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Sumário
I – A norma transitória do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, dispõe que os ganhos não sujeitos a imposto de Mais-Valias (regulado no Decreto-Lei n.º 46 673, de 9 de junho de 1965) só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada depois da entrada em vigor do CIRS.
II – A consolidação da plena propriedade por efeito de extinção do usufruto constitui um incremento patrimonial que, ainda que obtido a título gratuito, integra o valor de aquisição quando haja lugar ao apuramento de mais-valias por efeito de ulterior alienação do imóvel.
III -Para efeitos de determinação do valor tributável de uma transmissão com estas características, mais concretamente para apurar qual a parte imputável ao usufruto e a que corresponde à propriedade, ao valor da propriedade haverá que deduzir uma percentagem de harmonia com a idade do usufrutuário à data da constituição do usufruto, ao abrigo do artigo 13.º do CIMT.
DECISÃO ARBITRAL
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Relatório
A..., com o número de identificação fiscal ..., , residente em ..., , doravante designada por “Requerente”, veio, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, n.º 2, do artigo 5.º, n.º 1 do artigo 6.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem (RJAT), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º e das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 102.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, pedindo:
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Que na sequência do indeferimento tácito da reclamação da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IRS n.º ..., no montante de € 28.659,32, reportada ao ano de 2017, seja declarada a ilegalidade do indeferimento da reclamação, bem assim como da liquidação adicional de IRS, com todas as consequências legais;
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A Condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”),
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, a qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo.
Em 9 de setembro de 2022, as partes foram notificadas da designação do árbitro não tendo arguido qualquer impedimento.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 27 de setembro de 2022.
Notificada para apresentar resposta no prazo de 30 dias, por despacho de 30 de agosto de 2022, a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT, veio informar o Tribunal que havia sido proferido despacho de revogação parcial do ato de liquidação com base na informação que juntou com o seu requerimento submetido dia 27 de outubro de 2022.
Por despacho de 02 de novembro de 2022, o Tribunal notificou o Requerente para se pronunciar sobre o requerimento da AT, bem assim como sobre o prosseguimento dos autos.
No dia 3 de novembro de 2022 a AT apresentou a sua resposta defendendo-se por exceção e por impugnação.
O Requerente veio pronunciar-se sobre o prosseguimento dos autos por requerimento de 7 de novembro de 2022.
Como a Requerida se defendeu por exceção o Tribunal notificou o Requerente, por despacho de 9 de novembro de 2022 para, querendo, se pronunciar sobre a matéria de exceção invocada, no prazo de 10 dias de calendário.
Na resposta às exceções o Requerente apresentou também as suas alegações.
Assim, por despacho de 21 de dezembro de 2022, o Tribunal, atendendo a que havia sido exercido o contraditório quanto à matéria de exceção, cuja apreciação foi relegada para decisão final, dado que as questões que subsistiam eram essencialmente de direito e que não foi requerida qualquer prova testemunhal, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificou as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas, ou dar por reproduzidas as já apresentadas, no caso do Requerente.
Por requerimento de 10 de janeiro de 2023 o Requerente deu por reproduzidas as alegações apresentadas a 18 de novembro de 2022.
A AT apresentou alegações a 10 de janeiro de 2023 pedindo a procedência da exceção dilatória invocada e a improcedência do pedido arbitral
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Descrição sumária dos factos
III. 1 Posição do Requerente
O Requerente intentou a presente impugnação no seguimento do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IRS n.º ..., , com fundamento em manifesto erro de facto e de direito exclusivamente imputável aos serviços, porquanto a AT tributou em sede de IRS as mais valias decorrentes da consolidação da propriedade aquando da extinção do usufruto que a onerava.
No ano de 1962 o Requerente adquiriu a nua propriedade de um imóvel sito em Lisboa em comum e partes iguais, com usufruto constituído a favor de C..., e sua esposa D..., o primeiro falecido em 1971 e a esposa em 13-09-2013.
A 30-04-2009 o aqui Requerente e o coproprietário constituíram a propriedade horizontal do imóvel em apreço e, em julho de 2009 outorgaram a escritura de divisão de coisa comum tendo sido adjudicadas ao Requerente as frações “A”, “B”, “D”, “E”, “F”, “G”, “L”, “N”, “P” e “R”, que pagou as tornas ao seu irmão coproprietário.
O Requerente considerou que apenas estava sujeita a tributação uma parte do valor de realização, correspondente à parcela que adquiriu em 2009, por divisão de coisa comum.
No tocante à restante parcela do valor de realização considerou estar excluída da tributação de mais valias por as frações terem sido adquiridas antes de 01.01.1989[1].
Sucede que a AT, em sede de processo inspetivo, determinou uma mais-valia imputável à extinção do usufruto no ano de 2013, ano da morte da mãe do Requerente e usufrutuária do imóvel.
Entendeu ainda a AT que, para efeitos de determinação da mais valia, não devia ser considerada a redução de 50%, a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS.
Sustenta o Requerente que a extinção do usufruto por morte do usufrutuário não é uma aquisição para efeitos de IRS, nem tão pouco de transmissão para efeitos de apuramento de Imposto de Selo e mais valias imobiliárias.
