Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 396/2022-T
Data da decisão: 2023-02-22  IRS  
Valor do pedido: € 6.364,65
Tema: IRS - Exclusão de mais-valias obtidas com a alienação de direito de usufruto de imóvel afeto a habitação própria permanente do sujeito passivo.
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SUMÁRIO:

Nos termos do art.º 18.º nº 2 do CIRC, e ao abrigo do princípio da justiça, sempre que um gasto imputável a período anterior seja efetivo e documentado, não fosse conhecido na data do encerramento do balanço do período a que alegadamente respeita, já não seja possível a correção simétrica, e a sua transferência para exercício posterior não revele intencionalidade prejudicial nem efetivamente cause qualquer prejuízo à Fazenda Pública, deve ser admitida a sua dedução, abstendo-se a AT de tributar o montante correspondente.

 

DECISÃO ARBITRAL

I. RELATÓRIO

A... (doravante designada por Requerente) contribuinte n.º ..., residente na Rua ..., ..., ..., ...-... Leça do Balio, no seguimento da decisão de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada contra a liquidação de IRS n.º 2021..., referente aos rendimentos de 2019,  apresentou, ao abrigo do art.º 10º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares nº 2021..., bem como à anulação parcial do mesmo ato de liquidação.

É requerida a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “Requerida”, “Autoridade Tributária” ou simplesmente “AT”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 01-07-2022.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 18-08-2022, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 06-09-2022.

A Requerente baseia a sua pretensão nos seguintes factos e argumentos:

  • A Requerente, na qualidade de usufrutuária, e as filhas, na qualidade de radiciárias, alienaram, em 15.11.2019, o prédio urbano sito na Rua ..., ..., Leça da Palmeira, que constituía, à data, habitação própria permanente da Requerente e de suas filhas;
  • Em virtude dessa alienação, a Requerente teve necessidade de adquirir uma nova habitação, o que veio a ocorrer em 11.12.2019 por contrato de compra e venda de uma fração habitacional situada em Rua ..., ..., ..., em Leça do Balio;
  • Pelo contrato então celebrado, a Requerente adquiriu o usufruto da fração, e as suas filhas a raiz ou nua propriedade, destinando-se a fração a habitação própria e permanente da proprietária e das radiciárias;
  • Na primeira declaração de IRS referente ao ano de 2019, a Requerente declarou a alienação do direito de usufruto da sua habitação de Leça da Palmeira e o reinvestimento na aquisição do direito de usufruto da fração da Rua..., não tendo a Autoridade Tributária aceitado conceder a exclusão por reinvestimento por o reinvestimento da mais-valia obtida com imóvel de habitação própria permanente, na aquisição de um direito de usufruto, não dar lugar à exclusão, nos termos do art.º 10º, nº 5 do CIRS, que apenas se aplica à aquisição do direito de propriedade;
  • Na sequência desta decisão, e tendo recebido notificação para alterar a declaração de rendimentos em conformidade com o entendimento veiculado pela AT, a Requerente submeteu declaração (de rendimentos) de substituição, em que declarou a alienação do direito de usufruto sobre o imóvel de Leça da Palmeira, tendo agora declarado a intenção de reinvestir o produto da alienação na aquisição de novo imóvel para habitação própria permanente no prazo de 36 meses previsto na al. b) do n.º 5 do art.º 10.º do CIRS;
  • Desta vez, a Autoridade Tributária voltou a recusar a exclusão, alegando que apenas pode ficar isenta a mais-valia (ao abrigo do nº 5 do art.º 10.º do CIRS) resultante da alienação do direito de propriedade do imóvel afeto a habitação própria e permanente;
  • O usufruto permite ao usufrutuário gozar plenamente uma coisa;
  • Na nova habitação, a Requerente passou a residir e organizar a sua vida pessoal e familiar, tendo para tal celebrado contratos de água, luz, gás, televisão e internet, entre outros;
  • Para adquirir (o usufruto da) fração, a Requerente teve de liquidar IMT ao qual foi concedido o benefício previsto no art.º 9.º do CIMT, por a aquisição se destinar a habitação própria e permanente;
  • No entanto, a Requerente obteve a exclusão de IMI para o mesmo imóvel, para o período 2019-2021, nos termos do art.º 46.º do EBF;
  • E tendo destinado a fração adquirida a sua habitação própria permanente, deve poder beneficiar da exclusão por reinvestimento prevista no art.º 10º do CISR.

