Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 230/2022-T
Data da decisão: 2023-02-27  IRS  
Valor do pedido: € 16.706,31
Tema: IRS - Imóvel destinado a habitação própria e permanente – Artigo 10.º, n.º 5 do CIRS
Versão em PDF

 

SUMÁRIO

I – A prova de que o imóvel é destinado a habitação própria e permanente de um sujeito passivo ou do seu agregado familiar depende, fundamentalmente, da demonstração de determinados “factos-indice” que permitam justificar que o centro de vida do sujeito passivo se situa naquele espaço/local

II – Tendo sido feita prova que o imóvel alienado constituía habitação própria e permanente, o produto da sua alienação pode ser utilizado na aquisição de um imóvel a que seja dada semelhante afectação, nos termos previstos no artigo 10º nº 5 do CIRS

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro, Dr. João Marques Pinto, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 15 de Junho de 2022, acorda no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., NIF ... e B..., NIF ...doravante identificados apenas por “Requerentes”, vieram requerer, em 01.04.2022, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 2º e no artigo 10º do Decreto-Lei 10/2011 de 20 de Janeiro (REGIME Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante identificado apenas pelas inicias RJAT), a constituição de TRIBUNAL TRIBUTÁRIO com designação do Árbitro pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, para Pronuncia Arbitral sobre a legalidade dos actos praticados pelo Serviço de Finanças de Almada ..., referentes a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e respectivos juros compensatórios, relativos ao exercício de 2020, no valor global de €16.706,31

Os Requerentes requereram ao Tribunal Arbitral que:

(i) Anule a liquidação adicional de IRS do ano de 2020 e respectivos juros compensatórios; e, em conformidade

(ii) Restitua o montante de imposto indevidamente pago, acrescido dos respectivos juros compensatórios

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante AT).

Os Requerentes optaram por não designar Árbitro.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado em 4 de Abril de 2022.

Em 25 de Maio de 2022, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 7 do Artigo 11º do RJAT.

Desta forma, em face do disposto no nº 8 do artigo 11º do RJAT, tendo decorrido o prazo estabelecido no nº 11 do mesmo artigo 11º, sem que as Partes se pronunciassem, o Tribunal Tributário Colectivo ficou constituído em 15 de Junho de 2022, tendo, no dia 30 de Junho de 2022, sido notificada a AT para apresentar a sua contestação e juntar o processo administrativo.

A AT apresentou a sua resposta em 9 de Setembro de 2022, pedindo em concreto:

  1. A improcedência do pedido formulado pela Requerente, com a correspondente manutenção na ordem jurídica do acto tributário de liquidação objecto da impugnação;
  2. A dispensa, por inutilidade, da prova testemunhal solicitada pela Requerente

Por despacho de 9 de Novembro de 2022, foi decidido:

  1. dispensar a audição das testemunhas indicadas pelos Requerentes;
  2. dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, determinando-se o prosseguimento do processo,
  3. notificar as partes intervenientes para apresentação de alegações sucessivas no prazo de 10 dias.

As alegações dos Requerentes foram apresentadas no dia 22 de Novembro de 2022, e as alegações da AT, entidade Requerida, no dia 2 de Dezembro.

Em 22 de Dezembro foi proferido despacho a prorrogar por dois meses, o prazo para prolacção da decisão final, sedno este prazo prorrogado por mais 15 dias por despacho de 14 de Feveeiro de 2023

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituido.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (rtigos 4º e 10º nº 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

 

  1. Factos considerados provados:

 

- Os Requerentes são pessoas singulares, residentes em Portugal, e, como tal, sujeitos passivos de IRS.

- Em 24 de Janeiro de 2020, os Requerentes adquiriram, ao seu filho, C... e sua mulher D..., pelo valor de € 60.000,00 (sessenta mil euros), o imóvel sito na Rua ..., nº...,  ..., freguesia de ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Almada sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana da União das freguesias de ..., ..., ... e ... sob o artigo ... .

