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DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
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Os contribuintes Fundo de Investimento Imobiliário Fechado A..., NIPC..., Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado B..., NIPC..., Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado C..., NIPC..., Fundo de Investimento Imobiliário Fechado D..., NIPC..., Fundo de Investimento Imobiliário Fechado E..., NIPC ... e Fundo de Investimento Imobiliário Fechado F..., NIPC..., doravante designados como “os Requerentes”, representados pela Sociedade G...– SGOIC, S.A., NIF..., doravante designada por “Caixa”, apresentaram, no dia 27 de Junho de 2022, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), e 10º, 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações por último introduzidas pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
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A Requerente pediu a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade de actos tributários de liquidação de IMI dos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, e de AIMI dos anos de 2018, 2019 e 2020, referentes a terrenos para construção detidos pelos Requerentes, e do indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa desses actos, apresentados pelos Requerentes a 30 de Novembro de 2021.
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Essas liquidações, perfazendo um total de €152.960,20, teriam sido emitidas com base num cálculo ilegal do VPT dos terrenos para construção, pelo que é peticionada a sua anulação parcial, com devolução do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
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O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.
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As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos arts. 11º, 1, b) e c), e 8º do RJAT, e arts. 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD.
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O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 5 de Setembro de 2022; foi-o regularmente, e é materialmente competente.
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Por Despacho de 7 de Setembro de 2022, foi a AT notificada para, nos termos do art. 17º do RJAT, apresentar resposta.
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Em Requerimento de 12 de Outubro de 2022, a Requerida solicitou o envio de documentação suplementar e a prorrogação do prazo para apresentar resposta.
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Ambas as solicitações foram deferidas por Despacho de 12 de Outubro de 2022.
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Por Requerimento de 27 de Outubro de 2022, os Requerentes juntaram aos autos a maior parte da documentação solicitada.
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Em Requerimento de 11 de Novembro de 2022, a Requerida, assinalando o facto de não ter sido junta a totalidade da documentação solicitada no Despacho de 12 de Outubro de 2022, pediu novo prazo para apresentar resposta.
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Por Despacho de 17 de Novembro de 2022, foi concedido prazo suplementar, seja para a junção da documentação em falta por parte dos Requerentes, seja para apresentação da Resposta por parte da Requerida.
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Por Requerimentos de 5 e 6 de Dezembro de 2022, foram juntos aos autos, pelos Requerentes, os documentos em falta.
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Por Despacho de 13 de Dezembro de 2022, foi concedido à Requerida um prazo suplementar para a sua Resposta, em cumprimento do determinado pelo Despacho de 17 de Novembro de 2022.
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A AT apresentou a sua Resposta em 4 de Janeiro de 2023, juntamente com o Processo Administrativo.
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Solicitados os Requerentes, por Despacho de 17 de Janeiro de 2023, a informarem se mantinham interesse na prova testemunhal, os Requerentes prescindiram dela em Requerimento de 26 de Janeiro de 2023.
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Por Despacho de 30 de Janeiro de 2023, dispensou-se a reunião prevista no art. 18º do RJAT e as partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas, indicando-se o dia 5 de Março de 2023 como data-limite para a prolação e comunicação da decisão arbitral.
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Os Requerentes apresentaram as suas alegações em 13 de Fevereiro de 2023.
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A Requerida, por Requerimento de 14 de Fevereiro de 2023, prescindiu expressamente de apresentar alegações.
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As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.
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A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
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O processo não enferma de nulidades.
II – Matéria de Facto
II. A. Factos provados
Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
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O Requerente A..., sujeito passivo em sede de IMI e AIMI, é gerido e representado pela Caixa (G...– SGOIC, S.A.).
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O Requerente B..., sujeito passivo em sede de IMI e AIMI, é gerido e representado pela Caixa (G...– SGOIC, S.A.).
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O Requerente C..., sujeito passivo em sede de IMI e AIMI, é gerido e representado pela Caixa (G...– SGOIC, S.A.).
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O Requerente D..., sujeito passivo em sede de IMI e AIMI, é gerido e representado pela Caixa (G...– SGOIC, S.A.).
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O Requerente E..., sujeito passivo em sede de IMI e AIMI, é gerido e representado pela Caixa (G...– SGOIC, S.A.).
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O Requerente F..., sujeito passivo em sede de IMI e AIMI, é gerido e representado pela Caixa (G...– SGOIC, S.A.).
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A G...– SGOIC, S.A. é uma sociedade gestora de fundos de investimento mobiliário e imobiliário, constituída em 23 de outubro de 1990, que actua como intermediário financeiro autorizado e se rege pelas disposições do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (RGOIC).
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Os Requerentes são proprietários de diversos prédios urbanos, incluindo os terrenos para construção identificados nos autos.
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Sobre esses terrenos para construção incidiu IMI e AIMI, calculados sobre o VPT dos prédios, nos termos dos arts. 8º, 113º e 135º-G, 1 do CIMI.
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O Requerente A... pagou o IMI imputável ao terreno para construção que detém, respectivamente nos valores de € 3.333,29 para 2016, € 3.333,29 para 2017, € 2.941,14 para 2018 e € 2.985,26 para 2019; e pagou o AIMI imputável a esse terreno para construção, nos valores de € 3.921,52 para 2018, € 3.921,52 para 2019 e € 3.980,34 para 2020.
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O Requerente B... pagou o IMI imputável aos terrenos para construção que detém, respectivamente nos valores de € 16.148,30 para 2016, € 13.081,20 para 2017, € 12.783,92 para 2018 e € 11.892,02 para 2019; e pagou o AIMI imputável a esses terrenos para construção, no valor de € 11.892,03 para 2018, 2019 e 2020.
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O Requerente C... pagou o IMI imputável aos terrenos para construção que detém, respectivamente nos valores de € 8.961,21 para 2016, € 6.058,73 para 2017, € 5.980,03 para 2018 e € 5.901,36 para 2019; e pagou o AIMI imputável a esses terrenos para construção, no valor de € 6.294,78 para 2018, 2019 e 2020.
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O Requerente D... pagou o IMI imputável aos terrenos para construção que detém, respectivamente nos valores de € 3.386,24 para 2016, € 2.740,67 para 2017 e € 622,77 para 2018; e pagou o AIMI imputável a esses terrenos para construção, nos valores de € 2.941,52 para 2018 e € 579,32 para 2019.
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O Requerente E... pagou o IMI imputável aos terrenos para construção que detém, respectivamente nos valores de € 19.660,15 para 2016, € 19.793,63 para 2017, € 19.779,65 para 2018 e € 19.751,74 para 2019; e pagou o AIMI imputável a esses terrenos para construção, no valor de € 21.446,83 para 2018, 2019 e 2020.
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O Requerente F... pagou o IMI imputável aos terrenos para construção que detém, respectivamente nos valores de € 4.248,28 para 2016, € 4.248,28 para 2017, € 8.830,43 para 2018 e € 11.315,36 para 2019; e pagou o AIMI imputável a esses terrenos para construção, nos valores de € 4.248,28 para 2018, € 8.830,44 para 2019 e € 11.910,92 para 2020.
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Depois de terem procedido aos pagamentos de IMI e de AIMI, os Requerentes constataram que os VPT considerados nas liquidações de IMI e AIMI se encontravam sobrevalorizados, tendo o seu apuramento resultado de uma violação das disposições legais aplicáveis, na medida em que a AT utilizou, uniformemente, uma fórmula errada de cálculo do VPT. – um erro sobre os pressupostos de direito da liquidação.
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Os Requerentes apresentaram pedidos de revisão oficiosa a 30 de Novembro de 2021, invocando o art. 129º, 1 do CIMI e os arts. 54º, 1, c) e 78º, 1, 4 e 5 da LGT, e esses pedidos foram tacitamente indeferidos (por ausência de decisão no prazo de quatro meses, em 30 de Março de 2022).
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Em 27 de Junho de 2022 os Requerentes apresentaram no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.
II. B. Matéria não-provada
Com relevância para a questão a decidir, nada ficou por provar.
II. C. Fundamentação da matéria de facto
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Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e supervenientemente.
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Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).
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Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
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Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
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Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
III. Sobre o Mérito da Causa
III. A. Posição da Requerente
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Os Requerentes sustentam, em primeiro lugar, que as liquidações em crise se basearam numa determinação ilegal do Valor Patrimonial Tributário, o VPT, e que essa determinação contamina as avaliações, também elas ilegais.
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De seguida, sustentam que a limitação de efeitos que consta do art. 130º, 8 do CIMI não pode determinar a consolidação de uma situação ilegal, nem redundar numa diminuição dos meios de garantia da defesa dos direitos dos contribuintes, aliás consagrados na Constituição – esclarecendo que, no seu entendimento, essa limitação apenas se refere à utilização dos meios previstos no art. 130º e seguintes do CIMI, não extravasando para qualquer dos meios disponíveis para correcção de ilegalidades, não sendo legal ou constitucionalmente aceitável (pense-se no art. 8º da LGT ou no art. 103º, 3 da CRP) que a reacção a uma ilegalidade fique condicionada pelo mero expediente da apresentação de reclamações contra as inscrições matriciais.
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Entendem, por isso, os Requerentes que estão intactas as garantias dos contribuintes no que respeita a reacções a ilegalidades, e permanecem abertos os meios de reacção, nos termos dos arts. 9º da LGT, 99º do CPPT e 129º do CIMI – sublinhando que na última destas normas se contém a ressalva “para além do disposto no tocante às avaliações”, indicativa que o meio de reacção previsto nos arts. 130º e seguintes do CIMI é apenas um meio adicional, não exclusivo, de reacção a ilegalidades.
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E, especificamente, propugnam a aplicação combinada do art. 115º do CIMI com o art. 78º da LGT: reconhecendo-se que, no caso em apreço, não está em causa nenhuma das alíneas do nº 1 do art. 115º do CIMI, aplicar-se-iam os fundamentos e regras estabelecidos no art. 78º da LGT, operando-se uma revisão dos actos tributários por iniciativa dos contribuintes, como tem vindo a ser reconhecido predominantemente pela doutrina e pela jurisprudência – combinadamente com o reconhecimento do dever que impende sobre a AT de corrigir oficiosamente todas as ilegalidades e erros.
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Sustentam ainda que houve erro imputável aos serviços, do qual resultou injustiça grave ou notória, estando por isso preenchidos os requisitos de um pedido de revisão oficiosa que não tenha sido apresentado no prazo de reclamação graciosa (art. 78º, 1, 4 e 6, da LGT, arts. 70º e 99º do CPPT)
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Propugnando pela interpretação lata que a jurisprudência do STA faz sobre o que seja “erro imputável aos serviços”, da qual resulta que o conceito se tem por preenchido em todas as situações em que não se vislumbre uma ilegalidade imputável ao contribuinte, os Requerentes fazem notar que a liquidação do IMI e do AIMI é feita exclusivamente pela AT, nos termos dos arts. 113º, 1 e 135º-G, 1 do CIMI, cabendo ao contribuinte somente o pagamento do imposto (arts. 120º e 135º-H do CIMI), pelo que não é assacável a este qualquer “erro” na liquidação.
