DECISÃO ARBITRAL
— I —
A..., S.A., contribuinte fiscal n.º ... (doravante “a requerente”), com sede na ..., ..., em Lagoa, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral tributária contra a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “a AT” ou “a requerida”), peticionando a declaração da ilegalidade e anulação do ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido contra os atos de liquidação de IMI relativos aos anos de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020 e, consequentemente, também a anulação parcial destes atos.
Para tanto alegou, em síntese, que é proprietária plena de cinco prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ... do município de Lagoa, melhor identificados no p.p.a. (doravante “os Prédios”), que configuram terrenos para construção; que o valor patrimonial tributário dos Prédios foi determinado de forma ilegal em virtude do emprego na sua fórmula de cálculo de coeficientes de localização e de afetação, conforme foi já amplamente reconhecido pela jurisprudência tributária; que esse valor patrimonial tributário ilegalmente fixado se repercutiu, concomitantemente, na errónea quantificação dos tributos liquidados pelos atos ora sob impugnação; que, assim, os atos tributários que procederam à liquidação do IMI relativo aos anos de 2016 a 2020 padecem de ilegalidade; que em 30-11-2021 apresentou pedido de início de procedimento de revisão oficiosa contra os referidos atos de liquidação; que tal procedimento deveria ter sido alvo de decisão expressa no prazo de 4 meses, não o tendo sido; que se encontram igualmente verificados os pressupostos de que depende o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, que assim deverá também ser reconhecido, a par da restituição do quantitativo de imposto em excesso colocado a pagamento ao abrigo dos mencionados atos tributários.
Concluiu peticionando a declaração da ilegalidade e anulação do ato tácito de indeferimento do pedido de início de procedimento de revisão oficiosa que deduziu e, consequentemente, a anulação parcial das Liquidações de IMI n.os 2020-... de 07-04-2021, 2020-... de 07-04-2021 e 2020-... de 07-04-2021, relativas ao ano de 2020; das Liquidações de IMI n.os 2019-... de 08-04-2020, 2019-... de 08-04-2020 e 2019-... de 08-04-2020, relativas ao ano de 2019; das Liquidações de IMI n.os 2018-... de 23-03-2019, 2018-... de 23-03-2019 e 2018-... de 23-03-2019, relativas ao ano de 2018; das Liquidações de IMI n.os 2017-... de 07-03-2018, 2017-... de 07-03-2018 e 2017-... de 07-03-2018, relativas ao ano de 2017; e das Liquidações de IMI n.os 2016-... de 02-03-2017, 2016-... de 03-03-2017 e 2016-... de 03-03-2017, relativas ao ano de 2016. Mais peticionou a condenação da requerida a proceder à restituição parcial das quantias de imposto por si indevidamente pagas ao abrigo de tais atos de liquidação, no valor total de EUR 3.046,24, e dos correspondentes juros indemnizatórios.
Juntou documentos e procuração forense, declarando não pretender proceder à designação de árbitro. Atribuiu à causa o valor de EUR 3.046,24 e procedeu ao pagamento da taxa de arbitragem inicial.
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Constituído o Tribunal Arbitral Singular, nos termos legais e regulamentares aplicáveis, foi determinada a notificação da administração tributária requerida para os efeitos previstos no art. 17.º do RJAT.
Depois de devidamente notificada, a requerida veio apresentar resposta, na qual se defendeu por exceção e por impugnação. Por exceção invocou a intempestividade da apresentação do pedido de desencadeamento do procedimento de revisão oficiosa dos atos de liquidação objeto da presente arbitragem e a inimpugnabilidade dos atos de liquidação de IMI com fundamento em vícios próprios dos atos de fixação de valor patrimonial tributário sobre o qual incidiu aquele imposto. Por impugnação, sustentou a consolidação administrativa dos atos de avaliação do valor patrimonial tributário dos Prédios cujos eventuais vícios, desse modo, já estariam sanados não podendo agora ser conhecidos neste processo; mais invocou a inimpugnabilidade de atos de liquidação de IMI com fundamento em vícios da fixação do valor patrimonial tributário, porquanto, sendo essa a única causa de invalidade assacada ao ato tributário impugnado, ela não poderá ser conhecida na presente arbitragem na medida em que o ato de avaliação do valor patrimonial tributável é um ato destacável, autonomamente impugnável, não podendo o seu teor ser sindicado a propósito da apreciação da legalidade dos atos de liquidação que têm por base aquele valor; a inadmissibilidade de revisão oficiosa de atos de avaliação de valores patrimoniais; que no caso inexiste qualquer violação do princípio constitucional da igualdade tributária, estando pelo contrário a AT vinculada à estrita observância do princípio da legalidade; e, por último, que não se verificam os pressupostos para o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
Concluiu pela sua absolvição da instância ou, subsidiariamente, pela improcedência do pedido e sua consequente absolvição. Juntou um despacho de nomeação de mandatários forenses, não tendo procedido à junção do processo administrativo.
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A instâncias da requerida, e na ausência de qualquer manifestação expressa de oposição por parte da requerente no prazo que para o efeito lhe foi assignado, por intermédio do despacho de 22-12-2022 o Tribunal dispensou a junção do processo administrativo.
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Tendo-se também dispensado a realização da reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, foi ordenada a notificação das partes para, querendo, produzirem alegações escritas quanto à matéria de facto e de direito, nenhuma delas as tendo apresentado, vindo no entanto a requerente proceder à junção aos autos o comprovativo do pagamento do remanescente da taxa de arbitragem.
— II —
As partes gozam de personalidade judiciária e capacidade judiciária, têm legitimidade ad causam e estão devidamente patrocinadas nos autos.
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Apresenta-se a requerente cumulando, a título principal, pedidos de declaração de ilegalidade e anulação parcial de vários atos tributários — todos eles dizendo respeito à liquidação de IMI com referência aos anos de 2016 a 2020, inclusive — bem como a anulação do ato tácito de indeferimento do pedido de início de procedimento de revisão oficiosa deduzido conjuntamente contra todos esses mesmos atos. Ora, uma vez que a procedência de todos esses pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, nada há que obste a referida cumulação.
Vai assim admitida a cumulação dos pedidos principais.
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Nos termos do art. 97.º-A do CPPT, o valor atendível, para efeitos de custas, quando se impugne um ato de liquidação será o da importância cuja anulação se pretende.
Ora, o valor que a requerente atribuiu à presente arbitragem, tendo presente o regime legal aplicável, foi de EUR 3.046,24, valor que não foi objeto de impugnação por parte da requerida. Na ausência de quaisquer outros elementos factuais que permitissem fixar à causa um valor diferente daquele que resulta do acordo das partes, não se antevê motivo para corrigir o montante indicado pela requerente.