3º -  Na mesma data, os Requerentes procederam à alienação deste imóvel pelo valor de € 185.000,00 (cento e oitenta e cinco mil euros) a E... .

4º -  Anteriormente, num primeiro momento, o referido imóvel tinha sido adquirido pelo supra identificado filho dos Requerentes e pela sua mulher.

5º - Apesar de este imóvel ter sido adquirido, inicialmente, pelo filho dos Requerentes, o mesmo foi utilizado por estes como sua habitação própria e permanente, nele tendo a sua residencia fiscal e nele recebendo toda a correspondência de autoridades publicas, como os Serviços da Segurança Social ou Serviço Nacional de Saúde.

6º - Ainda na mesma data – 24 de Janeiro de 2020 – e conforme consta do Processo Administrativo junto pela Requerida, os Requerentes outorgaram uma terceira escritura, através da qual adquiriram, ao Senhor F..., e pelo valor declarado de €120.000,00 (cento e vinte mil euros) um outro imóvel sito na ... nº ..., freguesia e concelho de ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Almada sob o numero ...  e inscrito na matriz predial urbana da União das freguesias de ..., ..., ... e ... sob o artigo ..., tendo declarado nesta escritura que destinavam esta imóvel a sua habitação própria e permanente.

7º - De acordo com o documento constante do Processo Administrativo Tributário, na sua declaração de IRS (Modelo 3) relativa ao ano de 2020 (entregue em 2021), os Requerentes declararam, no Anexo G, Campo 5006, que tinham reinvestido o valor de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros) na aquisição do imóvel identificado no ponto imediatamente anterior desta decisão (ponto D).

8º -A declaração Modelo 3 dos Requerentes relativa ao ano de 2020, foi seleccionada, em 19 de Agosto de 2021, para análise, pelos Serviços da AT, tendo-lhe sido atribuído o Código D25 (análise de reinvestimento em imóveis).

- No seguimento deste procedimento, a AT, por considerar que não estavam reunidos os requisitos previstos para o reinvestimento do produto da realização, veio propôr uma correcção à matéria colectável dos Requerentes.

10º - Relativamente a esta proposta de correcção, os Requerentes exerceram o seu direito de audição prévia, nele manifestando a sua profunda discordância com a mesma.

11º - Os argumentos dos Requerentes não mereceram quaquer aceitação por parte da AT, tendo esta notificado os Requerentes, em 25 de Outubro de 2020, de que se mantinha a proposta de correcção ao IRS de 2020, inicialmente apresentada.

12º -Não concordando com esta decisão, os Requerentes apresentaram o presente pedido de pronúncia arbitral, solicitando a anulação das liquidações de IRS acima identificadas (números 2021 ... e 2021 ...).

13º - Não ficou demonstrado que os Requerentes tivessem pago o imposto adicional liquidado pela AT.

 

  1. Fundamentação da decisão da matéria de facto

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pelos Requerentes e no que consta do processo administrativo junto pela AT.

 

2. Matéria de Direito

 

2.1. Fundamentos das posições das Partes

 

1º - A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), fundamentou a decisão de liquidação de IRS, da seguinte forma:

“5. Referindo o Código do IRS que a exclusão de tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis opera apenas relativamente a imóveis afectos à habitação própria e permanente (art.º 10º nº 5), e, sendo que, no caso, todas as escrituras foram efectuadas no mesmo dia, entendeu-se não ter existido aquela afectação, relativamente ao imóvel alienado. De resto, na escritura de aquisição do prédio ...-U-...-B, sito na Rua ..., não consta que a aquisição tenha sido realizada para aquele fim (habitação própria e permanente), Tampouco o Imposto Municipal sobre a Transmissões Onerosa de Imóveis (IMT), foi liquidado com aquele beneficio (Declaração Modelo 1 de IMT nº de registo ... de 24.01.2020; DUC IMT ... . (,,,)” (sublinhado nosso)

