Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 123/2022-T
Data da decisão: 2023-03-03  IVA  
Valor do pedido: € 40.187,62
Tema: IVA - Direito à dedução; faturas falsas; ónus da prova; serviços efetivamente prestados.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

a.RELATÓRIO

A..., LDA., titular do NIPC ..., com sede na Rua..., ..., ...-... Vila Nova de Gaia (doravante, a “Requerente”), Veio, nos termos e para os efeitos dos artigos 2.º, n.º 2, alínea a), 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1 e 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”), em conjugação com o artigo 99.º, alínea a) e o artigo 102.º, n.º 1, alínea f) e n.º 2, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, “CPPT”), requerer a constituição do tribunal arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, a “Requerida” ou “AT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade de três atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), com os n.os 2021 ... (relativa ao período de 2017-01-01 a 2017-01-31, no valor de € 11.500,02), 2021 ... (relativa ao período de 2017-06-01 a 2017-06-30, no valor de € 11.500,00) e 2021 ... (relativa ao período de 2017-11-01 a 2017-11-30, no valor de € 11.500,00), e de três atos de liquidação de juros compensatórios, com os n.os 2021 ..., no valor de € 2.090,79, 2021..., no valor de € 1.897,97 e 2021..., no valor de € 1.698,84, e bem assim, que se determine a condenação da Requerida à devolução dos montantes pagos e ao pagamento de juros indemnizatórios vencidos e vincendos.

De acordo com os artigos 5.º, n.º 2, alínea a), e 6.º, n.º 1, do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 11 de maio de 2022, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua resposta em 4 de julho de 2022.

A Requerente alega, em síntese, que as liquidações de IVA e juros compensatórios impugnadas são ilegais porquanto lhe terão sido notificadas com base em suspeitas infundadas da Requerida, no sentido de que os serviços faturados à Requerente por duas entidades – a B..., Unipessoal, Lda. (a “B...”) e a C..., Unipessoal Lda. (a “C...”), - não teriam sido efetivamente prestados, uma vez que, de acordo com o Relatório de Inspecção Tributária (“RIT”), aquelas entidades seriam desprovidas de substância e não cumpriam com obrigações declarativas, razão pela qual a Requerida resolveu negar à Requente o direito à dedução do IVA suportado nas faturas emitidas por estas entidades. Assim, ao longo do processo arbitral, procurou a Requerente demonstrar, através de documentos, primeiro, e prova testemunhal, depois, que os serviços a que aludia o RIT foram efetivamente prestados, pelo que não se justificava qualquer desconsideração de faturas nem qualquer restrição ao direito à dedução do IVA assim suportado.

Já a Requerida manteve a posição defendida no RIT, ou seja, em suma, de que a falta de substância das referidas B... e a C..., traduzida, designadamente, na falta de cumprimento de obrigações declarativas, inexistência de trabalhadores e de uma sede apropriada, constituíam indícios suficientes de falta de materialidade das operações vertidas nas faturas cujo IVA foi deduzido, justificando-se, assim, a não aceitação de tal dedução, ao abrigo do artigo 19.º, n.º 3 do Código do IVA e a liquidação adicional de IVA em conformidade.

Por despacho arbitral de 25 de outubro de 2022, foi designado o dia 8 de novembro de 2022 para realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e proceder à inquirição das testemunhas indicadas e a apresentar pela Requerente, tendo ainda sido, através desse despacho, convidada a Requerente a indicar a matéria de facto sobre a qual deveria incidir cada depoimento e prorrogado por dois meses o prazo para emissão e notificação da decisão arbitral, nos termos e para os efeitos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT.

Por requerimento de 4 de novembro de 2022, veio a Requerente aos autos indicar a matéria de facto sobre a qual incidiria cada depoimento.

Na aludida reunião e inquirição de testemunhas realizada em 8 de novembro de 2022, a Requerida não colocou quaisquer questões às testemunhas, tendo as mesmas sido inquiridas, apenas, pela Requerente e pelo signatário.

No final da inquirição, tendo o signatário entendido que seria relevante para o completo esclarecimento dos factos que a Requerente apresentasse, como testemunha, a pessoa que em concreto teria executado os serviços em nome e por conta da B... e da C..., foi a Requerente convidada a fazê-lo, num prazo de 20 dias.

Tendo a Requerente logrado encontrar a referida pessoa, designou-se o dia 21 de dezembro de 2022 para a respetiva inquirição, a qual decorreu nessa data, tendo apenas a Requerente inquirido a testemunha em causa.

