Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 360/2022-T
Data da decisão: 2023-02-17  IRS  
Valor do pedido: € 105.693,71
Tema: IRS – Mais-valias anteriores a 1989 – Regime transitório do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro.
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Sumário:

I - O Código do IRS prevê na alínea a) do n.º 1 do seu artigo 10.º que «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, de capitais ou prediais, resultem de: a) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…).»

II – Não obstante a escritura definitiva de compra e venda ter sido já celebrada em 1989, todos os atos materiais identificativos da transmissão tiveram lugar em 1988, incluindo o pagamento da SISA, é manifesto que o ganho que a Requerente obteve não se encontra sujeito a IRS, por aplicação do regime transitório do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro

 

 

Os Árbitros Guilherme W. d´Oliveira Martins, José Campos Amorim e Jorge Bacelar Gouveia, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. A Requerente A..., solteira, maior, com morada em ..., Cx  Postal ...,  ..., ...-... ..., portadora do cartão de cidadão português ..., válido até 26 de Fevereiro de 2028, contribuinte fiscal ..., notificada da decisão de indeferimento de reclamação graciosa que obteve o número de processo acima indicado, vem requerer a nomeação de Tribunal Arbitral que se pronuncie sobre a legalidade da liquidação do IRS da ora impugnante, relativa ao ano 2020, que sujeita ao pagamento de imposto, a mais-valias realizada com a alienação do prédio misto denominado “... e ...”, situado na freguesia de ..., concelho de ..., com os factos e fundamentos seguintes:
    1. A ora impugnante adquiriu em 19 de Abril de 1988, o prédio rústico inscrito na matriz respetiva sob o artigo ... da Secção U, onde se encontravam implantadas as construções atualmente inscritas na matriz sob os artigos ... e .., e ainda umas dependências que vieram a ser relocalizadas e ampliadas, conforme projeto apresentado na Câmara Municipal de ... em 19 de Outubro de 1988.
    2. Foi nesta data, 19 de Abril de 1988, que o Senhor Advogado, Dr. B..., em representação dos vendedores, Senhor C... e mulher, D..., substabeleceu no advogado da impugnante, o Senhor Dr. E..., os poderes irrevogáveis que o casal lhe dera quatro dias antes, para vender o prédio (Doc. 1e 2).
    3. E lhe entregou a posse da propriedade e, simbolicamente, as chaves das portas dos urbanos, o que o advogado da impugnante aceitou, para esta.
    4. Sendo que, além da procuração/substabelecimento dos poderes irrevogáveis para vender, as partes formalizaram um contrato promessa de compra e venda, redigido em 15 de Abril de 1988 e assinado em 19 de Abril de 1988.
    5. Procedimentos necessários porque, ao tempo não era possível um estrangeiro fazer a compra, procedendo à introdução de divisa estrangeira para o pagamento do preço, sem a autorização do Banco de Portugal (Doc. 4).
    6. Investida da posse, em nome próprio e na convicção de ser a verdadeira dona, a ora impugnante passou a usufruir do prédio e modificá-lo, sem prestar contas a ninguém;
    7. Logo tratou de começar os trabalhos, intervindo fisicamente no prédio, fazendo obras de reparação nas casas já existentes, procedendo a limpezas do terreno e, por si e através de pessoa que contratou, como se observa no conjunto de fotografias, tiradas na propriedade em causa e/ a propósito desta, reveladas em Novembro e Dezembro de 1988, como inscrito no verso das mesmas, onde figuram algumas das testemunhas que abaixo se indicam e a ora impugnante, (doc. 5).
    8. É como verdadeira dona que a ora reclamante, contrata a execução de um projeto de Agro-Turismo para o prédio, que se baseava na atividade agrícola, com o cultivo da terra e a criação de cavalos, com o complemento da atividade do turismo equestre; e cuja arquitetura, que previa a construção de 5 moradias, é apresentada a aprovação pela Câmara Municipal de ... em 19 de outubro de 1988 (Doc. 6 a 9).
    9. E que, precisou de tempo para ser pensado, trabalhado e preparado, como revela o parecer da Reserva Agrícola Nacional requerido em 27 de junho de 1988 e emitido em 23 de agosto do mesmo ano (Doc. 10).
    10. E também foi como verdadeira dona que passou a ser vista por todos, incluindo pelos seus novos vizinhos.
    11. A autorização do Banco de Portugal foi dada em 18 de novembro de 1988. (Doc. 14).
    12. O imposto sobre a transmissão, a SISA foi paga ainda no ano de 1988, em quinze de dezembro (Doc.11), depois de se ter marcado a escritura que formalizou a compra, para o dia 12 de janeiro de 1988, quando se reuniu a condição da disponibilidade de advogado/procurador, compradora e notário.
    13. No dia marcado foi outorgada a dita escritura, 12 de janeiro de 1988;