Fixo assim à presente arbitragem o valor de EUR 3.046,24.
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Fixado que está o valor da causa e uma vez que a requerente optou por não proceder à designação de árbitro, dispõe o presente Tribunal Arbitral Singular de competência funcional e de competência em razão do valor para conhecer da presente arbitragem (art. 5.º, n.º 3, do RJAT).
É o presente Tribunal também competente em razão da matéria por força do art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT e da vinculação à arbitragem tributária institucionalizada do CAAD por parte da administração tributária requerida, tal como resulta da Portaria n.º 112-A/2011.
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Embora não expressamente identificada como tal, vem invocada pela requerida a exceção de inimpugnabilidade dos atos de liquidação de IMI com fundamento em vícios que afetam a fixação do valor patrimonial tributário que tais atos tiveram por pressuposto.
Importa assim conhecer desta exceção.
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No caso em apreço, está em causa a impugnação de um ato tácito de indeferimento de um pedido de início de revisão oficiosa que tinha por objeto diversos atos de liquidação relativos ao IMI dos anos de 2016 a 2020, todos eles incidindo sobre, entre outros, cinco imóveis e os respetivos valores patrimoniais tributários, tal como fixados para esses imóveis e averbados nas correspondentes cadernetas prediais.
Insurge-se a requerente contra a circunstância de tais atos tributários — tacitamente confirmados pelo ato de segundo grau igualmente impugnado a título principal — terem tido por pressuposto os valores patrimoniais tributários dos Prédios que, sustenta, foram ilegalmente determinados, circunstância que assim se projetaria na concomitante ilegalidade dos próprios atos de liquidação.
Ora, nos termos do art. 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é direta e, por isso, ela é “suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta» (art. 86.º, n.º 1, da LGT). Nos termos do n.º 2 deste mesmo art. 86.º da LGT, “[a] impugnação da avaliação direta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão.” E, no caso específico do imposto que se vem cuidando (IMI e AIMI) os termos da impugnação da avaliação direta de valores patrimoniais vêm regulados no art. 134.º do CPPT, em que se estabelece que “[o]s atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade” (n.º 1) e que “a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação” (n.º 7).
Como decorre do n.º 1 deste artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais, “com fundamento em qualquer ilegalidade” — e bem assim do n.º 7 deste mesmo artigo, ao exigir-se nele o esgotamento prévio dos meios graciosos — está afastada a possibilidade de essa impugnação com fundamento em ilegalidade se fazer, por via indireta ou incidental, na sequência da notificação de atos de liquidação que tenham a essa avaliação, e ao valor tributário nela fixado, como pressuposto.
Do exposto decorre que, no âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, ou lhe imputar qualquer vício gerador da sua ilegalidade, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (art. 76.º, n.º 1, do CIMI). E é apenas do resultado das segundas avaliações (depois, portanto, de esgotados os meios graciosos do procedimento de avaliação) que cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (art. 77.º, n.º 1, do CIMI). Por outro lado, o art. 130.º, n.º 3, als. a), do CIMI faculta aos sujeitos passivos deste imposto a possibilidade de, “a todo o tempo,” reclamar das inscrições matriciais relativas a um prédio com fundamento em “[v]alor patrimonial considerado desatualizado” (cfr. também o n.º 4 do mesmo preceito legal).
Quer isto significar então que os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, devendo formar objeto de impugnação autónoma e não podendo, assim, ser conhecidos, mesmo que incidentalmente, nos processos de impugnação dos atos das liquidações que com base neles sejam efetuadas, os quais não podem assim ter por objeto a discussão da legalidade dos atos de fixação do valor patrimonial tributário.
Desse modo, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações dos correspondentes tributos mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais ilegalidades dos antecedentes atos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.os 1 e 7 do art. 134.º do CPPT. Na verdade, não se impugnando tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que “o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita” (art. 113.º do CIMI; no art. 135.º-C. n.º 1, do CIMI prevê-se um regime análogo para o AIMI, mas reportado à data de 1 de janeiro de cada ano).
Este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes à circunstância de cada ato de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de atos de liquidação de diversos impostos (liquidações anuais de IMI e de AIMI e eventuais liquidações de IMT) e relevar inclusivamente para vários efeitos a nível de tributação do rendimento (IRS e IRC) e em Imposto do Selo, o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento. Esta natureza de ato destacável que é atribuída aos atos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.os 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT (assim, cfr. Ac. STA 30-06-1999, P.º 023160; Ac. STA 02-04-2003, P.º 02007/02; Ac. STA 06-02-2011, P.º 037/11; Ac. STA 19-09-2012, P.º 0659/12; Ac. STA 05-2-2015, P.º 08/13; Ac. STA 13-7-2016, P.º 0173/16; Ac. STA 10-05-2017, P.º 0885/16). Conforme resulta do cit. Ac. STA 19-09-2012: “Na verdade, em sede de IMI, a lei prevê um procedimento de determinação da matéria tributável – a avaliação do prédio (art. 14.º do CIMI) – que termina com o ato de fixação do VPT que serve de base à liquidação do imposto. Este ato, como é sabido, é um ato destacável para efeitos de impugnação contenciosa, pelo que é autonomamente impugnável, numa exceção ao princípio da impugnação unitária que, em regra, vigora no processo tributário (cfr. art. 134.º do CPPT) e que se encontra em sintonia com o preceituado no art. 86.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que os atos da avaliação direta são diretamente impugnáveis.”
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Sem embargo do que ficou dito, diferente da questão da impugnabilidade dos atos de liquidação de IMI com fundamento em ilegalidade é a possibilidade da revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave ou notória, prevista no art. 78.º, n.º 4, da LGT, que constitui, como é entendimento dominante da jurisprudência e da doutrina, um afloramento do dever de revogação (rectius, anulação administrativa) de atos ilegais que emerge do princípio a legalidade da atuação da administração fiscal (arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT).
É precisamente o procedimento de revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave ou notória que faculta, nessas situações clamorosas, a possibilidade de invalidação de atos tributários que já não podem ser impugnados com fundamento em qualquer ilegalidade ou em erro imputável aos serviços. Trata-se, assim, explicitamente, da possibilidade de invocação da ilegalidade da matéria tributável, inclusivamente da matéria tributável que resulta de atos de fixação de valores patrimoniais, após a normal consolidação que decorre da não impugnação das avaliações nos prazos legais.
