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SUMÁRIO:
1. O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Fernando Borges Araújo (árbitro-presidente), Francisco Nicolau Domingos e Jónatas Eduardo Mendes Machado (árbitros vogais), designados, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. Relatório
1. A..., PLC, organismo de investimento coletivo em valores mobiliários (“OICVM”) constituído e a operar na República da Irlanda, contribuinte fiscal irlandês n.º ...L e português n.º..., com sede em..., Dublin..., República da Irlanda (doravante “Requerente”), na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa por si apresentado a 30 de Dezembro de 2021, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 57.º, n.os 1 e 5, e 95.º, n.º 2, alínea d), da Lei Geral Tributária (“LGT”), 97.º, n.º 1, alínea a), 99.º, alínea a), e 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 137.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“CIRC”), 10.º, n.os 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de tribunal arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa em referência e, bem assim, das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) por retenção na fonte ocorridas em 2017, 2018, 2019 e 2020, aquando da colocação à disposição do Requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 29.08.2022, pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD nomeou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, no dia 19.10.2022, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. As partes foram devidamente notificadas dessa nomeação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do art. 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos art.s 6.º e 7.º do Código Deontológico.
5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 08.11.2022.
6. Na sua Resposta, apresentada a 09.12.2022, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida) veio sustentar a improcedência do presente pedido, por não provado, e, consequentemente, a absolvição da Requerida do pedido.
7. A 16.12.2022, em aplicação dos princípios da autonomia na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), e não havendo outros elementos sobre que as partes se devam pronunciar, entendeu o presente tribunal dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º desse Regime, concedendo um prazo de 10 dias para apresentação de alegações sucessivas, tendo as mesmas sido apresentadas pelo Requerente em 13.01.2023.
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Apresentação dos factos
8. O Requerente é um OICVM, com sede e direção efetiva na República da Irlanda – onde é residente para efeitos fiscais nos termos e para os efeitos do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e a República da Irlanda (“CEDT Portugal/Irlanda”) –, constituído e a operar ao abrigo da legislação que transpõe para a ordem jurídica irlandesa a Diretiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OICVM, cumprindo aí exigências equivalentes às estabelecidas na legislação portuguesa que regula a atividade dos OICVM, também em transposição da referida Diretiva – i.e. a Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro.
9. O Requerente é administrado pela sociedade B...) LIMITED, entidade também com residência na República da Irlanda, encontrando-se organizado em sub-fundos ou compartimentos patrimoniais autónomos, entre os quais: i) C... FUND, com o número de identificação fiscal português ...; ii) D... FUND, com o número de identificação fiscal português...; e iii) E... FUND, com o número de identificação fiscal português....
10. Em Setembro de 2017, Maio e Setembro de 2018, Maio e Setembro de 2019 e Maio de 2020, o Requerente auferiu dividendos no montante total de € 2.038.111,23, através dos sub-fundos C...FUND, D... FUND e E... FUND, os quais foram distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português e aí sujeitos a tributação em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, no montante total de € 509.527,82.
11. Em Setembro de 2017, o Requerente auferiu dividendos através do seu subfundo C... FUND, no montante total de € 182.584,25, os quais foram distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português e aí sujeitos a tributação em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, no montante de € 45.646,06, nos seguintes termos:
12. Em 2018, o Requerente auferiu dividendos através dos sub-fundos C... FUND e D... FUND, no montante total de € 299.796,65, os quais foram distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português e aí sujeitos a tributação em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, no montante total de € 74.949,17, nos seguintes termos:
13. Em 2019, o Requerente auferiu dividendos através dos sub-fundos C... FUND e D... FUND, no montante total de 678.376,40, os quais foram distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português e aí sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, no montante total de € 169.594,10, nos seguintes termos:
14. Em 2020, o Requerente auferiu dividendos através dos sub-fundos C... FUND e E... FUND, no montante total de € 877.353,93, os quais foram distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português e aí sujeitos a tributação em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, no montante total de € 219.338,49, nos seguintes termos:
15. As retenções na fonte de IRC referentes aos dividendos auferidos pelo Requerente em 2017, 2018 e 2019 foram efetuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública pelo F..., pessoa coletiva com o número de identificação fiscal português ..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários ao passo que as retenções na fonte de IRC referentes aos dividendos auferidos pelo Requerente em 2020 foram efetuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública pelo G... PLC, pessoa coletiva com o número de identificação fiscal português ..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC.
16. O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Irlanda, seja ao abrigo da lei interna da República da Irlanda. Não se conformando com a tributação por retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, no dia 30 de Dezembro de 2021, apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC acima identificadas, referentes aos períodos de 2017, 2018, 2019 e 2020, ao abrigo do disposto nos artigos 78.º, n.º 1, da LGT e 137.º do CIRC, por se entender que tais liquidações padecem de vício de violação de lei consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, na violação do princípio do primado do Direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.
17. Na data da apresentação do presente pedido arbitral, o referido procedimento de revisão oficiosa encontrava-se pendente junto da AT, correndo os seus termos sob o n.º ...2022..., pelo que, volvidos mais de quatro meses sobre a data de apresentação do referido pedido de revisão oficiosa e não tendo o Requerente sido notificado de decisão final, verifica-se uma situação de indeferimento tácito.