Na sequência de tal inquirição, foram as partes convidadas a apresentar alegações finais escritas, sucessivas, no prazo de 15 dias e, em consequência, atendendo também às férias judiciais que entretanto se iniciavam, determinou-se a prorrogação do prazo para a prolação da presente decisão por dois meses adicionais, nos termos de artigo 21.º, n.º 2, do RJAT.

***

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Não foram identificadas nulidades no processo. 

 

b.QUESTÃO A DECIDIR

Em suma, a questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se a B...  e a C... prestaram efetivamente  à Requerente os serviços referidos em três faturas (i.e., quanto à B..., as faturas n.os FA 2017/2 e FA 2017/25 e, quanto à C..., a fatura n.º FA 2017/1) cujo IVA foi deduzido pela Requerente (caso em que a exclusão, operada pela Requerida, do direito à dedução do IVA suportado pela Requerente nessas faturas  estará ferida de violação de lei, o que inquina a validade das liquidações adicionais impugnadas) ou se, pelo contrário, tais serviços não foram prestados, caso em que, com fundamento no disposto no artigo 19.º, n.º 3 do Código do IVA, terá andado bem a Requerida ao não aceitar a dedução de IVA e emitir as liquidações de imposto e juros aqui em crise.

c.MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

  1. Com interesse para a decisão da causa deram-se como provados os seguintes factos:

a)A Requerente presta serviços de gestão de projeto; revisão e compatibilização dos projetos com vista à obtenção da versão de projeto ótima para execução; apoio aos licenciamentos junto das entidades oficiais envolvidas nas obras; desenvolvimento de todo o processo de lançamento de concursos e consultas ao mercado para seleção dos empreiteiros, instaladores e fornecedores para a realização da obra, análise de propostas, realização de reuniões de negociação; gestão, coordenação e fiscalização da obra (gestão e coordenação dos diversos empreiteiros e fornecedores, gestão da assistência técnica à obra por parte da equipa projetista, controlo de custos, controlo de prazos, controlo de conformidade e controlo administrativo); coordenação de segurança em obra; apoio à obtenção de todas as licenças finais de utilização e exploração após conclusão da obra;

b)A Requerente iniciou a sua atividade em 02/02/2013;

c)A estrutura da Requerente assenta numa base estável de trabalhadores, bem como numa carteira de prestadores de serviços, individuais e empresas, aos quais recorre quando tem necessidade dos seus serviços, designadamente para efeitos de confirmação de medições e elaboração de mapas de materiais.

d)No ano de 2017 a Requerente pagou aos seus 39 prestadores de serviços técnicos um valor global de € 791.471,79.

  1. Entre esses prestadores de serviços contaram-se as sociedades B... e C... .
  2. A B... emitiu à Requerente, no exercício de 2017, as seguintes faturas, com a descrição e valores delas constantes:

 

 

 

 

  1. A C... emitiu à Requerente, no exercício de 2017, a seguinte fatura:

 

 

 

  1. As três faturas acima aludidas foram pagas pela Requerente às sociedades emitentes e registadas na sua contabilidade.
  2. A ação inspetiva interna, de âmbito parcial – IRC e IVA – que foi conduzida pela Requerida à Requerente, e que resultou na emissão das liquidações impugnadas, incidiu sobre os elementos contabilísticos referentes ao ano de 2017.
  3. Tal inspeção tributária teve origem num procedimento de inspeção relativo à já referida sociedade B..., no qual os Serviços de Inspecção concluíram pela existência de indícios de que tal sociedade teria emitido faturas que não corresponderiam a operações comerciais efetivas.
  4. A B... foi notificada pela Requerida para exibir a contabilidade relacionada com a atividade que exerceu no ano de 2017, não tendo dado cumprimento à notificação e, por conseguinte, não apresentando os elementos da sua contabilidade e respetivos documentos de suporte;
  5. Da informação relativa à B... anexa ao relatório de inspeção, constante do PA, resulta o seguinte:

8. A sociedade B... foi notificada em 23-07-2019, para exibir a contabilidade relacionada com a atividade que exerceu nos anos de 2017 e 2018, não tendo dado cumprimento à notificação e, por conseguinte, não apresentando os elementos da sua contabilidade e respetivos documentos de suporte;

9. No posterior contacto com o atual sócio-gerente da sociedade, D..., recolhemos declarações que indiciam que este não é o verdadeiro responsável pelas operações desenvolvidas pela sociedade, denotando nem sequer possuir informações essenciais relacionadas com o normal desenvolvimento da atividade da sociedade, identificando frequentemente o sr. E... como a pessoa que gere os contactos comerciais e financeiros da empresa. Não apresentou qualquer justificação para a não exibição dos documentos da sua contabilidade, não conseguindo indicar a localização dos documentos da empresa, apenas que estavam com o contabilista, apesar de não saber o seu nome nem o local onde este desenvolve a sua atividade;

10. A análise efetuada às contas bancárias da sociedade também não foi conclusiva. Para além de não refletirem movimentos financeiros consentâneos com o volume de negócios

declarado na sua contabilidade, não apuramos a existência de pagamentos efetuados sob

a forma de transferência bancária. Os levantamentos em numerário existentes, foram

efetuados pelos sócios-gerentes da sociedade”.