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E, estando excluída a autoliquidação, lembram que passa a ser possível o pedido de revisão oficiosa não precedido de uma reclamação graciosa (art. 131º, 1 do CPPT).
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Os Requerentes citam em seu apoio jurisprudência arbitral, e, no que especificamente se refere à anulação de liquidações de IMI (e de AIMI) assentes num VPT ilegalmente apurado, convocam o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 2765/12.8BELRS, de 31-10-2019:
“Ora, ultrapassada que está actualmente a questão de saber se a iniciativa de revisão pela administração pode ser desencadeada a impulso do interessado, da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços. O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas. Erro esse que, independente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão ao abrigo do n.º 4 do normativo em questão, se o n.º 1 não fosse inteiramente aplicável. O que reforça o entendimento de que o direito que a recorrida reclamou, de ver as últimas quatro liquidações anteriores à reclamação serem anuladas, ter pleno apoio legal”
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Os Requerente sustentam, pois, o seu direito à revisão oficiosa, nos termos do art. 78º, 1 da LGT, no prazo de 4 anos.
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Sustentam ainda que ocorreu injustiça grave e notória, para os efeitos do art. 78º, 4 e 5 da LGT, com liquidações excessivas de montantes avultados, assentes num VPT manifesta e persistentemente errado, o que permitiria um pedido subsidiário, no prazo de 3 anos.
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Daí concluem os Requerentes pela tempestividade e adequação do meio empregue, nomeadamente a apresentação do pedido de revisão oficiosa, nos termos tanto do nº 1 como dos n.os 4 e 5 do art. 78º da LGT, pedido que acabou por presumir-se ter sido tacitamente indeferido.
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Sobre a possibilidade de reacção, em sede de pronúncia arbitral e no prazo de 90 dias (arts. 102º, 1, a) do CPPT e 10º, 1, a) do RJAT), contra esse indeferimento tácito, os Requerentes reiteram a posição, hoje pacífica na jurisprudência e na doutrina, de que o indeferimento tácito é uma ficção jurídica destinada a possibilitar ao interessado o acesso aos tribunais, para obter tutela para os seus direitos ou interesses legítimos, nos casos de inércia da administração tributária sobre pretensões que lhe foram apresentadas; inércia traduzida, no caso, na não prolação de decisão sobre tais pretensões, no prazo estabelecido, em infracção ao dever legal de decidir (com referência à conjugação do art. 102º, 1, d) do CPPT com o art. 10º do RJAT e com o art. 57º, 5 da LGT).
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Por outro lado, os Requerentes lembram o enquadramento legal vigente até 31 de Dezembro de 2020 quanto ao cálculo do VPT – logo o regime em vigor à data dos factos, o art. 45º, 2 do CIMI –, para sublinharem o quanto, no entender deles, as liquidações em crise se afastaram desse regime legal, envolvendo uma remissão para a fórmula de cálculo dos arts. 38º, 39º e 42º do CIMI e para coeficientes de qualidade, conforto e localização, ou para “valores base de prédios edificados”, o que a lei não previa nem autorizava, e reservava, como é patente, para prédios já edificados – daí resultando distorções de avaliação, e nomeadamente duplicação de critérios.
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Terminam pedindo a anulação das liquidações, a devolução do que foi pago e o pagamento, pela AT, de juros indemnizatórios (estes, nos termos dos arts. 24º, 5 do RJAT, 43º da LGT e 61º, 1, a) do CPPT).
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Em alegações, os Requerentes recapitulam os factos e reiteram os argumentos jurídicos. Quanto ao que é invocado pela Requerida na sua Resposta, os Requerentes:
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Admitem que do que se trata é de impugnar as liquidações, e não os actos de fixação do VPT – e impugná-las por existir um erro que as torna grave e notoriamente injustas.
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Sustentam que não subsistem dúvidas quanto à possibilidade de apreciação, por tribunais arbitrais, da ilegalidade de indeferimentos de pedidos de revisão de actos de liquidação, e da própria ilegalidade desses actos.
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Reiteram o entendimento jurisprudencial de que a natureza destacável dos actos de fixação do VPT não obsta ao seu questionamento através dos meios de defesa do procedimento administrativo (lembrando o acórdão do TCAS, de 31 de Outubro de 2019 – Processo n.º 2765/12.8BELRS: “A errada fixação do VPT, em 2003, pode ser arguida através do pedido de revisão oficiosa das liquidações, nos termos conjugados dos artigos 78.º da LGT e 115.º do CIMI, ainda que o contribuinte não tenha reagido atempadamente contra essa fixação”).
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Sustentam a tese de que o art. 115º do CIMI, conjugado com o art. 78º da LGT, é uma “válvula de escape” contra a perpetuação de ilegalidades pela via da “consolidação” de actos ilegais.
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Lembram que o pedido de revisão oficiosa foi tempestivamente apresentado.
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Sustentam ser um equívoco a invocação do prazo de anulação administrativa de 5 anos, nos termos do art. 168º, 1 do CPA, porque este só se aplicaria na ausência de normas específicas, que existem para o caso, nomeadamente o art. 78º da LGT – sendo que o CPA é meramente subsidiário, como resulta do art. 2º, a) da LGT.
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Afastam a ideia de que seja necessário qualquer recurso à equidade, dada a suficiência do enquadramento legal para resolver o litígio.
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Invocam a Instrução de Serviço n.º .../2021, de 05.04.2021, da Direcção de Serviços de Justiça Tributária da AT, para alegarem que a AT está a incumprir as suas próprias orientações gerais, destacando daquela Instrução de Serviço o seguinte:
“A intenção de a AT adaptar a sua atuação à jurisprudência do STA e dos tribunais centrais administrativos no que concerne à determinação do VPT dos terrenos para construção a qual deve ser efetuada de acordo com a regra constante do artigo 45.º do Código do IMI, não podendo ser considerados os coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI, como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e de conforto;
- nos processos e procedimentos pendentes, assim consideradas as situações de litígio entre os contribuintes e a administração tributária (...) a AT profira despacho favorável ao contribuinte nos procedimentos de contencioso administrativo pendentes de decisão e promova, nos termos e nos prazos previstos no artigo 112.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pela revogação do ato impugnado nos processos de impugnação judicial, bem assim que na pendência da impugnação judicial observe o que resulta da «Instrução n.º 15 – Divulgação de entendimento quanto à revisão oficiosa de ato tributário impugnado judicialmente»;
- que seja proferida decisão favorável aos contribuintes nos processos e procedimentos pendentes, nos termos explicitados, e que seja promovida a correção (anulação parcial) dos atos de liquidação que constituem o objeto do litígio entre os contribuintes e a administração tributária (…), cumprindo o desígnio legal de “reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”, conforme disposto no artigo 100.º da Lei Geral Tributária”
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Os Requerentes terminam as Alegações reiterando o seu pedido de anulação das decisões de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa e de anulação das liquidações às quais os pedidos de revisão se reportavam, de devolução da quantia indevidamente paga, e de pagamento de juros indemnizatórios.
III. B. Posição da Requerida
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Na sua resposta, a Requerida assinala um equívoco nos argumentos da Requerente: no seu entender, o que os Requerentes contestam não é a liquidação, mas exclusivamente o acto de fixação do VPT, que seria um acto destacável, insusceptível de impugnação através do acto de liquidação.
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A Requerida reconhece que não há litígio quanto à forma de cálculo aplicável para determinar o VPT dos terrenos para construção, visto que a AT já acolheu o entendimento preconizado pelos tribunais superiores, no sentido de que, na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45º do CIMI e não outra, não sendo considerados, portanto, os coeficientes previstos na expressão matemática do art. 38º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto.
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O litígio concentra-se, antes, na perspectiva da Requerida, noutros cinco pontos:
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Não estar prevista a revisão oficiosa de actos de avaliação, nomeadamente do VPT (porque não são actos tributários nem actos de apuramento de matéria tributável, os únicos a que se aplica o art. 78º da LGT);
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Ter ocorrido a consolidação do acto que fixou o VPT, com força de caso julgado (já que não se requereu oportunamente uma 2ª avaliação, a forma idónea de lidar com erros de fixação do VPT);
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Não poder impugnar-se o VPT através de liquidações nele assentes (sob pena de se violar o princípio do pedido, art. 609º, 1 do CPC, ex vi art. 29º do RJAT);
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Intempestividade nos termos do art. 78º da LGT, mesmo que alguma das situações anteriores não se verificasse (entendendo a AT que estaríamos aqui limitados por um prazo de 3 anos);
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Ultrapassagem do prazo de 5 anos para a anulação do acto, mesmo que esta hipótese fosse encarada (invocando-se os arts. 2º, c) e 79º da LGT, e os arts. 165º, 168º e 174º do CPA).
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A Requerida sustenta que, a chegar o tribunal a uma decisão favorável aos Requerentes, o pedido de reembolso não deve ser quantificado pelo tribunal num montante preciso, devendo essa quantificação ser remetida para o plano da execução da decisão.
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A Requerida contesta que haja fundamento para pagamento de juros indemnizatórios, começando pela ausência, no seu entendimento, de “erro imputável aos serviços”, já que não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu, por estar sujeita ao princípio da legalidade.
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Lembra, no entanto, que, a ter-se por procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, vigora o art. 43º, 3, c) da LGT, que determina que, nas situações de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.
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A Requerida lembra ainda que o Tribunal Arbitral está impedido de julgar o processo de acordo com critérios da equidade.
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E lembra, por fim, que a AT não podia ter agido de outro modo, por estar vinculada ao princípio da legalidade, nos termos do art. 55º da LGT, do art. 3º do CPA e do art. 266º da CRP.
III. C. Fundamentação da decisão
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Defrontamo-nos, no presente Processo, com uma situação assaz peculiar: a Requerida não discorda dos Requerentes quanto à invalidade do cálculo de VPT em que assentaram as liquidações – apenas pretende sustentar que é tarde de mais para se reagir à ilegalidade que, por causa daquele erro de cálculo do VPT, se abriga em todas as subsequentes liquidações, incluindo aquelas que são objecto deste Processo.
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A situação é tão peculiar que vale a pena reproduzir a passagem relevante da Resposta apresentada pela Requerida:
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A peculiaridade agudiza-se se pensarmos que a AT, reconhecendo a existência, e relevância jurídica, dessa irregularidade, poderia ter seguido o caminho de anular as avaliações, e proceder a novas avaliações expurgadas do erro, dessa forma iniciando o caminho que logicamente conduziria a novas liquidações de IMI e AIMI – liquidações finalmente libertas da “contaminação” por essa ilegalidade.
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Em inúmeros casos similares àquele que ora analisamos, a AT seguiu esse caminho e anulou administrativamente os actos de avaliação em que se basearam as liquidações, socorrendo-se do dispositivo previsto no art. 13º do RJAT. É estranho que não o tenha feito também no presente processo.