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Argumentação das partes
18. O Requerente veio sustentar e reiterar em alegações finais a procedência do seu pedido com base nos seguintes argumentos:
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Os OICVM não residentes são objeto de uma discriminação contrária ao TFUE, na medida em que o regime previsto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF é aplicável apenas aos OICVM residentes em Portugal que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional – i.e. ao abrigo da Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que transpõe a Diretiva 2009/65/CE –, não permitindo o Estado português que os OICVM não residentes, constituídos e a operar noutro Estado-Membro ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, acedam a tal regime, ainda que demonstrem que cumprem no seu Estado de residência exigências equivalentes às contidas na lei portuguesa;
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Em face do disposto no artigo 22.º do EBF, na versão do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13.01, não são considerados para efeitos de apuramento do lucro tributável dos organismos de investimento coletivo (OIC) (i) os rendimentos de capitais, rendimentos prediais e mais-valias (exceto se provenientes de entidades “offshore”); (ii) os gastos relacionados com estes rendimentos; (iii) os encargos não dedutíveis para efeitos fiscais nos termos do artigo 23.º-A do CIRC; e (iv) os rendimentos e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para os OIC;
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Nos termos do artigo 22.º, n.º 1, do EBF, este regime aplica-se apenas a fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, sendo que os rendimentos de capitais, rendimentos prediais e mais-valias auferidos em território nacional por fundos de investimento ou sociedades de investimento que não tenham sidos constituídos nem operem de acordo com a legislação nacional, e por essa razão sejam não residentes, não estão excluídos de tributação, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, do CIRC, sendo efetuada retenção na fonte, de acordo com o artigo 94.º, n.º 1, alínea c) e n.º 3, alínea c), e artigo 87.º, n.º 4, do CIRC;
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O diferente tratamento conferido pela legislação nacional aos dividendos auferidos por fundos de investimento ou sociedades de investimento consoante a residência tributária destes, configura uma restrição à liberdade de circulação de capitais, por discriminar em função da residência, a qual é proibida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que goza de primado sobre o direito interno, como resulta do artigo 8.º, n.º 4, da CRP e da jurisprudência firmada do TJUE consolidada desde os casos Costa v. Enel (Processo C–6/64, de 15 de Julho de 1964) e Simmenthal (Processo C–106/77, de 9 de Março de 1978);
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Ainda que revestindo características equivalentes aos OICVM residentes em Portugal, em cumprimento das condições previstas na Diretiva 2009/65/CE, os OICVM não residentes são colocados numa situação de desvantagem comparativamente aos OICVM residentes, tão-só em consequência de não terem a sua residência em Portugal, configurando o tratamento discriminatório operado pelos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.os 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, uma violação do TFUE, ao constituir uma restrição às liberdades fundamentais e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, por violação do primado do direito da União Europeia sobre o direito interno;
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À luz da Diretiva 88/361/CEE, do Conselho, de 24.06.1988, a livre circulação de capitais abrange todas as formas de investimento direto, incluindo o investimento em valores mobiliários, sendo que o Requerente, residente na Irlanda – Estado-membro –, investe em Portugal mediante aquisição de ações de sociedades com sede em território nacional, sendo que, relativamente às participações detidas por uma sociedade residente num Estado-Membro em sociedades residentes noutro Estado-Membro, e que não confiram uma influência certa nas decisões destas últimas ou não lhes permitam determinar as respetivas atividades, o TJUE tem considerado que os recebimentos de dividendos, não constituindo, em si mesmos, circulação de capitais, pressupõem a participação em sociedades, a qual constitui uma manifestação inequívoca da livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE;
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Tratando-se in casu de participações no capital de sociedades residentes em Portugal inferiores a 50%, as mesmas não asseguram ao Requerente o controlo sobre estas sociedades nos termos do exercício do direito à liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49.º do TFUE, pelo que a legislação portuguesa em análise será, como tal, potencialmente violadora da livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE;
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Neste contexto, caberá determinar em que medida é que o tratamento fiscal diferenciado dos dividendos distribuídos por sociedades portuguesas a OICVM residentes noutros Estados-Membros, constituídos e a operar ao abrigo da Diretiva 26 2009/65/CE, previsto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.os 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, vis-à-vis aquele aplicável, nos termos do artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, aos OICVM residentes em Portugal, constituídos e a operar em condições equivalentes, por força da legislação portuguesa que transpõe a referida Diretiva, se traduz numa restrição à livre circulação de capitais;
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A discriminação implica um efetivo tratamento distinto por um Estado-Membro de uma operação ou situação intracomunitária (transnacional), por comparação com uma situação interna (nacional) que partilhe com aquela uma identidade quanto aos seus aspetos essenciais, comportando ainda uma ideia de tratamento desigual negativo, desvantajoso para os respetivos beneficiários, no caso, os nacionais de outros Estados-Membros;
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Quanto à exclusão de tributação de dividendos, a legislação nacional distingue consoante a residência do fundo de investimento ou sociedade de investimento, excluindo de tributação apenas os dividendos auferidos por fundos de investimento e sociedades de investimento residentes, não estabelecendo um tratamento equivalente entre sociedades de investimento residentes e sociedades de investimento não residentes, sendo que a situação do Requerente não pode deixar de ser objetivamente comparável à de uma sociedade de investimento residente. Esta diferença no tratamento fiscal de uma situação puramente doméstica e de outra intracomunitária colocou o Requerente, enquanto OICVM acionista residente noutro Estado-Membro, numa situação claramente desfavorável em face dos OICVM residentes em Portugal;
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se de facto o TFUE reconhece, em geral, os elementos de conexão do Direito tributário internacional – residência e fonte –, ou seja, aceita um tratamento diferenciado entre residentes e não residentes – conforme reconhecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, designadamente nos Acórdãos Futura Participations (Processo C-391/97), Marks & Spencer (Processo C-446/03) e Denkavit II (Processo C-170/05) –, a admissibilidade de tal diferenciação restringe-se aos casos em que ambos não se encontrem em situações objetivamente comparáveis;
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Para determinar se esta diferença de tratamento fiscal constitui uma discriminação em violação da livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE, caberá aferir se os OICVM residentes e não residentes em Portugal se encontram numa situação objetivamente comparável, tendo por base a jurisprudência uniforme do TJUE que refere que a discriminação consiste na aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou na aplicação da mesma regra a situações diferentes, em termos suscetíveis de dissuadir, por um lado, os OICVM não residentes de investir em sociedades com sede em Portugal e, por outro, os investidores que residem em Portugal de adquirir participações em OICVM não residentes;
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De acordo com uma interpretação de substância sobre a forma, um OICVM não residente e um OICVM residente no mesmo Estado-Membro da sociedade distribuidora dos dividendos estarão numa situação comparável, se apresentarem uma conexão comum com o sistema fiscal desse Estado-Membro;
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A situação na qual uma sociedade portuguesa paga dividendos a um OICVM residente em Portugal é comparável à situação que está na origem dos presentes autos, em que esses dividendos foram pagos ao Requerente, na sua qualidade de OICVM acionista de sociedades residentes em Portugal, constituído e a operar ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, residente na República da Irlanda, sendo que em ambos os casos, os dividendos pagos por sociedades portuguesas podem ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia por mero efeito do exercício da competência tributária do Estado português;
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De acordo com as regras e princípios de Direito da União Europeia que prevalecem sobre a legislação nacional, nas situações como a ora em análise, impende sobre o Estado Português a obrigação de, no âmbito do exercício da sua soberania tributária sobre os dividendos auferidos pelo Requerente, tratar os mesmos de modo equiparável aos dividendos auferidos por um OICVM acionista residente em situação análoga – ou seja, de não discriminar entre OICVM acionistas residentes e não residentes;
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Na medida em que o artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, faz depender a dispensa de retenção na fonte e tributação em sede de IRC dos dividendos de fonte portuguesa auferidos por um OICVM da respetiva residência em território português, os OICVM não residentes constituídos e a operar em condições equivalentes, ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, encontram-se numa situação objetivamente comparável à dos OICVM residentes em território português, podendo em ambos os casos os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal ser objeto de uma dupla tributação económica ou de uma tributação em cadeia;
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A situação do Requerente constitui um exemplo claro de discriminação por parte do Estado Português entre OICVM portugueses e OICVM irlandeses, visto que a obrigação de não discriminar implica, necessariamente, que também os benefícios ou vantagens de natureza fiscal atribuídos a residentes devam ser concedidos, nas mesmas condições, a não residentes;
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A aplicação do regime previsto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.os 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, traduziu-se numa restrição à livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE, na medida em que implicou uma tributação por retenção na fonte sobre os dividendos pagos ao Requerente, a qual não ocorreria caso os mesmos tivessem sido pagos a um OICVM residente em Portugal;
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Estando demonstrada a comparabilidade objetiva entre a situação do Requerente e a situação de um hipotético OICVM residente em Portugal, constituído e a operar em condições equivalentes ao Requerente, ao abrigo do regime decorrente da Diretiva 2009/65/CE, acionista de sociedades residentes em Portugal, cumpre salientar que a discriminação sub judice não poderá ser justificada com fundamento numa razão imperiosa de interesse geral;
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Inexistindo um nexo direto entre a vantagem fiscal consagrada no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, e a compensação dessa vantagem pela liquidação de um determinado imposto sobre os OICVM residentes, não poderá a discriminação sub judice ser justificada com a necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal português;
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O Estado português não pode invocar a necessidade de preservar a coerência fiscal para justificar a restrição à livre circulação de capitais que resulta da regulamentação em causa»;
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A partir do momento em que o Estado português optou por não tributar em sede de IRC os dividendos pagos a OICVM residentes em Portugal, não poderá justificar a discriminação sub judice com fundamento na salvaguarda da repartição equilibrada do poder de tributação entre Estados-Membros;
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O Estado português não pode justificar a discriminação em referência com a necessidade de garantir a eficácia de controlos administrativos na medida em que nem sequer concede aos OICVM não residentes a possibilidade de comprovarem que cumprem, no seu Estado-Membro de residência, exigências equivalentes às previstas na legislação portuguesa;
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O Estado português não pode justificar a discriminação em referência com a necessidade de evitar a fraude e a evasão fiscal ou de garantir a eficácia de controlos administrativos na medida em que tal resultaria numa presunção inilidível, e como tal contrária ao princípio da proporcionalidade, do carácter artificioso das operações em causa e do incumprimento por parte do Requerente, no seu Estado de residência, de exigências equivalentes às previstas na legislação portuguesa;
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Tendo o Requerente efetuado o pagamento das liquidações de IRC em crise através do mecanismo da retenção na fonte, terá direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, a computar sobre o montante de € 509.527,82, desde a data do indeferimento tácito da revisão oficiosa que antecedeu os presentes autos – i.e. 30 de Abril de 2022 – até efetivo e integral pagamento.
