumere os diversos serviços que constituem o objecto dos contratos, continuamos sem vislumbrar em que medida os mesmos poderiam ser reconduzidos aos três conceitos plasmados na tabela CAE.

Começando pela investigação fundamental, não existe qualquer suporte à existência de serviços de investigação experimental, destinada à aquisição de novos conhecimentos ainda que sem ter em vista uma utilização específica. Continuando pela investigação aplicada, também neste âmbito não nos encontramos perante funções de investigação original, agora já orientada a uma utilização específica.

Por fim, os serviços contratados pelo IP... também não preenchem o conceito de desenvolvimento experimental, que, partindo de actividades de investigação, tem por objectivo a produção de novos produtos e serviços ou o aperfeiçoamento dos que já existam.

Na verdade, o código 72 dirige-se ao usualmente denominado I&D. Investigação e desenvolvimento. Que poderíamos definir, de forma ampla, como o trabalho criativo assente em metodologias científicas de experimentação e observação. E que tem por finalidade aumentar o campo do conhecimento e/ou conceber novas aplicação susceptíveis de originar novos produtos e serviços (ou melhorar os já existentes) comercializáveis.

Da análise da tabela CAE, podemos identificar uma característica essencial e comum a estes três conceitos fundamentais.

Desde logo, a incerteza quando ao resultado final das actividades de investigação científica e de desenvolvimento. Precisamente o contrário dos contratos celebrados com o IP..., em que este organismo público identifica, com rigor, os serviços a prestar e que fluem do apoio à direcção do IP... e coordenação da C... na articulação operacional com a gestão da rede internacional “D...”.

Partindo desta específica finalidade contratual, verifica-se que a mesma não se destina à aquisição de novos conhecimentos. Simplesmente, porque tal não consta do caderno de encargos estipulado pelo IP... . Ainda que, naturalmente, alguma experiência e conhecimento seja adquiríveis, tal não tem por origem a investigação científica aplicada.

Inexistindo na sua origem investigação fundamental ou aplicada, não se pode considerar que os serviços prestados pelo Requerente ao IP... concretizem funções ou tarefas de desenvolvimento experimental.

Insiste-se que o elenco dos serviços enquadráveis no contrato CT...2015... tem por objecto “o fornecimento de serviços de assessoria às operações educativas internacionais da C...”. Tanto assim que a componentização destes serviços assenta sempre nas expressões “apoiar”, “coordenar”, “planificação” e “operacionalização”.

Não oferece dúvidas que os serviços se destinam à coordenação e implementação de programas educativos com universidades e institutos internacionais de renome, muitas das quais com uma actuação preponderante em actividades de investigação científica e de desenvolvimento (caso do CERN ou da Universidade de Stanford).

Todavia, o contrato de prestação de serviços reconduz-se à coordenação e conceptualização de programas conjuntos com tais entidades, de forma a contribuir “para o reforço da internacionalização do IP.., para a captação de estudantes internacionais e para a criação de oportunidades de mobilidade para estudantes, docentes e investigadores”.

Da participação nesses programas internacionais por parte do IP..., poderão, sem dúvida, resultar iniciativas de investigação científica e de desenvolvimento (a realizar futuramente pelo IP...). Todavia, as funções desempenhadas pelo Requerente ao abrigo do contrato celebrado entre a B... e o IP..., visando esse desiderato, não consubstanciam, em si mesmas, actividades de investigação científica e de desenvolvimento.

Resta salientar que o contrato N.º CT.001.2016.0000061, embora utilize as expressões “investigação e desenvolvimento”, “transferência de tecnologia”, “cocriação” ou “desenvolvimento do produto da C...”, em nada colide com a apreciação supra apresentada.

Com efeito, e pese embora a não junção do caderno de encargos aos autos, o contrato entre a B... e o IP... continuar a ser claro: está em causa a contratação “de serviços de acompanhamento especializado à dinamização das operações” elencadas no parágrafo anterior.

Dito de outra forma, a B..., através das funções profissionais desempenhadas pelo Requerente, irá prestar serviços que permitam ao IP... a realização, com outros parceiros institucionais, de operações de investigação, cocriação, transferência de tecnologia e desenvolvimento do produto " C...”.

Invariavelmente, voltamos a estar perante uma disponibilização de meios. Sem dúvida que constituindo um serviço especializado, assente em experiência profissional e know-how acumulado na prestação de serviços idênticos ou análogos a outras entidades.

