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Sumário:
I - O Código do IRS prevê na alínea a) do n.º 1 do seu artigo 10.º que «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, de capitais ou prediais, resultem de: a) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…).»
II – Não obstante a escritura definitiva de compra e venda ter sido já celebrada em 1989, todos os atos materiais identificativos da transmissão tiveram lugar em 1988, incluindo o pagamento da SISA, é manifesto que o ganho que a Requerente obteve não se encontra sujeito a IRS, por aplicação do regime transitório do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro
Os Árbitros Guilherme W. d´Oliveira Martins, José Campos Amorim e Jorge Bacelar Gouveia, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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A Requerente A..., solteira, maior, com morada em ..., Cx Postal ..., ..., ...-... ..., portadora do cartão de cidadão português ..., válido até 26 de Fevereiro de 2028, contribuinte fiscal ..., notificada da decisão de indeferimento de reclamação graciosa que obteve o número de processo acima indicado, vem requerer a nomeação de Tribunal Arbitral que se pronuncie sobre a legalidade da liquidação do IRS da ora impugnante, relativa ao ano 2020, que sujeita ao pagamento de imposto, a mais-valias realizada com a alienação do prédio misto denominado “... e ...”, situado na freguesia de ..., concelho de ..., com os factos e fundamentos seguintes:
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A ora impugnante adquiriu em 19 de Abril de 1988, o prédio rústico inscrito na matriz respetiva sob o artigo ... da Secção U, onde se encontravam implantadas as construções atualmente inscritas na matriz sob os artigos ... e .., e ainda umas dependências que vieram a ser relocalizadas e ampliadas, conforme projeto apresentado na Câmara Municipal de ... em 19 de Outubro de 1988.
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Foi nesta data, 19 de Abril de 1988, que o Senhor Advogado, Dr. B..., em representação dos vendedores, Senhor C... e mulher, D..., substabeleceu no advogado da impugnante, o Senhor Dr. E..., os poderes irrevogáveis que o casal lhe dera quatro dias antes, para vender o prédio (Doc. 1e 2).
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E lhe entregou a posse da propriedade e, simbolicamente, as chaves das portas dos urbanos, o que o advogado da impugnante aceitou, para esta.
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Sendo que, além da procuração/substabelecimento dos poderes irrevogáveis para vender, as partes formalizaram um contrato promessa de compra e venda, redigido em 15 de Abril de 1988 e assinado em 19 de Abril de 1988.
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Procedimentos necessários porque, ao tempo não era possível um estrangeiro fazer a compra, procedendo à introdução de divisa estrangeira para o pagamento do preço, sem a autorização do Banco de Portugal (Doc. 4).
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Investida da posse, em nome próprio e na convicção de ser a verdadeira dona, a ora impugnante passou a usufruir do prédio e modificá-lo, sem prestar contas a ninguém;
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Logo tratou de começar os trabalhos, intervindo fisicamente no prédio, fazendo obras de reparação nas casas já existentes, procedendo a limpezas do terreno e, por si e através de pessoa que contratou, como se observa no conjunto de fotografias, tiradas na propriedade em causa e/ a propósito desta, reveladas em Novembro e Dezembro de 1988, como inscrito no verso das mesmas, onde figuram algumas das testemunhas que abaixo se indicam e a ora impugnante, (doc. 5).
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É como verdadeira dona que a ora reclamante, contrata a execução de um projeto de Agro-Turismo para o prédio, que se baseava na atividade agrícola, com o cultivo da terra e a criação de cavalos, com o complemento da atividade do turismo equestre; e cuja arquitetura, que previa a construção de 5 moradias, é apresentada a aprovação pela Câmara Municipal de ... em 19 de outubro de 1988 (Doc. 6 a 9).
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E que, precisou de tempo para ser pensado, trabalhado e preparado, como revela o parecer da Reserva Agrícola Nacional requerido em 27 de junho de 1988 e emitido em 23 de agosto do mesmo ano (Doc. 10).
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E também foi como verdadeira dona que passou a ser vista por todos, incluindo pelos seus novos vizinhos.
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A autorização do Banco de Portugal foi dada em 18 de novembro de 1988. (Doc. 14).
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O imposto sobre a transmissão, a SISA foi paga ainda no ano de 1988, em quinze de dezembro (Doc.11), depois de se ter marcado a escritura que formalizou a compra, para o dia 12 de janeiro de 1988, quando se reuniu a condição da disponibilidade de advogado/procurador, compradora e notário.
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No dia marcado foi outorgada a dita escritura, 12 de janeiro de 1988;
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Tendo sido outorgantes, tão só, a ora impugnante e o seu advogado. Pois, a formalização do negócio já só interessava aquela; estando o vendedor já, absolutamente satisfeito com o negócio concluído e o preço recebido. (doc. 12).