19. A Requerida respondeu, por impugnação, sustentando que o presente pedido deve ser julgado improcedente, com os seguintes fundamentos:
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Deve dar-se o devido relevo à opção legislativa de “aliviar” os OIC da tributação em IRC, mediante a subtração à base tributável dos rendimentos típicos dos OIC, isto é, dos rendimentos de capitais (artigo 5.º do CIRS), dos rendimentos prediais (artigo 8.º do CIRS) e das mais-valias (artigo 10.º do CIRS) conforme previsto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, e ainda prevendo a isenção de derrama municipal e de derrama estadual, nos termos do n.º 6 do artigo 22.º do EBF, coexiste com a deslocação da tributação para a esfera do IS;
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Foi aditada à TGIS,
da Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, o valor tributável, determinado nos termos do n.º 5 do artigo 9.º do CIS, inclui o valor investido nas ações que dão origem aos dividendos e estes rendimentos, em caso de reinvestimento pelos OIC, sendo que a tributação em IS apenas recai sobre os OIC e sociedades de investimento abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, o que significa que dela são excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira;
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Os dividendos, além de não integrarem a matéria coletável do IRC, também beneficiam da isenção de retenção na fonte (cfr. n.º 10 do artigo 22.º do EBF) , sendo que os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF – tal como ocorre com os fundos de pensões - por beneficiarem de isenção parcial de IRC, estão, nos termos do disposto no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC, obrigados a liquidar e entregar a tributação autónoma incidente sobre os lucros distribuídos, a uma taxa de 23%, quando as correspondentes partes sociais não sejam detidas, de modo ininterrupto, há pelo menos um ano, sendo que os OIC não abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, como é o caso do Requerente, não estão sujeitos à tributação autónoma sobre os dividendos;
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Um OIC ou uma sociedade de investimento mobiliário constituídos e estabelecido em Portugal, embora isentos de retenção na fonte, estão sujeitos a uma tributação autónoma sobre os dividendos, à taxa de 23%, se as correspondentes partes sociais não forem detidas, de modo ininterrupto, pelo período de um ano e, além disso, o montante do investimento em ações bem como os dividendos reinvestidos integram o valor líquido global determinado, em cada trimestre, para efeitos da liquidação do IS, ao passo que os dividendos distribuídos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade de investimento mobiliário constituída ao abrigo da legislação irlandesa apenas foi objeto de retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 15% (taxa máxima estabelecida no artigo 10.º da CDT);
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O regime de tributação da sociedade de investimento mobiliário constituída e estabelecida na Irlanda não é comparável com o regime de tributação a que se encontram sujeitos os OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional pois que a tributação destes últimos compreende uma tributação em IRC sobre um lucro tributável que integra rendimentos marginais e repousa, sobretudo, no IS, ao passo que o regime aplicável à sociedade irlandesa aproxima-se de um regime de transparência fiscal e, aparentemente, não há incidência de outros impostos, não podendo afirmar-se de forma categórica que a situação do Requerente, sociedade de investimento não residente, se encontra numa situação comparável à de uma sociedade de investimento residente;
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Para efeitos de comparação da carga fiscal incidente sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e os OIC constituídos na Irlanda, é redutor, e manifestamente insuficiente para extrair conclusões, atender apenas ao imposto retido na fonte e abstrair de outras imposições suscetíveis de onerar fiscalmente os dividendos;
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A administração tributária tem que aplicar o disposto nos códigos fiscais que se encontram em vigor e as disposições deles constantes que regulam determinada relação jurídico-tributária, de acordo com o artigo 2.º alínea b) da LGT, in casu, as normas constantes do Código do IRC e do EBF acima citadas;
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Os artigos 63.º e 65.º do TFUE visam assegurar a liberalização da circulação de capitais dentro do mercado interno europeu e entre este e países terceiros, portanto, proíbe qualquer restrição ou discriminação que resulte do tratamento fiscal diferenciado concedido pelas disposições da lei nacional a entidades de Estados-membros ou de países terceiros que crie condições financeiras mais desfavoráveis a estes últimos e seja suscetível de os dissuadir de investir em Portugal;
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Para avaliar da existência de um tratamento discriminatório, a análise da comparabilidade deve ser realizada, não com base na consideração estrita na sujeição/isenção da retenção na fonte sobre os dividendos mas entrando em linha de conta com a carga fiscal global passível de incidir sobre tais rendimentos quando auferidos por sociedades de investimento mobiliárias residentes e não residentes, já que só deste modo, é possível concluir se existe, ou não, um tratamento desvantajoso para uma das situações, que seja suscetível de dissuadir os não residentes de investir em Portugal;
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Para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos;
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Não está demonstrado cabalmente que, embora o Requerente não consiga recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu estado de residência (Irlanda), devido ao seu estatuto de entidade abrangida por um regime de semi-transparência fiscal, a parte do imposto não recuperado pelo fundo não venha a ser recuperado pelos investidores;
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Reitera-se que, para avaliar se da legislação nacional resulta um tratamento discriminatório dos fundos de investimento de outros Estados-Membros contrário ao TFUE, por constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais, a análise não pode cingir-se à consideração estrita das regras de retenção na fonte, há que atender à carga fiscal a que estão sujeitos os OICs abrangidos pelo artigo 22.º do EBF relativamente aos dividendos e às correspondentes ações, pois, só com esta visão global pode concluir-se com um mínimo de segurança que os fundos estrangeiros que investem em ações de sociedades residentes em Portugal são colocados numa situação mais desfavorável;
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Se o Requerente tivesse sido constituído ao abrigo da legislação nacional, não teria incidido qualquer retenção na fonte em sede de IRC sobre os dividendos auferidos, mas poderia ter incidido a tributação autónoma, à taxa de 23%, e, eventualmente, o imposto do selo previsto na Verba 29 da TGIS, sendo por isso mais acertado falar em diferentes modalidades de tributação que, até, pode redundar, em certos casos, numa carga fiscal menor dos dividendos auferidos em Portugal por sociedades de investimento constituídas ao abrigo da legislação de outros Estados-Membros da UE;
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Não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelo Requerente, antes pelo contrário, existindo uma aparência de discriminação e não uma discriminação em substância;
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É arriscado e prematuro retirar conclusões gerais que são dirigidas a resolver casos concretos, o que justifica que a AT se considere inibida de transpor para os casos que lhe são submetidos, de forma direta e automática, as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu;
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Não padecendo as retenções em apreço, de qualquer ilegalidade que pudesse conduzir à sua anulação e inexistindo, quanto às mesmas, qualquer erro, quer de facto, quer de direito, imputável aos serviços que tenha resultado em pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, não são devidos juros indemnizatórios à luz do artigo 43.º da LGT.
