Sumário:
I - As despesas com deslocação em viatura própria, refeições e transportes realizadas em nome e por conta do sujeito passivo e no interesse empresarial são dedutíveis para efeitos fiscais, desde que se encontrem comprovadas documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 23.º do Código do IRC, não sendo exigível a emissão de fatura-recibo pelo beneficiário do reembolso, ainda que este não mantenha uma relação de trabalho subordinado;
II - Tendo sido celebrado entre as partes um acordo extrajudicial pelo qual o contribuinte aceita a redução da dívida existente e se convenciona a inexigibilidade de quaisquer outras importâncias que se considerem devidas, a importância remanescente não pode ser considerada como crédito incobrável para efeito de dedutibilidade fiscal.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., LDA., com sede na ..., ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, contribuinte fiscal n.º..., na qualidade de incorporante daB..., LDA., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade do ato de liquidação adicional de IRC, no montante total de € 104.893,27, relativa ao ano de 2018.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente dedicava-se, no exercício de 2018, à “prestação de serviços, e comercialização de produtos e equipamentos, na área da saúde e emergência médica, com enfoque na área da desfibrilhação automática externa e desenvolvimento, organização e execução de ações formativas na área da saúde e emergência médica.
Na origem da liquidação de IRC está uma ação de inspeção tributária em que a Autoridade Tributária considerou não dedutíveis para efeitos fiscais gastos com compensações pela deslocação em viatura própria, despesas de refeições e transporte e um crédito de natureza incobrável.
Os gastos com compensações pela deslocação em viatura própria, no montante de € 3.233,16, foram efetuados pela procuradora da Requerente, C..., com poderes de representação em vários contratos compreendidos no respetivo objeto social, e, designadamente, no âmbito das operações do programa de Desfibrilhação Automática Externa.
A Requerente apresentou mapas justificativos dos quilómetros percorridos, da viatura utilizada e datas e locais da deslocação, bem como do valor da compensação paga, e a desconsideração dos gastos foi justificada pela Administração apenas com o argumento de que a procuradora não é trabalhadora dependente da Requerente, nem desempenha funções como membro de órgão estatutário e, na ausência de qualquer relação laboral, o exercício da atividade por ela desenvolvida teria de ser enquadrada em rendimentos empresariais ou profissionais em sede de IRS relativamente aos quais seria exigível a emissão de recibo.
A Autoridade Tributária desconsiderou ainda as despesas com refeições, no montante de € 2.778,23, e as despesas com transportes, no valor de € 1.925,65, realizadas pela contabilista certificada D... no exercício das sus funções, em nome e por conta da Requerente. As despesas encontravam-se discriminadas em mapas-resumo e comprovadas documentalmente e a dedutibilidade fiscal não foi aceite pelo facto de não se encontrarem tituladas por fatura-recibo emitida pela prestadora dos serviços.
Quanto estas correções, entende a Requerente que o artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, que define os gastos dedutíveis para determinação do lucro tributável, não faz depender a dedutibilidade dos gastos da existência de remuneração, a título de trabalho dependente ou independente, ou da emissão de recibo, e o que releva é a existência de um vínculo contratual e a conexão dos gastos com a prossecução da atividade empresarial levada a efeito pelo sujeito passivo com o propósito de obtenção de lucros, pelo que as despesas deviam ter sido consideradas para a determinação do lucro tributável.
Por último, a Autoridade Tributária determinou uma correção no montante de € 96.956,23 referente a crédito não cobrado relacionado com um contrato assinado com o Estado da Líbia em 24 de julho de 2013, destinado a prestação de assistência médica e serviços conexos a cidadãos líbios.
Os serviços foram prestados entre outubro de 2013 e Setembro de 2015, nos termos contratualmente acordados, mas no ano de 2015 surgiram constrangimentos impostos pelo Estado Português à concessão de vistos aos cidadãos líbios, que comprometeram a continuidade da execução do contrato, tendo ficado por regularizar, relativamente aos serviços prestados, o montante de € 288.868,25.
A Requerente efetuou diversas diligências junto às autoridades líbias em vista à liquidação da importância em dívida, o que culminou, no início do ano de 2018, com uma proposta de revogação do contrato, apresentada pela Embaixada da Líbia, que previa o pagamento imediato do valor de € 191.912,02.
Em face da intransigência do Estado da Líbia em prosseguir as negociações, a Requerente acabou por outorgar um acordo extrajudicial, em maio de 2018, pelo qual o contrato de prestação de serviços foi revogado mediante o pagamento da importância que havia sido proposta.
A redução do montante da dívida em € 96.956,23 não constituiu uma liberalidade ou um perdão de dívida, mas uma decisão empresarial justificada por critérios de racionalidade económica, e, embora não preencha os requisitos dos créditos incobráveis a que se refere o artigo 41.º do Código do IRC, deverá ser legitimamente considerado como gasto dedutível para efeitos fiscais nos termos do artigo 23.º, n.º 1, desse diploma.
Conclui no sentido da procedência do pedido com fundamento em vício de violação de lei, por limitação indevida à dedutibilidade fiscal de gastos com deslocações, refeições e transportes, e de crédito incobrável, em virtude de se encontrar devidamente comprovado o nexo de causalidade com o interesse económico da Requerente, nos termos previstos no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, reitera a argumentação aduzida no Relatório de Inspeção Tributária, dizendo, em síntese, o seguinte.
Relativamente aos gastos com compensações pela deslocação em viatura própria, não se encontra estabelecido qualquer vínculo laboral com a beneficiária, mas apenas os poderes de representação conferidos pela Requerente, ficando por esclarecer se o trabalho realizado tem alguma relação direta com o sujeito passivo ou está indiretamente conexionado com funções desempenhadas numa outra entidade em relação de grupo.
Por outro lado, também as despesas com refeições e transportes incorridas com serviços prestados pela contabilista certificada não se encontram documentalmente justificadas, nos termos dos n.ºs 4 e 6 do artigo 23.º do Código do IRC, e enquadram-se no conceito de encargos não dedutíveis, segundo o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A.
Quanto ao crédito incobrável resultante de um acordo extrajudicial celebrado entre as partes, no montante de € 96.956,23, corresponde, na prática, à renúncia pela Requerente ao recebimento dessa importância, não se encontrando preenchidos os requisitos do artigo 41.º do Código do IRC que permitam considerar como um gasto do período de tributação, não sendo possível enquadrar esse crédito no âmbito dos gastos dedutíveis para efeitos fiscais nos termos gerais do artigo 23.º do Código do IRC.
Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.
2. No seguimento do processo, houve lugar à reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada à produção de prova testemunhal arrolada, determinando-se, na sequência, a notificação das partes para a apresentação de alegações escritas por prazo sucessivo.
Em alegações, as partes mantiveram as suas anteriores posições.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 24 de agosto de 2022.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente é um sujeito passivo de IRC, que, no exercício de 2018, se dedicava à prestação de serviços e comercialização de produtos e equipamentos, na área da saúde e emergência médica, em especial, na área da desfibrilhação automática externa e ao desenvolvimento, organização e execução de ações formativas na área da saúde e emergência médica.
B) A Requerente foi alvo de uma ação de inspeção tributária interna ao exercício de 2018, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI 20121..., que abrangeu a análise da sua situação tributária em sede de IRC, e determinou correções tributárias, no valor total de € 104.893,27, por desconsideração para efeitos fiscais de gastos com compensações pela deslocação em viatura própria, no montante de € 3.233,16, e de despesas com refeições e transporte, nos montantes parcelares de € 2.778,23 de € 1.925,65, e de crédito incobrável, no montante de € 96.956,23.
C) A Requerente foi notificada em 21 de janeiro de 2022 para exercer o direito de audição prévia relativamente ao projeto de decisão que propunha essas correções e exerceu esse direito através do requerimento que constitui o documento n.º 3 junto ao pedido arbitral.
D) Por ofício de 17 de fevereiro de 2022, a Requerente foi notificada do relatório final de inspeção da tributária, que manteve as correções à matéria coletável de IRC no montante total de € 104.893,27.
E) O Relatório de Inspeção Tributária a que se refere a antecedente alínea D) fundamenta as correções em causa nos seguintes termos:
III.3.2.1 - Deslocações e estadas
III.3.2.1.1 - Compensação Utilização Viatura Própria Kms. pagos - Gerência e Pessoal
O sujeito passivo contabilizou como gasto nas subcontas 62.5.1.1.3.2.1 - Compensação pela utilização de viatura própria, Kms. pagos - não faturados a clientes - com mapa e - Gastos Viatura Própria, o montante de € 3.233,16, referente a despesas com a compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, conforme quadro seguinte:
[…]
A compensação pela deslocação em viatura própria, são despesas para ressarcir o trabalhador pela deslocação em viatura própria ao serviço da entidade patronal, e estão implicitamente dependentes da existência de remuneração.
Quando não exista qualquer relação de trabalho dependente ou desempenho de funções como membro de órgãos estatutários (sócio de capital), não lhe poderão ser atribuídas ajudas de custo ou compensação pela utilização de viatura própria.
Questionado relativamente à relação laboral existente com a beneficiária deste pagamento, o sujeito passivo esclareceu que a beneficiária, é Diretora Operacional da sociedade e representante legal da sociedade e da gerência (Anexo II).
Efetuada a consulta da base de dados da AT (consulta de DMR/Mod. 10/IRS) e a certidão permanente, verifica-se que C..., foi constituída mandatária da sociedade com efeitos a 16-03-2015, contudo, não auferiu, no exercício de 2018 quaisquer rendimentos que lhe tenham sido pagos pelo sujeito passivo, pelo que, poderá concluir-se que não existe qualquer relação de trabalho dependente ou desempenho de funções como membro de órgãos estatutários (sócio de capital).
Verifica-se, assim, que C..., não será trabalhador ou membro dos órgãos sociais do sujeito passivo, não se tratando assim do recebimento de valores, pela compensação pela utilização de viatura própria do trabalhador ou membro dos órgãos sociais, ao serviço da entidade patronal.
Ora existindo qualquer relação laboral entre C... e o sujeito passivo, o exercício da atividade por ela desenvolvida, Diretora Operacional da sociedade, responsável pelo programa DAE e, em simultâneo, representante legal da sociedade e da Gerência, terá de ser enquadrada no disposto no artigo 3.º do Código do IRS, rendimentos empresariais ou profissionais, e, consequentemente, pelas importâncias recebidas, C..., teria de emitir o respetivo recibo de conformidade com a alínea a) do n.º 1 do artigo 115.º do Código do IRS, o que não fez.
Em face do exposto, não poderá o gasto contabilizado nas subcontas 62,5.1.1.3.2.1 e 62.5.1.2.1.0.6, ser fiscalmente dedutível nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º- A do Código do IRC, na medida em que o sujeito passivo não possui os gastos devidamente documentados, conforme preceituam os números 4 e 6 do artigo 23.º do Código do IRC, pelo que mais não resta à Autoridade Tributária se não desconsiderar em sede de IRC, o gasto contabilizado, no montante de € 3233,16.
III.3.2.1.2 - Refeições
O sujeito passivo contabilizou como gasto na subconta 62.5.1.2.1.0.4. - Refeições o montante total de € 2.77823, referente a "despesas D...", conforme quadro seguinte:
[…]
Da análise dos documentos remetidos pelo sujeito verifica-se que dizem respeito a despesas de refeições de D..., contabilista certificada do sujeito passivo, conforme mapas apresentados.
Efetuada a consulta aos meios informáticos disponíveis (consulta de DMR/Mod.10), verifica-se que D... auferiu no exercício de 2018 € 6.300,00 de rendimentos empresariais e profissionais (categoria B), pagos pelo sujeito passivo, tendo sido retido na fonte o montante de € 1.575,00.
D..., emite ao sujeito passivo fatura-recibo eletrónico pelos serviços prestados, conforme Fatura-recibo n.º 29, emitida em 04-04-2018 (Anexo III).
No âmbito das suas funções de contabilista certificada será normal que a mesma efetue deslocações relacionadas com serviços prestados ao sujeito passivo, querendo assim ser ressarcida dos custos suportados.
Assim, analisemos se os documentos de suporte do gasto contabilizado nesta subconta -mapas de resumo das despesas incorridas, em nome da contabilista certificada, e cópias dessas despesas são suficientes, para que o gasto seja aceite como fiscalmente dedutível:
Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais da categoria B, designadamente, os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços, de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS,
Sendo os rendimentos auferidos qualificados de categoria B, os seus titulares são obrigados a emitir fatura, recibo ou fatura-recibo, em modelo oficial, de todas as importâncias recebidas dos seus clientes, pelas prestações de serviços, ainda que a título de provisão, adiantamento ou reembolso de despesas, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 115º do Código do IRS.