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Acontece que, feita a venda do prédio em 15 de maio de 2020 (doc. 13), por desconhecimento de quem fez o preenchimento e submissão da primeira declaração relativa a esse ano, foi erroneamente indicada como data de aquisição, a data da outorga da escritura de compra e venda.
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Esta declaração foi liquidada e a liquidação notificada e, causando estranheza um tão alto valor de imposto a pagar, apuradas as causas e reunida documentação, decidiu-se entregar nova declaração, com o anexo “G1”, de substituição, e apresentar os documentos fundamentando o procedimento, que acabou por ser convolado na Reclamação Graciosa de cuja decisão agora se impugna, notificada a impugnante em 9 de março pp. (doc 14).
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Tal reclamação fez-se com base no facto da posse do prédio ter sido adquirido antes da entrada em vigor do Código do IRS, tendo sido outorgado contrato promessa de compra e venda, no qual se sujeitou o negócio a execução específica e também procuração dos vendedores com poderes irrevogáveis para permitir a sua libertação de quaisquer diligências e/procedimentos burocráticos relativos ao prédio.
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Invoca que a venda do prédio, em 2020, não está sujeita a imposto sobre as mais-valias realizadas, por verificação do estatuído na norma de “transição” contida no artigo 5º, nº. 1 do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de novembro, que refere só ficarem sujeitas ao IRS os ganhos obtidos com a transmissão de bens ou direitos cuja aquisição se haja realizado depois de 1 de janeiro de 1989, data da entrada em vigor deste Decreto-lei, que aprovou o Código do IRS (art.º 2º);
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Não se verificando a sujeição a imposto sobre o IRS ao abrigo da legislação anterior, o Decreto-lei 46373, de 9 de junho de 1965;
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E considerando a verificação, no nosso caso, da concretização da transmissão, com a tradição do prédio, no momento previsto na alínea a) do nº. 3 do artigo 10º do Código do IRS, que se refere à situação de ter existido contrato promessa de compra e venda.
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Fica demonstrado, pelos documentos juntos e pela prova que se propõe fazer, que tal aquisição/empossamento do prédio pela impugnante, como verdadeira dona se deu antes de 1 de janeiro de 1989 (nº. 2 do art.º 5 do DL 442-A/88).
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Deixa-se a chamada de atenção de que o código da SISA, à semelhança do actual IMT, que incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade sobre bens imóveis situados no território nacional, tinha por base um conceito fiscal de transmissão mais amplo que o conceito do direito privado, considerado como transmissão quer as promessas de compra e venda de imóveis, logo que houvesse tradição dos imóveis para o promitente comprador;
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Quer a outorga da procuração que conferisse poderes de alienação de bem imóvel, com renúncia ao direito de a revogar.
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Sendo que, no nosso caso, se encontravam preenchidos ambos os requisitos.
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E que o imposto de SISA foi liquidado e pago antes do final do ano de 1988 (doc.13).
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Temos, obrigatoriamente, de tratar fiscalmente, de forma unívoca-factos e recíproca-contribuintes-vendedor/promitente-vendedor ou mandante de procuração irrevogável, que a lei diz que obtém o ganho com a tradição ou posse do bem ou com a outorga de procuração irrevogável e comprador/promitente-vendedor e Administração Tributária, considerando o momento da posse e/ da outorga da procuração irrevogável como o momento da obtenção do ganho e momento da aquisição!
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Salienta-se que não se pode aceitar que se diga na proposta de decisão em crise que “o facto gerador para efeitos de IRS não se dá com a realização da procuração irrevogável nem com o pagamento da Sisa, mas apenas com a celebração da escritura de compra e venda, por força do disposto no artigo 10º, nº. 1, alínea a) do CIRS”, com referência à Informação Vinculativa 481/2020, pois o que se informa nesta ficha doutrinária é que, o procurador, mesmo de poderes de venda irrevogáveis, não é o sujeito passivo de IRS! Sendo que a referência ao momento da escritura de compra e venda não se pode retirar do contexto especial do caso tratado nessa informação; que no seu ponto 2 diz “Na circunstância, só….”, vindo esta argumentação, descontextualizada para o nosso caso; e aqui, sem cabimento.(doc 15).
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Nem tão pouco que, por força do artigo 50º do Código do IRS, se considera “aquisição” a formalização do contrato de compra e venda através da escritura pública, quando o teor deste artigo é este:
Artigo 50º.
Correcção monetária
1 – O valor de aquisição ou equiparado de direitos reais sobre os bens referidos na alínea a) do nº. 1 do artigo 10º., bem como da partes sociais no caso da alínea b) do referido número, é corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação ou afetação.
2 – A data de aquisição é a qua constar do título aquisitivo, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:
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Nos casos previstos no nº. 3 do artigo 46.º, é a data relevante para efeitos de inscrição na matriz;
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No caso previsto no artigo 47.º, é a data da transferência.