    14. Tendo sido outorgantes, tão só, a ora impugnante e o seu advogado. Pois, a formalização do negócio já só interessava aquela; estando o vendedor já, absolutamente satisfeito com o negócio concluído e o preço recebido. (doc. 12).
    15. Acontece que, feita a venda do prédio em 15 de maio de 2020 (doc. 13), por desconhecimento de quem fez o preenchimento e submissão da primeira declaração relativa a esse ano, foi erroneamente indicada como data de aquisição, a data da outorga da escritura de compra e venda.
    16. Esta declaração foi liquidada e a liquidação notificada e, causando estranheza um tão alto valor de imposto a pagar, apuradas as causas e reunida documentação, decidiu-se entregar nova declaração, com o anexo “G1”, de substituição, e apresentar os documentos fundamentando o procedimento, que acabou por ser convolado na Reclamação Graciosa de cuja decisão agora se impugna, notificada a impugnante em 9 de março pp. (doc 14).
    17. Tal reclamação fez-se com base no facto da posse do prédio ter sido adquirido antes da entrada em vigor do Código do IRS, tendo sido outorgado contrato promessa de compra e venda, no qual se sujeitou o negócio a execução específica e também procuração dos vendedores com poderes irrevogáveis para permitir a sua libertação de quaisquer diligências e/procedimentos burocráticos relativos ao prédio.
    18. Invoca que a venda do prédio, em 2020, não está sujeita a imposto sobre as mais-valias realizadas, por verificação do estatuído na norma de “transição” contida no artigo 5º, nº. 1 do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de novembro, que refere só ficarem sujeitas ao IRS os ganhos obtidos com a transmissão de bens ou direitos cuja aquisição se haja realizado depois de 1 de janeiro de 1989, data da entrada em vigor deste Decreto-lei, que aprovou o Código do IRS (art.º 2º);
    19. Não se verificando a sujeição a imposto sobre o IRS ao abrigo da legislação anterior, o Decreto-lei 46373, de 9 de junho de 1965;
    20. E considerando a verificação, no nosso caso, da concretização da transmissão, com a tradição do prédio, no momento previsto na alínea a) do nº. 3 do artigo 10º do Código do IRS, que se refere à situação de ter existido contrato promessa de compra e venda.
    21. Fica demonstrado, pelos documentos juntos e pela prova que se propõe fazer, que tal aquisição/empossamento do prédio pela impugnante, como verdadeira dona se deu antes de 1 de janeiro de 1989 (nº. 2 do art.º 5 do DL 442-A/88).
    22. Deixa-se a chamada de atenção de que o código da SISA, à semelhança do actual IMT, que incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade sobre bens imóveis situados no território nacional, tinha por base um conceito fiscal de transmissão mais amplo que o conceito do direito privado, considerado como transmissão quer as promessas de compra e venda de imóveis, logo que houvesse tradição dos imóveis para o promitente comprador;
    23. Quer a outorga da procuração que conferisse poderes de alienação de bem imóvel, com renúncia ao direito de a revogar.
    24. Sendo que, no nosso caso, se encontravam preenchidos ambos os requisitos.
    25. E que o imposto de SISA foi liquidado e pago antes do final do ano de 1988 (doc.13).
    26. Temos, obrigatoriamente, de tratar fiscalmente, de forma unívoca-factos e recíproca-contribuintes-vendedor/promitente-vendedor ou mandante de procuração irrevogável, que a lei diz que obtém o ganho com a tradição ou posse do bem ou com a outorga de procuração irrevogável e comprador/promitente-vendedor e Administração Tributária, considerando o momento da posse e/ da outorga da procuração irrevogável como o momento da obtenção do ganho e momento da aquisição!
    27. Salienta-se que não se pode aceitar que se diga na proposta de decisão em crise que “o facto gerador para efeitos de IRS não se dá com a realização da procuração irrevogável nem com o pagamento da Sisa, mas apenas com a celebração da escritura de compra e venda, por força do disposto no artigo 10º, nº. 1, alínea a) do CIRS”, com referência à Informação Vinculativa 481/2020, pois o que se informa nesta ficha doutrinária é que, o procurador, mesmo de poderes de venda irrevogáveis, não é o sujeito passivo de IRS! Sendo que a referência ao momento da escritura de compra e venda não se pode retirar do contexto especial do caso tratado nessa informação; que no seu ponto 2 diz “Na circunstância, só….”, vindo esta argumentação, descontextualizada para o nosso caso; e aqui, sem cabimento.(doc 15).
    28. Nem tão pouco que, por força do artigo 50º do Código do IRS, se considera “aquisição” a formalização do contrato de compra e venda através da escritura pública, quando o teor deste artigo é este:

Artigo 50º.

Correcção monetária

1 – O valor de aquisição ou equiparado de direitos reais sobre os bens referidos na alínea a) do nº. 1 do artigo 10º., bem como da partes sociais no caso da alínea b) do referido número, é corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação ou afetação.