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É a própria Requerida que reconhece, como acabámos de ver, a “ausência de litígio”, pelo que, ao menos quanto ao pedido de anulação das liquidações assentes na nulidade das avaliações do VPT em que elas assentaram, não pode deixar de concluir-se pela procedência do pedido dos Requerentes – uma procedência que decorre, precisamente, da “ausência de litígio” quanto aos fundamentos últimos do pedido – ter havido liquidações assentes em errónea determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” até final de 2020.
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Lembremos que a Requerida faz assentar a sua defesa em cinco argumentos – que os Requerentes optam por designar como “excepções”, e que são:
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Não estar prevista a revisão oficiosa de actos de avaliação, nomeadamente do VPT (porque não são actos tributários nem actos de apuramento de matéria tributável, os únicos a que se aplica o art. 78º da LGT);
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Ter ocorrido a consolidação do acto que fixou o VPT, com força de caso julgado (já que não se requereu oportunamente uma 2ª avaliação, a forma idónea de lidar com erros de fixação do VPT);
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Não poder impugnar-se o VPT através de liquidações nele assentes (sob pena de se violar o princípio do pedido, art. 609º, 1 do CPC, ex vi art. 29º do RJAT);
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Intempestividade nos termos do art. 78º da LGT, mesmo que alguma das situações anteriores não se verificasse (entendendo a AT que estaríamos aqui limitados por um prazo de 3 anos);
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Ultrapassagem do prazo de 5 anos para a anulação do acto, mesmo que esta hipótese fosse encarada (invocando-se os arts. 2º, c) e 79º da LGT, e os arts. 165º, 168º e 174º do CPA).
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Quatro primeiros argumentos
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Os quatro primeiros argumentos são irrelevantes, porque é manifesto que o que foi impugnado foram as liquidações, o que converte a determinação errónea do VPT num mero fundamento para essa impugnação.
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Esclareçamos melhor a situação, começando pelos respectivos antecedentes.
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Durante vários anos, nomeadamente na vigência da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e até à entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, na determinação do valor patrimonial tributário (doravante, VPT) de terrenos para construção, a AT aplicou a fórmula prevista no art. 45º do CIMI, mas fê-lo estendendo o seu âmbito através da adição de fórmulas de cálculo estabelecidas nos arts. 38º e seguintes do CIMI, fórmulas concebidas para serem aplicadas exclusivamente na avaliação de prédios edificados – nomeadamente, os coeficientes multiplicadores de VPT: coeficientes de localização, de afectação, de qualidade e de conforto.
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Essa extensão fez-se por pretensa “analogia”, e ela ocorreu de modo sistemático – para todas as avaliações, e não, que se saiba, para umas avaliações mas não para outras.
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Criou-se, assim, um problema sistémico, como o reconheceu a alteração legislativa ocorrida no final do ano de 2020, com a Lei do Orçamento de Estado de 2021 (a mencionada Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro), a qual, removendo os obstáculos que tinham tornado necessária a extensão pseudo-analógica do art. 45º do CIMI, tornava legal aquilo que, a contrario, fora até então ilegal – ilegal num triplo sentido:
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seja no sentido de desprovido de base legal,
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seja no sentido de transgressor directo de uma vedação legal de recurso a analogia, estabelecida pelo art. 11º, 4 da LGT,
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seja ainda no sentido de violador dos princípios constitucionais da legalidade e da reserva de lei que aparecem consagrados no art. 103º, 2 da Constituição – sendo que estas incidências constitucionais serão enfatizadas no Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Outubro de 2019, proferido no processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17.
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Podendo concluir-se, portanto, que o que está em causa não são os aspectos formais relativos ao procedimento de avaliação, mas sim questões de natureza substantiva atinentes à aplicação da lei no tocante à identificação e à aplicação de critérios para efeitos de atribuição do VPT aos terrenos para construção.
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Até à entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, o jogo das normas aplicáveis gerou um equívoco, que foi erradamente aproveitado para se insinuar, no cálculo do VPT de terrenos para construção, uma sobreposição e duplicação de coeficientes, alguns dos quais eram expressamente reservados a prédios edificados
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Essa sobreposição de factores e coeficientes causou uma aplicação duplicada das bases de cálculo do VPT, com a mesma realidade a ser considerada de forma sobreposta, e a influenciar duplamente o resultado, primeiro da avaliação, depois da liquidação.
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Cedo a doutrina reagiu:
“dada a coincidência de serem os mesmos factores que estão na base da construção do coeficiente de localização e das percentagens, parece também ser defensável a ideia de que não seria aplicável na fórmula de avaliação dos terrenos para construção o coeficiente de localização” – José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2010, pp. 53 e 103 e ss..
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Seguiu-se a reacção jurisprudencial dos tribunais superiores, a reconhecer que, dessa sistemática interpretação e aplicação ilegais das normas do CIMI, resultou uma determinação excessiva do VPT dos terrenos para construção, que consistiu na adição, aos coeficientes de valorização já previstos no art. 45º do CIMI, dos coeficientes de localização e de afectação previstos no art. 38º do mesmo CIMI – tudo traduzido numa valorização redundante, duplicadora, excessiva, irrealista e injusta, com repercussão directa na incidência do imposto.
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Reagindo a uma massa de casos concretos que se ia avolumando, a jurisprudência reconhecia ainda que, de forma indiscriminada e persistente, os coeficientes do art. 38º do CIMI, multiplicadores do VPT, tinham sido aditados à fórmula do art. 45º do CIMI, invocando-se (erradamente) a analogia para tanto, com o efeito já assinalado de alterarem a base tributária, e de, por essa via, repercutirem na incidência do imposto – nomeadamente duplicando o factor da localização, já incluído na percentagem prevista no art. 45º, 3 do CIMI e novamente nos coeficientes do art. 38º do CIMI.
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Seguia-se a inferência lógica de um tal entendimento:
“Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art.º 45.º do CIMI” – Acórdãos do STA, de 5 de Abril de 2017, Processo n.º 01107/16, de 28 de Junho de 2017, Processo n.º 0897/16, de 14 de Novembro de 2018, Processo n.º 0133/18, ou ainda acórdãos de 16 de Maio de 2018, Processo n.º 0986/16, ou de 23 de Outubro de 2019, Processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17.
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Mais ainda, os tribunais superiores tinham por certo que, até à entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, ou seja, até ao último dia de 2020, não se encontrava qualquer apoio na lei para se alegar similitudes entre edifícios construídos e terrenos para construção; e em verdade, estando previstas, no art. 45º do CIMI, as fórmulas de cálculo para os terrenos para construção, não se descortinava qualquer lacuna que legitimasse o recurso a uma verdadeira interpretação analógica – se porventura tal legitimação fosse possível – Acórdãos do STA de 13 de Janeiro de 2021, Processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17, de 23 de Março de 2022, Processo n.º 0653/09.4BELLE.
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E o mesmo se diria, até àquela data, da majoração de 25% estabelecida no artigo 39º do CIMI, que se aplicava exclusivamente aos prédios edificados, não devendo ser considerada na fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção – e daí que a Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, tenha tido o cuidado de expressamente remover, daquele art. 39º, a menção a “prédios edificados”, permitindo que, a partir de 1 de Janeiro de 2021, passasse a ser legal – deixasse de ser ilegal – aplicar a mesma majoração a prédios não edificados, nomeadamente a terrenos para construção.
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Assentemos no facto, assaz impressionante, de haver uma jurisprudência uniforme no STA relativamente à injustiça e ilegalidade da sobreposição de critérios exclusivos de prédios edificados (destinados a habitação, comércio, indústria e serviços) com os critérios próprios do cálculo do VPT de terrenos para construção, ao menos desde o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 21 de Setembro de 2016, no Processo nº 1083/13 – reiterado em acórdãos do Pleno de 3 de Julho de 2019, Processo n.º 16/10.9BELLE, e acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do STA, como os de 5 de Abril de 2017, Processo n.º 1107/16; de 28 de Junho de 2017, Processo n.º 897/16; de 16 de Maio de 2018, Processo n.º 986/16; de 14 de Novembro de 2018, Processo n.º 398/08.2BECTB (133/18); de 9 de Outubro de 2019, Processo n.º 165/14.4BEBRG; de 23 de Outubro de 2019, Processo n.º 170/16.6BELRS (684/17); de 13 de Janeiro de 2021, Processo n.º 732/12.0BEALM (1348/17); de 7 de Abril de 2021, Processo n.º 919/07.8BEBRG; de 6 de Outubro de 2021, Processo n.º 118/09.4BEVIS (1293/17).
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Essa interpretação uniforme passou também a abranger o entendimento de que a nova redacção introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, ao consagrar expressamente a aplicação do coeficiente de localização na fórmula para determinação do VPT dos terrenos para construção, “não tem, manifestamente, carácter interpretativo, antes constituindo uma clara alteração das regras até então vigentes” (STA, Acórdão de 23 de Março de 2022, Processo nº 0635/09.4BELLE).
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Em síntese, essa jurisprudência uniforme dos tribunais superiores afasta, do cálculo do VPT de terrenos para construção, os coeficientes que, até final de 2020, não estivessem expressamente consagrados no art, 45º do CIMI, ou para os quais este artigo não remetesse expressamente.
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Como se lê num acórdão recente:
“Tais coeficientes respeitam apenas ao edificado, mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece. Nos terrenos para construção visa-se taxar o valor da capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário; e não factores ainda não materializados. [§] A aplicação destes factores na determinação do VPT dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia, que se deve ter por proibida, nos termos do disposto no art. 11.º da LGT, na medida em que a aplicação dos mesmos tem influência na base tributável, reflectindo-se na norma de incidência. [§] Assim os coeficientes de afectação, de localização e de qualidade e conforto relacionados com o prédio a construir não podiam nem deviam ser tidos em conta na avaliação do VPT do terreno para construção. [§] Não encontramos motivo para nos afastarmos dessa jurisprudência, antes se nos impondo o respeito pela mesma, atento o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil” (STA, Acórdão de 23 de Março de 2022, Processo nº 0635/09.4BELLE)
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Segue-se, deste juízo, o corolário da ilegalidade: a Autoridade Tributária não está autorizada a efectuar liquidações que extravasem os limites estritos da lei, pois à lei ela deve obediência, nos termos do art. 103º, 3, in fine da Constituição, e do art. 8º da LGT. A mesma conduta decorre, aliás, dos princípios a que a AT está adstrita no procedimento tributário. Determina o art. 55º da LGT: “A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”.