Esta possibilidade de revisão oficiosa do ato tributário com fundamento em injustiça da matéria tributável está prevista em termos mais restritos do que aqueles em que podem ser tempestivamente impugnados os atos de liquidação, pois, por um lado, só a injustiça grave ou notória da matéria tributável pode servir de fundamento da revisão oficiosa e não qualquer ilegalidade que afete o ato revidendo e, por outro lado, esta possibilidade de revisão com fundamento na injustiça da matéria tributável é mais restrita do que a prevista no n.º 1 do mesmo artigo para a revisão de atos de liquidação em geral, pois o prazo é de três anos, em vez do de quatro, ainda que esteja em causa erro imputável à administração fiscal.
A possibilidade de revisão oficiosa de atos de avaliação de valores patrimoniais não está prevista no CIMI (assim, por exemplo o art. 115.º do CIMI reporta-se a atos de liquidação e não a atos de fixação de valores patrimoniais). Por outro lado, trata-se de um regime especial para cumprimento pela administração fiscal do dever de anulação administrativa que emana do princípio da legalidade que, estando especialmente previsto para o contencioso tributário, afasta a aplicabilidade subsidiária do art. 168.º do CPA, pois inexiste uma qualquer lacuna de regulamentação.
Assim, só à face do regime geral da revisão oficiosa, previsto no artigo 78.º da LGT, se pode aventar a possibilidade de revisão dos atos de liquidação que formam o objeto da presente arbitragem com fundamento na ilegalidade dos valores patrimoniais tributários que tiveram por pressuposto. Da procedência da revisão oficiosa prevista no n.º 4 do art. 78.º decorrerá a anulação dos atos tributários que tenham tido por pressuposto matéria tributável determinada com injustiça grave ou notória, como é o caso dos atos de liquidação de IMI — embora sem os efeitos retroativos previstos para a impugnação tempestiva, designadamente a nível de juros indemnizatórios, como decorre dos n.os 1 e 3, als. b) e c), do artigo 43.º da LGT. Apesar de no n.º 4 do artigo 78.º da LGT se referir que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente” a “revisão da matéria tributável,” trata-se de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controle jurisdicional, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo (cfr. Ac. STA 07-10-2009, P.º 0476/09; Ac. STA 02-11-2011, P.º 329/11; Ac. STA 14-12-2011, P.º 366/11; Ac. STA 17-02-2021, P.º 39/14.9BEPDL).
Nestas situações em que o erro reside na fixação da matéria tributável e não propriamente nos subsequentes atos de liquidação, a revisão oficiosa (que, de resto, pode partir da iniciativa do sujeito passivo — cfr. o n.º 7 do art. 78.º da LGT) não depende da existência de erro imputável aos serviços ou de ilegalidade desses atos, mas apenas que se esteja perante “injustiça grave ou notória” desde que a causa dessa injustiça não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. Será assim este o meio procedimental próprio para os sujeitos passivos obterem a reparação de situações de injustiça notória decorrentes da liquidação de IMI com base num valor patrimonial tributário ilegalmente determinado, mas já definitivamente consolidado na ordem jurídica tributária. Nestes casos o objeto imediato do procedimento de revisão oficiosa é o próprio ato de liquidação (como se depreende da referência a um prazo de “[…] três anos posteriores ao do ato tributário […]”), mas o seu objeto mediato assentará na apreciação de uma situação de “[…]tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade” resultante da matéria tributável que o ato de liquidação teve como pressuposto.
Como os presentes autos revelam à saciedade, a requerente deduziu, contra as diversas liquidações de IMI que ora coloca em crise, um pedido de início de procedimento de revisão oficiosa, com expressa invocação do regime procedimental previsto no art. 78.º, n.º 4, da LGT. Pedido que, de resto, foi tacitamente indeferido, por omissão de decisão no prazo legal previsto para o efeito.
Ora, na sequência de um pedido de desencadeamento de um procedimento de revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave ou notória — e, naturalmente, do seu indeferimento expresso ou tácito — pode então proceder-se à sindicância jurisdicional dessa imputada injustiça grave e notória decorrente de se ter feito assentar um ato de liquidação numa base tributável ilegalmente determinada.
Por outro lado, tratando-se da impugnação de um ato tácito de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa não se suscitam dúvidas de que se está na presença de uma pretensão atinente à legalidade de um ato de liquidação. Com efeito, e como já se deixou dito, o objeto imediato do procedimento previsto no art. 78.º, n.º 4, da LGT é o próprio ato de liquidação, embora com o seu âmbito procedimental restrito à apreciação da injustiça grave ou notória da base tributável em que tal ato de liquidação assentou. A ausência de decisão do procedimento de revisão oficiosa dentro do prazo legal faculta aos sujeitos passivos o acesso à via contenciosa, nos termos previstos no art. 57.º, n.º 5, da LGT, que assim terá por objeto a legalidade do ato tributário que, por seu turno, formava o objeto imediato do procedimento de revisão oficiosa tacitamente indeferido.
Em conclusão, as ilegalidades dos atos de avaliação invocados pela requerente, que não foram objeto de impugnação tempestiva autónoma, não podem considerar-se causas de ilegalidade diretamente assacáveis aos atos de liquidação de IMI que formam o objeto da presente arbitragem. Porém, a circunstância de a requerente ter pedido o desencadeamento do procedimento de revisão oficiosa previsto no art. 78.º, n.º 4, da LGT — o qual tinha por objeto tais atos de liquidação, com fundamento em injustiça grave ou notória da base tributável que eles tiveram como pressuposto — consente que se possa, agora nesta sede arbitral, conhecer incidentalmente da injustiça grave ou notória da matéria tributável que serviu de base aos referidos atos tributários.
Assim, terá de improceder esta exceção.
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Vem igualmente invocada pela requerida, a título excetivo, a questão da intempestividade do pedido de desencadeamento do procedimento de revisão oficiosa previsto no art. 78.º, n.º 4, da LGT, na medida em que este preceito legal apenas consentiria na revisão de atos tributários, com o fundamento especial nele previsto, dentro dos três anos posteriores ao da prolação do ato revidendo, alegando a requerida que o pedido revisão oficiosa deduzido pela requerente teria sido efetuado já depois de ultrapassado esse prazo.
Acerca desta exceção a requerente pronunciou-se sustentando, em síntese, que a revisão seria possível ao abrigo do art. 115.º, al. c), do CIMI, quando neste preceito legal se consente a revisão oficiosa dos atos de liquidação deste imposto “[q]uando tenha havido erro de que tenha resultado coleta de montante diferente do legalmente devido”, circunstância que por seu turno remeteria o prazo de caducidade para a instauração oficiosa do procedimento de revisão no âmbito da previsão do n.º 1 do art. 78.º da LGT, ou seja, um prazo de quatro anos.