2 – A data de aquisição é a qua constar do título aquisitivo, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:

  1. Nos casos previstos no nº. 3 do artigo 46.º, é a data relevante para efeitos de inscrição na matriz;
  2. No caso previsto no artigo 47.º, é a data da transferência.
  3. É inequívoco pois que, no nosso caso, o momento da aquisição, relevante em termos fiscais, já se havia dado, aquando da entrada em vigor do Código do IRS, pelo que o valor da realização obtido com a venda da parte rústica do prédio e dos urbanos inscritos na matriz em 1937 não está sujeita a imposto sobre as “Mais-valias”.
  4. Não obstante ser forçoso a aceitação de que assim é quanto aos prédios inscritos na matriz e sem qualquer alteração (tão só as derivadas da alteração dos artigos na sequência da reestruturação administrativa da freguesia de que fazem parte) até aos dias de hoje, o rústico ... da secção U e os urbanos ... e ...;
  5. É nosso entendimento que, também os ganhos obtidos com a venda dos prédios construídos de raiz mas, provenientes da relocalização e ampliação de construções já existentes á data da compra de facto, antes de 1988, e, naturalmente partes integrantes da mesma universalidade (o prédio misto “... e...”) não estão sujeitos a imposto.
  6. Pois não podem ser considerados autonomamente relativamente à terra onde estão implantados.
  7. Sendo que o prédio rústico ou qualquer parcela do seu terreno nunca se tornou autonomamente urbano;
  8. Nunca passou a ser um terreno para construção.
  9. E o surgimento destes na esfera jurídica da impugnante não se deu por “aquisição”, na acepção do referido artigo 5º, quer com a formulação inicial do Decreto-lei 422-A/88 de 30 de novembro, quer com a que lhe foi dada pelo Decreto-lei 141/92, de 17 de julho.
  10. Este prédio tão só recebeu construções, as que viriam a ser inscritas na matriz predial urbana sob os artigos ...; ...; ... e ..., e que, só por conveniência da administração se inscrevem nessa matriz. (doc 16).
  11. Em face do exposto pede-se, pois, a declaração da ilegalidade da liquidação da declaração de IRS da Impugnante relativa ao ano 2020, requerendo-se a sua anulação quanto ao imposto considerado devido pelos ganhos obtidos com a alienação dos prédios inscritos na matriz rústica sob o artigo ... da secção U e urbana sob os artigos ... e ..., todos da freguesia de ..., por ter adquirido a propriedade de facto, antes da data de entrada em vigor do Código do IRS.
  12. Mas pede-se também pronuncia sobre a legalidade das cobranças de imposto sobre a mais-valia relativa aos urbanos inscritos na matriz sob os artigos ..., ..., ..., ... e ..., devendo desconsiderar-se a sua sujeição a imposto por o seu surgimento na esfera da impugnante não se ter dado por aquisição.
  13. Isso sim, foram construídos por si, no prédio rústico que adquiriu, como se demonstrou, antes da entrada em vigor do Código do IRS e cujos ganhos com a venda estão excluídos de tributação.
  14. Consequentemente pede-se, ainda, o cancelamento da penhora e a devolução do valor penhorado no âmbito do processo ...2021..., no que exceder o valor devido pela venda dos móveis efetuada no ano em causa; e ainda, o pagamento dos juros de mora (compensatórios) devidos desde a data da apresentação da Reclamação Graciosa cuja decisão se impugna.

 

  1. A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese, o seguinte:
    1. Em 1989/01/12, a ora Requerente adquiriu o prédio misto denominado “... e...”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo ... da secção U e na sua congénere urbana dos mesmos concelho e freguesia sob o artigo ... .
    2. Foi outorgado contrato promessa de compra e venda relativamente a esta mesma transmissão em 1988/04/15.
    3. Em 2020/05/15, a ora Requerente vendeu o prédio misto denominado “... e...”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo ... da secção U e na sua congénere urbana dos mesmos concelho e freguesia sob os artigos..., ..., ..., ..., ... e ... .
    4. E ainda o prédio inscrito na matriz predial urbana dos mesmos concelho e freguesia sob o artigo ... .
    5. Os valores de venda, que no seu conjunto ascendeu a € 695 199,96, foram assim distribuídos:
  • Prédio misto: € 568 828,98;
  • Prédio urbano: € 126 370,98.
  1. De acordo com o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... provém dos inscritos na mesma sob os artigos ... e ... .
  2. Sendo este último que deu origem àqueles dois (artigos ... e ...).
  3. A inscrição do prédio efetuada sob o artigo ... encontra-se desativada desde 2013/09/30, dando origem ao prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo ..., cuja inscrição se encontra ativa.
  4. Em 2021/06/30, a Requerente procedeu à entrega, em seu nome, de uma declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2020, a qual foi acompanhada pelos anexos A, B, G e J.
  5. Com relevância para a matéria ora em apreço, a Requerente fez constar no campo 4001 do quadro 4 do anexo G que entregou conjuntamente com a declaração mencionada no artº que antecede a venda, em maio de 2020, do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo... da secção U pelo preço de € 53 045,83.
  6. Mais declarando que o havia adquirido em janeiro de 1989 pelo montante de € 7 372,65.
  7. A Requerente declarou ainda nos campos 4002 a 4007 do quadro 4 do anexo G que entregou conjuntamente com a declaração mencionada no artigo que antecede a venda, em maio de 2020, pelas quantias abaixo constantes, dos seguintes artigos, adquiridos em janeiro de 2003 e inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ..., mencionando ainda valor de aquisição dos mesmos os seguintes montantes:

Artigo             Valor de realização    Valor de aquisição

...                    € 12 900,00                € 9 945,00

...                    € 171 993,30              € 24 939,00

...                    € 92 200,00                € 19 890,00

...                    € 92 200,00                € 19 890,00

...                    € 91 739,85                € 21 420,00

...                    € 54 750,00                € 22 491,00

  1. Declarou também no campo 4008 dos mesmos quadro e anexo a alienação, em maio de 2020, pelo preço de € 126 370,98, do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo ... .
  2. Fazendo ainda constar do mesmo campo que o havia adquirido em janeiro de 1989, pelo montante de € 17 566,24.
  3. Acrescendo ainda a declaração no quadro 5 do anexo G, que pretende reinvestir o produto resultante da alienação do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .
  4. A declaração modelo 3 mencionada no artigo 13º deu origem à liquidação de IRS nº 2021 ..., efetuada em 2021/07/05, no âmbito da qual foi apurada a quantia de imposto a pagar no montante de € 126 564,46.
  5. Em 2021/10/08, a ora requerente procedeu à entrega, em seu nome, de uma declaração modelo 3 de IRS, de substituição, referente ao ano de 2020, a qual foi acompanhada dos anexos A, B, G, G1 e J.
  6. Nesta declaração de substituição, a Requerente fez constar dos campos 4001 a 4005 do quadro 4 do anexo G, que acompanhou a declaração supra identificada, nas datas e valores de realização e aquisição mencionadas no artigo 16º, dos prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ..., sob os artigos ..., ..., ..., ... e ... .
  7. Fazendo, porém, constar dos campos 502 e 503 do quadro 5 do anexo G1 a alienação dos prédios inscritos na mesma matriz predial sob os artigos ... e..., pelos montantes mencionados no artigo 16º, mas declarando agora que os havia adquirido em 1988/12/15, pela quantia de € 6 234,97, cada.
  8. Mencionando no campo 501 daqueles quadro e anexo, haver alienado o prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesa de ..., concelho de ..., sob o artigo ... da secção U, pelo preço de € 53 045,83, declarando que também o havia adquirido em 1988/12/15, pela importância de € 12 469,95, voltando a declarar no quadro 5 do anexo G que pretende reinvestir o produto resultante da alienação do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .
  9. Consultado o sistema informático da AT, constata-se que a declaração mencionada no artº 21º, resultou “não liquidável”.
  10. A declaração de substituição supra identificada, foi convolada em processo de reclamação graciosa, o qual foi autuado com o nº ...2021..., a qual foi parcialmente deferida por despacho do Diretor de Finanças de Beja, proferido em 2022/02/17.
  11. Sendo que, a parte deferida respeita a despesas relativas à alienação de bens móveis e equipamentos (logo, não bens imóveis), com repercussão sob o campo 407 do anexo B, tendo sido, com base na decisão do procedimento de reclamação acima mencionado, elaborada oficiosamente, em 2022/02/18, em nome da ora requerente, declaração modelo 3 referente ao ano de 2020, a qual foi acompanhada dos anexos A, B, G e J.
  12. Do quadro 4 do anexo G constam exatamente os mesmos valores, datas de realização e alienação de bens imóveis que a requerente havia feito constar em iguais campos e anexo entregue conjuntamente com a declaração modelo 3 que apresentou em 2021/06/30 (vide artº 13º).
  13. Consta igualmente do quadro 5 do mesmo anexo a intenção de reinvestimento do produto resultante da alienação do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .
  14. Com base nesta declaração oficiosa, foi efetuada em 2022/02/25, a liquidação de IRS nº 2022..., no âmbito da qual foi apurado o imposto no montante a pagar no valor de € 115 903,19, motivo pelo qual foi anulado, em ralação ao valor apurado na liquidação nº ..., efetuada em 2021/07/05 o montante de € 10 661,27, anulação esta processada através do acerto de contas nº 2021... .
  15. A questão ora em análise, prende-se com o momento da aquisição do prédio misto supra identificado, defendendo a requerente que tal momento coincide com a celebração do contrato promessa. Contudo,
  16. Estipula o artigo 10º, nº 1, alínea a) do Código do IRS, que constituem mais-valias os ganhos obtidos que resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, dispondo o artigo 50º, nº 2 do mesmo Código sobre o valor de aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, em que “[a] data de aquisição é a que constar do título aquisitivo”.
  17. Cumpre, assim, determinar qual seja esse título aquisitivo.
  18. Não sendo este definido nas normas tributárias, teremos que, de acordo com o determinado no artigo 11º, nº 2 da Lei Geral Tributária (LGT), determinar o que seja o “momento de aquisição” da propriedade sobre um bem imóvel de acordo com o estabelecido no ramo do direito que rege sobre esta matéria, sendo este o Código Civil (CC).
  19. Atento o disposto nos artigos 1316º e 1317º do CC, a propriedade foi adquirida por contrato (no caso, de compra e venda), acrescendo que, de acordo com a remissão efetuada pela alínea a) do artigo 1317º para os seus congéneres 408º e 409º, por mero efeito do contrato, conforme estipulado no nº 1 do artigo 408º, não cabendo aqui observar a letra do artigo 409º, posto não ter sido pactuada entre as partes qualquer reserva de propriedade.
  20. Aqui chegados, caberá questionar se a aquisição da propriedade do imóvel se operou por via da celebração do contrato promessa, ou, conforme sustentado pela AT, por via da outorga do contrato definitivo, de compra e venda.
  21. Ora, a celebração de um contrato promessa apenas confere aos promitentes vendedores o direito de obter a declaração negocial correspondente ao contrato prometido, isto é, o contrato definitivo.