Para emissão de faturas, recibos e faturas-recibo, os prestadores dos serviços podem utilizar a aplicação informática "recibos verdes eletrónicos" disponível no Portal das Finanças. Nos modelos disponibilizados nessa aplicação, consta um campo que permite ao prestador de serviços identificar a natureza da importância recebida, ou seja, se diz respeito ao pagamento dos serviços (inclui adiantamentos) ou adiantamento para o pagamento de despesas por conta e em nome do cliente.
Assim, caso o prestador de serviços assinale no recibo ou na fatura-recibo que o montante diz respeito a adiantamento para pagamento de despesas por conta e em nome do cliente, as quais devem estar devidamente registadas e documentadas, o mesmo não se qualifica como rendimento para efeitos de IRS e, consequentemente, não estará sujeito a retenção na fonte de IRS, independentemente de a entidade devedora dispor ou não de contabilidade organizada.
Verifica-se assim, que o documento de suporte dos gastos contabilizados nesta subconta, são mapas em nome de D..., onde se encontram relacionadas as despesas com refeições suportadas e cópias dessas despesas, não tendo sido apresentada qualquer fatura-recibo, emitida pela contabilista certificada, referente a despesas por conta e em nome do cliente,
Verifica-se, pois, que o gasto identificado, não se encontra comprovado por fatura-recibo emitida pelo beneficiário, mas sim por mapas por ele apresentados relativos a despesas que suportou, contudo, as despesas efetuadas pelos prestadores de serviços (trabalhadores independentes), no âmbito da sua atividade, como refeições, alojamento e deslocações são consideradas como gastos inerentes à sua atividade e não da entidade a quem prestam serviço, neste caso, o sujeito passivo.
Em face do exposto, o gasto reconhecido na subconta 62.5.1.2.1.0.4. - Refeições, não é aceite como fiscalmente dedutível, nos termos da alínea C) do n.º 1 do artigo 23.º- A do Código do IRC, na medida em que o sujeito passivo não possui os gastos devidamente documentados, conforme preceituam os números 4 e 6 do artigo 23.º do Código do IRC, pelo que mais não resta à Autoridade Tributária se não desconsiderar tal gasto no montante de € 2.778,23.
III.3.2.1.3 - Táxis/Bilhetes Transporte (16)
O sujeito passivo contabilizou como gasto na subconta - Táxis/Bilhetes Transporte, o montante total de € 3.496,51, referente a despesas de deslocação, da D..., H..., C..., I... .
[…]
O sujeito passivo remeteu cópia dos documentos comprovativos da amostra selecionada, verificando-se que a contabilista certificada apresenta mapas com a relação das despesas suportadas com deslocações e comprovativo dessas deslocações, sem ter emitido qualquer fatura-recibo referente a estas despesas.
[…]
De acordo com o exposto no capítulo III.3.2.1.2. e atendendo a que a contabilista certificada aufere do sujeito passivo, rendimentos da categoria B, estaria a mesma obrigada a emitir fatura, recibo ou fatura-recibo em modelo oficial, de todas as importâncias recebidas dos seus clientes, pelas prestações de serviços, ainda que a título de provisão, adiantamento ou reembolso de despesas, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 115.º do Código do IRS.
Verifica-se, pois, que o gasto reconhecido na contabilidade, identificado no quadro infra, não se encontra devidamente comprovado por fatura-recibo emitida pela contabilista certificada
[…]
Em face do exposto, o gasto reconhecido na subconta 62.5.1.2.2.0.1 - Táxis/Bilhetes Transporte, não é aceite como fiscalmente dedutível, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º- A do Código do IRC, na medida em que o sujeito passivo não possui os gastos devidamente documentados, conforme preceituam os números 4 e 6 do artigo 23.º do Código do IRC, pelo que mais não resta à Autoridade Tributária se não desconsiderar tal gasto no montante de € -1.925,65.
III 3.3 - Dividas Incobráveis
No decorrer do exercício de 2018, a B... contabilizou na subconta 6831 - Outros gastos e perdas - Dívidas Incobráveis - nos termos do art.º 41.º do CIRC (1), o montante de € 96.956,23 relativo a dívidas de clientes.
Solicitados os documentos comprovativos dos valores contabilizados em outros gastos e perdas, o sujeito passivo apresentou cópia de um Acordo celebrado entre o mesmo e o Estado da Líbia e Embaixada da Líbia em Lisboa e um cheque no valor de € 191.912,02 emitido pela Embaixada da Líbia a favor do sujeito passivo (Anexo IV).
Da análise dos elementos apresentados pelo sujeito passivo, conclui-se que foi celebrado um Acordo entre o mesmo e o Estado da Líbia e Embaixada da Líbia, no qual consta que em 24-07-2013 foi celebrado entre as partes um Contrato e que devido a divergências de interpretação quanto aos termos estabelecidos no contrato, existe um litigio relativamente ao total do montante em dívida por parte do Estado da Líbia ao sujeito passivo, não tendo o Estado da Líbia procedido à liquidação de parte das faturas emitidas pelo sujeito passivo.
O sujeito passivo entendia ser devida a quantia total de € 283.868,25t contabilizada na subconta 211130005 - Ministério Saúde da Líbia, e o Estado da Líbia não concordava com o montante em causa.
Desde 2016, que as partes - através dos seus mandatários - permaneceram em negociações, com vista à resolução extrajudicial do litígio, sendo o Acordo apresentado para justificar o movimento efetuado na subconta 6831 - Outros gastos e perdas - Dívidas Incobráveis, o resultado dessas negociações.
De acordo com a cláusula 1 do Acordo, o sujeito passivo reduz o montante inicialmente reclamado para € 191.912,02, tendo este valor sido aceite e pago pelo Estado da Líbia e revogado o Contrato celebrado em 2013.
A subconta 211130005 - Ministério Saúde da Líbia, chega ao final de 2018 com saldo nulo, tendo recebido o montante de € 191.912,02 por parte do Estado da Líbia, e o remanescente sido contabilizado a crédito por contrapartida da conta 6831 — Outros Gastos e Perdas Dívidas Incobráveis — nos termos do art.º 41.º do Código do IRC.