Mas que não deixa de constituir um serviços técnico de assessoria. Que não preenche os requisitos que lhe permitam enquadramento como actividade de elevado valor acrescentado no código 714 da Portaria n.º 12/2017. E, por esse motivo, os rendimentos do trabalho dependente auferidos em 2016 pelo Requerente não preenchem os requisitos de que depende a aplicação da taxa de tributação autónoma de 20% prevista no n.º 10 do artigo 72.º do Código do IRS.

 

b) Deferimento da reclamação graciosa referente ao IRS de 2017

O Requerente alega uma actuação discriminatória por parte da AT, no que respeita à  apreciação das reclamações graciosas que submeteu. Dado que uma foi indeferida (2016), ao passo que a outra foi deferida (2017).

Sabendo-se que a apreciação do mérito é delimitado pelo pedido de pronúncia arbitral e tem por objecto mediato os vícios imputados ao acto de liquidação, importa analisar os fundamentos decisórios da AT.

Existe uma primeira identidade entre o sujeito passivo de ambas as reclamações graciosas (o Requerente), o imposto (IRS) e o rendimento auferido na prestação de trabalho dependente (por via do cumprimento do contrato entre a B... e o IP...).

Sucede, que, relativamente ao ano de 2016, a AT apreciou a factualidade inerente aos rendimentos auferidos pelo Requerente, com o propósito de inquirir sobre o respectivo enquadramento a título de actividade de elevado valor acrescentado.

O Requerente, confrontado com a nota de liquidação controvertida (referente a 2016), alegou o direito à tributação nos termos do regime aplicável aos residentes não habituais, em conformidade com os elementos constantes da declaração de IRS por si apresentada.

Ou seja, na reclamação graciosa que submeteu, alegou ter optado pela tributação, à taxa especial de 20%, sobre os rendimentos de elevado valor acrescentado. Foi concretamente notificado pela AT para apresentar prova de que tais rendimentos resultam de uma actividade de investigação científica e desenvolvimento. O que o Requerente fez, com a alegação de que “não podem restar dúvidas que as actividades (…) se enquadram nas de elevado valor acrescentado com carácter científico, artístico e técnico, concretamente no ponto 714 da Portaria n.º 12/2010, de 07.01”.

É precisamente sobre este ponto - qualificação das actividades exercidas como subsumíveis ao referido código 714 - que versou a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa relativa ao ano de 2016.

Contrariamente, na liquidação de IRS relativa ao ano de 2017, a AT apreciou as divergências entre as duas declarações de rendimentos apresentadas pelo Requerente (originária e de substituição).

Num primeiro momento, a  AT desconsiderou a declaração de substituição e emitiu uma nota de liquidação de imposto, da qual foi apresentada reclamação graciosa. Na qual a AT apreciou o enquadramento legal do Requerente como residente não habitual, atento o facto de este ter, em 23 de Agosto de 2017, comunicado um novo domicílio fiscal em território da União Europeia, tendo passado à condição de “não residente e sem representante fiscal”.

Considerou a AT que, pese embora a suspensão do regime de residente não habitual, o mesmo é aplicável em 2017 pelo facto de o Requerente ter permanecido em território nacional por mais de 183 dias.

Nessa decisão de deferimento (2017), a AT sublinha que: “a Reclamante afirma no ponto 23 da petição que, no Anexo L - Residente não Habitual - foi assinala a opção pelo regime de tributação sobre os rendimentos de actividade de elevado valor acrescentado, com opção pela tributação autónoma, mas tal não ocorre nem na primeira declaração nem na segunda”.

Em suma, os fundamentos que presidiram às decisões de indeferimento (2016) e deferimento (2017) são totalmente díspares, na medida em que assentaram na apreciação de distintos requisitos legais constantes das declarações de rendimentos do Requerente.

Em 2016 e 2017 a AT apreciou (e confirmou) a aplicabilidade do estatuto de residente não habitual. Em 2016, mas não em 2017, a AT aferiu da qualificação dos rendimentos auferidos pelo Requerente como provenientes do exercício de uma actividade de elevado valor acrescentado.

Face ao exposto, estamos perante diferentes fundamentos decisórios, na base dos quais encontramos um enquadramento fáctico e de direito distintos. Não representando, por conseguinte, qualquer contradição no plano da fundamentação que suportou as decisões de deferimento (2017) e indeferimento (2016).

 

  1. Decisão

Face ao exposto, conclui-se pela total improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

VI.      Valor do Processo

Fixa-se ao processo o valor de € 42.641,87, indicado pelo Requerente, respeitante ao montante da liquidação de IRS cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

 

  1. Custas

Custas no montante de € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), a suportar integralmente pelo Requerente, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

Lisboa, 8 de Março de 2023

 

 

(José Luís Ferreira)