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É inequívoco pois que, no nosso caso, o momento da aquisição, relevante em termos fiscais, já se havia dado, aquando da entrada em vigor do Código do IRS, pelo que o valor da realização obtido com a venda da parte rústica do prédio e dos urbanos inscritos na matriz em 1937 não está sujeita a imposto sobre as “Mais-valias”.
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Não obstante ser forçoso a aceitação de que assim é quanto aos prédios inscritos na matriz e sem qualquer alteração (tão só as derivadas da alteração dos artigos na sequência da reestruturação administrativa da freguesia de que fazem parte) até aos dias de hoje, o rústico ... da secção U e os urbanos ... e ...;
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É nosso entendimento que, também os ganhos obtidos com a venda dos prédios construídos de raiz mas, provenientes da relocalização e ampliação de construções já existentes á data da compra de facto, antes de 1988, e, naturalmente partes integrantes da mesma universalidade (o prédio misto “... e...”) não estão sujeitos a imposto.
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Pois não podem ser considerados autonomamente relativamente à terra onde estão implantados.
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Sendo que o prédio rústico ou qualquer parcela do seu terreno nunca se tornou autonomamente urbano;
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Nunca passou a ser um terreno para construção.
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E o surgimento destes na esfera jurídica da impugnante não se deu por “aquisição”, na acepção do referido artigo 5º, quer com a formulação inicial do Decreto-lei 422-A/88 de 30 de novembro, quer com a que lhe foi dada pelo Decreto-lei 141/92, de 17 de julho.
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Este prédio tão só recebeu construções, as que viriam a ser inscritas na matriz predial urbana sob os artigos ...; ...; ... e ..., e que, só por conveniência da administração se inscrevem nessa matriz. (doc 16).
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Em face do exposto pede-se, pois, a declaração da ilegalidade da liquidação da declaração de IRS da Impugnante relativa ao ano 2020, requerendo-se a sua anulação quanto ao imposto considerado devido pelos ganhos obtidos com a alienação dos prédios inscritos na matriz rústica sob o artigo ... da secção U e urbana sob os artigos ... e ..., todos da freguesia de ..., por ter adquirido a propriedade de facto, antes da data de entrada em vigor do Código do IRS.
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Mas pede-se também pronuncia sobre a legalidade das cobranças de imposto sobre a mais-valia relativa aos urbanos inscritos na matriz sob os artigos ..., ..., ..., ... e ..., devendo desconsiderar-se a sua sujeição a imposto por o seu surgimento na esfera da impugnante não se ter dado por aquisição.
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Isso sim, foram construídos por si, no prédio rústico que adquiriu, como se demonstrou, antes da entrada em vigor do Código do IRS e cujos ganhos com a venda estão excluídos de tributação.
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Consequentemente pede-se, ainda, o cancelamento da penhora e a devolução do valor penhorado no âmbito do processo ...2021..., no que exceder o valor devido pela venda dos móveis efetuada no ano em causa; e ainda, o pagamento dos juros de mora (compensatórios) devidos desde a data da apresentação da Reclamação Graciosa cuja decisão se impugna.
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A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese, o seguinte:
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Em 1989/01/12, a ora Requerente adquiriu o prédio misto denominado “... e...”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo ... da secção U e na sua congénere urbana dos mesmos concelho e freguesia sob o artigo ... .
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Foi outorgado contrato promessa de compra e venda relativamente a esta mesma transmissão em 1988/04/15.
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Em 2020/05/15, a ora Requerente vendeu o prédio misto denominado “... e...”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo ... da secção U e na sua congénere urbana dos mesmos concelho e freguesia sob os artigos..., ..., ..., ..., ... e ... .
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E ainda o prédio inscrito na matriz predial urbana dos mesmos concelho e freguesia sob o artigo ... .
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Os valores de venda, que no seu conjunto ascendeu a € 695 199,96, foram assim distribuídos:
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Prédio misto: € 568 828,98;
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Prédio urbano: € 126 370,98.
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De acordo com o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... provém dos inscritos na mesma sob os artigos ... e ... .
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Sendo este último que deu origem àqueles dois (artigos ... e ...).
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A inscrição do prédio efetuada sob o artigo ... encontra-se desativada desde 2013/09/30, dando origem ao prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo ..., cuja inscrição se encontra ativa.
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Em 2021/06/30, a Requerente procedeu à entrega, em seu nome, de uma declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2020, a qual foi acompanhada pelos anexos A, B, G e J.
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Com relevância para a matéria ora em apreço, a Requerente fez constar no campo 4001 do quadro 4 do anexo G que entregou conjuntamente com a declaração mencionada no artº que antecede a venda, em maio de 2020, do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo... da secção U pelo preço de € 53 045,83.
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Mais declarando que o havia adquirido em janeiro de 1989 pelo montante de € 7 372,65.