Importa decidir.
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Antes de mais, com relevância para a decisão da presente exceção considero sumária e indiciariamente provados os seguintes factos:
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A requerente foi notificada dos seguintes atos de liquidação de IMI relati—vos ao ano de 2016:
— Liquidação n.º 2016-... datada de 02-03-2017;
— Liquidação n.º 2016-... datada de 03-03-2017;
— Liquidação n.º 2016-... datada de 03-03-2017.
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A requerente foi notificada dos seguintes atos de liquidação de IMI relati—vos ao ano de 2017:
— Liquidação n.º 2017-... datada de 07-03-2018;
— Liquidação n.º 2017-... datada de 07-03-2018;
— Liquidação n.º 2017-... datada de 07-03-2018.
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A requerente foi notificada dos seguintes atos de liquidação de IMI relati—vos ao ano de 2018:
— Liquidação n.º 2018-... datada de 23-03-2019;
— Liquidação n.º 2018-... datada de 23-03-2019;
— Liquidação n.º 2018-... datada de 23-03-2019.
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A requerente foi notificada dos seguintes atos de liquidação de IMI relati—vos ao ano de 2019:
— Liquidação n.º 2019-... datada de 08-04-2020;
— Liquidação n.º 2019-... datada de 08-04-2020;
— Liquidação n.º 2019-... datada de 08-04-2020.
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A requerente foi notificada dos seguintes atos de liquidação de IMI relati—vos ao ano de 2020:
— Liquidação n.º 2020-... datada de 07-04-2021;
— Liquidação n.º 2020-... datada de 07-04-2021;
— Liquidação n.º 2020-... datada de 07-04-2021.
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Em 30-11-2021 a requerente remeteu ao Serviço de Finanças de Lagoa, através correio registado sob o registo postal n.º RH...PT, uma petição de desencadeamento do procedimento de revisão oficiosa, tendo por objeto dos atos tributários identificados supra nas antecedentes alíneas a) a e), e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
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Com relevância para o conhecimento desta exceção inexistem quaisquer outros factos que tivessem sido alegados pelas partes ou que sejam do conhecimento oficioso deste Tribunal.
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Na decisão da matéria de facto relevante para a decisão desta exceção o Tribunal teve em consideração a prova documental junta aos autos pela requerente, em especial o teor das várias notificações oferecidas como documento n.º 2 junto com o p.p.a. [factos a) a e) dados como provados] e o teor do requerimento de início de procedimento de revisão oficiosa oferecido como documento n.º 1 junto com o mesmo articulado, em especial o talão comprovativo de registo postal que dele consta [facto f) dado como provado].
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Conforme já se deixou amplamente explanado na motivação da decisão proferida acerca da precedente exceção, os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, devendo formar objeto de impugnação autónoma e não podendo, assim, ser conhecidos, mesmo que incidentalmente, nos processos de impugnação das liquidações que com base neles sejam efetuadas. Estes processos não podem, assim, ter por objeto a discussão da legalidade dos atos de fixação do valor patrimonial tributário.
Dada a autonomia dos atos de fixação de valores patrimoniais tributárias, e a sua natureza destacável em relação aos procedimentos de liquidação dos diversos tributos que tomam aqueles valores como pressuposto factual (IMI, IMT, IS, IRS e IRC), não é possível afirmar-se que a eventual ilegalidade de que aqueles padeçam (isto é, é a errónea quantificação do VPT de um prédio) funcione como vício próprio ou causa de ilegalidade intrínseca dos atos de liquidação que têm por base tributária o valor patrimonial tributário precedentemente fixado por ato de avaliação autónomo e destacável.
Dito de outro modo: não padece de erro nos seus pressupostos (nem de facto, nem de direito) um ato de liquidação de IMI que toma por base tributável o VPT precedentemente fixado, e definitivamente consolidado na ordem jurídica tributária. Com efeito, o IMI incide sobre o valor patrimonial tributário fixado para os prédios que dele são objeto: a sua liquidação corresponde a uma operação material extremamente simples de aplicação de uma taxa ao VPT precedentemente fixado. A al. c) do art. 115.º do CIMI não abrange assim aquelas situações, como as dos presentes autos, em que o valor patrimonial tributário de um prédio que serve de base à liquidação do imposto foi ilegalmente fixado por um ato já consolidado na ordem jurídica fiscal por ausência de emprego dos meios de impugnação administrativa ou jurisdicional. Na verdade, em tais casos o ato de liquidação do IMI não padece de qualquer erro que dê causa à sua ilegalidade intrínseca. A existir, a ilegalidade verifica-se a montante, no ato destacável que fixou o valor patrimonial tributário: é a esse ato que deve ser imputável e é na sua impugnação que tem de ser invocada.
Porém, consciente de que este esquema legal se pode prestar a situações de flagrante injustiça material, o legislador estabeleceu uma espécie de ‘válvula de escape’ do sistema que consiste na possibilidade de revisão oficiosa de um ato tributário com fundamento, já não na sua ilegalidade intrínseca, mas sim na injustiça grave ou notória da matéria tributável que serviu de base à liquidação do tributo por ele operada.
Como já se deixou dito supra, só à face do regime geral da revisão oficiosa, previsto no artigo 78.º, n.º 4, da LGT, se pode aventar a possibilidade de revisão dos atos de liquidação que formam o objeto mediato da presente arbitragem tendo por fundamento a ilegalidade dos valores patrimoniais tributários que tais atos de liquidação tiveram por pressuposto. Nestas situações em que o erro reside na fixação da matéria tributável e não propriamente nos atos de liquidação, a revisão oficiosa (que, de resto, pode partir da iniciativa do sujeito passivo — cfr. o n.º 7 do art. 78.º da LGT) não depende da existência de erro imputável aos serviços ou de ilegalidade desses atos, mas apenas que se esteja perante “injustiça grave ou notória” da matéria tributável em que o ato de liquidação se baseou, e desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. É este o meio procedimental próprio para os sujeitos passivos obterem a reparação de situações de injustiça notória decorrentes da liquidação de IMI com base num valor patrimonial tributário ilegalmente determinado, mas já definitivamente consolidado.
O objeto imediato do procedimento de revisão oficiosa a que se refere o art. 78.º, n.º 4, da LGT, é o próprio ato de liquidação (como se depreende da referência a um prazo de “[…] três anos posteriores ao do ato tributário […]”) mas o seu objeto mediato terá por objeto não a ilegalidade intrínseca desse ato de liquidação, mas antes a apreciação de uma situação de “[…]tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade” resultante da matéria tributável que o ato de liquidação teve como pressuposto.