O Requerente alega que com a morte da usufrutuária não há uma transmissão da propriedade, mas uma extinção do usufruto.
Para o Requerente a consolidação da nua propriedade adquirida a título oneroso, na vigência do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD), com o usufruto, extinto, na vigência do Código do Imposto de Selo (CIS), não constitui qualquer facto sujeito a imposto do selo e, por conseguinte, é inaplicável a regra da determinação da matéria coletável prevista no n.º 6 do artigo 13.º do CIS à extinção do usufruto por morte do usufrutuário no caso em que a nua propriedade tenha sido adquirida na vigência do CIMSISSD, porque isso redundaria no absurdo de considerar dois valores patrimoniais tributários determinados ao abrigo de regras diferentes, ou seja, um VPT calculado nos termos da contribuição predial e, outro, nos termos do CIMI.
Acrescenta que a extinção do usufruto por morte do usufrutuário não se integra no conceito lato de transmissão de direito de propriedade de imóveis ou figuras parcelares desse direito, sem que tal corresponda a uma transmissão do ponto de vista civilística, nem uma aquisição em sede de IRS.
Nem tão pouco se poderá afirmar que a consolidação da plena propriedade por efeito da extinção do usufruto constitui um incremento patrimonial que integra o valor de aquisição, nos termos do artigo 51.º do CIRS.
Termina consignando que a valorização do imóvel que ocorreu por força da extinção do usufruto, não consubstancia uma aquisição autónoma para efeitos de IRS e, consequentemente, um aumento do património por aquisição de um novo direito.
E conclui que, o Requerente não adquiriu a título gratuito qualquer direito real menor (usufruto) em 2013, e não houve qualquer facto sujeito a imposto de selo, pelo que o valor de realização não pode ser cindido entre a data da aquisição da nua propriedade (1962) e a data da consolidação (2013) que não teve na sua origem nenhuma aquisição gratuita ou onerosa do usufruto.
A este propósito sustenta que a AT liquidou o IRS ao abrigo de uma aplicação da lei não conforme com a CRP.
E alega ainda que a determinação do valor do usufruto feita pela AT com apelo à alínea b) do artigo 13.º do CIMT está ferida de ilegalidade que contamina a liquidação adicional de IRS, pois, nos casos em que o usufruto se extingue por morte do usufrutuário e a propriedade se consolida na esfera do proprietário, deve ser comparada a base tributável (VPT) da liquidação de Imposto do Selo relativa à aquisição da nua propriedade do imóvel com o VPT no momento da consolidação, para determinação do valor imputável à suposta “transmissão gratuita” do usufruto.
Por último defende a ilegalidade da liquidação na parte em que não reduziu para 50% o montante das mais valias imobiliárias, por ser pacifico o entendimento de que o n.º 2 do artigo 43.º do CIRS é aplicável aos não residentes.
III.2 Posição da Requerida
A AT começou por invocar a incompetência do CAAD para declarar a ilegalidade do alegado indeferimento tácito da reclamação graciosa.
No que à matéria de impugnação diz respeito, defende a AT que, a transmissão da quota parte da propriedade plena que correspondia ao usufruto apenas ocorreu em 2013, porque a extinção do usufruto é uma forma de aquisição que permite a consolidação do usufruto com nua propriedade.
A AT sustenta que a consolidação da propriedade por extinção do usufruto, assume a característica de uma certa forma de adquirir pelo sujeito passivo, dado que só no momento em que ocorre a consolidação do usufruto com a nua propriedade é que se incorpora o direito de propriedade do detentor dessa nua-propriedade.
Quer a nua propriedade seja adquirida de forma onerosa ou gratuita, no momento da consolidação do usufruto com a nua propriedade, em virtude da sua extinção por morte do usufrutuário, estamos perante uma transmissão para efeitos fiscais, consequentemente tributável, ainda que não se verifiquem os requisitos de uma transmissão do direito civil.
Alega a AT que a alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º do CIS considera as transmissões gratuitas bem como as transmissões parcelares do direito de propriedade, e se dúvidas houvesse o n.º 6 do artigo 13.º do CIS saná-las-ia uma vez que dispõe diretamente sobre o “imposto devido pelo adquirente, em consequência da consolidação da propriedade com o usufruto.”
Conclui assim que o legislador considerou esta consolidação como uma transmissão gratuita sujeita a IS, e pelo facto de não ser tributado em IS porque o Requerente era descendente dos usufrutuários não afasta a tributação em sede de IRS.
No que concerne aos valores de aquisição, importa reter que os imóveis foram adquiridos a título oneroso, sendo o usufruto simultâneo e sucessivo adquirido pelos pais do Requerente, tendo tais aquisições operado por contrato de compra e venda, revestindo assim natureza onerosa.
Para apurar qual a parte correspondente ao usufruto e à propriedade numa transmissão com estes contornos socorreu-se da regra 7ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, por isso, atendendo à data da constituição do usufruto, à idade dos usufrutuários a AT atribuiu ao valor da nua propriedade 50% do valor da propriedade plena.