II. Saneamento
20. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.
21. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. art.s 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e art.s 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
III. Fundamentação
3.1. Factos provados
22. Com base nos documentos constantes nos autos consideram-se provados os seguintes factos:
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O Requerente é administrado pela sociedade B... LIMITED, entidade com residência na República da Irlanda, encontrando-se organizado em sub-fundos, entre os quais: i) C... FUND, com o número de identificação fiscal português...; ii) D... FUND, com o número de identificação fiscal português...; e iii) E... FUND, com o número de identificação fiscal português ...; (cfr. documentos 2 e 3)
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10. Em Setembro de 2017, Maio e Setembro de 2018, Maio e Setembro de 2019 e Maio de 2020, o Requerente auferiu dividendos no montante total de EUR 2.038.111,23, através dos sub-fundos C... FUND, D... FUND e E... FUND, os quais foram distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português e aí sujeitos a tributação em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, no montante total de € 509.527,82, nos termos das tabelas acima apresentadas; (cfr. documentos 4 e 5)
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As retenções na fonte de IRC referentes aos dividendos auferidos pelo Requerente em 2017, 2018 e 2019 foram efetuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública pelo F..., pessoa coletiva com o número de identificação fiscal português ..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários ao passo que as retenções na fonte de IRC referentes aos dividendos auferidos pelo Requerente em 2020 foram efetuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública pelo G... PLC, pessoa coletiva com o número de identificação fiscal português ..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários; (cfr. documento 4 e 5)
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O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Irlanda, seja ao abrigo da lei interna da República da Irlanda. Não se conformando com a tributação por retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, no dia 30.12.2021, apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC acima identificadas, referentes aos períodos de 2017, 2018, 2019 e 2020 (cfr. documento 1).
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Na data da apresentação do presente pedido arbitral, 25.08.2022, o referido procedimento de revisão oficiosa (pedido apresentado a 30 de dezembro de 2021) encontrava-se pendente junto da AT, não tendo o Requerente sido notificada de decisão final, verificando-se uma situação de indeferimento tácito.
3.2. Factos não provados
23. Não há factos relevantes para a apreciação da causa que não se tenham provado.
3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
24. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e art. 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
25. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
26. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no art. 110.º, n.º 7, do CPPT e os elementos constantes dos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
3.4. Questão decidenda
27. A questão decidenda nos presentes autos – idêntica a outras sobre as quais a arbitragem do CAAD tem sido chamada a pronunciar-se – reconduz-se à apreciação da legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa em referência e, nessa medida, da legalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas, que incidiram sobre os dividendos de fonte portuguesa auferidos pelo Requerente em 2017, 2018, 2019 e 2020, em concreto, cumpre apurar se as liquidações de IRC por retenção na fonte em referência devem ser anuladas, por ilegais, com a inerente restituição do imposto indevidamente retido, no montante total de EUR 509.527,82, acrescido de juros indemnizatórios.
28. É, antes de mais, legítimo formular uma questão: o artigo 2.º, n.º 1 e 2, do RJAT abrange a declaração de ilegalidade de indeferimento tácito? Se o ato (de indeferimento tácito) do pedido de revisão oficiosa tem por objeto atos de liquidação, o meio processual idóneo para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial - artigo 97.º, n.º 1, alínea d) e p) do CPPT e o processo arbitral (alternativo à impugnação judicial). É esta a posição do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa[1] quando observa que o artigo 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT abrangerá “[t]ambém os casos em que o ato de segundo grau é o indeferimento de pedido de revisão oficiosa de ato tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir” e, paralelamente, apesar de o artigo 2.º, n.º 1 referir-se à “declaração de ilegalidade de atos”, deve ser interpretado como integrando a declaração de ilegalidade de indeferimentos tácitos, na medida em que o artigo 10.º, n.º 1, do RJAT refere-se aos factos previstos no artigo 102.º, n.º 1 e 2, do CPPT, sendo que a formação de presunção de indeferimento tácito vem indicada na alínea d), n.º 1, do referido artigo 102.º. É também esta a posição da jurisprudência, veja-se, a título de exemplo, a decisão arbitral n.º 486/2020-T, de 26 de novembro de 2021. Há assim, no caso concreto, legitimidade para apreciar a legalidade do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que comporta a apreciação da legalidade das liquidações de IRC, por retenção na fonte, do anos de 2017, 2018, 2019 e 2020.
29. Prevendo o artigo 78° da LGT a revisão do ato tributário por iniciativa do sujeito passivo ou da administração tributária, aquela no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, e esta no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços, tal não significa que o contribuinte não possa, no prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão, como resulta, desde logo, dos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade, nos termos do artigo 266°, n.° 2 da CRP, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua atividade. Deles decorre o dever de a Administração efetuar a revisão de atos tributários, quando detetar uma situação de cobrança ilegal de tributos, devendo ser oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no artigo 78.º, n.º1, da LGT, os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei. Nos termos dos artigos 65.º da LGT e 9.º, n.º 1, do CPPT, o Requerente tinha legitimidade para solicitar a revisão oficiosa das liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas.
30. O termo inicial do referido prazo de quatro anos verificou-se a 21.09.2017, que corresponde à data da mais antiga liquidação de IRC por retenção na fonte cuja revisão foi solicitada pelo Requerente. Tendo presente o regime de suspensão de prazos procedimentais determinada pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março – nas suas sucessivas versões – e, bem assim, o regime disposto no artigo 4.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, aplicável aos prazos administrativos, conclui-se pela tempestividade do referido pedido de revisão oficiosa. Tendo o Requerente apresentado o pedido de revisão oficiosa no 30.12.2021, a AT deveria ter proferido a sua decisão até ao dia 30.04.2022, nos termos do artigo 57.º da LGT.
31. O n.º 1 do artigo 22.º do EBF dispõe que “são tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”, excluindo do âmbito do regime aí previsto os OICVM como o Requerente, que não foram constituídas de acordo com a legislação nacional.
32. No centro da questão in casu localiza-se o artigo 22.º do EBF, que estabelece um regime consideravelmente mais favorável do que o regime geral de tributação em IRC, visto que, nos termos do seu n.º 3, não considera os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do CIRS (v.g. juros, dividendos, rendas, mais-valias) para efeitos do apuramento do lucro tributável – exceto quando esses rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças –, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do CIRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1 e a isenção de derramas estadual e municipal. O n.°10 do mesmo artigo dispensa as empresas que distribuem dividendos aos OIC da obrigação correspondente de reter e de entregar esse imposto à Fazenda Pública.