  1. Na sequência do relatório de inspeção emitido em relação à Requerente, foi esta notificada das liquidações adicionais de IVA com os n.os 2021 ... (relativa ao período de 2017-01-01 a 2017-01-31, no valor de € 11.500,02), 2021 ... (relativa ao período de 2017-06-01 a 2017-06-30, no valor de € 11.500,00) e 2021 ... (relativa ao período de 2017-11-01 a 2017-11-30, no valor de € 11.500,00), e de três atos de liquidação de juros compensatórios, com os n.os 2021 ..., no valor de € 2.090,79, 2021 ..., no valor de € 1.897,97 e 2021 ..., no valor de € 1.698, por exclusão do direito à dedução do IVA contido nas faturas emitidas pela B... e pela C..., sendo a legalidade de tais liquidações o objeto último do presente pedido de pronúncia arbitral.
  2. As liquidações impugnadas foram pagas.
  3. Durante o exercício de 2017, E... atuava em nome e por conta da B..., prestando serviços em representação da mesma, conforme expressamente resultou do depoimento do próprio.
  4. Nesse exercício, E... era sócio único da C... e atuava em nome e por conta dessa sociedade, prestando serviços em representação da mesma, conforme expressamente resultou do depoimento do próprio.
  5. A C... não procede à entrega de declarações periódicas de IVA desde o 4.º trimestre de 2013, nem de declarações de rendimentos modelo 22 de IRC desde o ano de 2013, tendo apresentado declarações de retenção de IRS (DMR) apenas até outubro de 2014.
  6. A fatura emitida a favor da Requerente, no montante de €61.500,00, não foi comunicada pela C... à AT.
  7. Durante o ano de 2017, a Requerente contratou, através de E..., a B... para lhe prestar serviços de consultoria, fiscalização e engenharia (designadamente através de medições e elaboração de relatórios) em diversas obras cuja fiscalização ou elaboração de projetos foi adjudicada à Requerente por clientes finais.
  8. Assim relativamente às obras abaixo elencadas, E... prestou à Requerente os seguintes serviços:
  1. Ampliação do Centro Comercial ...– elaboração do mapa de trabalhos e quantidades (MTQ), incluindo a revisão/verificação das medições de projeto;
  2. Projetos de especialidades ... Loures Shopping – elaboração do mapa de trabalhos e quantidades (MTQ), incluindo a revisão/verificação das medições de projeto;
  3. Fiscalização da obra do ... Constituição – verificação da conformidade da execução dos trabalhos em curso no âmbito da engenharia civil, através de visitas à obra, com controlo e análise da qualidade e o desenvolvimento das obras realizadas pela empreiteira, através de controlo, inspeção e ensaio dos materiais utilizados, processos, soluções técnicas e equipamentos utilizados pela empreiteira, através de comparação com o contrato de empreitada, disposições legais aplicáveis e boas práticas de construção, tendo sido elaborados relatórios semanais por E...;
  4. Fiscalização da obra do ... Rio Tinto – verificação da conformidade da execução dos trabalhos em curso no âmbito da engenharia civil, através de visitas à obra, com controlo e análise da qualidade e o desenvolvimento das obras realizadas pela empreiteira, através de controlo, inspeção e ensaio dos materiais utilizados, processos, soluções técnicas e equipamentos utilizados pela empreiteira, através de comparação com o contrato de empreitada, disposições legais aplicáveis e boas práticas de construção, tendo sido elaborados relatórios semanais por E...;
  5. Fiscalização da obra do ... Vilar do Paraíso – verificação da conformidade da execução dos trabalhos em curso no âmbito da engenharia civil, através de visitas à obra, com controlo e análise da qualidade e o desenvolvimento das obras realizadas pela empreiteira, através de controlo, inspeção e ensaio dos materiais utilizados, processos, soluções técnicas e equipamentos utilizados pela empreiteira, através de comparação com o contrato de empreitada, disposições legais aplicáveis e boas práticas de construção, tendo sido elaborados relatórios semanais por E...;
  6. Fiscalização da obra da ... Coimbra II – verificação da conformidade da execução dos trabalhos em curso no âmbito da engenharia civil, através de visitas à obra, com controlo e análise da qualidade e o desenvolvimento das obras realizadas pela empreiteira, através de controlo, inspeção e ensaio dos materiais utilizados, processos, soluções técnicas e equipamentos utilizados pela empreiteira, através de comparação com o contrato de empreitada, disposições legais aplicáveis e boas práticas de construção, tendo sido elaborados relatórios semanais por E...;
  7. Fiscalização da obra da Loja ... Fátima – verificação da conformidade da execução dos trabalhos em curso no âmbito da engenharia civil, através de visitas à obra, com controlo e análise da qualidade e o desenvolvimento das obras realizadas pela empreiteira, através de controlo, inspeção e ensaio dos materiais utilizados, processos, soluções técnicas e equipamentos utilizados pela empreiteira, através de comparação com o contrato de empreitada, disposições legais aplicáveis e boas práticas de construção, tendo sido elaborados relatórios semanais por E...;