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Daqui decorre que, sempre que a AT toma conhecimento de um erro que lhe seja imputável, ou de uma ilegalidade que tenha nascido de erro seu, tem a obrigação de proceder à correcção do erro e à sanação da ilegalidade, revendo o acto tributário “no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”, como se estabelece no art. 78º, 1 da LGT – um corolário mais do princípio da legalidade, que levou a que a jurisprudência viesse a adoptar a interpretação, ora dominante, de que a revisão oficiosa da iniciativa da AT, nos prazos de que a mesma dispõe para o efeito, pode também ela ser colocada em marcha por um requerimento dos sujeitos passivos: veja-se nesse sentido os Acórdãos do STA de 24 de Maio de 2006, Processo n.º 01155/05; de 12 de Julho de 2006, Processo n.º 0402/06; de 15 de Novembro de 2006, Processo n.º 028/06; de 22 de Março de 2011, Processo n.º 01009/10; de 14 de Março de 2012, Processo n.º 01007/11; de 6 de Fevereiro de 2013, Processo n.º 0839/11; de 2 de Julho de 2014, Processo n.º 01950/13; de 18 de Novembro de 2015, Processo n.º 01509/13; de 4 de Maio de 2016, Processo n.º 0407/15; de 9 de Novembro de 2016, Processo n.º 01524/15; de 3 de Fevereiro de 2021, Processo n.º 02683/14.5BELRS 0181/18.
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Como pode ler-se num desses arestos,
“É hoje jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art. 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento” (Acórdão do STA de 4 de Maio de 2016, Processo n.º 0407/15).
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Com efeito, a jurisprudência do STA passou a conceber a revisão oficiosa como um poder de natureza vinculada, um “poder-dever” que decorre da subordinação da AT aos princípios da justiça, da igualdade e de legalidade (art. 266º, 2 da Constituição, art. 55º da LGT), e que se traduz na obrigação de que “sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei” (Acórdão do STA de 3 de Fevereiro de 2021, Processo n.º 02683/14.5BELRS 0181/18).
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Daí, a mesma jurisprudência retirou o argumento de que a revisão oficiosa é admissível ainda que não tenha sido sequer interposta a reclamação graciosa prevista no art. 131.º do CPPT, ou ainda que seja ultrapassado o prazo para o efeito, entendendo-se que a revisão oficiosa não pode depender da reclamação prévia, pois a interpretação contrária seria injustificadamente restritiva dos direitos do contribuinte, estabelecidos no nº 7 do art. 78ºda LGT.
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Conclui-se que “o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa não impede o impugnante de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o acto de indeferimento desta” – Acórdão do STA de 29 de Outubro de 2014, Processo n.º 01540/13. Ver ainda acórdãos do STA de 12 de Setembro de 2012, Processo n.º 476/12; de 14 de Junho de 2012, Processo n.º 259/12; de 14 de Março de 2012, Processo n.º 1007/11; de 29 de Maio de 2013, Processo n.º 140/13; de 14 de Dezembro de 2011, Processo n.º 366/11; de 20 Novembro de 2007, Processo n.º 536/07; e de 02 de Fevereiro de 2005, Processo n.º 1171/04.
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Ora, sendo admissível o pedido de revisão oficiosa pelo contribuinte, nos termos e no prazo em que o mesmo é admissível para a AT, ainda que após o esgotamento do decurso do prazo de reclamação graciosa, ou quando a mesma não chegue sequer a ser interposta, impende sobre a AT o dever de aceitar o pedido de revisão oficiosa apresentado pelo contribuinte, ou, se for o caso, convolar em revisão oficiosa a reclamação graciosa que tenha sido apresentada fora do prazo da reclamação graciosa, mas dentro do prazo da revisão oficiosa, ou remeter oficiosamente o pedido para a entidade competente para apreciá-lo – nos termos dos arts. 19º e 52º do CPPT –, não sendo aceitável que a AT se escude em formalismos para reduzir os direitos do contribuinte, o que violaria o princípio da colaboração, e ainda eventualmente os princípios da celeridade e da eficiência, a que a AT deve respeito (arts. 55º e 59º da LGT, art. 48º, 1 do CPPT) – Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), Acórdão de 15 de Abril de 2021, Processo nº 02010/12.6BEPRT.
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A conjugação deste quadro legal e jurisprudencial coloca em crise, neste contexto, o conceito tradicional de preclusão – especificamente, no caso, a preclusão resultante da ultrapassagem dos prazos estabelecidos nos arts. 71º a 77º do CIMI quanto a primeiras e segundas avaliações, e quanto à impugnação judicial nos termos gerais do CPPT, ou no art. 20.º do Dec.-Lei 287/2003, de 12 de Novembro, relativo à reclamação da actualização do VPT, e subsequente impugnação judicial.
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A preclusão respeitaria à possibilidade de impugnação autónoma da fixação do VPT – tornando este um acto destacável, visto que a sua impugnação passava a ser possível independentemente da existência, ou não, de liquidação – por conjugação do art. 15º, 2 do CIMI com o art. 86º, 1 da LGT, que estabelece, para a avaliação directa, a susceptibilidade de impugnação contenciosa directa, uma impugnação autónoma nos termos do art. 134º, 1 do CPPT, com a consequência de a impugnação depender do esgotamento dos meios administrativos previstos para a revisão, como resultaria dos arts. 86º, 2 da LGT e 134º, 7 do CPPT –.
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Ao estabelecer este regime específico para a contestação do acto de fixação do VPT, isto parece constituir, por si só, um desvio, por opção legislativa, ao regime da impugnação unitária previsto no artigo 54.º do CPPT, o que alegadamente subtrairia a sua apreciação da impugnação judicial da subsequente liquidação de IMI e AIMI.
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Todavia, como se lê num acórdão arbitral representativo de grande número de outros,
“Sem prejuízo de a lei consagrar a via da impugnação contenciosa direta do ato destacável de fixação do VPT e a condicionar ao esgotamento dos meios administrativos (leia-se, ao pedido de segunda avaliação de prédios urbanos) com efeitos preclusivos, não pode acolher-se, sem mais, a consequência de que as liquidações a coberto desse VPT fariam caso decidido, consolidando-se juridicamente” – Processo n.º 486/2020‐T, de 26 de Novembro de 2021 (árbitros Alexandra Coelho Martins, Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz e Eduardo Paz Ferreira).
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Uma via possível de salvar o conceito, que tem tido amplo acolhimento em sede arbitral, é a de conjugar “preclusão” com uma “válvula de escape”: ou seja, admitir que houve uma preclusão verdadeira e própria quanto à possibilidade de sindicar um VPT erradamente calculado, mas que (algo contraditoriamente no que respeita a efeitos preclusivos) isso não impediria uma reacção do contribuinte às liquidações assentes naquele VPT.
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Assim, não negando que a fixação do VPT constituísse um acto administrativo em matéria tributária, destacável, e, por isso, passível de impugnação autónoma, uma decisão pioneira do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), Acórdão de 31 de Outubro de 2019, Processo nº 2765/12.8BELRS, estabelecia que:
“De facto, deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, nem assim fica impossibilitado de arguir a ilegalidade do VPT fixado, embora com efeitos restritos às liquidações posteriores à reclamação. Defender o contrário é o mesmo que defender a perpetuidade da conduta ilegal da Administração, o que repugna ao bom senso e ao Direito admitir. [§] Assim, no plano do Direito o artigo 115.º do CIMI constitui uma válvula de escape para tais situações, devendo o respectivo mecanismo ser desencadeado pela Administração, por sua iniciativa ou a impulso do interessado. [§] Ora, uma das hipóteses contempladas neste normativo é a eliminação de erros de que resulte uma colecta de montante superior ao devido [al. c) do n.º 1]. [§] Por conseguinte, não se pode falar em verdadeira impropriedade do meio, sendo certo que ainda que se admita essa hipótese, como a administração apreciou o direito da recorrida, tal apreciação fez nascer na esfera jurídica desta o direito à impugnabilidade da decisão, nos termos do artigo 268.º, n.º 4, da CRP. [§] Restringir ou eliminar essa impugnabilidade constituiria, outrossim, uma agressão manifesta ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, plasmado nessa norma constitucional.”
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E como chegava este tribunal a esse entendimento?
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Subscrevendo a noção de que a impugnação autónoma dos actos destacáveis soma-se à garantia dos administrados, não se subtrai a ela – pelo que, logicamente, a preclusão não deve contribuir para a diminuição das garantias do contribuinte, mormente as procedimentais e processuais, nem deve colocar o contribuinte, artificiosamente, numa situação pior do que aquela que motivaria a impugnação unitária de actos lesivos da sua esfera jurídica.
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Admitir-se-ia somente que, tendo havido impugnação autónoma do acto interlocutório, essa circunstância se apresentasse como prejudicial (em termos de litispendência ou de caso julgado) no caso de os mesmos vícios do acto destacável servirem de fundamento à impugnação unitária da decisão final. Mas esta hipótese não está aqui em causa.
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O princípio da impugnação unitária está consagrado no art. 54º do CPPT:
“Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”
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A impugnabilidade autónoma constitui, nos termos deste artigo, um desvio ao princípio da impugnação unitária, o qual postula que em princípio só é possível impugnar o acto final do procedimento tributário, por só este apresentar, novamente em princípio, efeitos lesivos na esfera jurídica do contribuinte.
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Distinguindo-se aqui a garantia jurisdicional dos meros actos destacáveis, que resultará das leis e da construção jurisprudencial, da garantia contra os actos lesivos (enumerados exemplificativamente no art. 95º, 2 da LGT), que estão cobertos pela cláusula de protecção jurisdicional efectiva inscrita no art. 268.º, 4 da Constituição:
“É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.” (cfr. também o art. 20º da Constituição, “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”)
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Daí que esse art. 54º do CPPT preveja expressamente que todos os actos instrumentais, preparatórios ou prodrómicos de uma decisão final podem ser sempre impugnados através da impugnação dessa decisão final, haja ou não susceptibilidade de impugnação autónoma.
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Por um lado, o “sem prejuízo” da letra do artigo indica que fica sempre salvaguardada a possibilidade de “ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”
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Por outro lado, já que essa possibilidade de impugnação unitária, a final, fica sempre aberta, a impugnação autónoma dos actos interlocutórios do procedimento, quando ela seja possível, nunca representa um ónus do contribuinte, representando apenas uma mera faculdade do contribuinte, um “mais” que se adiciona às garantias de defesa, e não um “menos” que, por não-exercício do contribuinte, por não preenchimento do ónus, viesse a impedir a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios dos actos interlocutórios.
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Embora o legislador disponha de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, não sendo incompatível com a tutela jurisdicional a imposição de determinados ónus às partes, o que é certo é que o direito ao processo inculca que os regimes adjectivos devem revelar -se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.
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É essa negação da interpretação subtractiva do art. 54º do CPPT que resulta clara do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 410/2015, de 19 de Novembro:
“Julga inconstitucional a interpretação do artigo 54.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que, qualificando como um ónus e não como uma faculdade do contribuinte a impugnação judicial dos atos interlocutórios imediatamente lesivos dos seus direitos, impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daqueles.”
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É também nesse contexto que o Tribunal Central Administrativo Sul chegou à interpretação ampliativa segundo a qual:
“A impugnação autónoma dos actos destacáveis tem como propósito oferecer uma maior garantia aos administrados, permitindo-lhes reagir atempadamente de molde a evitar a produção de efeitos lesivos, que se projectam no acto final do procedimento ou em actos externos a este” – TCAS, Acórdão de 31 de Outubro de 2019, Processo nº 2765/12.8BELRS.