2º - De acordo com o exposto, a AT entende que os Requerentes não podem beneficiar do regime do reinvestimento previsto no artigo 10º do Código do IRS, porque (i) as escrituras de compra e posterior venda do imóvel (ou seja, a sua aquisição e venda subsequente) foram efectuadas no mesmo dia, o que exclui a possibilidade de se tratar de um imóvel afecto a habitação própria e permanente dos Requerentes, e ainda (ii) no facto de, quer na escritura, quer na liquidação de IMT correspondente a essa aquisição, não se ter referido expressamente que se tratava de uma aquisição de um imóvel para habitação própria e permanente.

3º - Neste sentido e como suporte do seu entendimento, a AT transcreveu o sumário do Acordão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 2017/11/12, no âmbito do Proc. 0384/16, cuja redacção é a seguinte:

“I - Da letra do nº 5 do artigo 10º do Código do IRS – que dispõe que “são excluidos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóves destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar” – resulta a necessária simultaneidade da propriedade e da permanência da habitação na titularidade do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, não se referindo a lei a qualquer limite temporal minimo para a observância de tais requisitos, mas exigindo a destinação do imóvel a esse fim.

II – No caso dos autos, em que o imóvel foi adquirido e alienado no mesmo dia, não pode ter-se por verificada a destinação do imóvel adquirido à habitação própria e permanente do sujeito passivo, pois as necessárias menos de 24 horas que mediaram entre o momento em que o imóvel foi adquirido e em que o mesmo foi alienado, são objectivamente insuficientes para se entender que o imóvel adquirido foi utilizado, com carácter de habitualidade, para habitação do sujeito passivo ou do seu agregado, antes constitui indicio de que a aquisição do imóvel foi efectuada com destino à sua posterior revenda.

III – A alegada “propriedade económica do imóvel” decorrente da celerbração de “contrato de comodato”com cláusula de opção de compra não é suficiente para fundamentar o carácter provisório do imóvel durante a vigência deste, pois que a norma de exclusão tributária do nº 5 do artigo 10º do Código do IRS não convoca qualquer conceito extra-juridico, devendo os conceitos a que alude – propriedade e permanência da habitação no imóvel – serem interpretados de acordo com os conceitos juridicos que convocam e não quaisquer outros, em conformidade com o disposto no º 2 do artigo 11º da LGT.”

- Significa isto que a Requerida entende não estarem reunidas as condições que permitiam a aplicação do benefício fiscal de exclusão de tributação do ganho em caso de reinvestimento (total ou parcial) do produto da alienação de um imóvel.

- Ao contrário, os Requerentes entendem poder beneficiar do direito à exclusão de incidência na tributação do ganho obtido com a alienação do imóvel, por estarem verificados os requisitos – cumulativos - fixados pelo artigo 10º do Código do IRS.

6º - como suporte deste entendimento, foram apresentados os seguintes argumentos:

  1. O “imóvel de partida”, ou seja, o imóvel adquirido pelos Requerentes ao filho, constituia, no momento da sua alienação, e já há bastante tempo e independentemente dessa detenção formal, a sua habitação própria e permanente, pois era aí que moravam e residiam com carácter de habitualidade, de estabilidade e de regularidade e era aí que tinham o centro da sua vida pessoal, familiar e social;
  2. Este facto é, no entendimento dos Requerentes, devidamente comprovado, pela junção de documentação relativa a determinadas despesas/encargos por eles suportados, de correspondência por eles recebida naquela morada, ou das actas de reuniões de condomínio em que participavam, o que comprova aquela realidade e, por conseguinte, aquela afectação;

- Esta realidade/materialidade deve, assim, prevalecer sobre a detenção/propriedade formal do imóvel;