A Requerente terminou pedindo que o Tribunal:

  • Declare a ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa;
  • Determinar a correção da declaração de IRS do ano 2019, com a consideração do reinvestimento efetuado;
  • Ou, caso o Tribunal assim não o entenda, determinar a correção da declaração de IRS do ano 2019 com a consideração de reinvestimento no prazo de 36 meses;
  • Condenar a Requerida à restituição do imposto pago acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

Notificada para o efeito, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta no prazo estabelecido, contestando o pedido apresentado pela Requerente por impugnação, com base, em síntese, nos seguintes argumentos:

  • Nos termos do artigo 10.º, número 1, alínea a), do Código do IRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
  • Esta referência, naquele normativo, à alienação onerosa de “direitos reais”, inclui por isso, a alienação do direito de propriedade, mas também direitos reais menores como o direito de usufruto, pelo que os ganhos decorrentes da sua alienação onerosa estão sujeitos a tributação em sede de IRS.
  • No entanto, na alínea a) do n.º 5 do mesmo normativo, estabeleceu o legislador que são excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que, entre outras condições cumulativas, o valor de realização seja reinvestido nomeadamente na aquisição da propriedade de outro imóvel.
  • Repara-se que, para efeitos de concretização do reinvestimento, não basta a aquisição de qualquer direito real sobre bens imóveis, é necessário que seja adquirido o imóvel, isto é, a propriedade plena do imóvel.
  • Assim pese embora a Requerente tenha destinado o imóvel, cujo usufruto adquiriu, à sua habitação própria e permanente, não reúne todos os requisitos legais (cumulativos) para ser aceite o reinvestimento do valor de realização, desde logo por não ter adquirido a propriedade (plena) do imóvel.
  • Esta conclusão que se extraí do enquadramento jurídico-tributário decorrente do Código do IRS não é afetada pelo facto de, para outros impostos (nomeadamente IMT e IMI) ser a Requerente considerada sujeito passivo e/ou beneficiária de isenções ou exclusões por deter o usufruto de imóvel destinado a habitação própria e permanente.

Por despacho de 29.10.2022, e depois de consultadas as Partes sobre a tramitação do processo, o Tribunal determinou a dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.

Por despacho de 28.12.2022, foi facultado às Partes prazo para apresentação de alegações escritas.

Em 17.01.2023, a Requerente apresentou as suas alegações escritas em que, a tudo o alegado na petição inicial, acrescentou:

  • Quanto aos artigos 35 a 39 da resposta da AT, mantém a Requerente o que alega nos artigos 25º a 29º do pedido de pronúncia arbitral, alegando que não se pode aplicar ao usufruto, a informação vinculativa do processo número 662/2018 no âmbito da aquisição do direito de uso e habitação, porquanto tal informação não vincula a Requerente, sendo que o usufruto é um direito transmissível e onerável, tal como resulta do artigo 1444º do Código Civil, contrariamente ao direito de uso e habitação, o qual é intransmissível, como resulta do artigo 1488º do Código Civil.

Em 08.02.2023, a Requerida apresentou as suas alegações escritas, optando por nada acrescentar aos argumentos expendidos na sua resposta.

 

II. SANEAMENTO

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e é materialmente competente, à luz do disposto no nº 1, al. a) do art.º 2.º do RJAT, uma vez que está em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

III. QUESTÕES A ANALISAR

Constituem questões a analisar nos presentes autos:

  1. Se a exclusão de IRS prevista no nº 5 do art.º 10.º do CIRS é aplicável quando o sujeito passivo aliena um direito de usufruto sobre um imóvel no qual tinha, até ao ato de alienação, a sua habitação própria permanente; 
  2. Existência, no ato de liquidação, de erro sobre os pressupostos de facto.