  22. Ora, analisando o contrato-promessa junto ao requerimento de constituição de tribunal arbitral, sob o doc. 3, constata-se que do seu teor não consta qualquer referência à atribuição de eficácia real ao mesmo, vinculando-se as partes nele outorgantes apenas ao cumprimento específico do mesmo.
  23. Sendo que aquele consiste num documento particular, ainda que com reconhecimento de assinaturas, não revestindo, pois, a forma de escritura pública ou de documento autenticado, que o artigo 875º do CC exige para o contrato de compra e venda de bens imóveis, pelo que, a transmissão do direito de propriedade não operou com a celebração do referido contrato-promessa, mas sim com a outorga do definitivo, ocorrida em 1989/01/12.
  24. Alega ainda a requerente que a tradição ou posse ocorreu em abril de 1988.
  25. Porém, do teor do conteúdo do contrato-promessa nenhuma referência consta quanto à tradição do bem prometido transmitir, contrariamente ao que constitui prática habitual neste tipo de contratos, em que se encontra em causa a promessa de celebração de um contrato definitivo de compra e venda de imóveis, sempre que a tradição do bem a transmitir opera por força e no momento da outorga da promessa.
  26. Ao que acresce não haver sido junto ao requerimento de prolação de decisão arbitral, qualquer elemento de natureza registal (predial), que mencione, ainda que a título provisório, a transmissão do bem para a esfera da ora requerente.
  27. Pelo que, de uma forma bem evidente, não logra satisfazer a exigência plasmada no artigo 74º, nº 1 da LGT,
  28. Alega ainda a requerente, como fundamento da sua pretensão, haver pago a SISA devida pela aquisição do prédio misto ainda em 1988 e que, com a outorga da procuração irrevogável (pelo promitente vendedor) e respetiva projeção em termos de sujeição a SISA (e momento desta mesma sujeição) em abono da sua tese, argumentando ainda que o Código da SISA tinha um conceito fiscal de transmissão mais amplo que o conceito de direito privado, considerando como transmissão as promessas de compra e venda de imóveis com tradição daqueles, bem como a outorga de procurações com poderes de alienação de bem imóvel com renúncia ao direito de revogar, adiantando que deve ser considerado o momento da posse e/ou outorga da procuração irrevogável como momento da aquisição (e da obtenção do ganho).
  29. Contudo, sobre a questão da demonstração de ter havido tradição do bem imóvel, perante a inexistência de elementos concretos e credíveis, a requerente não logrou provar tal alegação, sendo que, quanto à tributação em sede de SISA de procurações com poderes de alienação de bens imóveis, com renúncia ao direito de revogação e substabelecimento desse tipo de procurações, cumpre referir que tal facto só passou a ser alvo de incidência de impostos sobre a transmissão onerosa de património imobiliário, com a entrada em vigor do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).
  30. O que, conforme disposto no nº 3 do artigo 32º do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12/11, apenas sucedeu em 2004/01/01, muito tempo, portanto, depois de outorgado o invocado contrato-promessa, datado de 1988/04/15, pelo que a intervenção no negócio de procurador munido de procuração irrevogável não constitui de todo, argumento atendível na situação ora em análise.
  31. Face ao exposto, conclui-se que atentos os contornos factuais do caso em análise, no tocante à consideração como momento da aquisição do bem imóvel, cuja posterior alienação, em maio de 20200, foi geradora de mais-valias, o dia da celebração do contrato definitivo de compra e venda, ocorreu em 1989/01/12.
  32. Peticiona ainda a ora requerente, a pronúncia pelo Tribunal Arbitral, pela legalidade da cobrança de imposto sobre a mais-valia relativa aos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos ... a ... e ..., entendendo dever desconsiderar-se a sua sujeição a imposto, por o surgimento daqueles na sua esfera não se ter dado por aquisição.
  33. Mais sustentando não poderem aqueles prédios ser considerados autonomamente relativamente à terra onde estão implantados, nunca o prédio rústico ou qualquer parcela do seu terreno se ter tornado autonomamente urbano.
  34. Que este prédio tão só recebera construções, que viriam a ser inscritas na matriz predial urbana sob os artigos ..., ..., ..., ... e ..., os quais só por conveniência da administração teriam sido inscritos nessa matriz (cfr. Artigos 29º a 34º e segundo parágrafo da parte conclusiva da PI).
  35. Relativamente a tal assunto, em primeiro lugar a requerente apenas quando peticiona a prolação de decisão arbitral vem suscitar esta questão, relativamente aos prédios inscritos na matriz predial de ..., concelho de ..., sob os artigos ... a ... e..., não o tendo feito no âmbito do procedimento de reclamação, cuja decisão pela presente via contesta.
  36. Assim sendo, não podia tal problemática ser apreciada naquele procedimento, pelo que a contestação à decisão desse mesmo procedimento não pode, destarte, abranger algo sobre o qual aquela decisão não podia debruçar-se, posto que não suscitado.
  37. Em segundo lugar não tem a requerente razão quanto ao que sustenta, mesmo que como a requerente defende, os prédios inscritos na matriz urbana sob os artigos... a ... e ... fizessem parte de uma universalidade, a sua aquisição apenas ocorreu em 1989/01/12, portanto já na vigência do CIRS.
  38. Mas mesmo que, como é alegado, se entendesse que tal aquisição ocorreu na data da celebração do contrato promessa, tese esta já sustentadamente afastada, nunca a mais-valia gerada pela alienação destes imóveis poderia estar excluída de tributação, porquanto a respetiva inscrição na matriz ocorreu em 2003.
  39. Nestes termos, e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação impugnado, absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 09-06-2022 e foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 14-06-2022.