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Como se trata de “oferecer uma maior garantia aos administrados”, segue-se que a preclusão tem que ficar limitada, de forma que os actos destacáveis não se convertam em veículos de menor garantia dos administrados, através da consolidação jurídica de actos que não tenham sido impugnados nos prazos estabelecidos por lei.
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Tratar-se-ia de encarar a impugnabilidade imediata como propiciadora de maiores garantias ao particular – tendo essa intencionalidade de consagração de um meio de garantia mais amplo, e não um intuito de restrição dos meios normais de garantia.
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Lê-se numa decisão arbitral:
“Em resumo, entendemos que a previsão da impugnabilidade autónoma de atos destacáveis visa, em geral, conferir maiores garantias aos particulares e não reduzir o âmbito das garantias que a lei, em geral, prevê. [§] Assim, tal previsão legal não deve ser entendida - salvo existindo razões substanciais que a tal se oponham, o que não acontece no presente caso - como precludindo a possibilidade de impugnação dos vícios do ato instrumental (fixação do VPT) em processo de impugnação do ato conclusivo do procedimento (liquidação).” – Processo n.º 760/2020‐T, de 2 de Julho de 2021 (árbitro Rui Duarte Morais)
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Daí a já mencionada “válvula de escape”, a necessidade – decorrente de uma exigência constitucional – de uma norma que, sobrepondo-se aos efeitos da preclusão “clássica”, na prática anulando tais efeitos, permita à Administração rever as suas próprias decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que possa ter cometido.
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E será essa a função do art. 78º da LGT, ao prever a possibilidade de revisão dos actos tributários com fundamento em ilegalidade ou erro:
“O artigo 78.º da LGT consagra um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respectivos montantes, que não estejam previstos na lei.” – TCAS, Acórdão de 31 de Outubro de 2019, Processo nº 2765/12.8BELRS.
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Dir-se-á que, sendo a fixação do VPT um simples acto administrativo em matéria fiscal, e não um acto tributário stricto sensu, o art. 78º da LGT não se lhe aplica.
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Mas a verdade é que esta distinção não pode permitir que se produzam actos tributários que são ilegais, porque assentam em valores ilegalmente apurados, e que esses actos se tornem inimpugnáveis em si mesmos com a alegação, patentemente absurda, de que, sendo identificável a causa da invalidade desses actos, é essa causa que deve ser impugnada, e não os actos; como se, mais especificamente, identificada a causa da invalidade do acto tributário de liquidação, o acto tributário deixasse de ser inválido, para ser inválida apenas a “causa”, o acto administrativo da fixação do VPT.
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Numa síntese do entendimento dominante no seio da arbitragem tributária, leia-se:
“tal como se pode ler expressamente na decisão arbitral proferida a 2 de julho de 2021 no Processo n.º 760/2020-T, a questão não é a de saber se, como alega a Requerida, “a lei configura a fixação do VPT como um ato destacável, prevendo a sua impugnação judicial autónoma – o que é um facto –” (ou, como alega a Requerida, a sua contestação por via do disposto no artigo 168.º n.º 1 do CPA), “mas sim saber se existem razões que obstem a que tal ato, quando surja como instrumental relativamente a um ato de liquidação, possa, também, ser objeto de apreciação em processo dirigido à impugnação desta”. Com efeito, “a previsão da impugnabilidade autónoma de atos destacáveis visa, em geral, conferir maiores garantias aos particulares e não reduzir o âmbito das garantias que a lei, em geral, prevê. Assim, tal previsão legal não deve ser entendida - salvo existindo razões substanciais que a tal se oponham, o que não acontece no presente caso - como precludindo a possibilidade de impugnação dos vícios do ato instrumental (fixação do VPT) em processo de impugnação do ato conclusivo do procedimento (liquidação)”.” – Processo n.º 408/2021‐T, de 12 de Janeiro de 2022 (árbitro Ana Paula Rocha)
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Não tendo existido, ou não tendo sido alegado, qualquer comportamento negligente por parte do contribuinte, e dado que os erros detectados ocorreram num procedimento desencadeado, concretizado e liderado pela AT, sem qualquer possibilidade de interferência por parte do sujeito passivo da relação tributária, segue-se que a Administração teria o dever estrito de desencadear, por sua iniciativa, a revisão dos actos tributários com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos do art. 78º, 1 da LGT e do art. 115º, 1, c) do CIMI.
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Ou, caso o art. 78º, 1 da LGT não fosse, por qualquer razão, inteiramente aplicável – por se entender que o que é visado é a fixação do VPT e não os actos de liquidação de IMI ou AIMI –, a Administração teria o mesmo dever estrito de desencadear, por sua iniciativa, a revisão dos actos tributários com fundamento em erro gerador de injustiça grave ou notória, nos termos do art. 78º, 4 e 5 da LGT – já que é indiscutível, no caso em apreço, que houve uma fixação de VPT e uma resultante liquidação que claramente excederam o que seria computável por uma aplicação não-incorrecta da lei.
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Ambas as vias de anulação administrativa (que há que demarcar das vias da impugnação judicial ou arbitral) terão somente como limite temporal o prazo de cinco anos estabelecido no art. 168º, 1 do CPA – uma anulação que inequivocamente abrange tanto actos administrativos simples – como a fixação do VPT – como actos tributários proprio sensu – como é o caso das liquidações de IMI e AIMI –.
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E, como referimos, é hoje pacífico na jurisprudência que a iniciativa de revisão pela administração pode ser desencadeada a impulso do interessado, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços. E o mesmo entendimento consensual se verifica na doutrina[1].
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Sem esquecermos que, ainda que a letra do art. 78º, 4 da LGT aponte para uma faculdade (“o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente”), a verdade é que a objectividade da “injustiça grave ou notória” permite redefinir esse poder em termos de estrita funcionalização, como um poder-dever, estritamente vinculado, da AT, cujo cumprimento é sujeito a controlo jurisdicional (note-se que o art. 78º, 4 da LGT estabelece uma alternativa, “grave ou notória”, não sendo, portanto, um requisito cumulativo).
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Ora o facto é que, em numerosos processos – ao menos na jurisdição arbitral isso é notório –, a AT, reconhecendo a ilegalidade da avaliação a que procedeu, e na qual, por analogia, aplicou coeficientes que se destinavam exclusivamente à avaliação de prédios edificados, toma a iniciativa de anular administrativamente as avaliações relativamente às quais não esteja ultrapassado o prazo de cinco anos, e informa os sujeitos passivos de que iniciará um novo procedimento de avaliação nos termos do art. 130º do CIMI, a que se seguirá uma liquidação assente no novo VPT que venha a ser apurado. Nos demais casos em que tenha já decorrido o prazo de cinco anos desde a realização das avaliações, a AT informa que já não pode ocorrer a anulação administrativa, conforme decorre do art. 168º, 1, do CPA.
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É basicamente a isso que a Requerida se refere quando menciona a “ausência de litígio”, e talvez isso bastasse para percebermos que os quatro primeiros argumentos apresentados por ela são incongruentes com o seu próprio reconhecimento da ilegalidade das avaliações em que assentam as liquidações em crise – aliás, um reconhecimento plasmado em documentos emanados da própria AT (o seu Manual de Avaliação de Prédios Urbanos – Versão 7.0, de 29 de Outubro de 2020, a sua Instrução de Serviço n.º .../2021, de 5 de Abril de 2021, emitida pela Direção de Serviços de Justiça Tributária)
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Logo, para ser inteiramente justa, a revisão de liquidações ilegais – por assentarem em VPTs erróneos – deveria ser genuinamente oficiosa, ou seja, operar-se para todo o universo de casos afectados pela ilegalidade, sem aguardar qualquer impulso da parte dos contribuintes, e sem correr o risco de discriminar contra aqueles que, pela mais variada ordem de razões, incluindo o desconhecimento, não tenham reagido, ou não venham a reagir, através dos meios jurídicos disponíveis.
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Sucede que, em inúmeros casos submetidos à arbitragem no CAAD, a AT tem respondido, seja através do art. 13º do RJAT, seja posteriormente à constituição dos tribunais, com a anulação administrativa oficiosa com efeitos retroactivos, nos termos dos n.os 1 e 5 do art. 168º e do nº 3 do art. 171º CPA, com fundamento em invalidade– não se vislumbrando qualquer razão para deixar de fazê-lo, por sua iniciativa e sem necessidade de impulso dos particulares, em todos os processos similares, evitando uma desigualdade de atitudes, e – sublinhe-se – o que seria (ou será) uma injustificável discriminação entre contribuintes, o que por sua vez constituiria (ou constituirá) uma nova injustiça, tanto ou mais grave do que a injustiça iniciada com as ilegalidades no cálculo dos VPT dos terrenos para construção.
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Na prática, em diversos casos a AT, ao mesmo tempo que reconhece que se impõe revogar alguns actos de fixação de VPT, nos termos do art. 79º da LGT e do art. 168º, 1 do CPA (este aplicável ex vi art. 2º da LGT), recorda que o prazo para proceder à anulação administrativa é de 6 meses a contar do conhecimento da causa de invalidade pelo órgão competente, e desde que não tenham decorrido 5 anos após a data em que foi proferido o despacho de fixação do VPT; e, com base nisso, procede a uma triagem em 3 categorias:
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A primeira situação refere-se às avaliações que foram efetuadas e notificadas há mais de 5 anos, sem avaliações posteriores.
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A segunda situação está relacionada com as avaliações também realizadas há mais de 5 anos, mas com avaliações posteriores realizadas há menos de 5 anos. A partir do momento em que o VPT determinado na nova avaliação é inscrito na matriz, passa a produzir os respetivos efeitos matriciais, sucedendo, naturalmente, à avaliação anterior que deixou de vigorar na ordem jurídica, e, como tal, de produzir efeitos, o que torna impossível proceder à anulação administrativa das avaliações anteriores, mas possibilita a anulação das avaliações que lhes sucederam.
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A terceira situação está relacionada com as avaliações realizadas dentro do prazo dos 5 anos previsto no artigo 168.º do CPA, o que possibilita a sua anulação administrativa.
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Só nos casos b) e c) é que a AT tem procedido à anulação administrativa das avaliações, com efeitos retroactivos, com fundamento em invalidade, nos termos dos arts. 163º, 4, 165º, 2, 168º, 1 e 5, e 171º, 3 do CPA, determinando a realização de novas avaliações que não considerem os coeficientes de localização e afetação.
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Nos casos da categoria a), a AT tem invocado a impossibilidade de impugnar liquidações de IMI e AIMI com fundamento em vícios de actos de fixação de valores patrimoniais, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.ºda LGT, e tem-no feito frequentemente por excepção, o que é impróprio[2], e alegando que o que os contribuintes questionam é a fixação do VPT e não qualquer vício específico das liquidações – o que por sua vez é falacioso, visto que o erro da avaliação do VPT é o próprio vício da liquidação, sendo que esta fica contaminada pela ilegalidade e pelo erro cometidos a montante.
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Acresce que isso é, manifestamente, desconsiderar os problemas das liquidações pretéritas que tenham ocorrido com base nas avaliações anuladas, e os problemas de liquidações futuras até que as novas avaliações produzam os seus efeitos.