O artigo 41.º do Código do IRC estabelece os requisitos que devem ser cumpridos para que um crédito incobrável seja aceite como fiscalmente dedutível:
1- Os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados gastos ou perdas do período de tributação, ainda que o respetivo reconhecimento contabilístico já tenha ocorrido em períodos de tributação anteriores, em qualquer das seguintes situações, desde que não tenha sido admitida perda por imparidade ou esta se mostre insuficiente:
a)Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do art.º 717.º do Código do Processo Civil;
b)Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado ou quando for determinado o encerramento do processo por insuficiência de bens, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 230.º e do artigo 232.º, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ou após a realização do rateio final, do qual resulte o não pagamento definitivo do crédito;
c)Em processo de insolvência ou em processo especial de revitalização, quando seja proferida sentença de homologação do plano de insolvência ou do plano de recuperação que preveja o não pagamento definitivo do crédito;
d)(revogada);
e)No âmbito de litígios emergentes da prestação de serviços públicos essenciais, após decisão arbitral;
f)Nos termos do regime jurídico da prestação de serviços públicos essenciais, os créditos se encontrem prescritos e o seu valor não ultrapasse o montante de (euro) 750;
g)Quando for celebrado e depositado na Conservatória do Registo Comercial acordo sujeito ao Regime Extrajudicial de Recuperação do Empresas (RERE) quo cumpra com o disposto no n.º 3 do artigo 27. º do RERE e do qual resulte o não pagamento definitivo do crédito;
Ora, no caso em apreço, foi celebrado entre o sujeito passivo e o Estado da Líbia, um Acordo extrajudicial. que reduziu o valor inicialmente em dívida, sendo que, a diferença, entre o valor em dívida e o valor efetivamente pago pelo Estado da Líbia resultante deste acordo, no montante de € 96.956,23, foi contabilizada na subconta 683, como crédito incobrável.
O perdão de um crédito no âmbito de um acordo particular, não permite à sociedade que o concedeu, relevar o montante que deixou de receber como gasto para efeitos fiscais, a menos que respeite as regras fiscais, neste caso em concreto, pelo regime dos créditos incobráveis, previsto no art.º 41.º do Código do IRC. Verifica-se, contudo, que a situação em análise não tem enquadramento nas alíneas do referido artigo.
Com efeito, o perdão de dívida entre entidades distintas, ou seja, a renúncia do credor quanto à obrigação que poderia exigir do devedor, é considerado:
· Rédito tributável para a empresa que viu a sua dívida perdoada;
· Gasto não dedutível para a empresa credora, que decidiu praticar uma liberalidade consubstanciada no ato de prescindir de exercer o seu direito à cobrança do crédito que detinha sobre uma entidade terceiras
Relativamente a este assunto, salienta-se o referido no Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, de 13 de março de 2007, relativo ao Processo n.º 01576/07:
(...) As pessoas coletivas em geral e as sociedades em particular, têm a capacidade de exercício de direitos limitados aos fins que visam prosseguir, não podendo perdoar dividas e dai retirar efeitos fiscais, corno seja o de constituir um custo fora do âmbito em que a lei permite a constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa ou do regime dos custos por créditos incobráveis”.
Face ao exposto, o reconhecimento do gasto, no montante de € 96.956,23, não preenche os requisitos estabelecidos nos artigos 23.º e 41.º do Código do IRC, para que se aceite a sua dedutibilidade para efeitos fiscais, pelo que mais não resta à Autoridade Tributária do que desconsiderar em sede de IRC, o gasto contabilizado nos termos da citada norma.
III.3.4 - Conclusões em sede de IRC
Em conclusão do procedimento de inspeção realizado são propostas as seguintes correções em sede de IRC do exercício de 2018:
F) Na sequência das correções efetuadas em sede de inspeção tributária, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2022 ... e da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., pelo correio registado com data de 10 de março de 2022.
G) Através de procuração outorgada a 18 de Março de 2015, que constitui o documento n.º 5 junto ao pedido arbitral e aqui se dá como reproduzido, a Requerente conferiu poderes de representação a C... para negociar e outorgar contratos no âmbito do objeto social e em que a sociedade seja parte, representar e vincular a sociedade em procedimentos de contratação pública, adquirir, alienar ou onerar quaisquer bens imóveis necessários à sua atividade, assim como celebrar contratos de locação financeira, abrir, movimentar a débito ou a crédito ou encerrar quaisquer contas bancárias, proceder à contratação de trabalhadores, despedir qualquer trabalhador acordando nos respetivos termos e condições, celebrar contratos de prestação de serviços, representar a sociedade junto de quaisquer repartições e entidades públicas ou privadas e representá-la em juízo.
H) A Requerente contabilizou como gastos fiscais as despesas com a compensação pelas deslocações em viatura própria efetuadas pela sua representante C... no montante total de € 3.233,16.
I) A Requerente contabilizou como gastos fiscais as despesas com refeições e transportes efetuadas pela contabilista certificada D..., nos montantes parcelares de € 2.778,23 e 1.925,65.
J) Em 24 de Julho de 2013, foi assinado com o Estado da Líbia um contrato em que a Requerente se comprometia a acolher e garantir tratamento médico em hospitais portugueses a 342 cidadãos líbios e a prestar serviços conexos relacionados com o transporte, logística e regularização da sua situação perante as autoridades portuguesas de controlo de imigração.
K) Nos termos do contrato, foi estabelecido pagar à Requerente um valor individual de € 42.000 para o tratamento médico de cada cidadão líbio, e de € 7.500 para o transporte, logística e estadia e ainda um valor mensal de € 1.050 durante um período máximo de 3 meses para reembolso de despesas.
L) Foi ainda estabelecido que qualquer litígio emergente entre as partes, que não fosse possível solucionar por via amigável ou extrajudicial, deveria ser resolvido de acordo com as disposições arbitrais da Câmara de Comércio Internacional de Paris, devendo a ação arbitral decorrer em Paris.
M) Os serviços foram prestados pela Requerente nos termos contratualmente acordados entre outubro de 2013 e setembro de 2015, tendo recebido tratamento médico em Portugal 3 grupos de pacientes cidadãos líbios, num total de 163.
N) Os serviços prestados entre outubro de 2013 e Setembro de 2015 atingiram o montante total de € 8.431.282,50, correspondentes a tratamentos médicos, no valor de € 6.846.000, a despesas de logística e transporte, no valor de € 1.222.50, e a despesas de “pocket money” dos doentes e acompanhantes, no valor de € 362.782,50.
O) O Estado da Líbia procedeu o pagamento de € 8.142.414,25, tendo ficado pendente de regularização a importância de € 288.868,25.
P) No ano de 2015, surgiram constrangimentos impostos pelo Estado Português à concessão de vistos aos cidadãos líbios, que comprometeram a continuidade da execução do contrato.