Ora, esta possibilidade de instaurar um procedimento de revisão oficiosa que tenha por objeto já não a apreciação da ilegalidade do ato revidendo mas antes a verificação de uma situação de injustiça material resultante da matéria tributável que tal ato teve como pressuposto está prevista em termos mais restritos do que aqueles em que podem ser tempestivamente impugnados os atos de liquidação, pois esta possibilidade de revisão oficiosa é temporalmente mais limitada do que a prevista no n.º 1 do mesmo artigo para o procedimento geral de revisão de atos de liquidação, pois o prazo é de três anos, em vez do de quatro, mesmo que esteja em causa uma situação de injustiça grave ou notória exclusivamente imputável à conduta da administração fiscal.
Afigura-se como consensual na doutrina e na jurisprudência que o prazo de “[…] três anos posteriores ao do ato tributário [revidendo]” se refere assim aos três anos civis seguintes àquele em que o ato revidendo tiver sido proferido. De notar também que a data relevante para essa efeito é a do ano civil de prolação do ato revidendo, e não a do ano correspondente ao exercício em que teve lugar o facto tributário objeto objeto de tributação.
Quer isto dizer, portanto, que o poder de instauração do procedimento de revisão oficiosa relativo aos atos de liquidação proferidos em 2017 [facto a) dado como provado] caducou no final do ano de 2020. Já quanto aos atos de liquidação proferidos em 2018, 2019 e 2020, a caducidade verificar-se-ia — se entretanto não se tivesse verificado a interrupção do decurso desse prazo nos termos do art. 78.º, n.º 7, da LGT — no final, respetivamente, dos anos de 2021, 2022 e 2023.
Ora, como se deixou demonstrado, apenas na sequência de apresentação válida de um pedido de instauração do procedimento de revisão oficiosa — e, naturalmente, do seu indeferimento expresso ou tácito — se pode proceder à sindicância jurisdicional dessa imputada injustiça grave ou notória decorrente de se ter feito assentar um ato de liquidação numa matéria tributável ilegalmente determinada. Inversamente, se o pedido de desencadeamento do procedimento de revisão oficiosa tiver sido apresentado intempestivamente, fica vedado o acesso à sindicância jurisdicional da verificação da invocada situação de injustiça grave ou notória decorrente da matéria tributável em que o ato de liquidação assentou.
Em conclusão, as ilegalidades dos atos de avaliação invocados pela requerente, que não foram objeto de impugnação tempestiva autónoma, não podem considerar-se ilegalidades diretamente assacáveis aos atos de liquidação de IMI objeto de impugnação na presente arbitragem, suscetíveis de serem invocadas em processo impugnatório destes últimos atos. Como tal, não podem servir de causa de impugnação nesta sede, apenas se podendo conhecer da injustiça grave ou notória da matéria tributável que serviu de base aos atos tributários impugnados na presente arbitragem se ficar demonstrado que foi tempestiva pedido o desencadeamento do procedimento de revisão oficiosa previsto no art. 78.º, n.º 4, da LGT, e que tal procedimento foi, tácita ou expressamente, indeferido.
A esta luz, torna-se manifesto que, uma vez que o seu requerimento apenas foi expedido ao Serviço de Finanças a 30-11-2021 [facto f) dado como provado], com referência aos atos de liquidação relativos do IMI relativo ao ano 2016 (que foram proferidos em 2017 [cfr. facto a) dado como provado]) o pedido de instauração de procedimento de revisão oficiosa não foi apresentado tempestivamente pela requerente. A consequência será, portanto, a da impossibilidade de se proceder à sindicância jurisdicional da injustiça grave e notória, decorrente de se ter feito assentar um ato de liquidação numa base tributável ilegalmente determinada, que a requerente imputa aos atos de liquidação melhor descritos na alínea a) dos factos provados — ou, o que vale por dizer, há que concluir pela inimpugnabilidade contenciosa desses atos, circunstância que terá de determinar, a final, a absolvição da instância da requerida quanto ao pedido de anulação desses atos.
Assim, a presente exceção é parcialmente procedente, como se decidirá a final.
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Inexistem quaisquer outras questões prejudiciais ou obstativas do conhecimento do objeto da causa ou nulidades processuais que importe conhecer, quer por terem sido invocadas pelas partes, quer ainda por serem do conhecimento oficioso.
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Devidamente saneados os presentes autos, resulta assim que a única questão de que importa nestes conhecer é, então, a da ilegalidade do ato tácito de indeferimento do pedido de desencadeamento do procedimento de revisão oficiosa deduzido pela requerente na medida em que não terá reconhecido a injustiça grave ou notória dos atos de liquidação de IMI relativos aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 objeto do mencionado pedido de revisão.
Acessoriamente, importará ainda decidir os pedidos de condenação na restituição das quantias de imposto indevidamente pagas e no pagamento de juros indemnizatórios.
— III—
FACTOS PROVADOS:
Com relevância para a questão decidenda nos presentes autos, tal como delimitado o seu objeto em sede de saneamento, considero provados os seguintes factos:
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Em 31-12-2017, 31-12-2018, 31-12-2019 e 31-12-2020, a requerente era proprietária dos prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ... do município de Lagoa (código...) sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-... e U-..., todos eles constituindo terrenos para construção.
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A requerente foi notificada dos seguintes atos de liquidação de IMI relativos ao ano de 2017:
— Liquidação n.º 2017-... datada de 07-03-2018;
— Liquidação n.º 2017-... datada de 07-03-2018;
— Liquidação n.º 2017-... datada de 07-03-2018.
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As liquidações referidas em B. incidiram, entre outros, sobre os prédios indicados em A. e tiveram por base os seguintes valores patrimoniais tributários:
— Art.º U-…: € 65.790,00;
— Art.º U-…: € 65.790,00;
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Art.º U-...: € 66.330,00;
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Art.º U-...: € 66.150,00;
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Art.º U-...: € 71.040,00.
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A requerente foi notificada dos seguintes atos de liquidação de IMI relativos ao ano de 2018:
— Liquidação n.º 2018-... datada de 23-03-2019;
— Liquidação n.º 2018-... datada de 23-03-2019;
— Liquidação n.º 2018-... datada de 23-03-2019.
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As liquidações referidas em D. incidiram, entre outros, sobre os prédios indicados em A. e tiveram por base os seguintes valores patrimoniais tributários:
— Art.º U-…: € 66.776,85;
— Art.º U-…: € 66.776,85;
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Art.º U-...: € 67.324,95;
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Art.º U-...: € 67.142,25;
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Art.º U-...: € 72.105,60.