  8. Fiscalização da obra do Hotel ..., Chaves – verificação da conformidade da execução dos trabalhos em curso no âmbito da engenharia civil, através de visitas à obra, com controlo e análise da qualidade e o desenvolvimento das obras realizadas pela empreiteira, através de controlo, inspeção e ensaio dos materiais utilizados, processos, soluções técnicas e equipamentos utilizados pela empreiteira, através de comparação com o contrato de empreitada, disposições legais aplicáveis e boas práticas de construção, tendo sido elaborados relatórios semanais por E...;
  9. Fiscalização da obra do ... Loures Shopping – verificação da conformidade da execução dos trabalhos em curso no âmbito da engenharia civil, através de visitas à obra, com controlo e análise da qualidade e o desenvolvimento das obras realizadas pela empreiteira, através de controlo, inspeção e ensaio dos materiais utilizados, processos, soluções técnicas e equipamentos utilizados pela empreiteira, através de comparação com o contrato de empreitada, disposições legais aplicáveis e boas práticas de construção, tendo sido elaborados relatórios semanais por  E...
  10. Fiscalização da obra da loja ...- Alfornelos, Amadora – verificação da conformidade da execução dos trabalhos em curso no âmbito da engenharia civil, através de visitas à obra, com controlo e análise da qualidade e o desenvolvimento das obras realizadas pela empreiteira, através de controlo, inspeção e ensaio dos materiais utilizados, processos, soluções técnicas e equipamentos utilizados pela empreiteira, através de comparação com o contrato de empreitada, disposições legais aplicáveis e boas práticas de construção, tendo sido elaborados relatórios semanais por E...; e,
  11. Fiscalização da obra do ..., Lavra – verificação da conformidade da execução dos trabalhos em curso no âmbito da engenharia civil, através de visitas à obra, com controlo e análise da qualidade e o desenvolvimento das obras realizadas pela empreiteira, através de controlo, inspeção e ensaio dos materiais utilizados, processos, soluções técnicas e equipamentos utilizados pela empreiteira, através de comparação com o contrato de empreitada, disposições legais aplicáveis e boas práticas de construção, tendo sido elaborados relatórios semanais por E... .
  1. Os serviços acima referidos foram executados por E... em representação da B... .
  2. Também em 2017 e também através de E..., a Requerente contratou a C... para lhe prestar serviços de medições e revisão de medições e elaboração de relatórios em várias obras cuja execução, gestão, fiscalização ou elaboração de projetos foi adjudicada à Requerente por clientes finais.
  3. Assim relativamente às obras abaixo elencadas, E... prestou à Requerente os seguintes serviços:
  1. Ampliação e remodelação do Entreposto de Logística ... (Base de Alcanena) – elaboração do mapa de trabalhos e quantidades (MTQ), incluindo a revisão/verificação das medições de projeto;
  2. Fiscalização da obra do ... Braga – verificação da conformidade da execução dos trabalhos em curso no âmbito da engenharia civil, através de visitas à obra, com controlo e análise da qualidade e o desenvolvimento das obras realizadas pela empreiteira, através de controlo, inspeção e ensaio dos materiais utilizados, processos, soluções técnicas e equipamentos utilizados pela empreiteira, através de comparação com o contrato de empreitada, disposições legais aplicáveis e boas práticas de construção, tendo sido elaborados relatórios semanais por E...;
  3. Construção da Loja ... Restelo – elaboração do mapa de trabalhos e quantidades, incluindo a revisão/verificação das medições de projeto; e,
  4. Construção do ... Matosinhos Sul – elaboração do mapa de trabalhos e quantidades.
  1. Os serviços prestados e acima referidos foram executados por E... em representação da C... .
  2. E... sempre se apresentou como representante de qualquer daquelas sociedades no relacionamento com a Requerente e na execução dos trabalhos contratados.
  3. E... dispunha de todas as informações, incluindo bancárias, sobre a B... e a C... que lhe foram solicitadas pela Requerente.
  4. Foi E... quem apresentou fisicamente à Requerente as faturas emitidas pela B... e pela C... .
  5. E... esteve presente em obra e em reuniões na presença de vários funcionários da Requerente, incluindo os que foram inquiridos como testemunhas no presente processo arbitral.
  6. E... assinou diversos relatórios e autos de medição entregues pela Requerente a clientes finais (entre os quais se encontram grandes empresas nacionais) como parte dos serviços por si prestados.

