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DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
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A contribuinte A..., Lda., NIPC ..., doravante “a Requerente”, apresentou, no dia 30 de Maio de 2022, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), e 10º, 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações por último introduzidas pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
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A Requerente pediu a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade dos actos tributários de 17.2.2022, nº 2022 ... de liquidação adicional de retenções na fonte de IRS, respeitantes ao ano de 2021, no montante de €107.848,96, e n.º 2022..., de liquidação de juros compensatórios, no valor de €1.264,63, referentes ao mesmo exercício de 2021.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
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O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.
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As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos arts. 11º, 1, b) e c), e 8º do RJAT, e arts. 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD.
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O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 9 de Agosto de 2022; foi-o regularmente, e é materialmente competente.
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Por Despacho de 10 de Agosto de 2022, foi a AT notificada para, nos termos do art. 17º do RJAT, apresentar resposta.
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A AT apresentou a sua Resposta em 30 de Setembro de 2022, juntamente com o Processo Administrativo.
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Por Despacho de 4 de Outubro de 2022, foi determinada a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT.
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No dia 15 de Novembro de 2022 realizou-se, nas instalações do CAAD e também por videoconferência, a reunião prevista no art. 18º do RJAT. Aí se recolheu declarações de parte e prova testemunhal. As partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas, indicando-se o dia 9 de Fevereiro de 2022 como data-limite para a prolação e comunicação da decisão arbitral.
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A Requerente não apresentou alegações.
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A Requerida apresentou as suas alegações em 9 de Dezembro de 2022.
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As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.
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A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
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O processo não enferma de nulidades.
II – Matéria de Facto
II. A. Factos provados
Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente foi alvo de procedimento inspectivo no âmbito do Despacho COVID nº DI2021... da DF de Coimbra.
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Nesse procedimento inspectivo não só se identificou um saldo de caixa de €268.716, no final do exercício de 2019, como se concluiu pela existência de adiantamentos por conta de lucros (art. 5º, 2, h) CIRS) que não foram objecto de retenção na fonte.
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Foi proposto o encerramento do Despacho e a abertura de um procedimento inspectivo externo, que veio a ter lugar ao abrigo das Ordens de Serviço n.os OI2021... e OI2021..., ambas de 3 de Dezembro de 2021, de âmbito geral (para o exercício fiscal de 2020) e de âmbito parcial – Retenções na fonte em sede de IRC e IRS (para o exercício fiscal de 2021).
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No âmbito desse procedimento, foram solicitados, e foram entregues, elementos contabilísticos que permitiram aferir o cumprimento das obrigações contabilísticas e fiscais.
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Nesse procedimento inspectivo foi possível calcular que o saldo da conta 111 – caixa 1 deveria corresponder, em 30 de Setembro de 2021, ao valor de €330.254,89, e que na mesma data o saldo da conta 112 – caixa 2 era do valor de €70.000: perfazendo ambos um total de €400.254,89.
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Verificou-se que o saldo físico do caixa era apenas de €15.080,00 à data de 15 de Setembro de 2021, como o reconheceu, em Termo de Ocorrência, o Gerente da sociedade Requerente.
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O que levou ao apuramento de uma diferença entre o saldo registado contabilisticamente e o saldo físico em cofre, no montante de €385.174,89 (€400.254,89 - €15.080,00).
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Não se identificando documentalmente o beneficiário desse montante de €385.174,89, esse valor passaria a assumir a natureza de despesa não documentada, sujeita a tributação autónoma nos termos do art. 88º,1 do CIRC.