Q) Por carta de 1 de Dezembro de 2015, enviada à Embaixada da Líbia, que constitui o Documento n.º 7 junto ao pedido arbitral e aqui se dá como reproduzida, a Requerente refere que sem a concessão dos vistos aos doentes não é possível encaminhar os doentes de nacionalidade Líbia para tratamento em território nacional e, portanto, por motivos de força maior, se encontra impedida de desempenhar as tarefas contratuais a que estava vinculada.
R) Por requerimento dirigido ao Ministério da Administração Interna, em Junho de 2015, que constitui o Documenton.º 8 junto ao pedido arbitral e aqui se dá como reproduzido, a Requerente formulou um pedido de informação quanto às circunstâncias que impedem a concessão de vistos aos cidadãos líbios, solicitando a indicação do prazo previsto para ser proferida decisão.
S) Em 4 de Janeiro de 2016, a Requerente enviou nova carta à Embaixada da Líbia, que constitui o documento n.º 9 junto ao pedido arbitral e aqui se dá como reproduzida, na qual reitera o interesse na continuidade da execução do contrato de prestação de serviços, esclarecendo que a impossibilidade de lhe dar seguimento se deve à ausência de resposta das autoridades nacionais aos pedidos de concessão de vistos, e solicita a regularização da dívida existente no montante de € 288.868,25.
T) Em 26 de Abril de 2017, a mandatária da Requerente, Dr.ª E..., enviou uma carta à sociedade de advogados F..., que constitui o documento n.º 10 junto ao pedido arbitral e aqui se dá como reproduzida, que, com referência ao contrato celebrado com o Estado da Líbia, reitera a intenção de continuar o programa de assistência aos doentes líbios e informa que, caso o Estado da Líbia não proceda ao pagamento da importância em dívida no prazo de 5 dias, iniciará um processo arbitral junto da Câmara de Comércio Internacional de Paris.
U) No início do ano de 2018, a Embaixada da Líbia, através do email que constitui o documento n.º 11 junto ao pedido arbitral e aqui se dá como reproduzido, apresentou uma proposta de revogação do contrato mediante o pagamento imediato do valor de € 191.912,02.
V) Em 23 de maio de 2018, a B... e o Estado da Líbia e a Embaixada da Líbia celebraram um acordo que, na parte que revela, é do seguinte teor:
B..., Lda., pessoa colectiva n.º..., com sede na rua ..., ..., concelho de Lisboa, neste ato representada por. C..., na qualidade de procurador, adiante designada por B...
e
Estado da Líbia e a Embaixada da Líbia, neste ato representados por G..., na qualidade de Encarregado de Negócios da Embaixada da Líbia em Lisboa, e adiante indistintamente por Estado da Líbia,
Conjuntamente designadas de "Partes",
Considerando que:
A. As Partes celebraram, em 24.07.2013, o Contrato que se junta em anexo ao presente Acordo, doravante o "Contrato";
B. Dada a divergência de interpretação quanto aos termos estabelecidos no Contrato entre as Partes relativamente ao total do montante em dívida por parte do Estado da Líbia à B..., não tendo o Estado da Líbia procedido à liquidação de parte das faturas emitidas pela B... ao abrigo da relação contratual em causa;
C. A B... entendia ser devida a quantia total de € 288.868,25 e o Estado da Líbia não concordava com o montante em causa;
E. Desde 2016 que as Partes através dos seus Mandatários permaneceram regularmente em contacto, em negociações, com vista à resolução extrajudicial do litígio;
F. O presente Acordo, designadamente a redução do montante a pagar pelo Estado da Líbia, é resultado das negociações havidas e manifesta a intenção das Partes de alcançar um acordo extrajudicial para o litígio do Considerando B. supra e proceder à revogação do Contrato.
É, de boa-fé, reciprocamente celebrado o presente acordo, o qual é regido pelos considerandos supra e pelas cláusulas seguintes:
Cláusula 1
(Objeto e Pagamento)
1. Com vista a colocar termo ao litígio enunciado no considerando B. supra.
1.1. A B... reduz o montante inicialmente reclamado para 191.912,02 € (cento e noventa e um mil novecentos e doze euros e dois cêntimos) que o Estado da Líbia aceita pagar nos termos do presente Acordo;
1.2. A B... e o Estado da Líbia revogam por mútuo acordo o Contrato em anexo;
2. A quantia referida no parágrafo supra é paga pelo Estado da Líbia à B... na data da celebração do presente Acordo, por meio de cheque bancário com o n.º..., emitido pelo Banco Millennium BCP à ordem de B..., encontrando-se a eficácia do presente Acordo dependente da boa cobrança do mencionado choque no montante referido no parágrafo 1.1.
Cláusula 2
(Declarações e Garantias)
1. Com a celebração do presente Acordo e uma vez rececionado pela B... o montante referido na Cláusula 1, parágrafo 1.1, as Partes declaram expressamente nada mais ter a haver ou reclamar uma da outra, seja a que título for por referência ao Contrato em anexo e litigio descrito no Considerando e/ou à factualidade que subjaz à referida relação contratual, encontrando-se plenamente paga e satisfeita toda e qualquer verba ou quantia porventura lhe fosse ou pudesse ser devida, a que título for, no que se refere ao Contrato.
2. Com a celebração do presente Acordo e uma vez rececionado pela B... o montante referido na Cláusula 1, parágrafo 1.1, as Partes declaram expressa, absoluta e incondicionalmente revogar o Contrato.
3. O presente Acordo constitui o acordo integral entre as Partes respeitante aos assuntos nele versados, sobrepondo-se e revogando quaisquer declarações ou compromissos anteriores, verbais ou escritos, relativos às matérias aqui reguladas, inclusive no Contrato, e não poderá ser alterado ou modificado verbalmente, mas apenas por documento escrito assinado pelas Partes.
4. O presente Acordo, assinado com reconhecimento presencial da assinatura de todos os presentes por termo de autenticação, constitui título executivo bastante nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 703.º do Código de Processo Civil, considerando-se abrangidos pelo título executivo os juros que seja necessário calcular.
5. As Partes renunciam a qualquer imunidade de jurisdição e execução nos mais amplos termos permitidos
[…].
W) Na mesma data de 23 de maio de 2018, a sociedade B... passou quitação do recebimento da importância de € 191.912,02.
X) A Requerente, no âmbito do procedimento inspetivo, juntou recibos de despesas referentes a deslocações em viatura particular da sua representante C..., nos montantes parcelares de € 34,30, € 91,44, € 449,28, € 1.484,28, € 277.20, € 293,76, € 298,08 e € 304,92, no total de € 3.233,16.