 

IV. MATÉRIA DE FACTO

Factos considerados provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. Por escritura de compra e venda celebrada em 15.11.2019, a Requerente, na qualidade de usufrutuária, e as suas filhas, na qualidade de radiciárias, alienaram o prédio urbano sito na Rua ..., nº ..., em Leça da Palmeira.
  2. O mencionado prédio constituía, até ao ato de alienação, habitação própria permanente da Requerente e das suas filhas.
  3. Em 11.12.2019, a Requerente e as filhas celebraram um contrato pelo qual a Requerente adquiriu o direito de usufruto vitalício e as filhas a nua propriedade da fração habitacional designada pelas letras AI, correspondente ao apartamento nº 4.A do prédio no ... da Rua..., em Matosinhos.
  4. A Requerente estabeleceu, juntamente com as suas filhas, a sua habitação própria permanente nessa fração de imóvel.
  5. Ao apresentar a declaração de rendimentos relativa ao ano de 2019, em 30.06.2020, a Requerente declarou a alienação no anexo G da declaração.
  6. Na mesma declaração e no mesmo anexo, a Requerente declarou a intenção de reinvestimento da mais-valia realizada com a alienação e declarou ter já efetuado esse reinvestimento, no valor de 48.782,72 euros, através da aquisição do direito de usufruto vitalício da fração identificada no facto C.
  7. Com base nessa declaração de rendimentos, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2020..., com um valor de imposto a pagar de 1.581,32 euros.
  8. No entanto, a declaração deu origem ao “procedimento administrativo para verificação de divergências” n.º .../2020 -IRS/2019, de cujo projeto de decisão a Requerente foi notificada, para audição prévia, através do ofício n.º 2021... de 13.01.2021.
  9. Da fundamentação do projeto de decisão do “procedimento administrativo para verificação de divergências” consta o seguinte:

“5. Analisado o negócio jurídico na base do declarado investimento, verificou-se que se tratou da aquisição do usufruto vitalício do prédio com a identificação matricial ...-U...-AI, por contrato de compra e venda autenticado em 11.12.2019, pela Solicitadora B..., portadora da Cédula Profissional ...e do NIF ... .

6. De acordo com o disposto no art.º 10.º, n.º 5, al. a) do Código do IRS (CIRS), são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que, verificados os demais requisitos, quando (sic) o valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino.

7. No caso em apreço o alegado reinvestimento esgotou-se na aquisição do usufruto vitalício sobre um imóvel – direito real menor – não transmissível “mortis causa” uma vez que, nos termos do art.º 1443.º do Código Civil (CC) não pode exceder a vida do usufrutuário. Tratou-se, pois, da compra de um direito parcelar que sendo alienável “inter vivos”, conforme art.º 1444.º do CC, se extingue com o falecimento do transmitente.

8. Em matéria de reinvestimento, a Informação Vinculativa no Processo 662/2018, com Despacho Concordante da Subdiretora Geral do IR, de 05.07.2018 estabelece, no âmbito da aquisição do direito de uso e habitação, que não se pode considerar a ocorrência de uma situação de reinvestimento, consignada no acima referido art.º 10.º, quando não acontecer a transferência da propriedade do imóvel para a esfera jurídica do comprador, mas, tão somente, ocorrer a transferência de um mero direito sobre o imóvel.

9. Do exposto pode retirar-se que a aquisição do usufruto não tem cabimento no citado art.º 10.º, por não se tratar de aquisição de propriedade, mas apenas da aquisição do direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância, como define o art.º 1439.º do CC.”

 

  1. Na sequência desta notificação, a Requerente optou por não apresentar pronúncia de audição prévia, mas antes apresentar declaração de substituição, o que fez no dia 02.02.2021, na qual voltou a declarar a alienação do direito de usufruto do imóvel de Leça da Palmeira.
  2. Nesta declaração de substituição, a Requerente não declarou já ter efetuado o reinvestimento, mas apenas a intenção de reinvestir o produto da alienação, no valor de 70.000,00 euros, na aquisição de novo imóvel no prazo de 36 meses.
  3. Na sequência da apresentação desta declaração de substituição, foi efetuada nova liquidação de IRS, esta com o nº 2021..., a qual originou um estorno de 1.581,32 euros.
  4. Através do ofício nº 2021... de 09.03.2021, a Requerente foi notificada, novamente para audição prévia no procedimento administrativo de verificação de divergências n.º .../2020 -IRS/2019, tendo através do mesmo ofício sido informada que “se mantinha em apreciação o procedimento administrativo de verificação de divergências”.
  5. Na fundamentação do novo projeto de decisão sobre procedimento administrativo de verificação de divergências consta:

“6. De acordo com o disposto no art.º 10.º, n.º 5, al. a) do Código do IRS (CIRS), são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que, verificados os demais requisitos, quando (sic) o valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino.