Em 04-08-2022, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 04-08-2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 24-08-2022.

 

Em 07-10-2022 foi nomeado novo árbitro adjunto na sequência de renúncia de funções arbitrais por um dos árbitros.

 

Em 02-11-2022 foi proferido despacho arbitral na mesma data em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

A AT apresentou a sua Resposta, em tempo, em 05-12-2022.

 

Em 05-01-2023 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

  1. «Designa-se o dia 13 de janeiro de 2023, pelas 9h30 horas, nas instalações do CAAD, para realização da audiência para produção de prova testemunhal.
  2. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.»

 

A inquirição foi realizada nos dias 13-01-2023 conforme ata junta ao processo.

 

Na sequência da inquirição, não foram apresentadas alegações.

 

POSTO ISTO:

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

II. DECISÃO

  1. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

  1. Em 1989/01/12, a ora Requerente adquiriu o prédio misto denominado “... e...”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo ... da secção U e na sua congénere urbana dos mesmos concelho e freguesia sob o artigo ... .
  2. Foi outorgado contrato promessa de compra e venda relativamente a esta mesma transmissão em 1988/04/15.
  3. Em 2020/05/15, a ora Requerente vendeu o prédio misto denominado “... e...”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo ... da secção U e na sua congénere urbana dos mesmos concelho e freguesia sob os artigos ..., ..., ..., ..., ... e ... .
  4. E ainda o prédio inscrito na matriz predial urbana dos mesmos concelho e freguesia sob o artigo ... .
  5. Os valores de venda, que no seu conjunto ascendeu a € 695 199,96, foram assim distribuídos:
  6. Prédio misto: € 568 828,98;
  7. Prédio urbano: € 126 370,98.
  8. De acordo com o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... provém dos inscritos na mesma sob os artigos ... e ... .
  9. Sendo este último que deu origem àqueles dois (artigos ... e ...).
  10. A inscrição do prédio efetuada sob o artigo ... encontra-se desativada desde 2013/09/30, dando origem ao prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo ..., cuja inscrição se encontra ativa.
  11. Em 2021/06/30, a Requerente procedeu à entrega, em seu nome, de uma declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2020, a qual foi acompanhada pelos anexos A, B, G e J.
  12. Com relevância para a matéria ora em apreço, a Requerente fez constar no campo 4001 do quadro 4 do anexo G que entregou conjuntamente com a declaração mencionada no artigo que antecede a venda, em maio de 2020, do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo ... da secção U pelo preço de € 53 045,83.
  13. Mais declarando que o havia adquirido em janeiro de 1989 pelo montante de € 7 372,65.
  14. A Requerente declarou ainda nos campos 4002 a 4007 do quadro 4 do anexo G que entregou conjuntamente com a declaração mencionada no artigo que antecede a venda, em maio de 2020, pelas quantias abaixo constantes, dos seguintes artigos, adquiridos em janeiro de 2003 e inscritos na matriz predial urbana da freguesia de  ..., concelho de ..., mencionando ainda valor de aquisição dos mesmos os seguintes montantes:

Artigo             Valor de realização    Valor de aquisição

...                    € 12 900,00                € 9 945,00

...                    € 171 993,30              € 24 939,00

...                    € 92 200,00                € 19 890,00

...                    € 92 200,00                € 19 890,00

...                    € 91 739,85                € 21 420,00

...                    € 54 750,00                € 22 491,00

  • Declarou também no campo 4008 dos mesmos quadro e anexo a alienação, em maio de 2020, pelo preço de € 126 370,98, do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo ... .
  • Fazendo ainda constar do mesmo campo que o havia adquirido em janeiro de 1989, pelo montante de € 17 566,24.
  • Acrescendo ainda a declaração no quadro 5 do anexo G, que pretende reinvestir o produto resultante da alienação do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .
  • A declaração modelo 3 mencionada no artigo 13º deu origem à liquidação de IRS nº 2021..., efetuada em 2021/07/05, no âmbito da qual foi apurada a quantia de imposto a pagar no montante de € 126 564,46.
  • Em 2021/10/08, a ora requerente procedeu à entrega, em seu nome, de uma declaração modelo 3 de IRS, de substituição, referente ao ano de 2020, a qual foi acompanhada dos anexos A, B, G, G1 e J.
  • Nesta declaração de substituição, a Requerente fez constar dos campos 4001 a 4005 do quadro 4 do anexo G, que acompanhou a declaração supra identificada, nas datas e valores de realização e aquisição mencionadas no artigo 16º, dos prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ..., sob os artigos ..., ..., ..., ... e ... .
  • Fazendo, porém, constar dos campos 502 e 503 do quadro 5 do anexo G1 a alienação dos prédios inscritos na mesma matriz predial sob os artigos ... e ..., pelos montantes mencionados no artigo 16º, mas declarando agora que os havia adquirido em 1988/12/15, pela quantia de € 6 234,97, cada.
  • Mencionando no campo 501 daqueles quadro e anexo, haver alienado o prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesa de ..., concelho de ..., sob o artigo ... da secção U, pelo preço de € 53 045,83, declarando que também o havia adquirido em 1988/12/15, pela importância de € 12 469,95, voltando a declarar no quadro 5 do anexo G que pretende reinvestir o produto resultante da alienação do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .
  • Consultado o sistema informático da AT, constata-se que a declaração mencionada no artº 21º, resultou “não liquidável”.
  • A declaração de substituição supra identificada, foi convolada em processo de reclamação graciosa, o qual foi autuado com o nº ...2021..., a qual foi parcialmente deferida por despacho do Diretor de Finanças de Beja, proferido em 2022/02/17.
  • Sendo que, a parte deferida respeita a despesas relativas à alienação de bens móveis e equipamentos (logo, não bens imóveis), com repercussão sob o campo 407 do anexo B, tendo sido, com base na decisão do procedimento de reclamação acima mencionado, elaborada oficiosamente, em 2022/02/18, em nome da ora requerente, declaração modelo 3 referente ao ano de 2020, a qual foi acompanhada dos anexos A, B, G e J.
  • Do quadro 4 do anexo G constam exatamente os mesmos valores, datas de realização e alienação de bens imóveis que a requerente havia feito constar em iguais campos e anexo entregue conjuntamente com a declaração modelo 3 que apresentou em 2021/06/30 (vide artº 13º).
  • Consta igualmente do quadro 5 do mesmo anexo, a intenção de reinvestimento do produto resultante da alienação do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .
  • Com base nesta declaração oficiosa, foi efetuada em 2022/02/25, a liquidação de IRS nº 2022..., no âmbito da qual foi apurado o imposto no montante a pagar no valor de € 115 903,19, motivo pelo qual foi anulado, em ralação ao valor apurado na liquidação nº..., efetuada em 2021/07/05 o montante de € 10 661,27, anulação esta processada através do acerto de contas nº 2021... .

 

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos e na prova testemunhal produzida.

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

 

B. DO DIREITO

B.1. DA QUESTÃO DE FUNDO

 

A questão ora em análise, prende-se unicamente com o momento da aquisição do prédio misto supra identificado, defendendo a requerente que tal momento coincide com a celebração do contrato promessa.

 

A Requerente para concretizar o seu desiderato de ver anulado, por ilegalidade, o ato de liquidação invoca a errónea qualificação do tipo de rendimentos, uma vez que estes estão isentos na medida em que a aquisição se efetuou no momento da celebração do contrato promessa, isto é em 1988/04/19.

 

Mais referindo a Requerente que:

  • «Foi nesta data, 19 de abril de 1988, que o Senhor Advogado, Dr. B..., em representação dos vendedores, Senhor C... e mulher, D..., substabeleceu no advogado da impugnante, o Senhor Dr. E..., os poderes irrevogáveis que o casal lhe dera quatro dias antes, para vender o prédio.
  • E lhe entregou a posse da propriedade e, simbolicamente, as chaves das portas dos urbanos, o que o advogado da impugnante aceitou, para esta.
  • Sendo que, além da procuração/substabelecimento dos poderes irrevogáveis para vender, as partes formalizaram um contrato promessa de compra e venda, redigido em  15 de Abril de  1988 e assinado em 19 de Abril de 1988.
  • O imposto sobre a transmissão, a SISA foi paga ainda no ano de 1988, em quinze de dezembro, depois de se ter marcado a escritura que formalizou a compra, para o dia 12 de janeiro de 1988, quando se reuniu a condição da disponibilidade de advogado/procurador, compradora e notário.
  • No dia marcado foi outorgada a dita escritura, 12 de janeiro de 1988.»