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A Requerente declarou ainda nos campos 4002 a 4007 do quadro 4 do anexo G que entregou conjuntamente com a declaração mencionada no artigo que antecede a venda, em maio de 2020, pelas quantias abaixo constantes, dos seguintes artigos, adquiridos em janeiro de 2003 e inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ..., mencionando ainda valor de aquisição dos mesmos os seguintes montantes:
Artigo Valor de realização Valor de aquisição
... € 12 900,00 € 9 945,00
... € 171 993,30 € 24 939,00
... € 92 200,00 € 19 890,00
... € 92 200,00 € 19 890,00
... € 91 739,85 € 21 420,00
... € 54 750,00 € 22 491,00
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Declarou também no campo 4008 dos mesmos quadro e anexo a alienação, em maio de 2020, pelo preço de € 126 370,98, do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo ... .
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Fazendo ainda constar do mesmo campo que o havia adquirido em janeiro de 1989, pelo montante de € 17 566,24.
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Acrescendo ainda a declaração no quadro 5 do anexo G, que pretende reinvestir o produto resultante da alienação do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .
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A declaração modelo 3 mencionada no artigo 13º deu origem à liquidação de IRS nº 2021 ..., efetuada em 2021/07/05, no âmbito da qual foi apurada a quantia de imposto a pagar no montante de € 126 564,46.
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Em 2021/10/08, a ora requerente procedeu à entrega, em seu nome, de uma declaração modelo 3 de IRS, de substituição, referente ao ano de 2020, a qual foi acompanhada dos anexos A, B, G, G1 e J.
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Nesta declaração de substituição, a Requerente fez constar dos campos 4001 a 4005 do quadro 4 do anexo G, que acompanhou a declaração supra identificada, nas datas e valores de realização e aquisição mencionadas no artigo 16º, dos prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ..., sob os artigos ..., ..., ..., ... e ... .
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Fazendo, porém, constar dos campos 502 e 503 do quadro 5 do anexo G1 a alienação dos prédios inscritos na mesma matriz predial sob os artigos ... e..., pelos montantes mencionados no artigo 16º, mas declarando agora que os havia adquirido em 1988/12/15, pela quantia de € 6 234,97, cada.
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Mencionando no campo 501 daqueles quadro e anexo, haver alienado o prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesa de ..., concelho de ..., sob o artigo ... da secção U, pelo preço de € 53 045,83, declarando que também o havia adquirido em 1988/12/15, pela importância de € 12 469,95, voltando a declarar no quadro 5 do anexo G que pretende reinvestir o produto resultante da alienação do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .
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Consultado o sistema informático da AT, constata-se que a declaração mencionada no artº 21º, resultou “não liquidável”.
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A declaração de substituição supra identificada, foi convolada em processo de reclamação graciosa, o qual foi autuado com o nº ...2021..., a qual foi parcialmente deferida por despacho do Diretor de Finanças de Beja, proferido em 2022/02/17.
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Sendo que, a parte deferida respeita a despesas relativas à alienação de bens móveis e equipamentos (logo, não bens imóveis), com repercussão sob o campo 407 do anexo B, tendo sido, com base na decisão do procedimento de reclamação acima mencionado, elaborada oficiosamente, em 2022/02/18, em nome da ora requerente, declaração modelo 3 referente ao ano de 2020, a qual foi acompanhada dos anexos A, B, G e J.
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Do quadro 4 do anexo G constam exatamente os mesmos valores, datas de realização e alienação de bens imóveis que a requerente havia feito constar em iguais campos e anexo entregue conjuntamente com a declaração modelo 3 que apresentou em 2021/06/30 (vide artº 13º).
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Consta igualmente do quadro 5 do mesmo anexo a intenção de reinvestimento do produto resultante da alienação do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .
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Com base nesta declaração oficiosa, foi efetuada em 2022/02/25, a liquidação de IRS nº 2022..., no âmbito da qual foi apurado o imposto no montante a pagar no valor de € 115 903,19, motivo pelo qual foi anulado, em ralação ao valor apurado na liquidação nº ..., efetuada em 2021/07/05 o montante de € 10 661,27, anulação esta processada através do acerto de contas nº 2021... .
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A questão ora em análise, prende-se com o momento da aquisição do prédio misto supra identificado, defendendo a requerente que tal momento coincide com a celebração do contrato promessa. Contudo,
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Estipula o artigo 10º, nº 1, alínea a) do Código do IRS, que constituem mais-valias os ganhos obtidos que resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, dispondo o artigo 50º, nº 2 do mesmo Código sobre o valor de aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, em que “[a] data de aquisição é a que constar do título aquisitivo”.
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Cumpre, assim, determinar qual seja esse título aquisitivo.
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Não sendo este definido nas normas tributárias, teremos que, de acordo com o determinado no artigo 11º, nº 2 da Lei Geral Tributária (LGT), determinar o que seja o “momento de aquisição” da propriedade sobre um bem imóvel de acordo com o estabelecido no ramo do direito que rege sobre esta matéria, sendo este o Código Civil (CC).