 

A.2. Factos dados como não provados

Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados.

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada 

  1. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).  
  2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art. 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). 
  3. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos, bem como a extensa prova testemunhal produzida, consideraram-se provados ou não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados. 
  4.  Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

d.DO DIREITO

A decisão a proferir no presente processo assentará essencialmente na prova produzida quanto aos factos, não implicando um exercício de interpretação jurídica especialmente denso. Na verdade, o tema jurídico já foi objeto de várias decisões arbitrais e judiciais, com contornos factuais mais ou menos semelhantes aos que deram origem ao presente processo e produção de prova mais ou menos impressiva do que aquela que se fez in casu.

 

Seguiremos, portanto, a estrutura típica dessas mesmas decisões (de que são exemplos as decisões arbitrais proferidas relativamente aos processos arbitrais n.os 201/2018-T e 369/2018-T), iniciando o percurso por uma breve análise da natureza e amplitude do direito à dedução do IVA,  passando pelas regras de repartição do ónus da prova e terminando com a aplicação do bloco de princípios e regras descrito ao caso concreto. 

 

  1. Do Direito à Dedução

 Como se mencionou na decisão arbitral do CAAD no processo n.º 767/2016-T, “[o] direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado, exercendo-se imediatamente em relação à totalidade do IVA que incidiu sobre as operações a montante.

 Nesta acepção do princípio da neutralidade, o regime instituído pela DIVA permite aos sujeitos passivos deduzir o IVA que tenha onerado as aquisições de bens e serviços destinados à atividade tributada. […]

 

Como requisitos subjetivos do exercício do direito à dedução do imposto determina-se, nomeadamente, que os bens e serviços deverão estar diretamente relacionados com o desenvolvimento de uma atividade económica. Com efeito, de acordo com a DIVA, no artigo 168.º (transposto, em parte, pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA), o sujeito passivo pode deduzir o IVA suportado no Estado membro em que se encontra estabelecido, nas transmissões de bens e prestações de serviços, assim como operações assimiladas nas aquisições intracomunitárias de bens e nas importações ali localizadas, desde que «os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas (…)» (sublinhado nosso).

[…]

No que diz respeito aos regimes de dedução de IVA, o TJUE tem vindo a considerar que o direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do próprio imposto, que não pode em princípio ser limitado, e que se exerce em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante, sublinhando ainda que «toda e qualquer limitação do direito à dedução tem incidência ao nível da carga fiscal e deve aplicar-se de modo semelhante em todos os Estados-Membros. Em consequência, só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela Directiva»”.

 

 Noutra vertente, e tendo em vista profusa jurisprudência do TJUE sobre o tema,[1] também o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a reiterar a natureza essencial do direito à dedução do IVA suportado a montante, enquanto meio de concretizar a neutralidade do imposto, o que impõe que todas as restrições ao direito de dedução sejam interpretadas de forma restritiva e reduzidas ao mínimo – assim, por exemplo, os Acórdãos do STA proferidos nos processos n.os 0199/09, de 8 de julho de 2009 e 0209/04.8BEALM, de 4 de novembro de 2020.

Ora, é esta essencialidade do direito à dedução no mecanismo de funcionamento do IVA que justifica que a lei i) imponha particulares cuidados à administração fiscal nos casos em que pretenda negar esse direito aos contribuintes e que, ii) por outro lado, preveja mecanismos, como os do artigo 19.º n.º 3 do Código do IVA, que visam que o sistema não seja utilizado de forma abusiva, invertendo o ónus da prova da materialidade das operações nos casos em que a Autoridade Tributária demonstre indícios de provável falta de correspondência entre a realidade e a descrição das faturas que originariam o direito à dedução.