7. Assim, a exclusão tributária, consignada no citado nº 5 do art.º 10.º do CIRS, é de aplicação exclusiva à situação de reinvestimento do produto de realização do direito de propriedade plena de imóvel, destinado a habitação própria e permanente, na aquisição da propriedade plena de outro imóvel, destinado ao mesmo fim.

8. O que equivale a dizer que, no caso vertente, não poderá beneficiar da exclusão tributária visto que, o ganho adveio de um direito real menor, designadamente da venda de um usufruto.

9. Deste modo, fica notificada para, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentar uma declaração Modelo 3 de substituição, no sentido de desconsiderar a intenção de reinvestir o valor de € 70.000,00, declarado no Anexo G/Quadro 5-A/5006.”

 

  1. Por não concordar com a decisão, a Requerente não procedeu à substituição da declaração.
  2. Não tendo sido apresentada qualquer outra declaração de rendimentos pela requerente, em 19/04/2021, foi recolhido oficiosamente pela AT documento de correção à declaração anteriormente submetida, a fim de eliminar os valores indicados no quadro 5 A do a anexo G.
  3. Desta declaração oficiosa resultou a liquidação n.º 2021..., com imposto a pagar no montante de € 6.358,71.
  4. Em 07.10.2021, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa desta última liquidação.
  5. Por despacho de 08.03.2022 do Chefe do Serviço de Finanças, por subdelegação de competências, a reclamação graciosa foi objeto de indeferimento.
  6. Da fundamentação do projeto de decisão recaída sobre a reclamação graciosa, notificado para efeitos de audição prévia, consta:

“Assim perfilha-se o entendimento que a exclusão tributária, consignada no citado nº 5 do artigo 10.º do CIRS, é de aplicação exclusiva à situação de reinvestimento do produto de realização do direito de propriedade plena de imóvel, destinado à habitação própria permanente.

Neste caso concreto, a contribuinte não poderá beneficiar da exclusão tributária visto que o ganho adveio da alienação de um direito real menor,  designadamente da venda de um usufruto (...).

Recorrendo ainda ao nº 5 do art.º 10.º, notamos que, mesmo que assim não fosse, o reinvestimento a dar-se, teria de consistir na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou de respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel que seja para habitação própria permanente.

No caso em apreço, o alegado investimento esgotou-se na aquisição do usufruto vitalício sobre um imóvel – direito real menor – não transmissível mortis causa, uma vez que nos termos do art.º 1443.º do Código Civil (CC) não pode exceder a vida do usufrutuário. Tratou-se da compra de uma figura parcelar que sendo alienável inter vivos, conforme o art.º 1444º do CC, se extingue com o falecimento do transmitente.

Do exposto afigura-se resultar que a aquisição do usufruto não tem cabimento no citado art.º 10.º, por não se tratar de uma aquisição de propriedade, mas apenas da aquisição do direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância, como define o art.º 1439.º do CC.”

  1. A Requerente apresentou pronúncia no exercício do direito de audição prévia.
  2. Na decisão definitiva consta:

“Neste caso concreto, a reclamante apenas se limitou a manifestar que mantém as alegações constantes na petição inicial.

CONCLUSÃO

Perante o exposto, somos de opinião de que o processo em apreço deve continuar pelo indeferimento. Nestes termos, o projeto da decisão correspondente deve ser convertido em definitivo”.

 

Factos dados como não provados

Não existem factos considerados não provados com relevância para a decisão da causa.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Os factos considerados provados foram-no com base na prova documental constante do processo e ainda na omissão de contestação por cada uma das Partes dos factos invocados pela Parte contrária.

 

 

III. DISCUSSÃO DE DIREITO

Primeira questão: Se a exclusão de IRS prevista no nº 5 do art.º 10.º do CIRS é aplicável quando o sujeito passivo aliena um direito de usufruto sobre um imóvel no qual tinha fixada, até ao ato de alienação, a sua habitação própria permanente

A Requerente nos autos habitou, até novembro de 2019, um imóvel, sobre o qual tinha um direito de usufruto, e no qual habitavam também as suas filhas, radiciárias do mesmo imóvel.

Em 15 de novembro de 2019 a Requerente alienou o seu direito de usufruto, através do mesmo contrato pelo qual as suas filhas alienaram a nua propriedade do mesmo imóvel.