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Com efeito, a anulação administrativa de avaliações é somente o primeiro passo para a substituição de liquidações, visto que a anulação das avaliações não equivale a uma anulação oficiosa das liquidações, e concomitante reembolso do imposto em excesso, pago em resultado das liquidações anuladas – pelo que a simples comunicação da anulação de avaliações não produz qualquer efeito jurídico automático nas liquidações pretéritas, e apenas o produz nas liquidações de IMI e AIMI futuras[3], razão pela qual aquela comunicação não faz perder o interesse do contribuinte na impugnação que tome por objecto essas liquidações pretéritas.
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Além disso, relativamente aos terrenos para construção cujas avaliações tenham sido realizadas há mais de cinco anos (a tal categoria a), supra), o facto de não se poder proceder à anulação administrativa das liquidações não pode constituir um obstáculo à sua anulação judicial, visto que tais actos continuam a existir na ordem jurídica e continuam a padecer de ostensiva ilegalidade.
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Quinto argumento
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Quanto à impossibilidade, alegada pela Requerida, de anulação administrativa de actos de avaliação, por ter decorrido o prazo de 5 anos previsto no artigo 168.º do CPA, importa notar, de novo, que a presente acção arbitral não contém um pedido anulatório dirigido aos actos de fixação dos valores patrimoniais tributários dos imóveis - não estando, pois, em discussão a anulação dos actos de avaliação (tenham eles, ou não, mais de 5 anos), antes a invalidade (parcial) dos actos subsequentes, de liquidação de IMI e de AIMI, e que são actos tributários.
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O entendimento exposto não se altera pelo facto de as ilegalidades que constituem fundamento da anulação dos actos tributários terem origem nos actos de avaliação – já que, insista-se, os actos cuja anulação foi pedida neste processo são, tão-só, os actos de liquidação, e podem sê-lo com fundamento em qualquer ilegalidade (art. 99º do CPPT e arts. 2º e 29º, 1, a) do RJAT).
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Se, em desconsideração da proeminência do princípio da impugnação unitária, consagrado no art. 54º do CPPT, propendêssemos para aceitar a inimpugnabilidade de liquidações com base na inimpugnabilidade de vícios de fixação do VPT que alicerçam aquelas, isso teria como consequência prática a perpétua emissão de actos de liquidação subsequentemente ilegais, que seriam, eles próprios, inimpugnáveis, violando-se assim frontalmente o princípio fundamental do acesso ao direito, consagrado no artigo 20.º da Constituição.
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Mesmo que, portanto, se conclua estarem ultrapassados os prazos para que a AT proceda à anulação administrativa das liquidações de IMI e de AIMI, isso não pode impedir a anulação dessas liquidações pela via judicial, na medida em que tais actos de fixação de VPT, não obstante parecerem abrigados numa barreira de preclusão, continuam a existir na ordem jurídica, continuam a ser ilegais e continuarão a servir de base a liquidações, presentes e futuras.
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No início de cada ano dá-se uma nova liquidação, nos termos do art. 113º, 1 e 2 do CIMI, e nesse momento a AT incorre em novo erro e comete nova ilegalidade, que consiste em liquidação de IMI em excesso, resultando no pagamento de prestação tributária indevida, e assim sucessivamente, até ao momento em que o quadro legal da tributação dos terrenos para construção foi alterado (e, insiste-se, pode até dar-se o caso de essa modificação legal não ter resolvido tudo, se porventura vier a determinar-se que ela é inconstitucional nalguns dos seus aspectos).
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Por outras palavras, a ideia de que, precludido o prazo para anulação administrativa do acto que fixa o VPT (os cinco anos a que alude o art. 168º, 1 do CPA), este acto se encontra sanado e passa a produzir efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI, assenta num evidente equívoco[4].
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É que o decurso do prazo para a Administração proceder à anulação administrativa de um acto administrativo (anulação administrativa que corresponde à antiga “revogação anulatória”) não sana os vícios de que o acto possa padecer, implicando apenas que os seus efeitos se tornam definitivos, adquirindo a força jurídica de caso decidido ou caso resolvido: significando que o acto administrativo, enquanto decisão de uma autoridade administrativa, define o direito do caso concreto de forma estável.
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Só que o caso decidido apenas releva na relação entre a Administração e o particular, não impedindo que o interessado lance mão dos meios processuais de impugnação contenciosa contra o acto administrativo, ainda que a Administração não possa já anulá-lo administrativamente.
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Aliás, a única consequência da anulação administrativa, se ocorresse antes do final do processo, seria a de extinguir a instância por inutilidade superveniente da lide, deixando o contribuinte de ter interesse processual. É o que decorre do nº 3 do art. 168º do CPA:
“Quando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação administrativa só pode ter lugar até ao encerramento da discussão.”
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A preclusão por esgotamento do prazo para anulação administrativa não pode, pois, de modo algum, determinar a consolidação na ordem jurídica do acto administrativo anulável.
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Pelo contrário, essa consolidação, na ordem jurídica, do acto administrativo anulável só pode operar quando tenha decorrido o prazo legalmente previsto para o interessado deduzir o competente meio processual de impugnação, na medida em que só pelo decurso desse prazo é que o acto se torna inimpugnável jurisdicionalmente.
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Como bem se observa na fundamentação do acórdão arbitral de 5 de Maio de 2022, Processo n.º 835/2021‐T:
“Qualquer outra solução constituiria um absurdo, confundindo a atividade administrativa com a função jurisdicional e contrariando flagrantemente o princípio da tutela jurisdicional efectiva. [§] Uma vez que a anulação administrativa é um ato administrativo que se desenrola no âmbito de procedimento administrativo, e cuja prática se encontra na exclusiva disponibilidade da Administração, é claro que as vicissitudes quanto à possibilidade de o ato ser anulado ainda no âmbito do procedimento, não interfere em nada com o direito processual dos interessados recorreram a uma instância jurisdicional. [§] E, assim, não só os vícios do ato de fixação valor patrimonial tributário se não encontram sanados com o caso decidido, como também o contribuinte não está impedido de impugnar jurisdicionalmente os atos de liquidação de IMI, com fundamento na errónea quantificação do valor patrimonial tributário.”
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Consequentemente, o regime da anulação administrativa não é relevante para a decisão do caso, não causando, nem podendo causar, a consolidação do acto tributário que determinou o VPT, não existindo assim qualquer violação do princípio da segurança jurídica nem do princípio da igualdade.
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E ainda que, por hipótese, se considerasse haver uma restrição desses princípios, sempre se deveria entender que a admissibilidade legal de revisão oficiosa do acto de liquidação, na qual possam ser apreciados os respectivos pressupostos de direito, configura um meio adequado, necessário e proporcional para a salvaguarda do núcleo essencial dos princípios da justiça e da tutela jurisdicional efectiva, que a segurança jurídica e a igualdade não podem subalternizar ou sacrificar.
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Voltando à alegação de que os contribuintes, ao pretenderem sindicar as liquidações, não apresentam nenhum vício específico dessas liquidações, insistamos que consideramos falaciosa a afirmação, visto que o que parece implícito nela é a ideia de que, sendo a fixação do VPT um acto destacável, verificada a preclusão, essa fixação deixa de ser invocável como vício das liquidações – a referida interpretação “subtractiva” do regime dos actos interlocutórios, e que se nos afigura inteiramente incompatível com o disposto no art. 54º do CPPT, em especial após o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 410/2015, de 19 de Novembro.
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Ora hoje vigora uma outra interpretação, inaugurada pelo acórdão de 31 de Outubro de 2019 do TCAS, Processo nº 2765/12.8BELRS, a qual vê no art. 78º da LGT um reforço das garantias de defesa dos contribuintes e uma elevação dos meios de tutela das respectivas posições substantivas, sem que tal colidisse com o princípio fundamental da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, visto que esse reforço concedido pelo art. 78º da LGT seria circunscrito a um quadro temporal pré-definido, de 4 ou 3 anos, consoante estivesse em causa a aplicação do seu n.º 1 ou do seu n.º 4. (uma posição expressa no acórdão arbitral de 26 de Novembro de 2021, proferido no Processo n.º 486/2020‐T [árbitros Alexandra Coelho Martins, Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz e Eduardo Paz Ferreira].)
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Com a nova definição de acto administrativo, contida no art. 148º do CPA, e o alargamento do conceito de acto impugnável contenciosamente, contido no art. 51º do CPTA, alterou-se subtilmente o quadro teórico nestes domínios, passando a concentrar-se a atenção na eficácia externa dos actos, na susceptibilidade de interferência relevante nas relações entre Administração e particulares, independentemente de se tratar, ou não, de mero acto procedimental.
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Estabelece o art. 51º, 1 do CPTA:
“Ainda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, incluindo as proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas que atuem no exercício de poderes jurídico-administrativos.”
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Sublinhemos: “Ainda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões”: este alargamento abre caminho à possibilidade de impugnação contenciosa de quaisquer actos procedimentais, e não apenas de actos que ponham termo ao procedimento ou a uma fase autónoma desse procedimento, abolindo, assim, o requisito de definitividade horizontal.
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Leia-se agora o art. 51º, 3 do CPTA:
“Os atos impugnáveis de harmonia com o disposto nos números anteriores que não ponham termo a um procedimento só podem ser impugnados durante a pendência do mesmo, sem prejuízo da faculdade de impugnação do ato final com fundamento em ilegalidades cometidas durante o procedimento, salvo quando essas ilegalidades digam respeito a ato que tenha determinado a exclusão do interessado do procedimento ou a ato que lei especial submeta a um ónus de impugnação autónoma.”
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Com este preceito, toda a impugnação de actos procedimentais passa a ser facultativa, nunca impedindo que o interessado possa impugnar o acto final, com base nos vícios que afectem o acto intermédio, excluindo apenas os casos em que o acto em causa tenha determinado a exclusão do interessado no procedimento (hipótese em que o acto praticado no decurso do procedimento representa já decisão final relativamente ao interessado excluído), bem como os demais casos em que a lei imponha especialmente, e expressamente, o ónus de impugnação tempestiva de actos procedimentais.
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Este art. 51º, 3 do CPTA reforça a noção de que se operou uma radical abertura na impugnabilidade de actos procedimentais, pois ele mais não visa do que evitar que essa abertura se faça em detrimento da posição processual dos privados – estabelecendo que, quando o interessado não tenha impugnado um acto interlocutório susceptível de produzir efeitos lesivos na sua esfera jurídica, não fica precludida a faculdade de dirigir a impugnação contra o acto final do procedimento[5].