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A requerente foi notificada dos seguintes atos de liquidação de IMI relativos ao ano de 2019:
— Liquidação n.º 2019-... datada de 08-04-2020;
— Liquidação n.º 2019-... datada de 08-04-2020;
— Liquidação n.º 2019-... datada de 08-04-2020.
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As liquidações referidas em F. incidiram, entre outros, sobre os prédios indicados em A. e tiveram por base os seguintes valores patrimoniais tributários:
— Art.º U-…: € 66.776,85;
— Art.º U-…: € 66.776,85;
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Art.º U-...: € 67.324,95;
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Art.º U-...: € 67.142,25;
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Art.º U-...: € 72.105,60.
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A requerente foi notificada dos seguintes atos de liquidação de IMI relativos ao ano de 2020:
— Liquidação n.º 2020-... datada de 07-04-2021;
— Liquidação n.º 2020-... datada de 07-04-2021;
— Liquidação n.º 2020-... datada de 07-04-2021.
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As liquidações referidas em H. incidiram, entre outros, sobre os prédios indicados em A. e tiveram por base os seguintes valores patrimoniais tributários:
— Art.º U-…: € 66.776,85;
— Art.º U-…: € 66.776,85;
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Art.º U-...: € 67.324,95;
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Art.º U-...: € 67.142,25;
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Art.º U-...: € 72.105,60.
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Na determinação dos valores patrimoniais tributários referidos em C., E., G. e I. foi tida em consideração, pela requerida, a aplicação de coeficientes de localização.
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Em 30-11-2021 a requerente remeteu ao Serviço de Finanças de Lagoa, através correio registado sob o registo postal n.º RH...PT, uma petição de desencadeamento do procedimento de revisão oficiosa, tendo por objeto dos atos tributários identificados supra nas antecedentes alíneas a) a e), e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
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Sobre o pedido referido em K. não foi proferida, pelos órgãos da requerida, qualquer decisão expressa.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Da factualidade alegada, ou daquela que cumprisse ao Tribunal conhecer oficiosamente, inexistem quaisquer outros factos que sejam relevantes para a decisão da causa de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão que forma o objeto da presente arbitragem, tal como delimitado em sede saneamento.
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
Os factos dados como provados resultam demonstrados pela prova documental junta pela requerente com o pedido de pronúncia arbitral, em especial dos documentos juntos com tal articulado sob os n.os 2 e 3 (factos A. a J.) e n.º 1 (facto K.). Já o facto L. foi considerado provado dada a ausência de demonstração, pela requerida, da prolação de qualquer ato expresso que tivessem decidido o pedido de desencadeamento do procedimento de revisão oficiosa apresentado pela requerente.
— IV—
DA INJUSTIÇA GRAVE OU NOTÓRIA DAS LIQUIDAÇÕES DE IMI,
Nos presentes autos está em causa a impugnação de um ato tácito de indeferimento de um pedido de desencadeamento do procedimento revisão oficiosa previsto no art. 78.º, n.º 4, da LGT que, por seu turno, tinha por objeto diversos atos de liquidação de IMI.
Importa assim apreciar se a requerente teria direito à revisão oficiosa dos atos que impugnou administrativamente, com fundamento na injustiça grave ou notória da matéria tributável em que tais atos assentaram.
Ora, no cit. 78.º, n.º 4, da LGT estabelece-se que “[o] dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte,” acrescentando o n.º 5 do mesmo preceito legal que “apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade.” Apesar de naquele cit. n.º 4 o legislador se referir ao dirigente máximo do serviço e a uma sua autorização, excecional, está consolidado na jurisprudência fiscal que se trata de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controle jurisdicional (Ac. STA 07-10-2009, Proc.º 0476/09; Ac. STA 02-11-2011, Proc.º 329/11; Ac. STA 14-12-2011, Proc.º 366/11; Ac. STA 17-02-2021, Proc.º 39/14.9BEPDL).
A procedência da revisão oficiosa — que, repita-se, pode resultar da iniciativa do próprio contribuinte, como se prevê no art. 78.º, n.º 7, da LGT — depende assim do preenchimento cumulativo de dois requisitos: i) a verificação de uma injustiça grave ou notória na fixação da matéria tributável em que o ato de liquidação assentou; ii) que não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
Quanto ao segundo destes requisitos não se suscita qualquer dúvida em relação à sua verificação. A fixação da matéria tributável que serviu de pressuposto às liquidações em crise na presente arbitragem foi efetuada pela Administração fiscal com base numa fórmula prevista na lei, sem que se tenha demonstrado que a requerente tenha fornecido qualquer informação errada quanto à natureza ou configuração dos prédios, pelo que o eventual erro na aplicação na fórmula de avaliação invocado pela requerente não pode ser considerado imputável a um seu comportamento negligente.
Já quanto ao primeiro daqueles dois requisitos, também se terá de concluir pela sua verificação.
Com efeito, o vício que a requerente assaca à fixação dos valores patrimoniais dos prédios identificados em A. do probatório é o de ter aplicado à avaliação do valor patrimonial tributário de terrenos para construção normas legais relativas à avaliação de prédios edificados.
Ora, acerca desta questão o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a decidir, uniformemente, na esteira Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário (Ac. STA 23-10-2019, Proc.º 170/16.6BELRS 0684/17), que:
I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.o do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).
II – O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
III – O coeficiente de qualidade e conforto, fator multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comercio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser suscetível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto
Na fundamentação do aresto acima mencionado refere-se o seguinte:
O terreno em causa nos autos integra uma das espécies de prédios urbanos na categoria de terreno para construção. E, tratando-se de uma das espécies de prédio urbano o valor patrimonial deverá ser determinado por avaliação directa (nº 2 do artigo 15 do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no nº 1 do artigo 38 do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços (assim se decidiu no ac. deste STA de 20/04/2016 tirado no recurso 0824/15 disponível no site da DGSI - Jurisprudência do STA) onde se expendeu:
(…) Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.
Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45 já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42.º
Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.
O coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.
Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.
A aplicação destes factores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38 do CIMI.
Mas porque a aplicação desses factores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no nº 4 do artigo 11 da LGT por se reflectir na norma de incidência na medida em que é susceptível de alterar o valor patrimonial tributário.
A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103 nº 2 da CRP.
A própria remissão para os artigos 42 e 40 do CIMI constante do artigo 45 e mesmo a redacção dada ao artigo 46 relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38º com as necessárias adaptações “é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não entram outros factores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.
É que mesmo a remissão feita para os artigos 42 e 40 do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos mas apenas acolhe, respectivamente as características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.