Y) A Requerente, no âmbito do procedimento inspetivo, juntou mapas de despesas com refeições e documentos comprovativos relativos à contabilista certificada D..., nos montantes parcelares de € 71,00, € 40,45, € 157,72, € 462,33, € 55,50, € 17,10, € 150,21, € 22,27, € 789,37, € 380,66, € 102,15, € 18,15, € 36,00, € 167,66, e € 307,66, no total de € 2.778,23.
Z) A Requerente, no âmbito do procedimento inspetivo, juntou mapas de despesas com transportes e documentos comprovativos relativos à contabilista certificada D..., nos montantes parcelares de € 830,49, € 60,15, € 139,16, € 9,00, € 512,35, € 33,05, € 15,65 e € 325,80, no total de € 1.925,65
T) O pedido arbitral deu entrada em 9 de junho de 2022.
Factos não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, e na prova testemunhal produzida em audiência.
Matéria de direito
5. Na sequência de um procedimento inspetivo incidente sobre o exercício de 2018, a Autoridade Tributária procedeu à alteração à matéria coletável em IRC imputável à Requerente, no montante global de € 104.893,27, em resultado de não terem sido considerados dedutíveis para efeitos fiscais os gastos com a compensação pelas deslocações em viatura própria efetuadas pela procuradora da Requerente, no montante de € 3.233,16, bem como as despesas com refeições e transportes realizadas pela contabilista certificada, nos montantes parcelares de € 2.778,23 e € 1.925,65, e ainda um crédito não cobrado relacionado com um contrato assinado com o Estado da Líbia em 24 de Julho de 2013, destinado a prestação de assistência médica e serviços conexos a cidadãos líbios, no montante de € 96.956,23.
O pedido arbitral incide sobre a legalidade das correções tributárias, sendo estas as questões que cabe dirimir.
Despesas de deslocação em viatura própria
6. Para justificar a não dedutibilidade dos gastos com a compensação de deslocações em viatura própria, a Autoridade Tributária considera que essa compensação se destina a ressarcir o trabalhador pela deslocação e está implicitamente dependente da existência de remuneração. Não existindo qualquer relação laboral entre o sujeito passivo e a sua representante o pagamento teria de ser enquadrado em sede de IRS no âmbito de rendimentos empresariais ou profissionais, havendo lugar à emissão de fatura e recibo por parte do titular dos rendimentos, não sendo suficiente a elaboração de um mapa que permita efetuar o controlo das deslocações.
A Requerente contrapõe que apresentou mapas justificativos dos quilómetros percorridos, da viatura utilizada e datas e locais da deslocação, bem como do valor da compensação paga, e refere ainda que o relevante, para o efeito, é a conexão dos gastos com a a atividade empresarial levada a efeito pelo sujeito passivo para a obtenção de lucros, e não a existência de uma relação de trabalho dependente entre a empresa e o beneficiário dos rendimentos.
Estando em causa, em qualquer das questões em análise, a dedutibilidade para efeitos fiscais de gastos incorridos pelo sujeito passivo, interessa ter presente, num primeiro momento, a disposição do artigo 23.º do Código de IRC.
Na redação resultante da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com efeitos desde 1 de Janeiro de 2014, e aplicável ao período de tributação em análise, o n.º 1 desse preceito passou a dispor que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.
Embora a nova redação tenha afastado o requisito de indispensabilidade do gasto, continua a ser exigível, para a sua relevância fiscal, a conexão entre os gastos e o interesse empresarial, ainda que não significando uma necessária relação causal entre os gastos e os rendimentos.
Tem-se como assente e constitui entendimento jurisprudencial firme que da “noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.º do Código de IRC não resulta que a Administração Tributária possa pôr em causa o princípio da liberdade de gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram diretamente proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa (cfr. acórdão do TCA Sul de 6 de outubro de 2009, Processo 03022/09 e, em idêntico sentido, acórdão do TCA Norte, de 12 de janeiro de 2012, Processo 00624/05).
Nessa mesma linha de entendimento, o STA, referindo-se ao antigo conceito de indispensabilidade, e chamando a atenção para o carácter casuístico do seu preenchimento, formula o seguinte critério:
“A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizados como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito”.
Vindo o mesmo aresto a concluir que, “sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou, ao menos, com nítido excesso desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa” (acórdão de 29 de março de 2006, Processo nº 1236/05).
Em síntese conclusiva, deve entender-se que a atividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito (e não um obrigatório nexo de causalidade imediata) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento. Nesse sentido, a atividade produtiva não deverá ser entendida em sentido restritivo, mas sim em sentido amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Ao buscar-se o sentido do conceito de atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços, mas pressupõe uma relação com as operações económicas globais de exploração ou com as operações ou atos de gestão que se insiram no interesse próprio da entidade que assume os custos (cfr. neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 480/2016).
É nesse âmbito compreensivo que se enquadra a nova redação introduzida pela Lei n.º 2/2014, que, visando implementar um maior grau de certeza na aplicação concreta dos critérios de dedutibilidade, passou a consagrar como princípio geral que são dedutíveis os gastos relacionados com atividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados, reforçando a ideia de que basta a conexão com a atividade empresarial, independentemente da efetiva contribuição para os rendimentos sujeitos a imposto (cfr. Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, 30 de junho de 2013).
A cláusula geral de dedutibilidade está ainda assim dependente de diversos requisitos e, entre eles, a prévia contabilização do gasto como decorrência da correlação entre o lucro fiscal e o lucro contabilístico (artigo 17.º do Código de IRC) e de que resulta que o reconhecimento do gasto para efeitos fiscais tem pressuposto a sua relevação contabilística na demonstração financeira da sociedade. Tornando-se ainda exigível que o gasto se encontre comprovado documentalmente, como ressalta do artigo 23.º, n.º 3, que se traduz na necessidade de suporte contabilístico do gasto para efeito de um possível controlo pela administração tributária.
Estando em causa a compensação pela deslocação em viatura própria tem relevo chamar à colação a norma do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea h), do Código de IRC, que dispõe o seguinte:
1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
(…)
h) As ajudas de custo e os encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seja possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência, objetivo e, no caso de deslocação em viatura própria do trabalhador, identificação da viatura e do respetivo proprietário, bem como o número de quilómetros percorridos, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário;
(…).