A AT concluiu que em 1962 o Requerente adquiriu 25% do prédio e quando da divisão de coisa comum o Requerente recebeu uma quota parte de 25% igual à que já detinha desde 1962, e por conseguinte, a AT considerou que em 2009 o Requerente adquiriu mais 25% do imóvel, tendo adquirido os restantes 50% com a extinção do usufruto, o que perfaz os 100% correspondentes à plena propriedade alienada.
No que respeita à exclusão de 50% do valor das mais valias da tributação, a AT juntou aos autos a revogação parcial do ato tributário, assumindo o erro na liquidação do imposto, por ter considerado a totalidade da mais valia auferida pelo Requerente, e não apenas 50% da mesma.
Por último, e no que concerne à alegada aplicação de leis em desconformidade com o estabelecido na Constituição da República Portuguesa, vem a AT consignar que não lhe compete declarar a inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica, ademais, o Requerente não explicita de que forma a AT beliscou os princípios da igualdade, proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.
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Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de capacidade e personalidade jurídica (artigo 4.º e 10.º n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
Foi suscitada, pela Requerida a exceção de incompetência do tribunal arbitral para declarar a ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada que poderia contender com a competência do Tribunal Arbitral, e cujo conhecimento prévio se impõe.
A este propósito importa salientar que o ato aqui sindicado é ato de liquidação adicional de IRS, que foi precedido de reclamação graciosa indeferida tacitamente.
De acordo com o disposto no artigo 57.º da Lei Geral Tributária (LGT) o procedimento tributário deve estar concluído no prazo de 4 meses, presumindo-se o indeferimento tácito quando a AT não se pronuncie expressamente sobre a ilegalidade do ato sindicado.
Como explica o Exm.º Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, “O indeferimento tácito é uma ficção jurídica destinada a possibilitar ao interessado o acesso aos tribunais, para obter tutela para os seus direitos ou interesses legítimos, nos casos de inércia da administração tributária sobre pretensões que lhe foram apresentadas.”[2].
Neste sentido escrevem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “A criação de um dever legal de decidir tem como finalidade possibilitar a formação de um acto tácito de indeferimento, que depende da existência de tal dever, e a previsão da formação de um acto deste tipo tem como única justificação possibilitar a sua impugnação contenciosa”[3].[4]
Ou seja, a presunção de indeferimento tácito decorre da violação do dever legal de decidir que assiste à AT, e nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, o direito de impugnar nasce a partir da formação da presunção do indeferimento tácito, já a reclamação presume-se indeferida para efeito de impugnação judicial após o termo do prazo legal de decisão do órgão competente[5], que de acordo com o artigo 57.º da Lei Geral Tributária (LGT) é de quatro meses.
É hoje jurisprudencialmente consentâneo, quer na jurisprudência jurisdicional quer arbitral, que o indeferimento de reclamação graciosa deduzida contra o ato tributário de liquidação pode constituir objeto de impugnação judicial e, uma vez que consubstancia a manutenção de tal ato, integra também o objeto desta.
Com efeito, a impugnação judicial de indeferimento de reclamação graciosa tem por objeto imediato a decisão da reclamação e por objeto mediato os vícios imputados ao ato de liquidação.
Ora, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, que estabelece o seguinte:
“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”
Donde, o ato sindicado pelos Requerentes, e objeto mediato da presente ação arbitral é o ato de liquidação adicional de IRS n.º 2021... e, subsidiariamente, a declaração de ilegalidade da decisão que indeferiu a reclamação graciosa (RG) deduzida pelo Requerente.[6]
Pelo que, o Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
Assim sendo, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa
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Matéria de Facto
V.1 Factos Provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
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Por escritura pública outorgada em 16-04-1962 o Requerente e B..., adquiriram, em comum e partes iguais, a nua propriedade do prédio sito na ..., então inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ... .
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O prédio acima mencionado passou a constituir o artigo ..., da matriz predial urbana da freguesia de..., concelho de Lisboa.
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Na sequência da reorganização administrativa de cariz territorial decorrente do disposto na Lei nº 11-A/2013, de 28/01, o prédio acima identificado passou a constituir o imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ... .
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O usufruto simultâneo e sucessivo do prédio em questão ficou pertença do Sr. C..., e sua esposa, Sra. D...,.
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O usufrutuário Sr. C..., nasceu a 27-02-1897 e faleceu em 21-12-1971.
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A usufrutuária Sra. D..., nascida em 02-11-1913 e falecida em 13-09-2013, contava 48 anos à data da constituição do usufruto.
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Em 30-04-2009 os nu-proprietários do imóvel acima identificado outorgaram escritura constituindo aquele sob o regime de propriedade horizontal.
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E em 29-07-2009 outorgaram escritura de divisão de coisa comum relativa o mesmo prédio, tendo ao ora requerente sido adjudicadas as frações A, B, D, E, F, G, L, N, P e R do sobredito imóvel.
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Em 23-04-2018 o ora requerente procedeu à entrega, em seu nome, de uma declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2017, a qual foi acompanhada dos anexos F, G e G1.(PA e PPA)
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O contribuinte fez constar do quadro 4 do anexo G a alienação, durante o ano de 2017, de 75% (correspondente a uma quota-parte de 25% e outra de 50%) das frações A, D, G, N e P do prédio inscrito na Informação matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ... . (PA)
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A separação entre as duas quotas-partes deveu-se ao facto de uma (a de 25%) haver sido adquirida em julho de 2009 e a outra (de 50%) em setembro de 2013.