33. Em rigor, os dividendos pagos à Requerente estariam, em princípio, igualmente isentos de imposto. No entanto, a isenção foi afastada, nos termos do n.° 3 do artigo 14.° do CIRC, pelo facto de o Requerente não estar sujeita ao imposto sobre as sociedades no Estado de residência de maneira a assegurar uma tributação mínima dos rendimentos de dividendos obtidos por pessoas coletivas residentes no estrangeiro.
34. Importa saber se a retenção na fonte em IRC sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OICVM estabelecidos noutros Estados-Membros da União Europeia[2] (no caso, a Irlanda) – ao mesmo tempo que se isenta de tributação a distribuição de dividendos a OIC estabelecidos e domiciliados em Portugal e se sujeita os mesmos a tributação trimestral em IS, pela verba 29 da TGIS, e à eventual aplicação da tributação autónoma, designadamente a prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC – é conforme, ou não, com o artigo 63.º do TFUE. Trata-se de aferir da conformidade com este artigo, à data dos factos relevantes, das pertinentes normas do CIRC e do EBF respeitantes ao regime de tributação dos dividendos auferidos pelo Requerente, em representação dos subfundos identificados.
35. O artigo 26.º do TFUE estabelece uma conexão substantiva entre a criação do mercado interno e a liberdade de circulação de capitais, elevada esta, pelo artigo 63.º do TFUE, ao estatuto de liberdade fundamental do mercado interno, dotada de relevância constitucional no âmbito do Direito da União Europeia[3]. A mesma goza da primazia normativa sobre o direito interno dos Estados-Membros, cabendo aos tribunais nacionais, na sua qualidade de tribunais europeus em sentido amplo, assegurar a primazia de aplicação do direito da União Europeia, desaplicando o direito nacional de sentido contrário. O TJUE desempenha uma função interpretativa decisiva, nomeadamente em sede de ações por incumprimento e de reenvios prejudiciais, devendo os tribunais nacionais conformar-se com o entendimento sobre as normas dos Tratados que venha a ser vertido na jurisprudência daquele tribunal, sob pena de incumprimento do direito da União Europeia e de responsabilidade civil por parte do Estado-Membro, na linha da jurisprudência Francovich[4].
36. A liberdade de circulação de capitais do artigo 63.º do TFUE estabelece uma íntima relação com as liberdades de circulação de pessoas, de estabelecimento e de prestação de serviços, diferenciando-se delas na medida em que se estende a terceiros Estados. A mesma implica a proibição de discriminação entre capitais de um dado Estado-Membro e capitais provenientes de fora. Trata-se de uma norma diretamente aplicável aos Estados-Membros, que devem abster-se de restringir o seu alcance por via legislativa, administrativa ou jurisdicional. Isso não impede que os Estados-Membros regulem em alguma medida a circulação de capitais, desde que em termos compatíveis com o direito da União Europeia.
37. A autonomia fiscal permite aos Estados‑Membros regularem as condições de tributação e a carga fiscal aplicável, desde que o tratamento das situações transfronteiriças não seja discriminatório em comparação com o das situações nacionais. Não obstante a fiscalidade direta ser da competência dos Estados‑Membros, o respetivo regime jurídico deve respeitar o direito da União Europeia, sem qualquer discriminação em razão da nacionalidade ou da residência. O TJUE tem sustentado que a existência de meras divergências entre os sistemas fiscais nacionais não é suficiente para declarar a existência de uma tal restrição. Na ausência de harmonização no plano da União Europeia, as desvantagens que podem resultar do exercício paralelo de competências dos diferentes Estados‑Membros, desde que não discriminatório, não constituem restrições às liberdades de circulação.
38. A criação da União Económica e Monetária (UEM) tem conduzido a um reforço progressivo da importância da liberdade de circulação de capitais no mercado interno. Um dos principais objetivos da UEM consiste, precisamente, em facilitar a livre transferência de capital entre os Estados-Membros no quadro do mercado interno e das relações económicas e financeiras com Estados terceiros. A criação de um mercado interno supõe, por definição, a gradual e efetiva abolição dos diferentes mercados nacionais, em favor de um único mercado interno, de forma a potenciar o crescimento económico à escala europeia através da mais fácil disponibilização de capital. O objetivo dos OIC, cujo enquadramento jurídico é definido pela Diretiva 2009/65/CE, consiste em facilitar a participação dos investidores privados no mercado de valores mobiliários.
39. A densificação do âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais tem sido levada a cabo pelo TJUE acolhendo e sublinhando o valor enumerativo, mas não exaustivo, da Diretiva n.º 88/361/CEE, incluindo o respetivo Anexo I número IV, onde se subsumem ao conceito um amplo conjunto de operações e transações transfronteiriças sobre certificados de participação em organismos de investimento coletivo, em que se incluem as relevantes in caso [5]. A distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal ao Requerente deve ser qualificada como movimento de capital na aceção do artigo 63.º do TFUE e da própria Diretiva 88/361/CEE, de 24 de junho de 1988. Um dos domínios do âmbito e do programa normativo da liberdade de circulação de capitais do artigo 63.º do TFUE diz respeito ao tratamento fiscal dos movimentos de capitais[6].
40. A questão do tratamento fiscal da distribuição de dividendos tem ocupado um lugar central na jurisprudência europeia, incluindo não apenas o TJUE, mas também o Tribunal EFTA[7]. Este último órgão, no caso Focus Bank[8], e o TJUE, em casos como, entre outros, ACT GLO[9], Denkavit[10], Amurta[11], Truck Center[12], Aberdeen Property[13], Comissão v. Países Baixos[14], Comissão v. Portugal[15], Santander Asset Management[16] e Sofina SA[17], a despeito das diferenças factuais e jurídicas nas respetivas decisões, apontam globalmente no sentido de dever considerar-se que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes – v.g. imputando aos investidores residentes um crédito de imposto e sujeitando as entidades não residentes a retenção de imposto sem imputação; retendo imposto sobre dividendos pagos a não residentes e não retendo no caso de dividendos pagos a residentes – configurar, em princípio, uma violação da liberdade de circulação de capitais e nalguns casos também da liberdade de estabelecimento, pondo em causa o funcionamento do mercado interno. Por seu lado, o CAAD apresenta, nas suas diversas formações arbitrais, distintas orientações jurisprudenciais[18], sem prejuízo das mesmas também resultarem das particularidades de cada caso concreto.
41. Confirmando a existência de uma área apreciável de divergências interpretativas neste domínio, as conclusões da Advogada Geral (AG) Kokott recentemente apresentadas a propósito de um reenvio prejudicial apresentado num processo arbitral do CAAD[19], envolvendo o regime fiscal em causa também no presente processo, vieram sustentar, com argumentos ponderosos, aquilo que se entendia corresponder a uma leitura menos formalista do artigo 63.º do TFUE, reconhecendo uma maior margem de manobra dos Estados-Membros na conformação do regime fiscal dos OIC residentes e não residentes, concluindo que esse artigo não se opõe à aplicação de retenção na fonte aos dividendos distribuídos por uma sociedade residente, quando esses dividendos sejam distribuídos a um OIC não residente que não está sujeito ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas no seu Estado de residência.