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Atento o disposto nos artigos 1316º e 1317º do CC, a propriedade foi adquirida por contrato (no caso, de compra e venda), acrescendo que, de acordo com a remissão efetuada pela alínea a) do artigo 1317º para os seus congéneres 408º e 409º, por mero efeito do contrato, conforme estipulado no nº 1 do artigo 408º, não cabendo aqui observar a letra do artigo 409º, posto não ter sido pactuada entre as partes qualquer reserva de propriedade.
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Aqui chegados, caberá questionar se a aquisição da propriedade do imóvel se operou por via da celebração do contrato promessa, ou, conforme sustentado pela AT, por via da outorga do contrato definitivo, de compra e venda.
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Ora, a celebração de um contrato promessa apenas confere aos promitentes vendedores o direito de obter a declaração negocial correspondente ao contrato prometido, isto é, o contrato definitivo.
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Ora, analisando o contrato-promessa junto ao requerimento de constituição de tribunal arbitral, sob o doc. 3, constata-se que do seu teor não consta qualquer referência à atribuição de eficácia real ao mesmo, vinculando-se as partes nele outorgantes apenas ao cumprimento específico do mesmo.
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Sendo que aquele consiste num documento particular, ainda que com reconhecimento de assinaturas, não revestindo, pois, a forma de escritura pública ou de documento autenticado, que o artigo 875º do CC exige para o contrato de compra e venda de bens imóveis, pelo que, a transmissão do direito de propriedade não operou com a celebração do referido contrato-promessa, mas sim com a outorga do definitivo, ocorrida em 1989/01/12.
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Alega ainda a requerente que a tradição ou posse ocorreu em abril de 1988.
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Porém, do teor do conteúdo do contrato-promessa nenhuma referência consta quanto à tradição do bem prometido transmitir, contrariamente ao que constitui prática habitual neste tipo de contratos, em que se encontra em causa a promessa de celebração de um contrato definitivo de compra e venda de imóveis, sempre que a tradição do bem a transmitir opera por força e no momento da outorga da promessa.
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Ao que acresce não haver sido junto ao requerimento de prolação de decisão arbitral, qualquer elemento de natureza registal (predial), que mencione, ainda que a título provisório, a transmissão do bem para a esfera da ora requerente.
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Pelo que, de uma forma bem evidente, não logra satisfazer a exigência plasmada no artigo 74º, nº 1 da LGT,
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Alega ainda a requerente, como fundamento da sua pretensão, haver pago a SISA devida pela aquisição do prédio misto ainda em 1988 e que, com a outorga da procuração irrevogável (pelo promitente vendedor) e respetiva projeção em termos de sujeição a SISA (e momento desta mesma sujeição) em abono da sua tese, argumentando ainda que o Código da SISA tinha um conceito fiscal de transmissão mais amplo que o conceito de direito privado, considerando como transmissão as promessas de compra e venda de imóveis com tradição daqueles, bem como a outorga de procurações com poderes de alienação de bem imóvel com renúncia ao direito de revogar, adiantando que deve ser considerado o momento da posse e/ou outorga da procuração irrevogável como momento da aquisição (e da obtenção do ganho).
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Contudo, sobre a questão da demonstração de ter havido tradição do bem imóvel, perante a inexistência de elementos concretos e credíveis, a requerente não logrou provar tal alegação, sendo que, quanto à tributação em sede de SISA de procurações com poderes de alienação de bens imóveis, com renúncia ao direito de revogação e substabelecimento desse tipo de procurações, cumpre referir que tal facto só passou a ser alvo de incidência de impostos sobre a transmissão onerosa de património imobiliário, com a entrada em vigor do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).
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O que, conforme disposto no nº 3 do artigo 32º do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12/11, apenas sucedeu em 2004/01/01, muito tempo, portanto, depois de outorgado o invocado contrato-promessa, datado de 1988/04/15, pelo que a intervenção no negócio de procurador munido de procuração irrevogável não constitui de todo, argumento atendível na situação ora em análise.
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Face ao exposto, conclui-se que atentos os contornos factuais do caso em análise, no tocante à consideração como momento da aquisição do bem imóvel, cuja posterior alienação, em maio de 20200, foi geradora de mais-valias, o dia da celebração do contrato definitivo de compra e venda, ocorreu em 1989/01/12.
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Peticiona ainda a ora requerente, a pronúncia pelo Tribunal Arbitral, pela legalidade da cobrança de imposto sobre a mais-valia relativa aos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos ... a ... e ..., entendendo dever desconsiderar-se a sua sujeição a imposto, por o surgimento daqueles na sua esfera não se ter dado por aquisição.
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Mais sustentando não poderem aqueles prédios ser considerados autonomamente relativamente à terra onde estão implantados, nunca o prédio rústico ou qualquer parcela do seu terreno se ter tornado autonomamente urbano.