A primeira questão que há que dilucidar é a de saber se a alienação de um direito de usufruto sobre o imóvel afeto a habitação própria e permanente do sujeito passivo pode ser enquadrada no nº 5 do art.º 10.º do CIRS, para efeitos de exclusão de tributação da mais-valia.

Dispõe o art.º 10.º n.º 5 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), sob a epígrafe “Mais-valias”:

“1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

(… )

5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;

Como se pode ler, o proémio do nº 5 fala de “transmissão onerosa de imóveis”, e não de “transmissão onerosa do direito sobre propriedade de imóveis”, e nem tão pouco de “transmissão onerosa de direitos reais sobre imóveis”.

Daí que seja necessário interpretar a disposição legal, no sentido de saber se ela abrange a transmissão de um usufruto sobre um imóvel.

Sobre esta questão, pronunciou-se o STA no processo 0237/17.3BELLE (STA 2 Sec., ac. de 12.05.2021, proc. 0237/17.3BELLE, relator José Gomes Correia).

No acórdão, o tribunal começa por tecer algumas considerações em volta da finalidade da exclusão da tributação das mais-valias estabelecida no nº 5 do art.º 10.º, dizendo que “a exclusão tem como objetivo favorecer a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente”;[1] que “o objetivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias”;[2] e que se trata, “naturalmente, de não onerar fiscalmente a efetivação do direito fundamental à habitação”.[3]

O tribunal sublinha em seguida que o legislador utilizou a expressão “transmissão onerosa de imóveis” quando se refere ao imóvel de partida e “aquisição de propriedade de outro imóvel”, quando alude ao imóvel de chegada. O que no entender do tribunal é certamente significativo, “já que em outros instrumentos legislativos do ordenamento fiscal [o legislador] faz questão de distinguir entre situações respeitantes à propriedade (plena), daquelas que se referem a figuras parcelares do direito de propriedade, como seja o usufruto”.

Entendemos nós que o STA vê nas duas diferentes formulações – “transmissão onerosa de imóveis” quando se refere ao imóvel alienado e “aquisição de propriedade de outro imóvel” quando se refere ao reinvestimento – uma intenção do legislador de não restringir a expressão “transmissão onerosa de imóveis” à transmissão onerosa do direito de propriedade, pois, de contrário, o legislador teria dito, exatamente, “transmissão onerosa da propriedade” ou do “direito de propriedade”.

Concordamos genericamente com esta interpretação do STA.

Não parece haver dúvidas de que, com a exclusão de tributação estabelecida no nº 5 do art.º 10.º do CIRS, o legislador pretende abster-se de onerar os ganhos que os cidadãos obtenham com a alienação das suas habitações próprias permanentes, quando tais ganhos se destinem e sejam efetivamente aplicados noutra habitação própria permanente.

Seguramente é lícito estabelecer uma relação entre esta intenção do legislador e o direito fundamental à habitação, consagrado no art.º 65.º da Constituição, e mais especificamente com o estipulado na al. c) do n.º 2 deste preceito, que comete ao Estado a incumbência de estimular “o acesso à habitação própria ou arrendada”.

Aliás, o legislador não considera, sequer, que se trate, no caso do nº 5 do art.º 10º do CIRS, de uma isenção de imposto, mas de uma exclusão de tributação, o que significa que o legislador, corretamente, não identifica na mais-valia proveniente de alienação de habitação própria e permanente, e aplicada em nova habitação própria e permanente, riqueza que exprima real capacidade contributiva.

Ora, tendo em conta a intenção do legislador, assim descrita, é indiferente a conformação exata que faculta ao sujeito passivo a situação de “habitação própria e permanente”, sendo que, certamente, para que se possa considerar existir uma habitação própria permanente é necessário que se verifique um direito de gozo pleno do imóvel.

É o que se verifica com o usufruto, que, nos termos do art.º 1439º C Civ. é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância. Uma vez que esse direito de gozar plenamente o imóvel exclui que qualquer outra pessoa o possa fazer de modo concorrente, e uma vez que o direito de gozo pleno inclui a habitação, então estamos, certamente, perante um direito real que assegura a situação de “habitação própria”.

Conclui-se assim, em harmonia com a jurisprudência do STA, que, contrariamente ao que é dito no ponto 8 do ofício de notificação para audição prévia nº 2021... de 09.03.2021, o reinvestimento da mais-valia por parte da Requerente não deixa de estar abrangido pelo nº 5 do art.º 10.º do CIRS pelo facto de a mais-valia provir da alienação de um direito de usufruto sobre o imóvel em que a Requerente tinha estabelecida a sua habitação própria e permanente.