- Acresce que a lei não impõe, quanto ao “imóvel de partida” um mínimo de tempo em que o mesmo tem que estar afectado a habitação própria e permanente (vidè decisão proferida pelo CAAD no âmbito do Proc. 146/2015-T);

- A “simultaneidade” das escrituras apenas teve como propósito o de conformar a realidade documental à realidade “fáctica pré-existente”;

10º - Assim sendo, no caso em apreço, a justiça material deve prevalecer sobre a realidade formal, de forma a respeitar o verdadeiro espírito da norma;

11º - Norma essa que, segundo os Requerentes, prossegue, principalmente, uma finalidade extrafiscal qual seja a de diminuir ou eliminar obstáculos, como a que a tributação em sede de IRS pode representar (quando se verificam ganhos na transmissão do “imóvel de partida”), à aquisição e mudança de habitação própria e permanente pelos agregados familiares.

12º - Ou, nas palavras do Prof. Xavier de Brito, citado pelos Requerentes, “o objectivo geral do regime de exclusão da incidência (estatuída no nº 5 do artigo 10º do Código do IRS) é, pois não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata de habitação própria e permanente com o produto da alienação de um outro imóvel a que fora dado o mesmo destrino…” (sublinhado nosso).

 

2.2.Análise das questões suscitadas

As questões a decidir nos presentes autos são de facto e direito, sendo, no entendimento do Tribunal, a questão fundamental sobre a qual se deverá pronunciar, a seguinte:

Estão ou não reunidos os requisitos de que depende a aplicação do regime do reinvestimento de mais-valias previsto no artigo 10º nº 5 do CIRS?

Ou, por outras palavras, poderão os Requerentes beneficiar da aplicação deste regime por terem afectado o imóvel alienado a sua habitação própria e permanente e por terem concretizado, como resulta da escritura de aquisição e foi inscrito na sua declaração de IRS, o reinvestimento do imóvel alienado na aquisição de um imóvel que declararam afectar, igualmente, a sua habitação própria e permanente?

Como já resultou do anteriormente exposto, para que este regime seja aplicável, a condição fundamental é a que, quer o imóvel de “partida”, quer o imóvel de “chegada” constituam a habitação própria e permanente dos sujeitos passivos do imposto.

Desta forma, a primeira e principal questão que deve merecer a atenção do Tribunal será a de apurar se o imóvel que foi adquirido pelos Requerentes ao seu filho e imediatamente vendido (o denominado imóvel de “partida”), em trato sucessivo, a um terceiro, pode ser considerado, para efeito de aplicação do regime de reinvestimento previsto no artigo 10º do CIRS, como tendo constituído a sua habitação própria e permanente.

Ou seja, deve prevalecer o argumento meramente formal e documental, invocado pela Requerida, de que o imóvel em questão foi propriedade dos Requerentes apenas durante breves momentos – isto é, somente no tempo que decorreu entre a escritura de aquisição ao filho e a venda a um terceiro – nunca tendo constituído, por esse facto, sua habitação própria e permanente.

Ou, ao contrário, como sustentam os Requerentes, deve prevalecer a realidade factual, de acordo com a qual, a aquisição inicial em nome do filho foi um acto meramente instrumental (para se poder beneficiar de financiamento bancário), e que o imóvel sempre constituiu a sua habitação própria e permanente, como o comprova o facto de ali terem a sua residência fiscal, de ser aquele o seu endereço para efeitos da correspondência enviada pelos Serviços da Segurança Social e/ou pelo Serviço Nacional de Saúde, ou terem participado em diversas reuniões do condomínio, constando sempre, nas respectivas actas e convocatórias, como os verdadeiros proprietários e utilizadores normais e habituais da fracção onde residiam e, ainda, do facto de muitas facturas/recibos de serviços e/ou bens adquiridos a terceiros indicarem, sempre, aquela morada como sua residência.

Para este efeito, considera este Tribunal que será importante apurar qual o propósito e o objectivo que o legislador entendeu prosseguir com esta norma.