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Quanto à referência ao ónus de impugnação autónoma no final do art. 51º, 3 do CPTA, ficam ressalvados somente os casos em que a lei expressamente o estabeleça, em termos de excluir que os vícios de um acto interlocutório objecto desse ónus de impugnação possam ser invocados na reacção jurisdicional que venha a ser dirigida contra a decisão final do procedimento – não bastando a mera menção, em lei especial, de que certo acto procedimental é passível de impugnação administrativa.[6]
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É a esta nova luz que deve ser interpretado o art. 54º do CPPT, quando estabelece o princípio da impugnação unitária, e é a essa luz que o Tribunal Constitucional leu esse artigo, no Acórdão n.º 410/2015, de 19 de Novembro – repudiando a interpretação subtractiva que, na base do entendimento tradicional da preclusão da impugnabilidade de actos procedimentais destacáveis na impugnação contra o acto final do procedimento, na prática reduzia, ou subtraía, direito dos particulares.
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A não se entender assim, a preclusão redundaria numa violação contínua de alguns princípios e preceitos constitucionais e legais, com implicações directas no próprio processo arbitral tributário, nos termos dos arts. 17º, 3 e 25º, 1 do RJAT.
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Pense-se no princípio da legalidade tributária, e a sua tradução no art. 103º, 3 da Constituição, “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos (…) cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”. Pense-se ainda no art. 8º, 2, a) da LGT, que estabelece que “Estão ainda sujeitos ao princípio da legalidade tributária: (…) A liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e caducidade”.
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Bastariam estes dois preceitos para se perceber como é insustentável a perpetuação de liquidações ilegais e injustas, porque assentes em erros não-sanados.
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Não esqueçamos ainda que a defesa do princípio da legalidade sobreleva, evidentemente, a questões administrativas, procedimentais ou processuais que, isoladamente, se apresentem como obstáculos àquela defesa – como expressivamente o estabelece o art. 99º do CPPT, ao estatuir “Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade”, exemplificando na sua alínea a) que entre essas ilegalidades se conta a “Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários”.
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Assim, ao argumento de que as avaliações são actos destacáveis, que é um argumento conceptualmente válido, terá que se contrapor a proeminência do interesse da defesa do princípio constitucional da legalidade tributária, a reclamar que se mantenha em aberto a possibilidade de sindicância judicial ou arbitral dos actos de liquidação assentes em erros de determinação das bases tributáveis – erros materiais que não se convalidam pela simples circunstância de já não poderem ser separadamente, individualmente, revistos.
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Daí também que se tenha vindo a entender que, esgotados ou não os prazos dos pedidos de revisão oficiosa das avaliações, as reclamações ou impugnações apresentadas contra as liquidações assentes naquelas avaliações podem, e devem, ser convoladas em revisões oficiosas, já que, atento o princípio da legalidade e a sua proeminência jurídico-constitucional, tal convolação representa um poder-dever da Administração Fiscal, além de representar um corolário dos princípios de colaboração célere e eficiente da Administração com os contribuintes, como resulta da combinação dos arts. 55º e 59º da LGT, e do art. 48º, 1 do CPPT (veja-se a esse respeito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte [TCAN], de 15 de Abril de 2021, Processo nº 02010/12.6BEPRT).
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Lembremos que se tratou, aqui, de um erro sistémico, persistente, que inquinou todo um universo de liquidações: sendo que, se vedássemos a possibilidade de qualquer reacção contra ele, estaríamos a perpetuar actos ostensivamente ilegais num universo de casos, e a repetição e generalização de liquidações inquinadas nos seus pressupostos de facto e de direito, dando apoio a uma injustiça grave e notória que durou pelo menos até à mudança da lei, no início de 2021 – momento até ao qual, dada a persistência do erro sistémico, existiu um enriquecimento sem causa do credor de imposto.
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Esta é matéria somente de revisão oficiosa, ex officio, por dever – por dever da Administração.
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O art. 8º da LGT, lembremo-lo, não consente que perdurem na ordem jurídica liquidações de imposto alicerçadas em ilegalidades: o que, por sua vez, justifica a solução genérica do art. 99º, a) do CPPT):
“Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, designadamente:
a) Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários”
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E lembremos também, mais uma vez, que o art. 103º, 3 da Constituição exonera os cidadãos do pagamento de impostos ilegalmente liquidados.
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Isso manifestamente sobreleva a outras considerações: e é por isso mesmo que, quando esteja já fechada a porta da reclamação graciosa, ou a porta da convolação em revisão oficiosa, deve subsistir, nos seus prazos próprios, o puro pedido de revisão oficiosa.
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Daí a referida “válvula de escape” para lidar com situações de ilegalidade flagrante e disseminada, a revisão dos actos tributários com fundamento em ilegalidade ou erro, e o poder-dever da administração tributária de expurgar da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como o de restituir o que tenha sido ilegalmente cobrado, em nome do princípio da legalidade constitucionalmente consagrado, e para que não ocorra enriquecimento sem causa.
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Assim, se, contra a jurisprudência dominante dos tribunais superiores e arbitrais, invocássemos a natureza de actos destacáveis das avaliações dos terrenos, para concluirmos que a avaliação dos terrenos para construção estava cristalizada, decidida e juridicamente consolidada, impedindo, assim, a possibilidade de qualquer reacção (seja através de pedido de revisão oficiosa seja, principalmente, através de reclamação graciosa ou de impugnação contenciosa), por parte dos contribuintes, por exemplo contra o indeferimento expresso ou tácito das reclamações graciosas, o direito constitucionalmente consagrado de acesso ao direito e à justiça seria negado, e seriam mantidos na ordem jurídica actos ostensivamente ilegais, e, com eles, uma situação de injustiça grave ou notória, traduzida em locupletamento injustificado por parte do credor de imposto.
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Por outras palavras, a circunstância de os actos de fixação do VPT serem “destacáveis”, isto é, autonomamente sindicáveis, o que é inegável, é ao mesmo tempo irrelevante, porque não tem a susceptibilidade de impedir que os actos de liquidação emitidos com base no VPT sejam naturalmente sindicáveis – até porque são as próprias liquidações, e não as avaliações, correctas ou incorrectas, em que as liquidações assentam, os verdadeiros actos lesivos de direitos e interesses dos particulares, cuja tutela jurisdicional efectiva a Constituição garante, em defesa dos contribuintes e dos meios de tutela das respectivas posições substantivas.
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Mas insistamos: tal regime dos actos destacáveis pura e simplesmente não tem, nem poderia ter, aplicação adequada em casos destes, porque neles estamos perante uma situação em que os contribuintes declararam correctamente todos os elementos, e os peritos avaliadores consideraram correctamente todos os elementos declarados pelos contribuintes, mas em que, fruto de uma fórmula pré-estabelecida e incorporada no sistema informático da AT – ou seja, fruto de um acto prévio aos procedimentos de avaliação, e inacessível para modificação ou emenda por parte dos avaliadores –, os VPTs que foram fixados na sequência da inclusão da informação declarada pelos contribuintes, e inseridos no ficheiro electrónico da AT, se tornaram ostensivamente ilegais (essa proeminência do factor informático e do algoritmo é devidamente sublinhada no ponto 3.2 do Acórdão do STA de 14 de Novembro de 2018, Processo nº 0398/08.2BECTB 0133/18).
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Estamos aqui, portanto, perante um elemento prévio aos procedimentos de avaliação, e sobre o qual nem os contribuintes nem os peritos avaliadores têm qualquer influência, seja em sede de primeiras avaliações seja em sede de segundas avaliações, o que bastará para retirar relevância ao tema dos “actos destacáveis”.
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Bastará formular esta pergunta: dado o vício no algoritmo que determinou o erro sistémico nas avaliações, como poderíamos nós ter a certeza de que uma segunda avaliação corrigiria os erros da primeira avaliação? A reacção à injustiça criada tem de encontrar-se, como é evidente, noutro plano.
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Resulta claro que não foi para casos destes que o legislador estabeleceu o regime dos actos destacáveis: certamente que o legislador nunca teria a intenção de criar um regime que anulasse totalmente as garantias dos contribuintes em casos deste tipo, nos quais se veio a constatar, tantos anos depois da aprovação do Código do IMI, que a fórmula assumida pelo sistema informático da AT tinha sido contaminada por erro e se tornara ostensivamente ilegal.
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Aliás, quanto à referida “segunda avaliação” prevista no art. 76º do CIMI, e respectiva impugnação prevista no art. 77º do CIMI, convirá ainda lembrar a distinção entre reclamações e recursos necessários e facultativos, assente na circunstância de depender, ou não, da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contenciosos – e a consequência explícita de todas as reclamações e recursos terem carácter facultativo, a menos que uma disposição legal estabeleça expressamente o contrário.
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Melhor será transcrevermos os n.os 1 e 2 do art. 185º do CPA:
“1 - As reclamações e os recursos são necessários ou facultativos, conforme dependa, ou não, da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação ou condenação à prática de ato devido.
2 - As reclamações e os recursos têm caráter facultativo, salvo se a lei os denominar como necessários.”
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Ora, como a segunda avaliação não é obrigatória, nem está prevista no art. 77º, 1 do CIMI uma impugnação administrativa necessária – o que, insistamos, teria que ocorrer expressamente, por força do estabelecido no art. 185º, 2 do CPA –, também não existe um ónus de impugnação judicial do acto de fixação do VPT que tenha resultado da segunda avaliação: uma segunda avaliação que, de resto, o particular não está sequer vinculado a requerer, porque no art. 76º, 1 não se prevê essa segunda avaliação como uma forma de impugnação administrativa necessária, destinada a permitir o ulterior acesso à via contenciosa [7].
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Não tem fundamento, portanto, a alegação – aliás frequente – de que o legislador estabeleceu um regime específico para a contestação do acto de fixação do VPT, e com ele gerou um desvio propositado ao regime-regra de impugnação unitária previsto no art. 54º do CPPT, bloqueando por preclusão a sua apreciação na impugnação judicial da subsequente liquidação de IMI e de AIMI.
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Aliás, mesmo que o tivesse feito, ainda dele estaria isento o processo arbitral tributário, no qual não é exigível o esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação – isto porque não há qualquer referência aos actos de fixação do VPT no art. 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, a norma na qual se estabelecem as excepções à vinculação da Administração à jurisdição dos tribunais arbitrais.
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É que, como já vimos anteriormente, não é por essa via que se chega à consolidação jurídica dos actos de fixação do VPT ou das liquidações, formando caso decidido – seja pela circunstância genérica, já sublinhada, de essa consolidação só poder decorrer do esgotamento dos meios jurisdicionais, seja pela circunstância específica de estarem previstos mecanismos de revisão oficiosa no art. 78º da LGT e no art. 115º CIMI – este último, aliás, sem qualquer barreira temporal –.
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Ora, como já determinámos que as excepções ao princípio da impugnação unitária (previsto no art. 54º do CPPT) são muito menos abundantes do que aquilo que tradicionalmente se concebia, convirá relembrar que o sistema jurídico que operou essa transformação o fez com o objectivo de ampliar as garantias dos contribuintes, de conferir-lhes “direitos acrescidos de impugnação”[8], e de continuar a fazê-lo até que a revisão das liquidações e dos seus pressupostos dê lugar, de modo definitivo (jurisdicionalmente definitivo) a liquidações expurgadas dos factores de ilegalidade: o objectivo, relembremos, foi o de permitir uma defesa autónoma por adição a uma impugnação unitária que se mantinha incólume, e não por subtracção e erosão das possibilidades dessa impugnação unitária.