 

Segunda questão: Existência, no ato de liquidação, de erro sobre os pressupostos de facto.

Após alienar o usufruto do imóvel em que tinha a sua habitação própria e permanente, em 15.11.2019, a Requerente adquiriu, em 11.12.2019, o usufruto de outro imóvel, no qual estabeleceu a sua habitação própria e permanente, com ela própria firma e não é contestado.

Tendo, na declaração de rendimentos referente ao ano 2019, indicado a alienação e, ao mesmo tempo, o reinvestimento da mais-valia na aquisição do usufruto do novo imóvel, a Autoridade Tributária, no âmbito de um procedimento administrativo de verificação de divergências, comunicou à Requerente que esse reinvestimento não poderia beneficiar da exclusão de tributação estabelecida no nº 5 do art.º 10.º do CIRS.

Não poderia tal aquisição beneficiar da exclusão, uma vez que na al. a) do nº 5 do art.º 10º se fal expressamente em reinvestimento na aquisição da propriedade de outro imóvel, pelo que a aquisição de um usufruto não se enquadra na previsão da norma.

Com efeito, a al. a) do nº 5 do art.º 10.º diz:

“O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel (...)”

Aqui, a lei fala expressamente em aquisição de “direito de propriedade” e não já em aquisição de “imóvel”.

No acórdão de 22.11.2017, proc. 0384/16,[4] o STA declarou que “a norma de exclusão tributária do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS não convoca qualquer conceito extra-jurídico, devendo os conceitos a que alude - propriedade e permanência da habitação no imóvel - serem interpretados de acordo com os conceitos jurídicos que convocam e não quaisquer outros, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 11.º da LGT.”

Assim sendo, afigura-se-nos que a Autoridade Tributária teve razão, quando comunicou à Requerente que o reinvestimento da mais-valia na aquisição de um direito de usufruto (ainda que de imóvel no qual veio a fixar a sua residência própria e permanente) não pode ficar excluída da tributação em IRS, por força do nº 5 do art.º 10.º do respetivo Código.

Contudo, o que a Requerente fez, em face dessa comunicação, foi apresentar nova declaração em que declarou a intenção de, no prazo de 36 meses previstos na al. b) do nº 5 do art.º 10.º (36 meses contados da data da realização) realizar o reinvestimento da mais-valia na aquisição do direito de propriedade de novo imóvel para o afetar à sua habitação própria e permanente.

Com esta declaração, a Requerente modificou totalmente a situação factual a ter em conta para aplicação do nº 5 do art.º 10.º. Pois de uma situação de reinvestimento já efetivado, no ano 2019, através da aquisição de um direito de usufruto, a Requerente passou a uma situação de uma mera intenção de reinvestimento futuro da mais-valia realizada.

De novo, a Autoridade Tributária não aceitou a exclusão da tributação, com a seguinte fundamentação:

“7. Assim, a exclusão tributária, consignada no citado nº 5 do art.º 10.º do CIRS, é de aplicação exclusiva à situação de reinvestimento do produto de realização do direito de propriedade plena de imóvel, destinado a habitação própria e permanente, na aquisição da propriedade plena de outro imóvel, destinado ao mesmo fim.

8. O que equivale a dizer que, no caso vertente, não poderá beneficiar da exclusão tributária visto que, o ganho adveio de um direito real menor, designadamente da venda de um usufruto.[5]

9. Deste modo, fica notificada para, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentar uma declaração Modelo 3 de substituição, no sentido de desconsiderar a intenção de reinvestir o valor de € 70.000,00, declarado no Anexo G/Quadro 5-A/5006.”

Mas, como já ficou demonstrado acima, esta fundamentação é materialmente errada.

Como o Supremo Tribunal Administrativo já declarou, o ganho proveniente da alienação de um direito de usufruto pode beneficiar da exclusão estabelecida no nº 5 do art.º 10.º do CIRS.

Ora, no contencioso de mera legalidade, como é o caso da impugnação arbitral, o tribunal tem de apreciar a legalidade do ato impugnado em face da fundamentação integrante do próprio ato, não podendo substituir-se à administração e ponderar se o ato pode ser considerado ilegal com distinta fundamentação e argumentação jurídica (STA, 2 Sec. proc. 02887/13.8BEPRT, ac. de 28.10.2020, relator Francisco Rothes).