Ou seja, determinar a “ratio legis” desta norma.

Nesse sentido, considera a Dra. Paula Rosado Pereira, citada pelos Requerentes na sua petição inicial, que tendo o legislador optado, neste caso particular, por uma exclusão de incidência (e não, por exemplo, por uma mera isenção), o seu propósito foi, em primeira linha, o de contribuir para eliminar e/ou reduzir os obstáculos, como os decorrentes da tributação sobre o rendimento (neste caso, sobre o ganho obtido na venda), a uma mudança de habitação por parte dos sujeitos passivos, tentando dessa forma, permitir uma maior mobilidade na escolha e fixação de habitação.

Esta posição tem vindo, aliás, a merecer acolhimento em algumas decisões jurisprudenciais, como sejam os Acórdãos proferidos pelo CAAD no âmbito dos Processos 720/2019-T e 225/2020-T, ambos citados e parcialmente transcritos pelos Requerentes na sua petição.

Ou seja, o fim último e principal desta disposição normativa parece apontar no sentido da prevalência da situação material e factual dos sujeitos passivos, em detrimento de argumentos de mera natureza formal, como sejam o título de detenção do imóvel ou o período de tempo durante o qual o imóvel foi propriedade do sujeito passivo.

É entendimento deste Tribunal que, nos presentes Autos, foi feita prova suficiente, por via dos diversos documentos anexados pelos Requerentes de que a casa que adquiriram ao filho e alienaram no mesmo dia, foi, de facto, durante alguns anos, a sua residência habitual e permanente, ou seja, o local onde tinham o centro da sua vida pessoal e familiar, actuando sempre como verdadeiros proprietários do imóvel e sendo como tal reconhecidos.

Assim, como se refere no Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), em 02.02.2023, no âmbito do Proc. 126/11.BERLRS “embora não exista uma definição legal de “habitação própria permanente”, atenta a jurisprudência que tem sido expendida, tal como se expôs na douta sentença, o que se destaca é a efetiva afetação do imóvel, “no sentido de nele o interessado/impugnante ter residido (senão sempre, pelo menos a maior parte do tempo) e, sobretudo, daquele corresponder ao seu centro de interesses familiar e social. (sublinhado nosso).

No mesmo sentido, aponta o Acórdão, igualmente do TCAS, proferido em 12.07.2021 no âmbito do Proc. 1095/10.4BEALM, onde o Tribunal considerou que “….. o mesmo se diga no concernente ao requisito da permanência na habitação, o qual deve ser entendido no sentido de habitualidade e normalidade, mas sem qualquer cadência cronológica absoluta, impondo-se, apenas para efeitos da exclusão tributária que o beneficiário aí organize as condições da sua vida normal e do seu agregado familiar, de tal modo que se veja nele o local da sua habitação, sendo atos demonstrativos da fixação do centro da sua vida pessoal a ocorrência de “[c]ondições físicas (casa, mobília, etc.), jurídicas (contratos, declarações, inscrições em registos, etc.) e sociais (integração no meio, conhecimentos dos e pelos vizinhos, etc. (sublinhado nosso).

Destas decisões jurisprudenciais, ressalta a ideia de que a prova de que o imóvel é destinado a habitação própria e permanente de um sujeito passivo ou do seu agregado familiar depende, fundamentalmente, da demonstração de determinados “factos-indice” que permitam justificar que o centro de vida do sujeito passivo se situa naquele espaço/local.

Ora, entende este Tribunal, como, aliás, já se referiu acima, que, relativamente ao imóvel alienado (“imóvel de partida”), esta demonstração foi feita de forma clara, pelo que se deve considerar que o mesmo se destinava e estava a afecto a habitação própria e permanente dos ora Requerentes.

Devendo, por conseguinte, no caso em apreço, a realidade meramente formal decair perante a realidade material e factual.