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Os valores de realização (VR) e aquisição (VA) respetivamente declarados foram (quota-parte de 25%, adquirida em julho de 2009) Cf. PA:
- Fração A: VR - € 37.500; VA - € 16.000.
- Fração D: VR - € 27.500; VA - € 23.000.
- Fração G: VR - € 75.000; VA - € 65.000.
- Fração N: VR - € 130.000; VA - € 91.000.
- Fração P: VR - € 152.500; VA - € 91.000.
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O Requerente declarou ter suportado despesas e encargos com a alienação/aquisição ou a valorização das frações N e P no montante de € 21.308,44 e € 15.917,67, respetivamente. (Cf. PA)
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Os valores de realização (VR) e aquisição (VA) respetivamente declarados foram (quota-parte de 50%, adquirida em setembro de 2013) Cf. PA:
- Fração A: VR - € 75.000; VA - € 9.275.
- Fração D: VR - € 55.000; VA - € 36.140.
- Fração G: VR - € 150.000; VA - € 40.055.
- Fração N: VR - € 260.000; VA - € 12.248,73.
- Fração P: VR - € 305.000; VA - € 12.565,68.
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O Requerente declarou ter suportado despesas e encargos com a alienação/aquisição ou a valorização das frações N e P nos montantes de € 42.616,88 e € 31.831,33, respetivamente. (CF. PA)
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No quadro 5 do anexo G1 o sujeito passivo declarou ainda haver alienado uma quota-parte adquirida em 04-04-1962 das frações acima mencionadas, tendo feito constar do mesmo os seguintes valores de realização (VR) e de aquisição (VA) (Cf. PA):
- Fração A: VR - € 37.500; VA - € 22,71.
- Fração D: VR - € 27.500; VA - € 32,64.
- Fração G: VR - € 75.000; VA - € 92,25.
- Fração N: VR - € 130.000; VA - € 129,14.
- Fração P: VR - € 152.500; VA - € 129,14.
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Com base na declaração apresentada pelo Requerente, em 05-07-2018 a AT efetuou a liquidação de IRS nº ...,, no âmbito da qual foi apurado o montante de imposto a pagar de € 206.055,52. (Cf. PA)
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Em 23-07-2018 o Requerente procedeu à entrega de uma declaração modelo 3 de IRS de substituição, a qual foi acompanhada dos anexos A, F, G e G1. (Cf. PA)
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Tendo feito constar do quadro 4 do anexo G a alienação, durante o ano de 2017, de uma quota-parte de 1,93% das frações A, D, G, N e P do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ..., quota-parte que declarou ter adquirido em julho de 2009. (Cf. PA)
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Do quadro 4 do anexo G que acompanhou a declaração de substituição, o contribuinte fez constar os seguintes valores de realização (VR) e aquisição (VA):
- Fração A: VR - € 2.900,47; VA - € 572,35.
- Fração D: VR - € 2.127,01; VA - € 444,74.
- Fração G: VR - € 5.800,94; VA - € 1.256,87.
- Fração N: VR - € 10.054,97; VA - € 1.759,62.
- Fração P: VR - € 11.795,25; VA - € 1.759,62 (Cf. PA)
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Declarou ter suportado despesas e encargos com a alienação/aquisição ou a valorização das frações N e P nos montantes de € 580,33 e € 464,08, respetivamente. (Cf. PA)
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No quadro 5 do anexo G1 o Requerente declarou a alienação de uma quota-parte adquirida em 04-04-1962 das frações acima mencionadas, tendo feito constar dos mesmo os seguintes valores de realização (VR) e de aquisição (VA):
- Fração A: VR - € 147.099,53; VA - € 737,58
- Fração D: VR - € 107.872,99; VA - € 235,63
- Fração G: VR - € 294.199,06; VA - € 100,09.
- Fração N: VR - € 509.945,03; VA - € 220,19.
- Fração P: VR - € 598.204,75; VA - € 656,56
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Com base na declaração de substituição foi efetuada em 10-11-2018 a liquidação de IRS nº ..., no âmbito da qual foi apurado o montante de imposto a pagar de € 7.989,00. (cf. PA)
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A AT anulou o imposto apurado na liquidação nº 2018..., efetuada em 05-07-2018 através do acerto de contas nº 2018..., datado de 09-07-2018, no valor de € 198.066,62.(cf. PA)
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Os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da AT procederam a uma ação inspetiva junto do requerente, a qual teve âmbito parcial, incidindo sobre o IRS relativo a 2017, à qual foi atribuída a referência OI2019... . (Cf. PA)
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Com base nas conclusões apuradas na ação inspetiva, foi oficiosamente elaborada pelos serviços tributários em 09-07-2021 uma declaração modelo 3, em nome do ora requerente, respeitante ao IRS de 2017, acompanhada pelos anexos F, G e G1. (Cf. PA)
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A AT fez constar do quadro 4 do anexo G a alienação, durante o ano de 2017, de duas quotas partes das frações A, D, G, N e P em virtude de uma das quotas partes do imóvel ter sido adquirida em julho de 2009 (1,93%) e a outra em setembro de 2013 (10%). (Cf. PA)
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Os valores de realização (VR) e aquisição (VA) respetivamente declarados foram (quota-parte de 1,93%, adquirida em julho de 2009):
- Fração A: VR - € 2.900,47; VA - € 572,35
- Fração D: VR - € 2.127,01; VA - € 444,74.