 

  1. Da recusa do direito à dedução do IVA em negócio simulado e a inversão do ónus da prova

 

No caso dos presentes autos, o RIT e a Resposta da Requerida são claros ao explicitar que a AT qualifica como falsas as faturas emitidas pela B... e C... à Requerente, alegando ser objetivamente simulado o negócio subjacente, recorrendo, por isso mesmo, ao n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA, de modo a obstar à dedução, pela Requerente, do IVA mencionado em tais faturas.

 

Ora, a alegação de simulação em negócios relativamente aos quais os contribuintes pretendam deduzir IVA tem, como se referiu acima, reflexos nas regras de distribuição de ónus da prova do direito à dedução, tema sobre o qual a jurisprudência portuguesa tem sido chamada a pronunciar-se por diversas vezes, como sucedeu, por exemplo, no Acórdão do STA de 17 de Fevereiro de 2016, no processo n.º 591/15, cuja doutrina foi retomada no Acórdão do mesmo Supremo Tribunal 16 de março de 2016, relativo ao processo n.º 0587/15, em que se refere que “como a jurisprudência do STA tem unanimemente afirmado, apesar de, atendendo ao princípio da legalidade administrativa, impender sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a desconsiderar fiscalmente (não aceitando a respectiva dedução) o montante do IVA incluído em facturas correspondentes a transacções que considere não se terem realizado, basta para legitimar essa actuação da AT (ao abrigo do nº 3 do art. 19º do CIVA) a existência de indícios sérios de que as operações tituladas por tais facturas não são verdadeiras, cabendo depois ao contribuinte demonstrar que o são.

E reiterando-se tal entendimento, é de concluir que cabe à AT «o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade[…]

Sobre esta matéria escreveu-se no Acórdão do STA, de 24/4/2002, Rec. 0102/02:

«Ora, como quem tem a seu favor uma presunção estabelecida na lei está dispensado da prova do facto presumido (cfr. os arts. 349° e 350° do CCivil), a recorrente, tendo a sua escrita organizada conforme as exigências legais, não precisa de provar que são verdadeiros os dados decorrentes.

A não ser que se verifiquem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva.

Quer dizer, a presunção cessa quando, estando, embora, a escrita ou contabilidade organizada de acordo com a lei, enferme de erros ou inexactidões, ou haja “indícios fundados” de que, apesar da sua correcta organização, não reflecte a matéria tributável efectiva.

Cabe nesta previsão, claramente, o caso de a contabilidade, impecavelmente organizada, se avaliada do ponto de visto técnico-contabilístico, no entanto omitir operações efectuadas; e cabe o caso inverso - o de incluir operações não efectuadas. Este último é aquele que correntemente se vem chamando de “facturas falsas”, isto é, a contabilidade considera (e trata de forma contabilisticamente correcta) documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem, na verdade, não tiveram lugar.[…]

 

[N]o caso vertente, a Administração Fiscal não actuou baseada na existência de qualquer facto tributário, nomeadamente, liquidando o correspondente imposto. Antes, obstou ao exercício, por parte da recorrente, do seu direito à dedução do IVA constante das facturas em causa, baseada no entendimento de que, face aos indícios recolhidos, não se teriam, realmente, realizado as operações comerciais que tais facturas, supostamente, titulavam.

 

Como assim, o caso, aqui, é diverso, também para os efeitos de saber a quem cabe provar a ocorrência dos factos em que assenta o direito à dedução: é a recorrente quem se arroga um direito que pretende exercer - o direito à dedução do IVA -, que não é reconhecido pela Administração Fiscal.

 

Destarte, não é a Administração que afirma um facto positivo com consequências tributárias - é o contribuinte que invoca o seu direito à dedução do IVA pago a montante. Por isso, é ele quem deve provar a verificação dos pressupostos em que assenta tal direito.

 

E volvendo, então, à concreta situação dos autos, há, portanto, que concluir que a AT, para proceder a correcções decorrentes da não aceitação da dedução do IVA mencionado nas facturas relativamente às quais considerou que as transacções nelas mencionadas não correspondem à realidade, não tinha de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. Antes lhe bastando provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente(cit., sublinhados do signatário).

 

Pelo que cumpre aferir, no caso concreto, se cada um dos intervenientes cumpriu ou não o ónus probatório que lhe competia: a Requerida quanto à probabilidade de simulação ou inexistência das operações tituladas pelas faturas que lhe permite desconsiderar o IVA deduzido ao abrigo do artigo 74.º da LGT; e, em caso afirmativo, se logrou ou não a Requerente afastar a presunção, provando a veracidade dessas operações, circunstância em que fica demonstrado o seu direito à dedução e, em consequência, a ilegalidade das liquidações adicionais de imposto e juros notificadas e aqui em crise.