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Que este prédio tão só recebera construções, que viriam a ser inscritas na matriz predial urbana sob os artigos ..., ..., ..., ... e ..., os quais só por conveniência da administração teriam sido inscritos nessa matriz (cfr. Artigos 29º a 34º e segundo parágrafo da parte conclusiva da PI).
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Relativamente a tal assunto, em primeiro lugar a requerente apenas quando peticiona a prolação de decisão arbitral vem suscitar esta questão, relativamente aos prédios inscritos na matriz predial de ..., concelho de ..., sob os artigos ... a ... e..., não o tendo feito no âmbito do procedimento de reclamação, cuja decisão pela presente via contesta.
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Assim sendo, não podia tal problemática ser apreciada naquele procedimento, pelo que a contestação à decisão desse mesmo procedimento não pode, destarte, abranger algo sobre o qual aquela decisão não podia debruçar-se, posto que não suscitado.
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Em segundo lugar não tem a requerente razão quanto ao que sustenta, mesmo que como a requerente defende, os prédios inscritos na matriz urbana sob os artigos... a ... e ... fizessem parte de uma universalidade, a sua aquisição apenas ocorreu em 1989/01/12, portanto já na vigência do CIRS.
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Mas mesmo que, como é alegado, se entendesse que tal aquisição ocorreu na data da celebração do contrato promessa, tese esta já sustentadamente afastada, nunca a mais-valia gerada pela alienação destes imóveis poderia estar excluída de tributação, porquanto a respetiva inscrição na matriz ocorreu em 2003.
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Nestes termos, e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação impugnado, absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 09-06-2022 e foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 14-06-2022.
Em 04-08-2022, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 04-08-2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 24-08-2022.
Em 07-10-2022 foi nomeado novo árbitro adjunto na sequência de renúncia de funções arbitrais por um dos árbitros.
Em 02-11-2022 foi proferido despacho arbitral na mesma data em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.
A AT apresentou a sua Resposta, em tempo, em 05-12-2022.
Em 05-01-2023 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:
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«Designa-se o dia 13 de janeiro de 2023, pelas 9h30 horas, nas instalações do CAAD, para realização da audiência para produção de prova testemunhal.
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Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.»
A inquirição foi realizada nos dias 13-01-2023 conforme ata junta ao processo.
Na sequência da inquirição, não foram apresentadas alegações.
POSTO ISTO:
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre decidir.
II. DECISÃO
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MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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Em 1989/01/12, a ora Requerente adquiriu o prédio misto denominado “... e...”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo ... da secção U e na sua congénere urbana dos mesmos concelho e freguesia sob o artigo ... .
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Foi outorgado contrato promessa de compra e venda relativamente a esta mesma transmissão em 1988/04/15.
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Em 2020/05/15, a ora Requerente vendeu o prédio misto denominado “... e...”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo ... da secção U e na sua congénere urbana dos mesmos concelho e freguesia sob os artigos ..., ..., ..., ..., ... e ... .
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E ainda o prédio inscrito na matriz predial urbana dos mesmos concelho e freguesia sob o artigo ... .
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Os valores de venda, que no seu conjunto ascendeu a € 695 199,96, foram assim distribuídos:
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Prédio misto: € 568 828,98;
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Prédio urbano: € 126 370,98.
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De acordo com o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... provém dos inscritos na mesma sob os artigos ... e ... .
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Sendo este último que deu origem àqueles dois (artigos ... e ...).
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A inscrição do prédio efetuada sob o artigo ... encontra-se desativada desde 2013/09/30, dando origem ao prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo ..., cuja inscrição se encontra ativa.
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Em 2021/06/30, a Requerente procedeu à entrega, em seu nome, de uma declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2020, a qual foi acompanhada pelos anexos A, B, G e J.
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Com relevância para a matéria ora em apreço, a Requerente fez constar no campo 4001 do quadro 4 do anexo G que entregou conjuntamente com a declaração mencionada no artigo que antecede a venda, em maio de 2020, do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo ... da secção U pelo preço de € 53 045,83.
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Mais declarando que o havia adquirido em janeiro de 1989 pelo montante de € 7 372,65.
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A Requerente declarou ainda nos campos 4002 a 4007 do quadro 4 do anexo G que entregou conjuntamente com a declaração mencionada no artigo que antecede a venda, em maio de 2020, pelas quantias abaixo constantes, dos seguintes artigos, adquiridos em janeiro de 2003 e inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ..., mencionando ainda valor de aquisição dos mesmos os seguintes montantes:
Artigo Valor de realização Valor de aquisição
... € 12 900,00 € 9 945,00
... € 171 993,30 € 24 939,00
... € 92 200,00 € 19 890,00
... € 92 200,00 € 19 890,00
... € 91 739,85 € 21 420,00
... € 54 750,00 € 22 491,00
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Declarou também no campo 4008 dos mesmos quadro e anexo a alienação, em maio de 2020, pelo preço de € 126 370,98, do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo ... .