- Fração G: VR - € 5.800,94; VA - € 1.256,87.
- Fração N: VR - € 10.054,97; VA - € 1.759,62.
- Fração P: VR - € 11.795,25; VA - € 12.619,11
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Declarando as despesas e encargos com a alienação/aquisição ou a valorização das frações N e P nos montantes de € 580,33 e 464,08, respetivamente. (Cf. PA)
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Os valores de realização (VR) e aquisição (VA) respetivamente declarados foram (quota-parte de 10%, adquirida em setembro de 2013):
- Fração A: VR - € 15.000; VA - € 12.619,11
- Fração D: VR - € 11.000; VA - € 8.353,93.
- Fração G: VR - € 30.000; VA - € 23.633,21
- Fração N: VR - € 52.000; VA - € 24.497,45.
- Fração P: VR - € 61.000; VA - € 25.131,36.
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No quadro 5 do anexo G1 a AT fez constar haver o sujeito passivo alienado uma quota-parte adquirida em 16-04-1962 das frações acima mencionadas, tendo feito constar do mesmo os seguintes valores de realização (VR) e de aquisição (VA):
- Fração A: VR - € 132.099,53; VA € 737,58.
- Fração D: VR - € 96.872,99; VA - € 235,63.
- Fração G: VR - € 264.199,06; VA - € 100,09.
- Fração N: VR - € 457.945,03; VA - € 220,19
- Fração P: VR - € 537.204,75 VA - € 656,56.
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Com base nas conclusões da ação inspetiva, a AT efetuou uma declaração oficiosa de IRS em 01-10-2021 e efetuou a liquidação de IRS nº ..., no âmbito da qual foi apurado o montante de imposto a pagar de € 28.659,32. (Cf. PA)
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AT fez o encontro de valores com o montante de imposto apurado na liquidação nº ..., , efetuada em 10-11-2018, através do acerto de contas nº ..., datado de 07-10-2021, resultou a importância de IRS (relativo a 2017) a pagar de € 20.670,32. (Cf. PA)
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O Requerente apresentou reclamação graciosa em 02.03.2022 contestando a liquidação adicional de IRS. (PPA)
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Decorridos 4 meses a AT não emitiu qualquer decisão presumindo-se o seu indeferimento tácito.
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Em 20/07/2023 deu entrada do pedido de pronuncia arbitral.
V.2. Factos Não Provados
Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal foram considerados provados.
V.3 Motivação da Matéria de facto
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, al. e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, e dos factos alegados pelas partes que não foram contestados, e a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
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Do Mérito
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Objeto dos Autos
Considerando a posição das partes, a revogação parcial do ato tributário e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:
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Se os ganhos realizados pelo Requerente no ano de 2017 com a venda dos Imóveis cuja propriedade foi adquirida em dois momentos, o primeiro em 1962 com a aquisição de 50% da nua propriedade do prédio, o segundo em 2009 com a divisão de coisa comum, e cuja consolidação da plena propriedade ocorreu em 2013 por extinção do usufruto que onerava os mesmos, se encontram excluídos de tributação em sede de IRS.
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Se houve erro na determinação do valor imputável ao usufruto.
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Dada a revogação parcial da liquidação pela AT, o Tribunal pronunciar-se-á sobre o valor do processo
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Matéria de Direito
I - Exclusão da tributação nos termos do artigo 5.º do Decreto-lei n.º 442-A/88, de ganhos decorrentes da venda de imóveis cuja nua propriedade foi adquirida antes da entrada em vigor do CIRS e cuja consolidação da plena propriedade ocorreu, por extinção do usufruto, já na vigência do CIRS, na parte relativa ao usufruto
A questão em debate num primeiro momento consiste em saber extinção do usufruto em momento posterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro (Código do IRS), de um prédio adquirido antes da entrada em vigor deste Código constitui um facto tributário relevante para efeitos da sujeição a IRS da mais valia obtida com a alienação do imóvel.
Começa-se por dizer que, jurisprudencial e doutrinalmente encontra-se consolidado o entendimento de que a extinção do usufruto em data posterior à entrada em vigor do CIRS, que recaía sobre imóvel adquirido em data anterior, constitui um incremento patrimonial sujeito a tributação por não se encontrar abrangido pela norma transitória de exclusão do Código do IRS.
Nos termos do direito constituído, de acordo com o artigo 10.º do CIRS constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
A determinação do valor de aquisição de bens imóveis, para efeitos de cálculo de mais-valias, em sede de IRS, consta dos artigos 45º e 46.º do CIRS, que estabelecem, o seguinte:
Artigo 45.º
Valor de aquisição a título gratuito
1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito:
a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo;
b) O valor que serviria de base à liquidação de imposto do selo, caso este fosse devido.