No mesmo sentido se poderá ver o acórdão do STA 2 Sec. proc. 0208/17, 22-03-2018 (relator Aragão Seia) em que o tribunal declara que a  fundamentação dos atos administrativos e tributários a posteriori não é legalmente consentida, (...) sendo que a validade do ato terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser "aditados”.

É certo que na decisão proferida sobre a reclamação graciosa, é adotada uma fundamentação diversa daquela constante da decisão do procedimento administrativo de verificação de divergências. Lê-se na notificação da decisão do projeto de decisão, convertido seguidamente em decisão definitiva:

“Assim perfilha-se o entendimento que a exclusão tributária, consignada no citado nº 5 do artigo 10.º do CIRS, é de aplicação exclusiva à situação de reinvestimento do produto de realização do direito de propriedade plena de imóvel, destinado à habitação própria permanente.

Neste caso concreto, a contribuinte não poderá beneficiar da exclusão tributária visto que o ganho adveio da alienação de um direito real menor, designadamente da venda de um usufruto (...).

Como se vê, estamos aqui perante um fundamento decisório totalmente distinto do utilizado na decisão do procedimento administrativo de verificação de divergências, e que faz parte, ainda, da fundamentação do ato, pelo que há levá-lo em conta na apreciação da respetiva legalidade.

Acontece que esta fundamentação não tem em conta a alteração da situação factual que a Requerente provocou com a declaração de substituição.

O facto de a Requerente ter adquirido, em dezembro de 2019, o direito de usufruto sobre um imóvel que subsequentemente afetou a sua habitação própria e permanente, é irrelevante para a consideração da legalidade do ato de liquidação, uma vez que, com a sua segunda declaração de rendimentos, a Requerente passou da situação de um reinvestimento já concretizado, a uma situação de uma mera intenção de reinvestimento futuro da mais-valia realizada, no prazo de 36 meses previsto na lei.

Era esta situação que a AT tinha que ter considerado, pois era essa a situação factual, para efeitos de apreciar a aplicabilidade da norma de exclusão, e era com base na consideração dessa situação, que tinha que elaborar a fundamentação do ato.

Atendendo à situação de facto em causa – declaração da intenção de reinvestimento da mais valia, ao abrigo do nº 5 do art.º 10.º do CIRS – o fundamento alegado – “o reinvestimento não pode ser efetuado na aquisição de outro direito que não seja o direito de propriedade” – traduz-se em erro sobre os pressupostos de facto na aplicação da lei e, em consequência, origina a ilegalidade do ato.

 

IV. INTERPRETAÇÃO DO PEDIDO DA REQUERENTE

 

No seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente termina pedindo que:

  1. Seja declarada a ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa, e em consequência:
  1. Ser corrigida a declaração de IRS do ano de 2019, com a consideração do reinvestimento efetuado;
  2. Ou caso assim não seja entendido, ser corrigida a declaração de IRS do ano de 2019, com a consideração de reinvestimento no prazo de 36 meses;
  1. Ser restituído o imposto e os juros compensatórios pagos;
  2. Serem pagos juros indemnizatórios à respetiva taxa legal.

Nos pontos I a) e I b), a Requerente pede que seja corrigida a declaração de IRS.

Como se sabe o processo arbitral tributário, que é um processo de impugnação, traduz-se, à semelhança da impugnação judicial nos tribunais administrativos e fiscais, num contencioso de mera legalidade, não tendo o tribunal poder para corrigir as declarações, mas apenas, manter, ou, como consequência necessária da sua declaração de ilegalidade, como previsto nas alíneas a) e b) do nº 1 do art.º  2.º do RJAT, anular totalmente ou parcialmente os atos impugnados.

Hoje, no processo civil, é reconhecido ao juiz o poder-dever de interpretar o pedido (e outros articulados).

Neste sentido se encontra já uma sólida jurisprudência, como por exemplo o acórdão do STA de 08.01.2014 no proc. 032/13[6], em que se diz: “(...) não podemos olvidar que os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva [cfr. arts. 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP)], motivo por que o tribunal deve extrair do pedido que lhe é feito o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, indagando da sua real pretensão”.

Além disso, ainda segundo o mesmo aresto, “à interpretação dos articulados aplicam-se os princípios de interpretação das declarações negociais pelo que aquelas declarações valem com o sentido que um declaratário normal deva retirar das mesmas (art. 236º nº 1 ex vi art. 295º do C.C.).