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Todavia, no Termo de Ocorrência de 15 de Setembro de 2021, o Gerente da sociedade Requerente reconheceu que esse valor correspondia a um adiantamento de lucros por si recebido: “a diferença constitui um adiantamento de lucros efectuado pela sociedade ao seu sócio-gerente” (Anexo I, Folha 1/5, do RIT):
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O Termo de Ocorrência é assinado pelo declarante, B..., e pela testemunha C..., e ainda por D..., depois arrolado como testemunha pela Requerente (além da assinatura do próprio inspector tributário) (Anexo I, Folha 2/5, do RIT):
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Dado o reconhecimento, pelo próprio Gerente da sociedade Requerente, que esse valor de de €385.174,89 fora um adiantamento por conta de lucros tributáveis, um adiantamento de que ele próprio fora o beneficiário, no procedimento inspectivo entendeu-se passar a aplicar-se o art. 71º do CIRS, ficando tais montantes sujeitos a retenção na fonte à taxa liberatória de 28%.
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O procedimento inspectivo externo conclui que ficaram por entregar aos cofres do Estado €107.848,96, correspondentes a 28% de €385.174,89, correspondendo tal falta a uma infracção tributária, imputada à entidade devedora dos rendimentos, nos termos dos arts. 71º e 101º do CIRS.
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No dia 17 de Fevereiro de 2022 a Requerente foi notificada dos documentos nº 2022 ... de liquidação adicional de retenções na fonte de IRS, respeitantes ao ano de 2021, no montante de €107.848,96, e n.º 2022..., de liquidação de juros compensatórios, no valor de €1.264,63, referentes ao mesmo exercício de 2021 – perfazendo um total de € 109.113,59.
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Em 30 de Maio de 2022, a Requerente apresentou no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.
II. B. Matéria não-provada
Com relevância para a questão a decidir, nada ficou por provar.
II. C. Fundamentação da matéria de facto
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Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo, e nas declarações prestadas na reunião de 15 de Novembro de 2022.
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Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).
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Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
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Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
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Nos termos do art. 396º do Código Civil, a força probatória da prova testemunhal é livremente apreciada pelo tribunal – sendo-o também, por maioria de razão, as declarações de parte.
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Nos termos do art. 393º do Código Civil, havendo documentos, a prova testemunhal (ou, subalternamente, as declarações de parte) cingir-se-á à interpretação do contexto desses documentos, não podendo incidir nos factos que esses documentos provam.
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Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
III. Sobre o Mérito da Causa
III. A. Posição da Requerente
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A Requerente sustenta, em primeiro lugar, que todo o procedimento inspectivo está ferido de ilegalidade, inquinando as liquidações subsequentes. Desde logo porque, no seu entendimento, tudo nasceu de um procedimento de inspecção interno que terá ilegitimamente extravasado da mera análise documental para uma actuação junto de terceiros, logo uma actuação externa, sem a adequada e necessária notificação aos inspeccionados.
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Isso, no seu entender, tornaria ilegais, até por violação do art. 49º do RCPIT, as recolhas de informação antecedentes às ordens de serviço externas (ou seja, anteriores a 3 de Dezembro de 2021), por aquelas terem já cariz investigatório, equivalerem a uma inspecção materialmente externa, e não serem precedidas da referida notificação – afastando a Requerente a hipótese de se estar perante a situação prevista no art. 50º, 1, c) do RCPIT.
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Isso seria não somente violador de um preceito constitucional (art. 268º, 3 da CRP) como conferiria ao contribuinte a faculdade de se opor à realização da inspecção (arts. 46º e 47º do RCPIT), por violação de formalidades essenciais e por violação de direitos mínimos dos contribuintes (nomeadamente os que resultam dos arts. 52º e 59º do RCPIT).
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Essa fiscalização “contra legem” seria violadora do princípio da proporcionalidade, da justiça e da boa-fé, e dos princípios da imparcialidade, da garantia e da cooperação (arts. 55º, 59º e 68º da LGT, conjugados com o art. 266º da CRP).
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Sustenta ainda a Requerente que uma notificação tardia seria não somente extemporânea, como, permitindo factos consumados no progresso da inspecção, seria lesiva da confiança e da segurança jurídica – pelo que jamais se poderia admitir a violação de um prazo de cinco dias de antecedência da notificação em relação ao início de qualquer procedimento inspectivo (reforçando o argumento com uma remissão para o art. 59º, 3, l) da LGT).