2 - (Revogado.)
3 - No caso de direitos reais sobre bens imóveis adquiridos por doação isenta, nos termos da alínea e) do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, considera-se valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação.
(sombreado nosso)
Artigo 46.º
Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis
1 - No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).
2 - Não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.
3 - O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele.
4 - Para efeitos do número anterior, o valor do terreno será determinado pelas regras constantes dos n.ºs 1 e 2 deste artigo.
5 - Nos casos de bens imóveis adquiridos através do exercício do direito de opção de compra no termo da vigência do contrato de locação financeira, considera-se valor de aquisição o somatório do capital incluído nas rendas pagas durante a vigência do contrato e o valor pago para efeitos de exercício do direito de opção, com exclusão de quaisquer encargos.
Ao invés do afirmado pelo Requerente, o CIRS atribui relevância fiscal à extinção do usufruto e consequente liquidação da consolidação da propriedade plena quando estabelece que o ganho decorrente da alienação de imóveis sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de aquisição e o valor de realização (cfr. artigo 10.º, n.º 4, al. a), do CIRS) e, para efeitos de determinar o valor de aquisição no caso de bens e direitos adquiridos a título gratuito, remete (pela alínea b) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRS) diretamente para o Código do Imposto de Selo (artigo 13.º) e indiretamente para o Código do IMT (artigo 13.º), nos termos dos quais é relevante a distinção entre nua propriedade onerada por usufruto e plena propriedade.
Com efeito, a extinção do usufruto, nomeadamente, por morte do usufrutuário, e consequente descompressão do direito de propriedade sobre um bem imóvel, consubstancia uma transmissão gratuita como decorre da leitura conjugada da alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º e do n.º 6 do artigo 13.º, ambos do CIS, este último aditado pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro.
Ora, No caso sub judice temos três momentos aquisitivos distintos, o primeiro é a aquisição da nua propriedade pelo Requerente em 1962, excluída da tributação porque ocorreu em data anterior à entrada em vigor do Código do CIRS; o segundo momento dá-se com a divisão de coisa comum no ano de 2009, e por último com a extinção do usufruto e descompressão do direito de propriedade em 2013.
Efetivamente, a extinção do usufruto, fiscalmente, consubstancia uma transmissão gratuita de bens, sujeita a Imposto de Selo, ainda que não seja devido o pagamento de Imposto de Selo, por se tratar de uma transmissão gratuita, não afasta estas situações do âmbito de tributação em sede de IRS, tendo em conta o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRS, que dispõe sobre o valor de aquisição a título gratuito.
Também a nossa jurisprudência se pronuncia pela relevância da extinção do usufruto por morte do usufrutuário para efeitos de tributação.
O Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo que «o CIRS não fornece diretamente um conceito próprio de transmissão gratuita de bens sujeitos a tributação em sede de mais-valias», mas conclui-se do artigo 45.º «que se pretendeu sintonizar o conceito de transmissão gratuita para efeitos de IRS com o que resulta do CIMSISD, devendo entender-se que se opera uma transmissão a título gratuito quando ocorrer um facto susceptível de servir de base de incidência a imposto sobre as sucessões ou doações, independentemente de o imposto ser, no caso, devido».
Sobre uma situação idêntica à dos presentes autos o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se no acórdão de 10-11-2021, processo n.º 01260/11.7BEPRT, no sentido de que «apesar de adquirida parte da nua propriedade do imóvel anteriormente à entrada em vigor do CIRS, há lugar a tributação de mais-valias (no caso da venda do bem na vigência do CIRS) se o usufruto se extinguiu após esta entrada em vigor, tendo-se consolidado a propriedade plena em 1997» e que «quando entrou em vigor o CIRS, o impugnante apenas era titular do direito real de gozo da nua propriedade ou propriedade de raiz e não da propriedade plena dos prédios, pelo que não se pode concluir que a alienação dos bens efetuada em 2005, se reporta a bens adquiridos antes da entrada em vigor do CIRS, estando os ganhos obtidos com a alienação dos prédios, na parte relativa ao valor do usufruto, sujeitos a tributação».
Essencialmente no mesmo sentido já se tinha pronunciado o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 25-09-2013, processo n.º 0369/13, aplicando este entendimento mesmo a uma situação em que não se estava perante uma extinção do usufruto por renúncia, mas sim por morte do usufrutuário, e entendendo que, nesta situação, só se considerava existir transmissão no momento em que ocorreu o óbito.
Também a decisão arbitral de 03.01.2021, no processo n.º 178/2021-T, a que faz referência, entre outras, a decisão arbitral proferida em 02.05.2022 no processo 286/2021-T, adotam o mesmo entendimento:
A consolidação da plena propriedade por efeito da reunião do usufruto e da nua propriedade tem um efeito jurídico relevante que se reflecte no plano fiscal, constituindo um incremento patrimonial que, ainda que obtido a título gratuito, integra o valor de aquisição, quando haja lugar ao apuramento de mais-valias por efeito da ulterior alienação do imóvel. E, tendo o facto tributário ocorrido já na vigência do Código de IRS, não está abrangido pela exclusão de tributação estabelecida na norma transitória do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.