O que se compreende face à definição de terrenos para construção do nº 3 do artigo 6 do C.I.M.I.(…)”
Concordando, e não olvidando a doutrina expressa por José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012, 2ª edição pp104 de que “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio ou prédios com determinadas características e com determinado valor,” e que para a avaliação de terrenos para construção a lei manda separar duas partes do terreno (uma primeira parte a do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir) e uma segunda parte a restante constituída pelo terreno que fica livre no lote de terreno para construção expressando que para alcançar o valor da primeira parte é necessário proceder à avaliação do edifício a construir como se ele já estivesse construído.
Com o devido respeito, tal como se fez no já referido acórdão do Pleno do STA de 21/09/2016 tirado no rec. nº 01083/13 não se acolhe integralmente esta doutrina pelas dúvidas e imprecisões que pode acarretar e que em matéria fiscal devem ser evitadas. Desde logo a lei, no artº 6º nº 3 do CIMI classifica de terrenos para construção realidades que não têm aprovado qualquer projecto de construção pelo que a sua inexistência determina por si só a inviabilidade de efectuar o cálculo da chamada área de implantação do edifício porque inexistente mesmo em projecto e por outro lado, nos casos em que existe esse projecto ou plano de pormenor (parece ser este último o caso dos autos uma vez que no processo administrativo apenso a fls. 13 se faz referência a um plano de pormenor destacado na alínea “L” do probatório) cumpre salientar que a qualidade e o conforto têm de ser efectivos o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais não podendo a expectativa ou potencial construção de um edifício com anunciados/programados índices de qualidade e conforto integrar um conceito que objectivamente, só é palpável e medível se efectivada a construção e se, realizada sem desvios ao constante da comummente conhecida “memória descritiva” que acompanha cada projecto de construção. Também é certo que a valorização imediata do prédio por efeito da atribuição do alvará de terreno para construção não deixará de ser levada em conta para efeitos de tributação, em caso de alienação, com a tributação noutra sede tributária.
Como se expressou no acórdão deste STA de 24/04/2016 a que supra fizemos referência
(…) Efectivamente o coeficiente de afectação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto.
Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não factores ainda não materializados (…).
Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios (terrenos para construção) a regra específica a considerar é a constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.
Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (artº 45º nº 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, desde logo, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projecto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc, se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros.
Esta jurisprudência tem vindo a ser sucessivamente reiterada e reafirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo — assim, cfr. Ac. STA 05-04-2017, Proc.º 01107/16; Ac. STA 28-06-2017, Proc.º 0897/16; Ac. STA 16-05-2018, Proc.º 0986/16; Ac. STA 14-11-2018, Proc.º 0133/18; Ac. STA 23-10-2019, Proc.º 170/16.6BELRS 0684/17; Ac. STA 13-01-2021, Proc.º 0732/12.0BEALM 01348/17.
Na linha desta jurisprudência é de entender que a avaliação dos terrenos para construção deve ser efetuada sem haver lugar à aplicação dos coeficientes não especificamente previstos, entre os quais se incluem os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afetação.
No caso dos prédios referidos em A. do probatório resulta demonstrado que, nas operações de avaliação tendentes à fixação dos respetivos valores patrimoniais tributários, houve lugar à aplicação de coeficientes de localização (cfr. ponto J. do probatório), circunstância que, face à jurisprudência acima referida, tem de conduzir à conclusão de que a fixação dos valores patrimoniais dos referidos prédios enferma da injustiça que a requerente lhes assaca, a qual é de resto exclusivamente imputável à conduta da requerida, que foi quem praticou os mencionados atos de avaliação.
Importa ainda importa averiguar se esse vício se subsume no conceito de “injustiça grave ou notória” a que se refere o art. 78.º, n.º 4, da LGT: o n.º 5 desse mesmo preceito legal esclarece o alcance destes conceitos, estabelecendo que “para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.” De resto, a gravidade ou notoriedade da injustiça é exigida em alternativa, como se depreende do emprego da conjunção “ou,” pelo que basta a verificação de uma ou outra para a satisfação da previsão legal.
No caso em apreço afigura-se ser manifesta a gravidade da injustiça gerada com as erradas avaliações dos valores patrimoniais tributários dos prédios identificados em A. do probatório, porquanto a tributação em sede IMI que incidiu sobre tais prédios, demonstrada pelo teor as liquidações que se juntaram como documento n.º 2 com o pedido de pronúncia arbitral, foi indiscutivelmente superior àquela que seria normalmente devida, como resulta da quantificação efetuada pela própria requerente e que não foi contraditada pela requerida.
Finalmente, como já se deixou demonstrado em sede de saneamento, também não se oferecem dúvidas de que o procedimento de revisão oficiosa despoletado por iniciativa da requerente foi tempestivo no que diz respeito aos atos tributários melhor identificados em B., D., F. e G. do probatório. Com efeito, provado que o pedido da requerente para a realização da revisão oficiosa foi remetido à requerida por via postal registada através de correspondência expedida em 30-11-2021 (facto K. do probatório), tem que se considerar o pedido da requerente como apresentado nesta data [cfr. art. 104.º, n.º 1, al. b), do CPA] e, também nessa mesma data, como interrompido o prazo de caducidade para a realização da revisão oficiosa, nos termos previstos no art. 78.º, n.º 7, da LGT.
Assim, quer à data do termo do prazo legal de decisão do procedimento de revisão oficiosa despoletado por iniciativa da requerente (i. é, 30-03-2022), quer à data da propositura da presente arbitragem (21-04-2022), não se tinha ainda verificado a caducidade do poder de revisão oficiosa dos atos tributários em crise nos presentes autos.
Em conclusão, estão preenchidos todos os requisitos de que dependeria a procedência da revisão oficiosa dos atos tributários melhor identificados em B., D., F. e G. do probatório do probatório com fundamento em injustiça grave ou notória da matéria tributável, nos termos previstos nos n.os 4 e 5 do art. 78.º da LGT, pelo que em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa deduzida pela requerente, deveria a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira ter procedido à pretendida revisão, anulando parcialmente os atos de liquidação de IMI relativos aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020.
Pelo exposto, procede o vício assacado ao segmento do ato tácito que, depois de saneados os autos, constitui o objeto imediato da presente arbitragem e, consequentemente, terá também de proceder a anulação parcial dos correspondentes atos de liquidação de IMI.
DOS PEDIDOS CONDENATÓRIOS,
Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, caracterizado por pronúncias constitutivas (arts. 99.º e 124.º do CPPT), nele podem ainda extrair-se efeitos condenatórios no confronto da administração tributária, como resulta patente do facto de nesse meio processual poder haver lugar à condenação no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida. Acresce que de harmonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão,” preceitos legais aplicáveis à arbitragem tributária por força da expressa remissão, a título de direito subsidiário, do artigo 29.º, n.º 1, als. a) e c), do RJAT.