42. Os argumentos por ela sustentados foram devidamente considerados e rebatidos na decisão do Processo n.º 166/2021-T, tendo sido posteriormente rejeitados pelo TJUE, na sua decisão do caso Allianzgi-Fonds Aevn, que entendeu que “o artigo 63.º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”[20] Como esta decisão considerou expressamente o regime fiscal em causa no presente processo, e estando os tribunais nacionais juridicamente obrigados a seguir a jurisprudência do TJUE, a mesma fornecerá a estrutura e o conteúdo de toda a argumentação a seguir expendida.
43. No caso Allianzgi-Fonds Aevn, o TJUE reiterou o seu entendimento de que, embora não estejam sempre numa situação comparável, residentes e não residentes são colocados nessa posição a partir do momento em que um Estado-Membro, unilateralmente ou por convenção, opte por tributar os acionistas não residentes de maneira menos favorável que os residentes, relativamente aos dividendos que uns e outros recebam de sociedades residentes. Especialmente relevante, em sede das liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais – a liberdade que o TJUE entendeu ser pertinente neste caso – é o facto de o tratamento fiscal menos favorável dos não residentes os dissuadir, na qualidade de acionistas, de investirem no Estado da residência das empresas distribuidoras de dividendos, e constituir, igualmente, um obstáculo à obtenção de capital no exterior por parte dessas empresas[21].
44. Para o TJUE, é significativo o facto de que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção. Em seu entender, ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes, suscetível de dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC, constituindo, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º do TFUE.
45. Não obstante, segundo o artigo 65.º, n.º 1, alínea a), do TFUE, o disposto no artigo 63.º TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido. Ao mesmo tempo, o TJUE tem entendido que um Estado-Membro não pode deixar de cumprir as suas obrigações jurídicas decorrentes das liberdades fundamentais do mercado interno por considerar que outro Estado-Membro se encarregará de compensar de alguma maneira o tratamento desfavorável gerado pela sua própria legislação[22]. As liberdades de circulação de capitais e de estabelecimento requerem a igualdade de tratamento fiscal dos dividendos pagos a residentes e não residentes pelo Estado-Membro anfitrião, no caso de ambos estarem sujeitos a tributação de dividendos[23].
46. O TJUE tem sustentado que, quando se trata de interpretar e aplicar as liberdades fundamentais do mercado interno, prevalece o entendimento segundo o qual a liberdade é a regra e as restrições à liberdade são a exceção. Assim, o artigo 65.º, n.º 1, alínea a), do TFUE enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), do TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, do TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º do TFUE[24]. Ou seja, as restrições têm como limite a garantia da própria liberdade de circulação de capitais[25].
47. No caso de fundos de investimento residentes na Irlanda, o artigo 10.º, n.º 2, da CDT[26], permite que o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, seja limitado à taxa de 15% sobre o montante bruto dos dividendos se a pessoa que os recebe for o seu beneficiário efetivo. No entanto, como o regime fiscal aplicável ao OICVM irlandês se aproxima de um regime de transparência fiscal e, aparentemente, não há incidência de outros impostos – visto que, como consta dos autos, a base tributável é constituída pelos rendimentos não distribuídos ou imputados aos titulares do capital, desde que estes se manifestem nesse sentido – o OICVM não pode deduzir o imposto pago nem é inteiramente líquido, de acordo com o critério do beneficiário efetivo, que possa sempre beneficiar dessa redução[27]. Numa primeira análise, poder-se-ia dizer que essa impossibilidade resulta do facto de gozarem de uma vantagem fiscal, a isenção, de que os seus congéneres portugueses não usufruem. Estes, beneficiam da isenção de retenção, ao mesmo tempo que estão sujeitos a dois impostos – tributação autónoma de IRC e IS – cujo efeito cumulativo pode, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos.
48. Por outro lado, o imposto retido ao Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores individualmente considerados, o que, segundo a AT, não terá sido devidamente esclarecido nos autos. Num caso e noutro, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC residentes abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos fundos não residentes, no caso irlandeses. Estas diferenças podem ser invocadas, prima facie, para sustentar que não se trata de situações comparáveis.
49. No entender do TJUE, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.º, n.º 1, alínea a), do TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.º, n.º 3, do TFUE. Para que o regime fiscal nacional possa ser considerado compatível com as disposições do TFUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral.
50. Sobre a questão de saber se a situação dos fundos de investimento residentes e não residentes em Portugal é objetivamente comparável, o TJUE, depois de ponderados os argumentos do Estado Português em tudo idênticos aos aqui expostos pela AT, reiterou o seu entendimento segundo o qual, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes[28].
51. No que se refere à análise de comparabilidade, a AG Kokott, nas suas conclusões no caso Allianzgi-Fonds Aevn, havia considerado suficiente que o nível de tributação de um OIC residente e não residente fosse aproximadamente comparável, não sendo necessário que ambos sejam tributados de forma idêntica. E a verdade é que o TJUE já havia considerado que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.
52. No entanto, mo caso Allianzgi-Fonds Aevn, o TJUE considerou que a legislação nacional em causa no processo principal – a saber, o mesmo regime fiscal aqui em análise – não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes. Por exemplo, no que respeita ao IS, o TJUE entendeu serem decisivos o facto de, por um lado, a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse IS é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas e, por outro lado, a legislação fiscal portuguesa distinguir, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Com efeito – disse o TJUE –, mesmo considerando que esse mesmo IS possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.[29].
53. Quanto ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do CIRC, o TJUE considerou significativo o facto de este imposto só incidir sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes. Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do CIRC não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa[30].
54.Quanto à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, o TJUE entendeu que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas. No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, o TJUE entendeu que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos[31].
55. Para o TJUE, se se concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, deve entender-se que se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada.
56. Os fundos do Requerente, residente na Irlanda, podem ter investidores estrangeiros, incluindo portugueses, e os fundos fiscalmente residentes em Portugal podem ter investidores estrangeiros, incluindo irlandeses. A presente ação não foi intentada pelos investidores nem os mesmos são partes nela, nem é lícito chamar à colação a posição (para efeitos fiscais) dos referidos investidores. O artigo 22.º do EBF não estabelece nenhuma ligação entre o tratamento fiscal dos dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC —residentes ou não residentes — e a situação fiscal dos seus detentores de participações. Da mesma forma, a AT não afere da posição dos investidores em OIC estabelecidos (e residentes para efeitos fiscais) em Portugal para reconhecer a estes o regime fiscal previsto no artigo 22.º do EBF.
57. Se se quiser fazer uma determinação caso a caso para cada OIC não residente ou investidor individual, o trabalho administrativo envolvido, embora possa compensar os Estados-Membros por via de um aumento das receitas, acaba por ser, tendo em conta o grande número de investidores de alguns fundos, administrativamente impraticável. Tanto os fundos residentes em Portugal como os não residentes podem ter acionistas institucionais e individuais de todos os Estados da União Europeia e de terceiros Estados. Em causa estão, na prática, diferenças significativas de facilidade e praticabilidade administrativa. Diferentemente, se se circunscrever a análise ao nível da situação fiscal dos fundos residentes e não residentes a quem são distribuídos dividendos, uma única determinação será suficiente.