 

  1. Análise do caso concreto

 

 Entende a Requerida que as faturas emitidas pela B... e pela C... à Requerente não correspondem a operações reais, ou seja, que se trata de operações simuladas, pelo que, de acordo com o número 3 do artigo 19.º do Código do IVA, a Requerente não poderia ter deduzido o imposto relativo a estas operações.

Comecemos por nos referir ao ónus da prova no âmbito das correções em análise.

Como tem sido realçado reiterada e uniformemente pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a que nos referimos na secção anterior, quando a AT desconsidera faturas que considera falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova previstas no artigo 74.º da LGT, competindo a esta fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante das faturas não corresponde à realidade. Em consequência, passa então a incidir sobre o sujeito passivo do imposto o ónus probatório da veracidade da transação.

 

Ora, da análise dos factos dados como provados, consideramos admissível a posição  de partida da Requerida, que  tinha, a priori, razões para obstar à dedutibilidade do IVA: o incumprimento de obrigações declarativas e de comunicação de faturas, a inexistência de uma sede e trabalhadores, a falta de informação publicamente disponível sobre a B..., a C... e até sobre a pessoa – Eng.ºE...– que em concreto teria executado os serviços contratados, a ausência de respostas daquelas entidades a pedidos de esclarecimento efectuados pela AT, primeiro, e até pela Requerente (quando mais tarde esta foi confrontada com o RIT que propunha as liquidações adicionais de IVA com base em tais fundamentos), parecem indícios mais do que suficientes da inexistência das operações e de que era plausível que se tratasse de faturas falsas.

 

Assim, nos termos e para os efeitos da norma resultante das disposições conjugadas do 19.º, n.º 3 do Código do IVA, 74.º e 75.º, n.º 2 alínea a) da LGT e 342.º, n.º 1 do Código Civil afigura-se claro que é de concordar com a afirmação da Requerida no parágrafo 89 da sua Resposta, no qual se pode ler que “resulta claro que a AT deu integral cumprimento ao ónus que sobre si impendia, e que a obrigava a reunir indícios fundados, relevantes e suficientes de que as facturas emitidas pelas Sociedades “B..., UNIPESSOAL, LDA” e “C..., unipessoal, Lda” e registadas na contabilidade da Requerente, e cujo IVA nelas liquidado deduziu, não titulavam serviços efectivamente prestados por aquela sociedade” (sublinhados do signatário).

 

Contudo, a reunião desses indícios, fundados, relevantes e suficientes, não chega para negar provimento ao pedido da Requerente, uma vez que esta logrou produzir prova perfeitamente convincente no entender deste Tribunal da materialidade das operações que a Requerida coloca em causa.

 

É que, ao contrário do que se refere no parágrafo 90  da Resposta da Requerida, se é certo que a Requerida, no RIT, criou dúvida séria sobre a veracidade das operações tituladas pelas faturas, facto é que, além da documentação junta aos autos, tanto nos depoimentos prestados previamente à emissão das liquidações (transcritos na Resposta) como nos depoimentos prestados na audiência de inquirição de testemunhas que teve lugar no presente processo, as diversas testemunhas descreveram com muito detalhe os trabalhos executados pelo Eng.º E... em nome da B... e da C... e titulados pelas faturas em causa, descreveram a própria pessoa, o seu relacionamento contratual com a Requerente e a forma como executava tais serviços, o regime de faturação adotado e outros elementos circunstanciais de facto que criaram no Tribunal uma convicção lógica, fundada e racional sobre a real prestação dos serviços descritos nas faturas.

 

Esta convicção tornou-se mais profunda e motivada com a  apresentação subsequente ao Tribunal do Eng.º E..., que confirmou a execução dos serviços e os explicou com detalhe, tendo explicado ainda a sua relação com as empresas emitentes das faturas –B... e C...– em termos que pareceram perfeitamente plausíveis à luz de um juízo de probabilidade e razoabilidade que é pedido a este Tribunal em matéria de apreciação de prova, desde logo pela coerência com os outros elementos de prova – de resto nunca postos em causa em audiência pela Requerida

 

Ou seja, a Requerente produziu prova do contrário relativamente aos factos-índice alegados pela Requerida, sendo certo que a Requerida se absteve de procurar contraditar os depoimentos obtidos, não colocando quaisquer questões a qualquer das testemunhas apresentadas pela Requerente.