Por outro lado, face ao disposto no art. 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT, fica a administração tributária requerida vinculada a, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito.”
Donde, nada obsta a que, no processo arbitral tributário possa haver lugar à condenação da administração tributária requerida a restituir aos requerentes as quantias por estes indevidamente pagas na decorrência de atos tributários que venham, nessa sede arbitral, a ser anulados ou declarados nulos. De resto, tal constitui uma prática jurisdicional bem difundida nos tribunais arbitrais tributários constituídos sob a égide do CAAD.
Pelo que, na procedência do pedido deduzido a título principal na presente arbitragem, terá também de proceder a pretensão de condenação da AT a restituir à requerente a quantia de imposto por ela indevidamente paga ao abrigo dos atos de liquidação agora parcialmente anulados.
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Decorre do art. 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão da qual não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária, devendo esta — nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários estaduais — restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando todos os atos e operações necessários para o efeito, norma esta que não pode ser desligada do que se dispõe no art. 100.º da LGT, nos termos do qual a plena reconstituição da situação atual hipotética compreende “o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”
Dúvidas não podem existir de que a pretensão relativa a juros indemnizatórios tem também cabimento no meio processual arbitral. Na realidade, dispõe-se no art. 24.º, n.º 5, do RJAT que é “devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.” Tal normativo, conjugado com a circunstância de o processo arbitral ser uma alternativa à impugnação judicial, deve ser entendido como permitindo a condenação da administração fiscal no pagamento de juros indemnizatórios no quadro do processo arbitral. Conclusão que apenas sai reforçada pela leitura do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010 que autorizou o Governo a legislar “no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária” com o deliberado fito de que o processo arbitral tributário funcionasse como um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial.
Especificamente no que concerne à obrigação de juros indemnizatórios dispõe-se no art. 43.º, n.º 1, da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” Porém, acrescenta-se no n.º 3 do mesmo preceito legal que “[s]ão também devidos juros indemnizatórios [...] [q]uando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste.”
E embora seja configurável a equiparação, para efeitos de juros indemnizatórios, entre o procedimento de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte e o procedimento de reclamação graciosa quando aquele é requerido dentro do prazo de reclamação administrativa (cfr. art. 78.º, n.º 1, da LGT), o mesmo não se pode afirmar quanto às demais situações de iniciativa particular no despoletar do procedimento de revisão oficiosa. Com efeito, “nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) [...]apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT” (Ac. STA 12-07-2006, Proc.º 402/06).
Como decorre do probatório, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado pela requerente em 30-11-2021, circunstância que permite concluir pela formação de ato tácito de indeferimento em 30-03-2022, pelo que na ausência de decisão expressa por parte da Administração fiscal, apenas a partir de 30-11-2022 teria a requerente direito a perceber juros indemnizatórios. Tendo, porém, optado por impugnar o ato tácito de indeferimento formado antes desta data, e assim aceitando a extinção do correspondente procedimento tributário e inviabilizando a que a AT ainda o pudesse decidir dentro do prazo de um ano a que se refere o art. 43.º, n.º 3, da LGT, não se consolidou na esfera da requerente o direito à perceção de quaisquer juros indemnizatórios.
Improcede assim o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
DA RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS,
Ambas as partes decaem na presente arbitragem. A requerente decai quanto ao pedido de anulação das liquidações de IMI referentes ao ano de 2016 (em que haverá lugar à absolvição da instância, na decorrência de se ter julgado procedente exceção dilatória); a requerida decai quanto ao mérito no que concerne à impugnação das liquidações de IMI referentes aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, cujo pedido será julgado procedente. São assim ambas as partes responsáveis pelas custas da presente arbitragem — art. 12.º, n.º 2, do RJAT e arts. 4.º, n.º 5, e 6.º, al. a), do Regulamento de Custas da Arbitragem Tributária do CAAD.
Uma vez que o decaimento das partes não é na mesma ordem de grandeza, afigura-se ajustado atribuir a responsabilidade pelas custas na proporção de um-quinto à requerente e de quatro-quintos à requerida.
Assim, tendo em conta o valor de EUR 3.046,24 atribuído ao presente processo arbitral em sede de saneamento, por aplicação da l. 2 da Tabela I anexa ao mencionado Regulamento, há que fixar a taxa de arbitragem desta arbitram em EUR 612,00, em cujo pagamento se condenarão a final ambas as partes, nas sobreditas proporções.
— V—
Assim, pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação arbitral parcialmente procedente e, consequentemente:
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Absolvo a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira da instância arbitral quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação do IMI relativo ao ano de 2016 e, bem assim, do pedido de anulação do ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, apenas na parte em que este pedido incidiu sobre aqueles atos de liquidação;
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Declaro ilegal e anulo o ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa referido em K. do probatório, apenas na parte em que tal ato incidiu sobre os atos de liquidação de IMI referidos na alínea seguinte;
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Declaro ilegal e anulo parcialmente, apenas na parte em que para o apuramento do quantitativo de imposto neles liquidado tiveram por pressuposto os valores patrimoniais tributários referidos em C., E., G. e I. do probatório referentes aos prédios melhor descritos em A. do probatório, os seguintes atos de liquidação de IMI:
— Liquidação n.º 2017-... datada de 07-03-2018;
— Liquidação n.º 2017-... datada de 07-03-2018;
— Liquidação n.º 2017-... datada de 07-03-2018.
— Liquidação n.º 2018-... datada de 23-03-2019;
— Liquidação n.º 2018-... datada de 23-03-2019;
— Liquidação n.º 2018-... datada de 23-03-2019.
— Liquidação n.º 2019-... datada de 08-04-2020;
— Liquidação n.º 2019-... datada de 08-04-2020;
— Liquidação n.º 2019-... datada de 08-04-2020.
— Liquidação n.º 2020-... datada de 07-04-2021;
— Liquidação n.º 2020-... datada de 07-04-2021;
— Liquidação n.º 2020-... datada de 07-04-2021.
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Condeno a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir à requerente A..., S.A. os montantes de imposto por esta indevidamente pagos ao abrigo dos segmentos ora anulados dos atos tributários referidos em c);
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Absolvo a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios;
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Condeno ambas as partes nas custas da presente arbitragem, na proporção de responsabilidades de um-quinto para a requerente e de quatro-quintos para a requerida, fixando a taxa de arbitragem em EUR 612,00.
Notifiquem-se as partes.
Registe-se e deposite-se.
CAAD, 28/02/2023,
O Árbitro,
(Gustavo Gramaxo Rozeira)