 

Em sede de audiência provou a Requerente, por prova testemunhal, de que a partir de 1988 já havia evidências de a tradição ter sido efetuada ao momento do contrato promessa.

 

Vejamos,

 

O Código do IRS prevê na alínea a) do n.º 1 do seu artigo 10.º que «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, de capitais ou prediais, resultem de: a) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…).»

 

No entanto, e no âmbito das mais-valias em sede de IRS há que atender ao regime transitório para os rendimentos da categoria G, previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, nos termos do qual:

«1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código. [01.01.1989]

2 - Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efectuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos.»

 

Ora, o referido regime remete para o artigo 1.º do Código do Imposto de Mais-Valias (CIMV), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de junho de 1965, por forma a aferir quais os ganhos que, no âmbito desse diploma, não eram sujeitos ao imposto de mais-valias (com referência a momento anterior ao da entrada em vigor do Código do IRS) e que, consequentemente, são passíveis de beneficiar do regime transitório de não sujeição a este imposto.

 

Previa, então, aquela norma legal, com interesse, que:

«O imposto de mais-valias incide sobre os ganhos realizados através dos actos que a seguir se enumeram:

1.º Transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que seja o título por que se opere, quando dela resultem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valia previstos no artigo 17.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41 616, de 10 de Maio de 1958, e que não tenham a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial.

(…)

§ 2.º São havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo.»

 

Assim, no domínio do CIMV, apenas os ganhos derivados da alienação onerosa de terrenos para construção eram passíveis de incidência do imposto de mais-valias e, portanto, só possuindo o imóvel transmitido essa qualidade fica afastada a aplicabilidade do regime transitório.

 

Assim sendo, tendo em consideração, que estão verificados os seguintes indícios claros:

  • Celebração do contrato promessa em 19 de abril de 1988, data em que houve substabelecimento entre advogados dos poderes irrevogáveis que o casal lhe dera quatro dias antes, para vender o prédio.
  • Para além da procuração/substabelecimento dos poderes irrevogáveis para vender, as partes formalizaram um contrato promessa de compra e venda, redigido em 15 de Abril de 1988 e assinado em 19 de Abril de 1988.
  • Entrega a posse da propriedade e, simbolicamente, as chaves das portas dos urbanos, o que o advogado da Requerente aceitou.
  • O imposto sobre a transmissão, a SISA foi paga ainda no ano de 1988, em quinze de dezembro, depois de se ter marcado a escritura que formalizou a compra, para o dia 12 de janeiro de 1988, quando se reuniu a condição da disponibilidade de advogado/procurador, compradora e notário.
  • No dia marcado foi outorgada a dita escritura, 12 de janeiro de 1988.

 

E uma vez que, não obstante a escritura definitiva de compra e venda ter sido já celebrada em 1989, todos os atos materiais identificativos da transmissão tiveram lugar em 1988, incluindo o pagamento da SISA, é manifesto que o ganho que a Requerente obteve não se encontra sujeito a IRS, por aplicação do regime transitório do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro, pelo que, é o ato de liquidação sindicado nos presentes autos parcialmente ilegal, no que toca à tributação da mais-valia resultante da alienação dos imóveis acima identificados, devendo a mesma ser anulada em conformidade.

 

B.2. DA RESTITUIÇÃO DE QUANTIAS PENHORADAS E DOS RESPETIVOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

A Requerente pretende «cancelamento da penhora e devolução do valor penhorado» e ainda o «pagamento dos juros de mora devidos desde a data de apresentação da Reclamação Graciosa».

 

O direito a juros indemnizatórios é reconhecido pelo artigo 43.º, n.º 1, da LGT e concretizado da forma prevista no artigo 61.º do CPPT, nos casos em que ocorra «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

 

No caso em apreço, o Requerente não apresentou prova de que tenha pago total ou parcialmente as quantias liquidadas, sendo certo que a penhora não constitui pagamento.

 

Por isso, à face dos factos provados, não há fundamento para condenar a Administração Tributária em restituição de imposto e juros indemnizatórios.

 

Consequentemente, tem de se julgar improcedente o pedido de restituição e pagamento de juros indemnizatórios, sem prejuízo de ele poder ser reconhecido em execução de julgado, se se comprovar o pagamento, nos termos do artigo 61.º do CPPT.

 

 

C. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:

  1. Julgar totalmente procedente o pedido arbitral e a consequente declaração da ilegalidade da liquidação da declaração de IRS da Requerente relativa ao ano 2020;
  2. Julgar improcedente o pedido de restituição de quantias e de juros indemnizatórios, sem prejuízo de o respetivo direito poder ser reconhecido em execução do presente acórdão.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em 105.693,71, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 17 de fevereiro de 2023

 

O Árbitro Presidente,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

O Árbitro Vogal

 

 

(José Campos Amorim)

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Jorge Bacelar Gouveia)

 

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.