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Fazendo ainda constar do mesmo campo que o havia adquirido em janeiro de 1989, pelo montante de € 17 566,24.
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Acrescendo ainda a declaração no quadro 5 do anexo G, que pretende reinvestir o produto resultante da alienação do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .
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A declaração modelo 3 mencionada no artigo 13º deu origem à liquidação de IRS nº 2021..., efetuada em 2021/07/05, no âmbito da qual foi apurada a quantia de imposto a pagar no montante de € 126 564,46.
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Em 2021/10/08, a ora requerente procedeu à entrega, em seu nome, de uma declaração modelo 3 de IRS, de substituição, referente ao ano de 2020, a qual foi acompanhada dos anexos A, B, G, G1 e J.
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Nesta declaração de substituição, a Requerente fez constar dos campos 4001 a 4005 do quadro 4 do anexo G, que acompanhou a declaração supra identificada, nas datas e valores de realização e aquisição mencionadas no artigo 16º, dos prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ..., sob os artigos ..., ..., ..., ... e ... .
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Fazendo, porém, constar dos campos 502 e 503 do quadro 5 do anexo G1 a alienação dos prédios inscritos na mesma matriz predial sob os artigos ... e ..., pelos montantes mencionados no artigo 16º, mas declarando agora que os havia adquirido em 1988/12/15, pela quantia de € 6 234,97, cada.
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Mencionando no campo 501 daqueles quadro e anexo, haver alienado o prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesa de ..., concelho de ..., sob o artigo ... da secção U, pelo preço de € 53 045,83, declarando que também o havia adquirido em 1988/12/15, pela importância de € 12 469,95, voltando a declarar no quadro 5 do anexo G que pretende reinvestir o produto resultante da alienação do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .
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Consultado o sistema informático da AT, constata-se que a declaração mencionada no artº 21º, resultou “não liquidável”.
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A declaração de substituição supra identificada, foi convolada em processo de reclamação graciosa, o qual foi autuado com o nº ...2021..., a qual foi parcialmente deferida por despacho do Diretor de Finanças de Beja, proferido em 2022/02/17.
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Sendo que, a parte deferida respeita a despesas relativas à alienação de bens móveis e equipamentos (logo, não bens imóveis), com repercussão sob o campo 407 do anexo B, tendo sido, com base na decisão do procedimento de reclamação acima mencionado, elaborada oficiosamente, em 2022/02/18, em nome da ora requerente, declaração modelo 3 referente ao ano de 2020, a qual foi acompanhada dos anexos A, B, G e J.
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Do quadro 4 do anexo G constam exatamente os mesmos valores, datas de realização e alienação de bens imóveis que a requerente havia feito constar em iguais campos e anexo entregue conjuntamente com a declaração modelo 3 que apresentou em 2021/06/30 (vide artº 13º).
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Consta igualmente do quadro 5 do mesmo anexo, a intenção de reinvestimento do produto resultante da alienação do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .
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Com base nesta declaração oficiosa, foi efetuada em 2022/02/25, a liquidação de IRS nº 2022..., no âmbito da qual foi apurado o imposto no montante a pagar no valor de € 115 903,19, motivo pelo qual foi anulado, em ralação ao valor apurado na liquidação nº..., efetuada em 2021/07/05 o montante de € 10 661,27, anulação esta processada através do acerto de contas nº 2021... .
A.2. Factos dados como não provados
Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos e na prova testemunhal produzida.
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
B. DO DIREITO
B.1. DA QUESTÃO DE FUNDO
A questão ora em análise, prende-se unicamente com o momento da aquisição do prédio misto supra identificado, defendendo a requerente que tal momento coincide com a celebração do contrato promessa.
A Requerente para concretizar o seu desiderato de ver anulado, por ilegalidade, o ato de liquidação invoca a errónea qualificação do tipo de rendimentos, uma vez que estes estão isentos na medida em que a aquisição se efetuou no momento da celebração do contrato promessa, isto é em 1988/04/19.
Mais referindo a Requerente que:
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«Foi nesta data, 19 de abril de 1988, que o Senhor Advogado, Dr. B..., em representação dos vendedores, Senhor C... e mulher, D..., substabeleceu no advogado da impugnante, o Senhor Dr. E..., os poderes irrevogáveis que o casal lhe dera quatro dias antes, para vender o prédio.
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E lhe entregou a posse da propriedade e, simbolicamente, as chaves das portas dos urbanos, o que o advogado da impugnante aceitou, para esta.
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Sendo que, além da procuração/substabelecimento dos poderes irrevogáveis para vender, as partes formalizaram um contrato promessa de compra e venda, redigido em 15 de Abril de 1988 e assinado em 19 de Abril de 1988.
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O imposto sobre a transmissão, a SISA foi paga ainda no ano de 1988, em quinze de dezembro, depois de se ter marcado a escritura que formalizou a compra, para o dia 12 de janeiro de 1988, quando se reuniu a condição da disponibilidade de advogado/procurador, compradora e notário.