Nos termos dessa disposição, a dedutibilidade para efeitos fiscais de ajudas e encargos com compensação por deslocações depende da demonstração contabilística, a cargo do sujeito passivo, mediante a elaboração de um mapa que contenha os elementos de informação que se encontram aí mencionados e que se destina a efetuar o controlo das deslocações que tenham sido realizadas.
A norma tem, no entanto, como pressuposto a existência de uma relação de trabalho subordinado entre o sujeito passivo e o beneficiário da compensação, referindo-se especificamente a “ajudas de custo e encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes”.
É essa relação laboral, que tem subjacente a prestação de atividade a outrem mediante uma retribuição como contrapartida do trabalho realizado, que justifica, do ponto de vista legislativo, a inexigibilidade da prova documental dos gastos incorridos nos termos no artigo 23.º, n.ºs 3 e 4, sendo suficiente para a dedutibilidade fiscal dos encargos a apresentação de um mapa de controlo que permita demonstrar a efetividade das despesas.
No entanto, a alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º-A, no seu segmento final, exceciona as situações em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário, o que ocorre, designadamente, quando não se encontrem verificadas as condições de atribuição das ajudas de custo ou da compensação pela deslocação em viatura própria. E esse é o caso quando não forem devidas ajudas de custo nos termos legalmente previstos e as ajudas de custo ou a compensação pela deslocação excedam os limites legais aplicáveis (cfr., neste sentido, O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (Manual do IRC), edição da Autoridade Tributária e Aduaneira, 2016, pág. 123).
Em tal circunstância, os pagamentos efetuados a título de ajudas de custo ou compensação pela deslocação, na medida em que não possuem uma função meramente ressarcitória de despesas realizadas pelo trabalhador, constituem rendimentos empresariais ou profissionais da categoria B, nos termos do artigo 3.º do Código do IRS, havendo lugar a tributação em sede de IRS e à emissão de fatura e recibo conforme o previsto no artigo 115.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma.
Não há, no entanto, nenhum motivo para aplicar esse mesmo regime de tributação quando o beneficiário não é trabalhador da entidade que suporta as despesas. Com efeito, a norma do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea h), limita-se a estipular os requisitos de ordem contabilística de que fica dependente a dedutibilidade das ajudas de custo e de encargos com compensação pela deslocação em viatura própria, no âmbito de uma relação laboral subordinada. Daí não é possível concluir que não poderão ser atribuídas ajudas de custo ou compensação por deslocações quando não exista essa relação laboral. O que sucede, neste outro caso, é que os gastos incorridos pelo sujeito passivo apenas são dedutíveis nos termos gerais do artigo 23.º do Código do IRC, cabendo averiguar se as despesas foram realizadas no interesse empresarial e se quanto a elas, atendendo à sua específica natureza, podem considerar-se verificados os parâmetros de controlo contabilístico especialmente exigíveis.
Na situação do caso, a beneficiária da compensação detém poderes de representação para a prática de uma diversidade de atos jurídicos por conta da Requerente no âmbito de uma relação jurídica de mandato, que se encontra regulada nos artigos 1157.º e seguintes do Código Civil. O mandato presume-se gratuito, salvo quando tenha por objeto atos que o mandatário pratica como profissão, como sucede no âmbito do mandato judicial, que se considera presuntivamente como oneroso (artigo 1158.º). Por outro lado, o mandante está sujeito a diversas obrigações e, entre elas, a de pagar a retribuição quando for devida e reembolsar o mandatário das despesas feitas quando tenham sido fundadamente consideradas indispensáveis pelo mandatário (artigo 1167.º, alíneas b) e c)).
O mandato distingue-se, por seu turno, do contrato prestação de serviços que é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho, não ficando o obrigado sujeito à autoridade e direção do outro contraente.
Como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 23.º do Código do IRC, os gastos dedutíveis “devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”. Tratando-se de aquisição de bens ou serviços, a documentação exigível seria a constante do n.º 4, que, na redação resultante da reforma de IRC de 2014, consagrou o entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência no sentido de considerar como bastantes, para a dedutibilidade do gasto, os elementos que identifiquem a operação realizada (sujeitos, objeto, data e preço). E que afasta, por conseguinte, os requisitos mais exigentes do artigo 36.º, n.º 5, do Código do IVA quanto às formalidades das faturas para efeito do direito de dedução do imposto (cfr. Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, 2019, Coimbra, págs. 105-106).
Ora, a Requerente apresentou, no âmbito do procedimento inspetivo, recibos de despesas referentes a deslocações efetuadas em viatura própria pela sua representante, com indicação dos números de identificação fiscal do mandante e do mandatário, da identificação da viatura e do proprietário, data e finalidade da deslocação e local de origem e de destino, bem como o número de quilómetros percorridos e o valor da compensação, pelo que se encontra comprovada documentalmente a realização das despesas e sua conexão com a atividade empresarial da Requerente e preenchidos os requisitos de dedutibilidade para efeitos fiscais.
Por outro lado, não estando em causa uma relação de trabalho, não é aplicável a exceção a que se refere o segmento final do artigo 23.º-A, alínea h), do Código do IRC. E não estando demonstrado que não se verificavam as condições de atribuição da compensação ou que esta era excessiva, também não há motivo para enquadrar as importâncias auferidas a esse título como rendimentos profissionais sujeitos a tributação em sede de IRS.
Por todo o exposto, o pedido arbitral mostra-se ser procedente nesta parte.
Despesas com refeições e transportes
7. A Autoridade Tributária desconsiderou as despesas com refeições e transportes realizadas pela contabilista certificada no exercício das suas funções, em nome e por conta da Requerente por considerar que não se encontram documentalmente justificadas, nos termos dos n.ºs 4 e 6 do artigo 23.º do Código do IRC, mediante a emissão da fatura-recibo, e se enquadram no conceito de encargos não dedutíveis, segundo o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A.
A Requerente alega que as despesas se encontram discriminadas em mapas-resumo e comprovadas documentalmente e estão conexionadas com a sua atividade empresarial, preenchendo os requisitos de dedutibilidade fiscal a que se refere o artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC.
Quanto a esta matéria são aplicáveis mutatis mutandis as considerações já anteriormente expendidas, em tese geral, a propósito das despesas de deslocação.