 

Repare-se que, aqui chegados, no caso presente já não está em causa saber se a Requerida tinha ou não fundamentos para, em geral, desconfiar da materialidade das operações em que interviessem a B... e C..., uma vez que a Requerente provou  que os serviços titulados pelas faturas que deram origem às liquidações adicionais de IVA corresponderam à realidade. E,  assim o IVA suportado por força dos mesmos, em consequência, é considerado dedutível nos termos do artigo 19.º, n.º 1 do respetivo Código.

 

Note-se que a Requerida nunca coloca em causa que tenham existido pagamentos nem o seu valor, admitindo mesmo, na Resposta, que os pagamentos são reais – v. parágrafos 13 e 19 da Resposta – nem fundamenta as liquidações adicionais em qualquer outra potencial ilegalidade cometida no direito à dedução.

 

Demonstrada a veracidade das operações em termos que infirmam os indícios alegados pela Requerida, não há outra decisão possível que não seja a de conceder integral provimento ao pedido e, designadamente, anular as liquidações de IVA e juros compensatórios aqui em crise, por violação do artigo 19.º, n.º 1, do Código do IVA, com todas as legais consequências, na medida em que a Requerente logrou provar, sem margem para dúvidas, a materialidade das operações tituladas pelas faturas desconsideradas pela Requerida, sendo por isso dedutível o IVA suportado nas mesmas.

 

e.DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

A Requerente  peticionou  ainda a condenação da Requerida em juros indemnizatórios, vencidos e vincendos até à data da devolução das quantias de imposto pagas mas indevidamente liquidadas, por considerar que as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios em crise se devem a erro imputável aos serviços.

 

Nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária e artigo 61.º do CPPT “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

Entende-se por erro imputável à administração, o erro que não for imputável ao contribuinte e que assentar em errados pressupostos de facto e de direito que não sejam da responsabilidade do contribuinte.  Assim, “o direito a juros indemnizatórios abrange apenas uma das causas de responsabilidade da Administração tributária, agindo como tal: a originada pelo pagamento indevido de tributos, que lhe for imputável (...) o direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte provem, em regra geral, de um dever de indemnização da Administração tributária resultante da forçada improdutividade das importâncias desembolsadas pelo contribuinte”(cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, p. 204 e 205).

 

No caso em apreço, foi demonstrado que a Requerente procedeu ao pagamento do imposto e dos correspondentes juros compensatórios, por força das liquidações objeto do presente processo, as quais foram emitidas, como vimos, por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data em que os pagamentos se mostrem efetuados, e calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).

 

Acresce que, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação impugnados, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.

 

Assim, deverá a Requerida dar execução à presente decisão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir à Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigos. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

 

Os juros indemnizatórios são devidos desde as datas dos pagamentos efetuados até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

Conclui-se, assim, pela procedência da pretensão da Requerente também quanto ao pagamento de juros indemnizatórios.

f.DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral e, em consequência,

 

  1. Anular as liquidações de IVA com os n.os 2021 ... (relativa ao período de 2017-01-01 a 2017-01-31, no valor de € 11.500,02), 2021 ... (relativa ao período de 2017-06-01 a 2017-06-30, no valor de € 11.500,00) e 2021 ... (relativa ao período de 2017-11-01 a 2017-11-30, no valor de € 11.500,00), bem como as correspondentes liquidações de juros compensatórios, com os n.os 2021 ..., no valor de € 2.090,79, 2021..., no valor de € 1.897,97 e 2021 ..., no valor de € 1.698,84, por vício de violação de lei;
  2. Condenar a Requerida à devolução dos montantes pagos pela Requerente por força de tais liquidações;
  3. Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios vencidos e vincendos; e
  4. Condenar a Requerida nas custas do processo.

g.VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 40.187,62 € (quarenta mil, cento e oitenta e sete euros e sessenta e dois cêntimos) nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.  

h.CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142  nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.   

 

Notifique-se.

Lisboa, 3 de março de 2023

 

 

O Árbitro,

 


(João Taborda da Gama)

 



[1] Cfr., por exemplo, os acórdãos do TJUE proferidos nos casos Comissão / França, proc. 50/87; Lennartz, proc. 97/90; Gabalfrisa SL, proc. apensos C-110/98 a C-147/98; BP Soupergaz, proc. As. C-62/93; Metropol Treuhand, proc. C-409/99; Comissão / França, proc. C-243/03; Comissão / Espanha, proc. C-204/03; Centralan Property Ltd, proc. C-63/04; Halifax, proc. C-255/02; Uudenkaupungin kaupunki, proc. C-184/04; Abbey National, proc. C-408/98; Metropol e Stadler, proc. C-409/99; Bockemühl, proc. C-90/02; ou Kretztechnik, proc. C-465/03.