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E, de facto, a jurisprudência dominante, como já vimos, tem consistentemente afirmado que, se a errónea quantificação dos VPT constitui ilegalidade que fundamenta a apresentação de impugnações judiciais de actos tributários de liquidação do IMI e do AIMI, não tem razão de ser que tal fundamento seja afastado pelo mero facto de o acto de quantificação desses valores patrimoniais ser susceptível de impugnação prévia e autónoma pelo contribuinte.
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Entender de outro modo, reafirmemo-lo, equivaleria a esvaziar totalmente a susceptibilidade de impugnação judicial de liquidações de IMI e AIMI com base em fundamento de errónea fixação do VPT no cálculo da base tributável daqueles impostos. Seria enveredar por um caminho que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 410/2015, de 19 de Novembro, na sua interpretação do art. 54º do CPPT, declarou inconstitucional – além de o considerar ilegal, por contradição com o art. 66º, 2 da LGT que estabelece que a reclamação de qualquer acto interlocutório não preclude o direito de “recorrer ou impugnar a decisão final com fundamento em qualquer ilegalidade”.
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Convirá lembrar não somente que o direito à tutela jurisdicional efectiva é um direito fundamental, que deve levar-nos a afastar interpretações meramente ritualistas e formais (art. 20º, 1 da Constituição), mas também que a reforma da justiça administrativa condenou expressamente o excesso de formalismo (“Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.” – art. 7º do CPTA). E dir-se-á que o moderno direito processual, começando pelo CPC, visa, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, bem como a sanação das irregularidades processuais e dos obstáculos ao normal prosseguimento da instância, tendo em vista o máximo aproveitamento dos actos processuais.
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Daí que, no âmbito da ponderação dos pressupostos processuais, os princípios antiformalistas, “pro actione”, impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, pelo que, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas nesta área, deve optar-se por aquela que favoreça a acção, e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pela parte.[9]
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As questões da equidade e da adstrição da AT à legalidade
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Face a tudo o que anteriormente se expôs, não tem cabimento a invocação, pela AT, do princípio da proibição legal do julgamento segundo a equidade: os actos de liquidação de IMI e AIMI são impugnáveis por vícios imputáveis ao acto de fixação do valor patrimonial tributário, e este tribunal arbitral limitar-se-á a apreciar estritamente as questões de legalidade segundo o direito constituído.
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Também não tem cabimento, no âmbito de um processo jurisdicional, a invocação do princípio da subordinação da Administração à lei: esse é um princípio da actividade administrativa, como tal consagrado no art. 266º, 2, da Constituição e que se analisa em duas dimensões fundamentais, o princípio da prevalência da lei e o princípio da precedência de lei. O princípio da legalidade, assim entendido, corresponde a um princípio da juridicidade da Administração, significando que são as regras e os princípios da ordem jurídica que constituem fundamento e pressuposto da atividade administrativa. Deduzida uma impugnação judicial do acto administrativo, é à instância jurisdicional que cabe dizer o direito aplicável ao caso concreto, nada obstando a que possa anular o acto impugnado por errada interpretação do direito.
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Juros indemnizatórios
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A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
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De harmonia com o disposto no art. 24º, b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no art. 100º da LGT, aplicável por força do disposto no art. 29º, 1, a) do RJAT.
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Ainda nos termos do art. 24º, 5 do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43º, 1 da LGT e 61º, 5 do CPPT, implicando, em princípio, o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
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Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há, assim, lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago, dado que a liquidação é imputável à AT, já que foi elaborada por sua iniciativa, e dado que o imposto foi efectivamente pago.
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No que se refere aos juros indemnizatórios, e em face do disposto no art. 43º, 3, c) da LGT, nos casos de pedido de revisão oficiosa esses juros apenas são devidos depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente (cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 6-07-2005, processo n.º 0560/05; de 02-11-2005, processo n.º 0562/05; de 17-05-2006, processo n.º 016/06; de 24-05-2006, processo n.º 01155/05; de 02-11-2006, processo n.º 0604/06; de 15-11-2006, processo n.º 028/06; de 10-01-2007, processo n.º 523/06; de 17-01-2007, processo n.º 01040/06; de 12-12-2006, processo n.º 0918/06; de 15-02-2007, processo n.º 01041/06; de 06-06-2007, processo n.º 0606/06; de 10-07-2013, processo n.º 390/13; de 18-01-2017, processo n.º 0890/16; de 10-5-2017, processo n.º 01159/14. Como se lê num acórdão do Pleno do STA proferido em 27 de Fevereiro de 2019 no processo n.o 22/18.5BALSB: “O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte. Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus actos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir.”)
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No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 30 de Novembro de 2021, pelo que são devidos juros indemnizatórios desde 1 de Dezembro de 2022, ou seja, a partir de um ano depois da apresentação do pedido de revisão oficiosa.
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Questões prejudicadas
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Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – art. 608.º do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT.
IV. Decisão
Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
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Declarar ilegais e anular, parcialmente, as liquidações de IMI e AIMI referenciadas nos autos, com as consequências legais;
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Declarar ilegal o indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados pelos Requerentes relativamente àquelas liquidações, com as consequências legais;
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Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar o montante de imposto pago a mais pelos Requerentes, acrescido de juros indemnizatórios, calculados, nos termos legais, desde 1 de Dezembro de 2022;
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Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do presente processo.
V. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €152.960,20 (cento e cinquenta e dois mil, novecentos e sessenta euros e vinte cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VI. Custas
Custas no montante de € 3.672,00 (três mil, seiscentos e setenta e dois euros) a cargo da Requerida (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).
Lisboa, 28 de Fevereiro de 2023
Os Árbitros
Fernando Araújo
André Festas da Silva
Vasco Valdez (vencido – junta declaração)
DECLARAÇÃO DE VOTO
]O signatário votou parcialmente vencido a decisão arbitral acima identificada, porquanto, quanto à questão de fundo, me revejo no entendimento de várias decisões arbitrais proferidas, designadamente as constantes, entre outras, dos processos nº’s 2487/2020-T, 254/2021-T e 521/2022-T (esta última em que participei como vogal e todas elas presididas pelo Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa) e ainda a decisão arbitral nº 465/2021-T (presidida pela Senhora Professora Regina Monteiro, sendo relator o Senhor Dr. Silvério Mateus) e a decisão arbitral nº 112/2022-T (em coletivo presidido pela Senhora Professora Carla Trindade, que votou vencida e em que participei como vogal, tendo sido relator o Senhor Professor Jónatas Machado). Intervim em outros coletivos como vogal onde exarei votos de vencido, designadamente o relativo ao processo nº 812/2021-T, presidido pelo ora Presidente, o Senhor Professor Fernando Araújo.
Como disse em anteriores declarações de voto, o entendimento dado nos processos em que mais me revejo, no que concerne à problemática em apreço, é o de que, após a primeira avaliação, o sujeito passivo deveria ter requerido uma segunda avaliação do prédio urbano (no caso terrenos para construção), ao abrigo do artigo no artigo 76º do CIMI, em ordem a poder seguidamente impugnar o VPT que resultasse dessa segunda avaliação, mormente ao abrigo dos artigos 77º do CIMI e 134º do CPPT.
Não tendo o ato de avaliação sido autonomamente impugnado, não será já possível atacar as liquidações feitas com base nesse VPT, ainda que essa avaliação seja ilegal por ter considerado que aos terrenos para construção eram de aplicar diversos coeficientes da fórmula do artigo 38º do CIMI, o que não fazia sentido como muito bem se salienta na presente decisão. Aliás, a AT deixou de utilizar tais critérios, na sequência do acórdão do STA de 07-10-2009 (processo 0476/09), mas a verdade é que não reviu retroativamente o VPT aplicável aos mencionados terrenos por entender que a situação se havia consolidado na ordem jurídica, atendendo a que haviam passado mais de 5 anos que é o prazo para revisão desses atos nos termos do artigo 168º, n 1 do CPA.
Ora, a nosso ver, face aos argumentos expendidos, entendemos ser legítimo ao sujeito passivo lançar mão do mecanismo previsto no artigo 78º da LGT, em particular dos seus nº’s 4 e 5 do mesmo, porquanto estamos perante uma injustiça grave e notória, podendo ser requerida a revisão com tal fundamento no prazo de 3 anos posteriores ao do ato tributário, o qual termina a 31 de dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado tal ato.
Assim, no caso concreto somente a liquidação de IMI de 2016, não seria suscetível de anulação com fundamento em injustiça grave e notória.
Lisboa, 28 de fevereiro de 2023.
(Vasco Valdez)
[1] Veja-se, por todos, Rocha, Joaquim Freitas da (2021), Lições de Procedimento e Processo Tributário, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, págs. 227-228; Neto, Serena Cabrita & Carla Castelo Trindade (2017), Contencioso Tributário, I- Procedimento, Princípios e Garantias, Coimbra, Almedina, pág. 605; Leonardo Marques dos Santos (2013), “A Revisão do Acto Tributário, as Garantias dos Contribuintes e a Fiscalidade Internacional”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, Vol. II, págs. 14 e ss..
[2] “Embora [a] Autoridade Tributária e Aduaneira qualifique esta quest[ão] como uma excepção, ela não tem essa natureza, pois a alegada impossibilidade, a verificar-se será uma razão para improcedência e não um obstáculo ao conhecimento do mérito do pedido de pronúncia arbitral” – Processo n.º 41/2021‐T, de 27 de Julho de 2021 (árbitros Jorge Lopes de Sousa, André Festas da Silva e Nuno Cunha Rodrigues).
[3] Refira-se, de passagem, que o erro verificado ao nível da determinação dos Valores Patrimoniais Tributários se revela-se apto a alterar a colecta do AIMI nos mesmos termos em que se revelaria apta a alterar a colecta do IMI, o que, por exemplo, permite deduzir o procedimento de contestação do AIMI, que o legislador não regulou expressamente nos artigos 135.º-A a 135.º-M do CIMI.
[4] Nos próximos parágrafos, seguimos de perto a fundamentação contida no acórdão arbitral de 5 de Maio de 2022, Processo n.º 835/2021‐T (árbitros Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Leonardo Marques dos Santos e Arlindo José Francisco).
[5] Cfr. Almeida, Mário Aroso de & Carlos Fernandes Cadilha (2021), Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, pág. 374.
[6] Novamente seguimos, neste ponto, a fundamentação contida no acórdão arbitral de 5 de Maio de 2022, Processo n.º 835/2021‐T (árbitros Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Leonardo Marques dos Santos e Arlindo José Francisco).
[7] Também neste ponto seguimos a fundamentação contida no acórdão arbitral de 5 de Maio de 2022, Processo n.º 835/2021‐T (árbitros Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Leonardo Marques dos Santos e Arlindo José Francisco).
[8] Uma expressão que retivemos da fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 410/2015, de 19 de Novembro.
[9] Seguimos aqui a fundamentação da decisão arbitral proferida em 4 de Outubro de 2021, Processo n.º 759/2020‐T (árbitro André Festas da Silva).
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