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No dia marcado foi outorgada a dita escritura, 12 de janeiro de 1988.»
Em sede de audiência provou a Requerente, por prova testemunhal, de que a partir de 1988 já havia evidências de a tradição ter sido efetuada ao momento do contrato promessa.
Vejamos,
O Código do IRS prevê na alínea a) do n.º 1 do seu artigo 10.º que «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, de capitais ou prediais, resultem de: a) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…).»
No entanto, e no âmbito das mais-valias em sede de IRS há que atender ao regime transitório para os rendimentos da categoria G, previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, nos termos do qual:
«1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código. [01.01.1989]
2 - Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efectuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos.»
Ora, o referido regime remete para o artigo 1.º do Código do Imposto de Mais-Valias (CIMV), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de junho de 1965, por forma a aferir quais os ganhos que, no âmbito desse diploma, não eram sujeitos ao imposto de mais-valias (com referência a momento anterior ao da entrada em vigor do Código do IRS) e que, consequentemente, são passíveis de beneficiar do regime transitório de não sujeição a este imposto.
Previa, então, aquela norma legal, com interesse, que:
«O imposto de mais-valias incide sobre os ganhos realizados através dos actos que a seguir se enumeram:
1.º Transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que seja o título por que se opere, quando dela resultem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valia previstos no artigo 17.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41 616, de 10 de Maio de 1958, e que não tenham a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial.
(…)
§ 2.º São havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo.»
Assim, no domínio do CIMV, apenas os ganhos derivados da alienação onerosa de terrenos para construção eram passíveis de incidência do imposto de mais-valias e, portanto, só possuindo o imóvel transmitido essa qualidade fica afastada a aplicabilidade do regime transitório.
Assim sendo, tendo em consideração, que estão verificados os seguintes indícios claros:
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Celebração do contrato promessa em 19 de abril de 1988, data em que houve substabelecimento entre advogados dos poderes irrevogáveis que o casal lhe dera quatro dias antes, para vender o prédio.
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Para além da procuração/substabelecimento dos poderes irrevogáveis para vender, as partes formalizaram um contrato promessa de compra e venda, redigido em 15 de Abril de 1988 e assinado em 19 de Abril de 1988.
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Entrega a posse da propriedade e, simbolicamente, as chaves das portas dos urbanos, o que o advogado da Requerente aceitou.
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O imposto sobre a transmissão, a SISA foi paga ainda no ano de 1988, em quinze de dezembro, depois de se ter marcado a escritura que formalizou a compra, para o dia 12 de janeiro de 1988, quando se reuniu a condição da disponibilidade de advogado/procurador, compradora e notário.
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No dia marcado foi outorgada a dita escritura, 12 de janeiro de 1988.
E uma vez que, não obstante a escritura definitiva de compra e venda ter sido já celebrada em 1989, todos os atos materiais identificativos da transmissão tiveram lugar em 1988, incluindo o pagamento da SISA, é manifesto que o ganho que a Requerente obteve não se encontra sujeito a IRS, por aplicação do regime transitório do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro, pelo que, é o ato de liquidação sindicado nos presentes autos parcialmente ilegal, no que toca à tributação da mais-valia resultante da alienação dos imóveis acima identificados, devendo a mesma ser anulada em conformidade.
B.2. DA RESTITUIÇÃO DE QUANTIAS PENHORADAS E DOS RESPETIVOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A Requerente pretende «cancelamento da penhora e devolução do valor penhorado» e ainda o «pagamento dos juros de mora devidos desde a data de apresentação da Reclamação Graciosa».
O direito a juros indemnizatórios é reconhecido pelo artigo 43.º, n.º 1, da LGT e concretizado da forma prevista no artigo 61.º do CPPT, nos casos em que ocorra «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso em apreço, o Requerente não apresentou prova de que tenha pago total ou parcialmente as quantias liquidadas, sendo certo que a penhora não constitui pagamento.
Por isso, à face dos factos provados, não há fundamento para condenar a Administração Tributária em restituição de imposto e juros indemnizatórios.
Consequentemente, tem de se julgar improcedente o pedido de restituição e pagamento de juros indemnizatórios, sem prejuízo de ele poder ser reconhecido em execução de julgado, se se comprovar o pagamento, nos termos do artigo 61.º do CPPT.
C. DECISÃO
Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:
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Julgar totalmente procedente o pedido arbitral e a consequente declaração da ilegalidade da liquidação da declaração de IRS da Requerente relativa ao ano 2020;
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Julgar improcedente o pedido de restituição de quantias e de juros indemnizatórios, sem prejuízo de o respetivo direito poder ser reconhecido em execução do presente acórdão.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 105.693,71, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 17 de fevereiro de 2023
O Árbitro Presidente,
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
O Árbitro Vogal
(José Campos Amorim)
O Árbitro Vogal
(Jorge Bacelar Gouveia)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
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