O débito de despesas com refeições e transportes realizadas pela contabilista certificada no exercício das suas funções em benefício e no interesse da Requerente não constitui em si uma prestação de serviços, na medida em que não implica, em substância, o exercício de uma atividade económica, e não corresponde a uma contrapartida pelo serviço prestado mas antes ao reembolso das quantias pagas em nome e por conta do sujeito passivo (quanto ao conceito de prestação de serviços, cfr. Clotilde Celorico Palma, Introdução a Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 6.ª edição, págs. 82-83).
Não estando em causa uma prestação de serviços não é aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 23.º do Código do IRC, que se refere às situações em que o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado a emitir fatura ou documento legalmente equiparado, e remete para o preenchimento dos requisitos mais exigentes do artigo 36.º, n.º 5, do Código do IVA quanto às formalidades das faturas para efeito do direito de dedução do imposto.
Nem tão pouco é exigível, nesse caso, que a despesa se encontre comprovada por documento que contenha as menções constantes do n.º 4 desse artigo 23.º, destinadas a identificar as principais características da operação realizada, visto que esse meio de prova, sendo subsidiário relativamente à emissão de fatura, apenas se aplica a gastos incorridos ou suportados pelo sujeito com a aquisição de bens ou serviços.
Deve notar-se, a este propósito, que as especiais exigências quanto ao conteúdo das faturas em sede de IVA encontram-se justificadas pelo facto de o documento funcionar como um título de crédito que permite deduzir ao IVA a entregar ao Estado o imposto incorrido a montante, compreendendo-se que esse mesmo grau de exigência se não verifique em relação aos documentos comprovativos dos gastos a deduzir para a determinação do lucro tributável, (cfr. Gustavo Lopes Courinha, ob. cit., pág. 105).
A regra aplicável é, pois, a do n.º 3 do artigo 23.º onde se consigna que os gastos dedutíveis “devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”.
Revertendo ao caso concreto, constata-se que as despesas com refeições e transportes estão discriminadas em mapas-resumo e comprovadas documentalmente. A Autoridade Tributária não põe em causa a realização das despesas, nem a sua quantificação ou a conexão com a atividade empresarial do sujeito passivo, baseando a correção tributária unicamente na necessidade da emissão de fatura-recibo, que, como se deixou exposto, não tem qualquer cabimento no caso, quando o que está em causa é o mero reembolso de despesas e não uma prestação de serviços.
O pedido arbitral mostra-se ser procedente também neste ponto.
Crédito incobrável
8. A Autoridade Tributária desconsiderou o crédito de € 96.956,23, contabilizado como gasto fiscal do período de tributação, por entender que, por acordo extrajudicial celebrado com o Estado da Líbia, a Requerente reduziu o valor da dívida inicialmente existente e renunciou ao recebimento dessa importância, não podendo relevar esse montante como gasto fiscal a menos que se encontrassem preenchidos os requisitos do artigo 41.º do Código do IRC para os créditos incobráveis.
A Requerente defende que redução do montante da dívida em € 96.956,23, por efeito do acordo extrajudicial, não constituiu uma liberalidade ou um perdão de dívida, mas uma decisão empresarial justificada por critérios de racionalidade económica, e, embora não preencha os requisitos dos créditos incobráveis a que se refere o artigo 41.º do Código do IRC, deverá ser considerado como gasto dedutível para efeitos fiscais nos termos do artigo 23.º, n.º 1.
É esta a questão que cabe agora apreciar.
Como resulta da factualidade dada como assente (alínea T) da matéria de facto), a B... e o Estado da Líbia e a Embaixada da Líbia celebraram um acordo extrajudicial em 24 de julho de 2013, pelo qual aquela entidade - entretanto incorporada pela Requerente -, em vista a colocar termo ao litígio existente entre as partes, reduz o montante da dívida inicialmente reclamado para € 191.912,02, que o Estado da Líbia aceita pagar, e ambas partes revogam, por mútuo acordo, o contrato de serviços entre elas celebrado (cláusula 1).
Nos termos do mesmo acordo, as partes declaram nada mais ter a haver ou reclamar uma da outra e que se encontra plenamente paga e satisfeita toda e qualquer verba ou quantia que porventura fosse devida, seja a que título for (cláusula 2).
Como decorre ainda dos considerandos preliminares, o acordo tinha em vista, na sequência das negociações havidas, a redução do montante a pagar pelo Estado da Líbia e a revogação do contrato de prestação de serviços, por existirem divergências de interpretação quanto aos termos estabelecidos no contrato e discordância do Estado da Líbia quanto à dívida, no montante total de € 288.868,25, que a B... considerava pendente.
Tendo havido acordo, nos termos expostos, quanto à redução da dívida e a revogação do contrato em vista a pôr termo ao litígio existente entre as partes, e tendo-se convencionado uma cláusula de não exigibilidade de quaisquer outras importâncias que se considerem devidas, parece claro que não só não existe um crédito da importância remanescente, na medida em que por acordo extrajudicial houve lugar à redução da dívida inicialmente existente, como também essa importância não poderia qualificar-se como crédito incobrável uma vez que a interessada renunciou a exercer o seu direito quanto ao cumprimento da obrigação.
Ainda que assim não fosse, nos termos previstos no artigo 41.º, n.º 1, do Código do IRC, os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados gastos ou perdas do período de tributação apenas nas situações elencadas nessa norma, e, designadamente, quando tenha ocorrido a extinção da execução por não terem sido encontrados bens penhorados ou tenha sido decretada a insolvência da entidade devedora, condições essas que – como a Requerente reconhece – não se encontram verificadas na situação do caso.
Sendo essa uma norma especial relativa à qualificação dos créditos incobráveis como gastos fiscais, a ausência dos requisitos específicos de dedutibilidade que nela se encontram previstos impede que o valor considerado em dívida possa ser considerado como gasto nos termos gerais do artigo 23.º do Código do IRC.
Por todas as apontadas razões, o pedido arbitral mostra-se ser, nesta parte, improcedente.
III – Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido arbitral e anular o ato de liquidação de IRC n.º 2022 ... relativamente a despesascom compensação pela deslocação em viatura própria, no montante de € 3.233,16, e a despesas com refeições, no montante de € 2.778,23, e com transportes, no montante de € 1.925,65;
b) Julgar improcedente o pedido arbitral e manter na ordem jurídica o ato de liquidação de IRC quanto ao alegado crédito incobrável, no montante de € 96.956,23.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 104.893,27, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, que fica a cargo da Requerente e da Requerida na percentagem de 92,40% e 7,60, respetivamente.
Notifique.
Lisboa, 22 de fevereiro de 2023
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
Francisco Carvalho Furtado
A Árbitro vogal
Ana Pinto Moraes