Segundo a jurisprudência pacífica tal interpretação deve ter presente a máxima da prevalência do fundo sobre a forma de molde a importe [Sic] o que é efetivamente pretendido pelas partes no processo apesar das eventuais incorreções formais.”

As normas de processo civil são aplicáveis ao processo arbitral tributário por força da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

Ora, interpretando o pedido da Requerente à luz de toda a sua petição, em que a mesma invoca a ilegalidade dos atos, e à luz das normas do processo tributário, das normas do processo nos tribunais administrativos e fiscais e do próprio processo arbitral tributário, afigura-se pacífico concluir que a formulação do pedido da Requerente informa de um erro formal.

O que a Requerente pede ao Tribunal é que este retire as consequências processualmente lógicas possíveis da declaração de ilegalidade dos atos.

Neste sentido, interpreta-se o pedido da Requerente como consistindo em que:

  1. Seja declarada a ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa, e em consequência:
  1. Seja parcialmente anulado o ato de liquidação de IRS impugnado, na parte em que desconsiderou o reinvestimento efetuado;
  2. Seja parcialmente anulado o ato de liquidação de IRS impugnado, na parte em que desconsiderou a intenção de reinvestimento declarada.

 

 

V. PEDIDO DE ANULAÇÃO PARCIAL DO ATO DE LIQUIDAÇÃO DE IRS IMPUGNADO, NA PARTE EM QUE DESCONSIDEROU O REINVESTIMENTO EFETUADO

 

Como considerámos e expusemos acima, com a sua declaração de substituição, a Requerente alterou a situação factual potencialmente tributável, passando de uma situação de reinvestimento já concretizado, a uma situação de mera intenção de reinvestir a mais-valia potencialmente tributável.

Tendo alterado a situação de facto neste sentido e com este alcance, o pedido de anulação do ato de liquidação de IRS impugnado, na parte em que desconsiderou o reinvestimento efetuado não é compatível, ie não se pode ancorar na situação factual provada, uma vez que, em conformidade com o declarado pela Requerente e dado como provado, não existe reinvestimento efetuado, devendo, pois, o pedido ser julgado improcedente.

 

 

VI. PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Concomitantemente com o seu pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação, pede ainda a Requerente ao Tribunal a condenação da AT à restituição do imposto indevidamente pago e ao pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.

Porém, no seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente não alega ter procedido ao pagamento do imposto, nem se encontra entre a prova documental junta ao processo qualquer documento que comprove ter esse pagamento ter sido efetuado.

Em todo o caso, a Autoridade Tributária fica obrigada a dar pleno cumprimento ao disposto no art.º  100.º, n.º 1 da LGT, que determina que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.”

VII. DECISÃO

Em vista de todo o exposto, decide-se:

  1. Julgar procedente o pedido de anulação e anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida pela Requerente contra a liquidação de Rendimento das Pessoas Singulares nº 2021... .
  2. Julgar procedente o pedido de anulação parcial e anular parcialmente a liquidação de Rendimento das Pessoas Singulares nº 2021..., na parte em que não excluiu da tributação a mais-valia obtida pela Requerente, com a alienação do direito de usufruto efetuada em 15/11/2019, com base na declaração de intenção do seu reinvestimento.

 

VIII. Valor do processo

Nos termos do art. 97.º-A nº 1, al. a) do CPPT do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em  6.364,65 euros.

 

IX. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 612,00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida.

 

Notifiquem-se as Partes.

 

 

Lisboa, 22 de fevereiro de 2023

O Árbitro

 

(Nina Aguiar)

 

 



[1] Neste ponto, o acórdão cita XAVIER DE BASTO, J., IRS: Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 413.

[2] Neste ponto, o acórdão cita DUARTE MORAIS, R., Sobre o IRS, Coimbra, Almedina, 2006, p. 114.

[3] Neste ponto, o acórdão cita SALGADO DE MATOS, A., Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) Anotado, Coimbra, ISG, 1999, p. 168.

[4] STA 2 Sec. proc. 0384/16, ac. de 22.11.2017, relatora Isabel Marques da Silva.

[5] Sublinhado nosso.

[6] STA 2 Sec. proc. 032/13, ac. de 08.01.2014, relator Francisco Rothes.