Termos em que, ao contrário do concluído pela Requerida, na fundamentação subjacente ao acto de liquidação em crise, haverá de entender-se que os Requerentes tinham no imóvel de “partida” a sua residência própria e permanente e que o reinvestimento do valor de realização, proveniente da alienação do imóvel em questão, e caso respeite as condições  previstas no art.º 10.º, n.º 5, do CIRS, especialmente as condições de afectação – a sua habitação própria e permanente - e temporais, poderá ser abrangido pela exclusão (total ou parcial) de tributação.

Neste sentido, contribuem fortemente para a formação desta convicção, o facto de aquela ser a residência fiscal dos Requerentes, de ser para lá que era enviada toda a correspondência dos Serviços da Segurança Social ou do SNS, ou ainda as diversas facturas emitidas sempre com aquela morada pelos fornecedores de bens ou serviços.

Estes factos, considerados no seu conjunto, permitem concluir que o imóvel em questão era a residência habitual e norma dos Requerentes, onde estes mantinham o centro da sua vida familiar e social.

Como se viu anteriormente, os Requerentes, adquiriram, na mesma data, um novo imóvel (acima identificada), tendo declarado, expressamente, que o destinavam a sua habitação própria e permanente.

Desta forma, foram respeitadas as condições previstas no artigo 10º nº 5 do CIRS, mais concretamente, a afectação do imóvel objecto do reinvestimento a habitação própria e permanente dos Requerentes e a concretização do reinvestimento dentro do prazo de 36 meses a contar da data da alienação do “imóvel de partida”.

Contudo, a análise da documentação constante do Processo Administrativo anexado aos presentes Autos pela Requerida, de que faz parte a escritura notarial de aquisição do imóvel objecto de reinvestimento, permite verificar que o valor de aquisição deste imóvel, foi de apenas € 120.000,00 (cento e vinte mil euros),

Isto quando o valor de alienação do chamado “imóvel de partida” foi de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros).

Ora, para este efeito, de não se ter concretizado o reinvestimento da totalidade do valor de realização, veio o nº 9 do artigo 10º do CIRS, dispor o seguinte:

“9 - No caso de reinvestimento parcial do valor de realização e verificadas as condições estabelecidas nos n.os 6 e 8, os benefícios a que se referem os n.os 5 e 7 respeitam apenas à parte proporcional dos ganhos correspondentes ao valor reinvestido.

Donde, os Requerentes, apesar de terem concretizado o reinvestimento, não terão direito à eliminação integral do valor da mais valia obtida na alienação do primeiro imóvel, devendo a mesma ser, nos termos da norma citada no parágrafo anterior, objecto de redução proporcional.

Por fim, quanto aos juros indemnizatórios pedidos pelos Requerentes, não tendo ficado demonstrado que procederam ao pagamento do imposto liquidado, não estão verificados os fundamentos previstos no artigo 43º da LGT, para o seu pagamento pela AT-

 

 

3. Decisão

Tendo o Tribunal considerado que se verifica a preterição de uma formalidade essencial, decide-se:

  • Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral e, consequentemente anular parcialmente a liquidação de IRS na proporção do valor reinvestido pelos Requerentes na aquisição de um imóvel destinado a sua habitação própria e permanente
  • Notificar a Autoridade Tributária e Aduaneira para corrigir nota de liquidação objecto do presente requerimento tendo em consideração o ora decidido;
  • Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios formulado pelos Requerentes.

 

4. Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 16.706,31 (dezasseis mil setecentos e seis euros e trinta e um cêntimos), que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

5. Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), sendo decidido que ficará dois terços a cargo da Requerida, no valor de € 816,00 (oitocentos e dezasseis euros) e um terço, no valor de € 408,00 (quatrocentos e oito euros) a cargo dos Requerentes, tendo em consideração a decisão de julgar procedente apenas parcialmente o pedido formulado pelos Requerentes.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 27 de Fevereiro de 2023

 

 

 

O Tribunal Singular

 

 

 

João Marques Pinto