58. Considerando que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem, o que deve relevar é o impacto direto que as normas tributárias têm na atividade dos fundos e não na situação fiscal dos investidores individualmente considerados. Estes não têm necessariamente a mesma nacionalidade dos fundos, já que hoje é extremamente fácil levar a cabo investimentos transfronteiriços, sendo que esse mesmo é um dos objetivos do mercado interno e da liberdade de circulação de capitais no âmbito da União Económica e Monetária. O rastreamento de investidores individuais espalhados por todo o mundo e a aplicação de um conjunto diferente de regras a cada um deles, dependendo de seu país de domicílio, apresentaria uma situação impraticável para os tribunais que, no futuro, fossem chamados a analisar a conformidade da legislação fiscal nacional em causa com as liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais.
59. A situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia. Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes. A diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis[32].
60. Uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo, sendo tais razões, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre Portugal e a Irlanda. Quanto à primeira razão, sempre se poderia alegar que essa coerência só seria garantida se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.
61. No entanto, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal. Ora, a garantia da coerência do sistema fiscal português também não pode ser invocada para justificar a diferenciação de regime da retenção, visto que a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte, não se podendo falar de uma relação direta, na aceção da jurisprudência do TJUE, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.
62. No tocante ao objetivo de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre Portugal e a Irlanda, o mesmo só pode ser admitido quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território, pelo que se Portugal optou por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos. A esta luz, o artigo 63. do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
63. O Requerente pede a restituição da quantia € 509.527,82 relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos no ano de 2017, 2018, 2019 e 2020, bem como de pagamento de juros indemnizatórios. Dispõe a alínea b) do artigo 24.º do RJAT que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
64. Pese embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilizar a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo expressa referência a decisões condenatórias, há muito jurisprudência dominante sustenta que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, interpretação inteiramente adequada ao sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
65. Não obstante tratar-se, essencialmente, de um processo de anulação de atos tributários, o processo de impugnação de admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como resulta do teor do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se dispõe que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
66. O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser interpretado e aplicado como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. O princípio da tutela jurisdicional efetiva e da correspondente ampliação dos poderes conformadores da jurisdição administrativa e tributária aponta precisamente nesse sentido. O Requerente tem, por conseguinte, o direito de ser reembolsado do imposto pago e juros indemnizatórios por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
67. No caso em apreço, em causa está a aplicação, pela AT, da isenção e das retenções resultantes, respetivamente, dos artigos 22.º do EBF e 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3 alínea b), e n.º 4 e 87.º, n.º 4, do CIRC, criando uma diferenciação entre OIC residentes e não residentes, com potencial impacto dentro de cada um de sucessivos exercícios fiscais, em violação da liberdade de circulação de capitais, uma liberdade fundamental do mercado interno, consagrada no artigo 63.º da TFUE, em termos, de resto, que sempre dariam lugar a responsabilidade por parte do Estado português, na linha da jurisprudência Francovich. Na sua atuação, a AT aplicou as normas jurídicas nacionais em vigor, a despeito de as mesmas violarem o direito da União Europeia tal como ele vem sido interpretado pelo TJUE. Sendo a primazia do direito da União Europeia relativamente ao direito nacional uma primazia de aplicação e não uma primazia de validade, cabe ao presente Tribunal arbitral desaplicar o direito nacional contrário ao direito da União Europeia, declarando a respetiva ilegalidade.
68. De todo o modo, seguindo de perto acórdão do STA, proferido no processo 01364/17, de 14.10.2020, deve entender-se que, nos termos dos artigos 61.º do CPPT e 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando, anulados os atos por vício de violação de lei, se apure que a culpa do erro subjacente à anulação do ato é imputável aos serviços da Administração Tributária, ou, em bom rigor, não é imputável ao contribuinte. Uma vez verificado o erro e ordenada judicialmente a sua anulação, é manifesto que, para além da devolução dos montantes ilegalmente retidos, a Requerente tem direito a que lhe sejam pagos os juros vencidos sobre esses valores (ilegalmente retidos) até integral restituição, sendo indiferente, ao reconhecimento desse direito, que o erro decorra especialmente da violação de normas da União Europeia e não apenas de normas nacionais.
69. Como então sublinhou o Supremo Tribunal Administrativo (STA), não é o facto de o erro de violação de lei resultar da desconformidade do ordenamento nacional com o direito da União Europeia que sustenta o afastamento do direito a juros indemnizatórios uma vez que o que releva é a imputabilidade do seu cometimento à AT, ou a sua não imputabilidade ao contribuinte. As normas de direito da UE porque vigoram diretamente na ordem jurídica interna, prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo ser afastadas pelos Estados Membros através de imposição de normas de direito interno, que, no caso, foram aplicadas pela AT. Estamos assim, neste caso, perante uma atuação por parte da AT que se traduz num “erro imputável aos serviços”, para efeitos da aplicação artigo 43.º da LGT. Atendendo ao estabelecido no artigo 61.º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da AT, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (artigo 43.º, n.º 1, da LGT), entendemos que o Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal.
70. O artigo 43.º, n.º 3, al. c), da LGT determina que são devidos juros indemnizatórios à taxa legal “[q]uando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”. Tendo em consideração o teor desta norma, o momento a partir do qual são devidos juros indemnizatórios no caso de revisão oficiosa do ato, quando esta é espoletada pelo contribuinte, já foi levada à apreciação do STA. A interpretação do STA foi, no acórdão 0116/18.7BALSB, de 5 de agosto de 2019, a seguinte: “É certo que o contribuinte se viu forçado a recorrer ao tribunal arbitral em virtude de os serviços da Administração não terem procedido à solicitada revisão do acto de liquidação ilegal, e que isso constitui uma circunstância que tem sido esgrimida para afastar a aplicação da alínea c) do nº 3 do art.º 43º da LGT.
71. Todavia, importa não esquecer que o princípio da igualdade impõe um tratamento semelhante entre os contribuintes cujos pedidos de revisão obtêm êxito (para além do prazo de um ano) junto da Administração, e os contribuintes que obtêm idêntico resultado (também para além desse prazo) junto do Tribunal. Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à Administração e deriva da prática de ato ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito. Nestes casos, o direito de indemnização deriva da prática de ato ilegal e não do incumprimento de um prazo procedimental para os serviços decidirem favoravelmente a pretensão do contribuinte, já que o prazo de um ano fixado nesse normativo nem sequer coincide com o prazo de quatro meses que a LGT fixa para a emissão de decisão (art.º 57º, n.º 1)”. Assim, entende-se que os juros indemnizatórios só são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, no caso concreto, 31.12.2022.
72. E não se argumente em sentido contrário com o facto de o tribunal arbitral não deter legitimidade para apreciar o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão.
DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
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Declarar a ilegalidade dos atos tributários de retenção na fonte ora sindicados por erro nos pressupostos de direito, a saber, por violação da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE e a decisão de indeferimento de reclamação graciosa que sobre eles tacitamente recaiu;
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Condenar a Requerida à restituição da quantia de € 509.527,82 relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF e ao pagamento de juros indemnizatórios, contados a partir do dia 31 de dezembro de 2022, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, da LGT;
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 509.527,82 nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VI. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 7956,00, a cargo da Requerida, conformemente ao disposto nos art.s 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e art. 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 9 de março de 2023.