(...) a questão essencial, em qualquer dos casos, radica na relevância fiscal da extinção do usufruto e da consequente valorização patrimonial obtida pelo titular da nua propriedade que se encontrava onerado com o usufruto.”
Assim, na linha da jurisprudência referida, que este tribunal acompanha, é de entender que, com a renúncia ao usufruto, ocorreu transmissão relevante para determinação de mais-valias, decorrente da reunião do usufruto e da nua propriedade na vigência do Código do IRS, porque o que está em causa é a consolidação da propriedade plena por efeito da extinção do direito de usufruto, ou seja, do direito de um terceiro gozar temporariamente e plenamente da coisa ou direito onerada pelo usufruto, nos termos do artigo 1439 do Código Civil, que impede o proprietário de usar e fruir da coisa de modo pleno e exclusivo nos termos do artigo 1305.º do Código Civil.
II - Determinação do valor de aquisição dos Imóveis a considerar para efeitos de cálculo dos ganhos sujeitos a IRS
Invoca o Requerente um erro no cálculo dos ganhos tributáveis relativamente ao valor de aquisição aplicável à consolidação da propriedade plena, ocorrida com a extinção do usufruto em 2013, por a AT ter determinado o seu valor nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 13.º do CIMT, uma vez que nos termos do artigo 45.º do CIRS, revelaria o valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo ou que serviria de base à liquidação do imposto do selo, caso este fosse devido.
Ou seja, para a determinação do valor de aquisição dos imóveis deveria atender-se ao artigo 13.º do CIS, mais concretamente, ao n.º 4 deste preceito no que toca à aquisição da nua propriedade expurgado do usufruto.
E termina defendendo que a AT fez uma aplicação da lei não conforme com a Constituição da República Portuguesa (CRP).
Vejamos:
O Requerente adquiriu a propriedade das 5 frações[7] alienadas em 2017 em diferentes momentos.
Em 1962 adquiriu a propriedade plena em copropriedade com o seu irmão, por escritura de compra e venda, sendo o usufruto simultâneo e sucessivo adquirido por C... e D..., .
Numa transmissão com estas características para apurar qual a parte que, na mesma, corresponde a usufruto e qual corresponde à nua propriedade temos de nos socorrer do Código do Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).
Dispõe a regra 7 do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT:
Determinam as alíneas a) e b) do artigo 13.º do CIMT
As alínea a) e b) do artigo 13.° do CIMT, dizem-nos que para obter o valor do usufruto a propriedade separada do usufruto deduz-se ao valor da propriedade plena uma percentagem (conforme tabela) de harmonia com a idade da pessoa de cuja vida dependa a duração do usufruto.
Como a usufrutuária, mais nova, contava com 48 anos à data da constituição do usufruto tem de se deduzir ao valor da propriedade a percentagem de 50%. Assim, o valor da nua propriedade era de 50% tal como o valor do usufruto (obtido a partir daquela) também era de 50%.
Deste modo, no ano de 1962 o Requerente adquiriu uma quota-parte correspondente a 25% da propriedade do prédio, uma vez que igual raciocínio se aplica à parte adquirida pelo irmão do Requerente
Em 2009 o Requerente e o coproprietário procederam à divisão de coisa comum, mais concretamente à divisão das 18 frações autónomas que resultaram da constituição do imóvel em propriedade horizontal.
Ao Requerente foram adjudicadas as frações autónomas identificadas pelas letras A”, “B”, “D”, “E”, “F”, “G”, “L”, “N”, “P” e “R” tendo o mesmo pagado ao coproprietário o montante de € 3.000,00 a título de tornas.
Nesta divisão não de coisa comum, mas de várias coisas comuns simultaneamente divididas o ora requerente cedeu algo que era seu nas frações adjudicadas ao seu irmão (a sua quota-parte nas mesmas), adquirindo algo que era dele (a quota-parte do irmão nas frações adquiridas pelo requerente).
Ou seja:
Em cada fração adjudicada o adjudicatário recebeu uma parte para além da que já detinha, parte essa que foi cedida pelo comproprietário adjudicante.
Nesta circunstância, o Requerente adquiriu uma quota-parte de 25% - outra igual (de 25%) já detinha nos termos acima explanados desde 1962 – das frações A, B, D, E, F, G, L, N, P e R do prédio supra identificado.
Conclui-se, assim, que o Requerente adquiriu outra quota-parte de 25% das frações alienadas em 2017 em 29-07-2009.
E os restantes 50% da propriedade foram adquiridos em 2013, com a consolidação dessa mesma propriedade, decorrente da extinção do usufruto, porquanto, quando foi constituído, o usufruto correspondia a 50% da plenitude da propriedade, há-se ser extinto nos moldes em que foi constituído.
Temos, assim, que o sujeito passivo adquiriu uma quota-parte de 50% das frações em 2013. Somando as diferentes quotas-partes, temos, pois:
- Uma de 25%, adquirida em 1962.
- Outra de 25%, adquirida em 2009.
- E outra de 50%, adquirida em 2013.
O que, somado, corresponde a 100% (plena propriedade das frações, cinco das quais alienadas em 2017).