Árbitro Presidente
(Fernando Borges Araújo)
Árbitro Vogal
(Francisco Nicolau Domingos)
Árbitro Vogal
(Jónatas E. M. Machado)
[1] Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Coord. de Nuno de Villa-Lobos e Tânia Carvalhais Pereira, Almedina, 2013, pp. 144-145.
[2] Art. 94.º, n.º1, alínea c), n.º 3, alínea b) e n.º4 do CIRC.
[3] C-203/80, Casati, 11-11-1981; cfr. John A. Usher The Evolution of the Free Movement of Capital, 31 Fordham International Law Journal, 5, 2007, 1533 ss.
[4] C-358/93, C-416/93, Bordessa, 23-02-1995; Jarrod Tudor, “The Free Movement of Capital in Europe: Is the European Court of Justice Living Up to its Framers' Intent and Setting an Example for the World?”, 42, Ohio Northern University Law Review, 2015, 195 ss.
[5] C-222/97. Trummer, 16.03.1999; C-302/97, Klaus Konle, 01-06-1999. Acórdão Arbitral do CAAD, Proc. n.º 22/2013 - T, 12.09.2013.
[6] Walter Frenz, Handbuch Europarecht, 1 Europaïsche Grundfreiheiten, Berlin, 2014, 1034 ss.
[7] Cfr., sobre esta matéria, Christiana Hji Panayi, European Union Corporate Tax Law, Cambridge, 2013, 253 ss.
[8] Case E – 1/04, Focus Bank ASA v. The Norwegian State, 23.11.2004, sobre dividendos pagos por uma empresa norueguesa a acionistas residentes e não residentes na Noruega, beneficiando os primeiros (e não os segundos) de um crédito de imposto sobre a retenção feita na empresa.
[9] C-374/04 - Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, 12.12.2006, sobre o tratamento diferenciado de dividendos pagos por sociedades britânicas a sociedades mãe residentes ou não residentes no Reino Unido, sofrendo as mesmas uma desvantagem no fluxo de caixa, considerando-se que quando o Reino Unido exerce a sua jurisdição fiscal sobre rendimento obtido na fonte deve fazê-lo de forma a garantir a igualdade de tratamento em matéria de crédito de imposto relativamente a residentes e não residentes, considerando-se que uns e outros estão em situação comparável.
[10] C-170/05, Denkavit, 14.12.2006, relativamente à retenção de imposto, pela França, sobre dividendos pagos por filiais residentes a sociedades mães não residentes, ficando os dividendos pagos a sociedades mães residentes quase isentos de impostos, tendo o TJUE estabelecido que a partir do momento em que a França, unilateralmente ou mediante tratado, decide impor uma retenção sobre pagamentos a não residentes, os mesmos ficam colocados em situação comparável aos residentes.
[11] C-379/05, Amurta SGPS, 08.11.2007, relativamente retenção de imposto de 25%, pela Holanda, sobre dividendos pagos a sociedades mães não residentes, sendo os dividendos pagos a residentes isentos de imposto, considerando-se que ambos estão em situação comparável, devendo qualquer mitigação da dupla tributação ser abranger residentes e não residentes.
[12] C-282/07, Belgian State - SPF Finances v Truck Center SA., 22.12.2008, relativamente à retenção de imposto sobre pagamentos de juros ao exterior, tendo o Tribunal considerado que residentes e não residentes não estavam em situação comparável, na medida em que quando a sociedade distribuidora de juros e a sociedade beneficiária desses juros residem na Finlândia, esta atua na sua qualidade de Estado da residência, ao passo que quando uma sociedade residente nesse Estado paga juros a uma sociedade não residente, a Finlândia atua na sua qualidade de Estado de origem dos juros.
[13] C-282/07, Aberdeen Property Fininvest Alpha, 18.06.2009, sustentando que a diferença de tratamento fiscal dos dividendos entre as sociedades‑mãe, em função do local da sua sede, é suscetível de constituir uma restrição à liberdade de estabelecimento, em princípio proibida pelo TFUE, uma vez que torna menos atraente o exercício da liberdade de estabelecimento por sociedades estabelecidas noutros Estados‑Membros, as quais poderiam, consequentemente, renunciar à aquisição, à criação ou à manutenção de uma filial no Estado‑Membro que aplica esta diferença de tratamento.
[14]C-521/07, Comissão v. Países Baixos, 11.06.2009, a não isenção de retenção de imposto a dividendos pagos a sociedades não residentes, diferentemente do que sucedia relativamente a sociedades residentes com participações iguais ou superiores a 5% constitui uma restrição da liberdade de circulação de capitais no EEE.
[15] C- 493/09, Comissão v. Portugal, 06.10.2011, sustentando que não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 63.° TFUE e 40.° do Acordo Espaço Económico Europeu, o Estado‑Membro que reserva o benefício da isenção de imposto sobre as sociedades apenas aos fundos de pensões residentes no seu território. Esta diferença de tratamento tem por efeito dissuadir os fundos de pensões não residentes de investir em sociedades portuguesas e os aforradores residentes de investir nesses fundos de pensões.
[16] C‑338/11 a C‑347/11, Santander Asset Management SGIIC SA, 10.05.2012, num caso de retenção de 25% sobre dividendos distribuídos a OIC (valores mobiliários) não residentes, considerando que quando um Estado‑Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do caráter discriminatório ou não da referida regulamentação.
[17] C-575/17, Sofina, Rebelco e Sidro, 22.11.2018, sustentando, num caso de uma retenção na fonte de 25% sobre dividendos distribuídos a não residentes, reduzida a 15% por CDT, que uma vez que os dividendos recebidos por uma sociedade não residente são tributados aquando da sua distribuição, há que ter em conta o exercício fiscal de distribuição dos dividendos para comparar a carga fiscal que incide sobre esses dividendos e a que incide sobre os dividendos distribuídos a uma sociedade residente.
[18] Cfr., processos n.º 90/2019-T, de 23.07.2019, n.º 256/2019-T, 09.03.2020 e n.º 11/2020-T, de 06.11.2020, que servem de base aos argumentos seguidos neste acórdão.
[19] C, Conclusões, 06.05.2021, pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD), no Processo n.º 93/2019-T, em 172019 – Allianzgi-Fonds Aevn/Autoridade Tributária e Aduaneira.
[20] C-545/19, Allianzgi-Fonds Aevn, 17.03.2022.
[21] C-545/19, Allianzgi-Fonds Aevn, 17.03.2022, § 36.
[22] Case E – 1/04, Focus Bank ASA v. The Norwegian State, 23.11.2004.
[23] Christiana Hji Panayi, European Union Corporate Tax Law, Cambridge, 2013, 256.
[24] C-545/19, Allianzgi-Fonds Aevn, 17.03.2022, § 41.
[25] C-358/93, C-416/93, Bordessa, 23-02-1995.
[28] C-545/19, Allianzgi-Fonds Aevn, 17.03.2022, § 44ss.
[29] C-545/19, Allianzgi-Fonds Aevn, 17.03.2022, § 53ss.
[30] C-545/19, Allianzgi-Fonds Aevn, 17.03.2022, § 55ss.
[31] C-545/19, Allianzgi-Fonds Aevn, 17.03.2022, § 59 ss.
[32] C-545/19, Allianzgi-Fonds Aevn, 17.03.2022, § 60ss.
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