A AT tributou considerando as aquisições de quotas-partes de 10% em 2013 e 1,93% em 2009 (na senda do declarado pelo contribuinte no quadro 4 do anexo G entregue conjuntamente com a declaração modelo 3 de substituição que, em seu nome, apresentou em 23-07-2018), e considerando a quota-parte restante - correspondente a 88,07% - do anexo G1 que acompanhou a sobredita declaração oficiosa – idem, ponto 1.36.
Termos em que foi apurado na liquidação contestada (nº 2021..., efetuada em 01-10-2021) menor quantitativo de imposto a pagar.
Não assiste razão ao Requerente quando sustenta a comparação das bases tributáveis (VPT) da liquidação do IS relativa à aquisição da propriedade do imóvel com o VPT no momento da consolidação.
Tal como referido na decisão de 3 de novembro de 2021, proferida no processo n.º 178/2021-T “Uma questão é o valor do incremento patrimonial que resulta, para o proprietário de raiz, da extinção do usufruto, que, como vimos, corresponde a 50% do valor da propriedade plena, atento o disposto na regra 4.ª do artigo 31.º do Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, vigente à data da transação. Outra questão é a do valor patrimonial tributável, que, segundo o disposto no artigo 12.º, n.º 1, do Código do IMT, corresponde ao valor constante do acto ou contrato ou ao valor patrimonial tributável dos imóveis, consoante o que for maior.
Sendo de considerar que há lugar a pagamento de imposto por efeito da extinção do usufruto, na determinação do valor tributável há que atender à regra do artigo 12.º, n.º 1, do Código do IMT, e, portanto, ao actual valor patrimonial tributável por se tratar de tributação que tem por base um facto tributário ocorrido em 2016.”
Atento tudo quanto acima fica dito, não há erro na determinação do valor imputável ao usufruto, pelo que, neste particular, improcede a pretensão do Requerente, nem tão pouco se verifica uma aplicação da lei vigente desconforme com a Constituição da República Portuguesa.
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Vícios de conhecimento prejudicado
Face à solução que se chega, no plano do direito constituído, fica prejudicado o conhecimento da ilegalidade/inconstitucionalidade da aplicação da lei suscitada pelo Requerente, bem como o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios na parte da liquidação impugnada que não foi revogada, uma vez que, nos termos do direito constituído, os juros peticionados apenas são devidos no caso de procedência do pedido.
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Responsabilidade pelas Custas
Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC (ex vi 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Consequentemente, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada a ambas as partes, na proporção de 50% para o Requerente e de 50% para a Requerida.
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Valor da Ação
Nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária), quando seja impugnada uma liquidação, o valor da causa corresponde ao da importância cuja anulação se pretende.
Depois de constituído o presente Tribunal Arbitral, veio a AT proceder à revogação (anulação) parcial da Liquidação Contestada (nos termos referidos supra).
Impõe-se, assim, determinar se esta revogação parcial influi no valor do processo sub judice.
Na determinação do valor da causa deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal, como decorre do disposto no artigo 299.º, n.º 1, do CPC (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).
No contexto de processo arbitral tributário, o facto relevante verifica-se uma vez se mostre recebido na secretaria do CAAD o PPA, conforme o artigo 259.º, n.º 1, do CPC (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Por conseguinte, a utilidade económica do pedido foi definida com a propositura da ação arbitral, mantendo-se o valor da ação inalterado, ainda que a AT tenho vindo comunicar a revogação parcial do ato tributário na pendência desta, ma vez que não influi no valor do processo.
No mesmo sentido, pronunciou-se o Exmo. Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa[8]:
“são irrelevantes as modificações de valor que possam advir da revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada ou de desistência ou redução de pedidos.”
Por tudo quanto acima fixa expendido fixa-se o valor da arbitragem em € 28.659,32 , conforme indicado pelo Requerente no PPA.
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Decisão
Nestes termos, em conformidade com o acima exposto, decide-se, julgar o pedido de pronuncia arbitral improcedente sem prejuízo dos efeitos da anulação administrativa de parte da liquidação impugnada.
Ficando, deste modo, a taxa de arbitragem a cargo de ambas as partes em função do decaimento.
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Valor do processo:
Fixa-se em € 28.659,32 (vinte e oito mil seiscentos e cinquenta e nove euros e trinta e dois cêntimos) nos termos do disposto nos artigos 315.º do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT bem assim como do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
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Custas:
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.530,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo de ambas as Partes em função das responsabilidades de 50% para o Requerente e 50% para a Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, de 15 de março de 2023
O Árbitro Singular
(Cristina Coisinha)
[1] Artigo 5.º do DL 442-A/88, de 30 de novembro
[2] CPPT Anotado e Comentado”, I V, Áreas Editora, 2006, p. 772
[3]Lei Geral Tributária Anotada e Comentada”, 4.ª Edição, 2012, Encontro de Escrita, p. 466, nota 4.
[6] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos no âmbito dos recursos n.ºs: 0793/14, de 03-06-2015, n.º 01942/13, de 18-06-2014, consultáveis in http://www.dgsi.pt
[8] in Guia da Arbitragem Tributária, revisto e atualizado, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 153