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Especificamente, seria inválido o Termo de Ocorrência de 15 de Setembro de 2021, no qual o Gerente da sociedade Requerente reconheceu que a disparidade entre o saldo registado contabilisticamente e o saldo físico em cofre correspondia a adiantamentos de lucros em seu favor.
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A esse propósito, a Requerente alega que “o gerente desconhece o que sejam adiantamento de lucros” (art. 15º do PPA), e que por isso o gerente terá “assinado de cruz” o Termo de Ocorrência (art. 14º do PPA).
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Examinando a figura dos adiantamentos sobre lucros, prevista para as SAs no art. 297º, 1 do CSC, e transpondo-a para o âmbito das sociedades por quotas como o é a Requerente, esta assinala, em sua defesa, que não estão minimamente verificados, no caso vertente, os requisitos para a existência de tal figura – não devendo, portanto, presumir-se que uma qualquer saída de dinheiro da sociedade possa configurar um tal adiantamento por conta de lucros. Conclui, por isso, que caberia à AT fazer prova de que foi transferido para um sócio o poder de dispor dos meios pecuniários, e que a AT não o terá provado.
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Termina pedindo a anulação das liquidações, a devolução do que foi pago e pagamento, pela AT, de juros indemnizatórios.
III. B. Posição da Requerida
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Na sua resposta, a Requerida assinala um equívoco nos argumentos da Requerente: no seu entender, jamais se tratou de um procedimento inspectivo classificado como interno, mas sim, e antes, de um procedimento externo, de consulta, recolha e cruzamento de dados, não limitado, pois, à análise documental formal. Um procedimento previsto na alínea b) do art. 13º do RCPITA, e não na alínea a) como a Requerente teria presumido.
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Dado que esse primeiro procedimento se limitava à consulta, recolha e cruzamento de dados, não foi emitida ordem de serviço e as formalidades, previstas no art. 46º, 4 e 5 do RCPITA, foram integralmente cumpridas – incluindo no que respeita à notificação, que foi dispensada nos termos do art. 50º, 1, c) do RCPITA.
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Só o procedimento iniciado com as Ordens de Serviço n.os OI2021... e OI2021... é que foi notificado em 3 de Dezembro, e só ele tinha que ser notificado, nos termos dos arts. 49º e seguintes do RCPITA.
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E a Requerida enfatiza que é exclusivamente em decorrência do procedimento iniciado com as Ordens de Serviço n.os OI2021... e OI2021... que se procedeu à correcção de valores e se emitiram novas liquidações.
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Por outro lado, a Requerida esclarece que não havia que notificar a Requerente por qualquer alteração de âmbito de procedimento inspectivo, visto que essa alteração não ocorreu: um primeiro procedimento foi encerrado sem que se tivesse efectuado qualquer correcção, e foi exclusivamente nos termos do procedimento iniciado com as Ordens de Serviço n.os OI2021... e OI2021... que se chegou às correcções ora impugnadas.
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Assinala ainda a Requerida que as alegadas violações de princípio constitucionais e legais nunca são especificadas pela Requerente, nunca identificando qualquer situação em que tais violações se tenham verificado.
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Quanto à caracterização da situação de disparidade de valores como um “adiantamento por conta de lucros”, a Requerida assinala que a AT provou, como lhe cabia, a existência dessa realidade, inclusivamente através da admissão pelo próprio gerente da sociedade Requerente – sendo que de modo algum ficou, ou poderia ficar, refém da qualificação que a própria Requerente quisesse, ou queira, atribuir a essa disparidade de valores.
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Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, a Requerida implicitamente rejeita-o, na medida em que conclui que não houve erro imputável aos serviços, já que sustenta ter-se mantido dentro do estrito cumprimento da lei, de acordo com o princípio da legalidade a que está vinculada, não tendo podido, por isso, agir de forma diferente daquela como agiu (art. 266º da Constituição, art. 55º da LGT e art. 3º do CPA).
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Em alegações, a Requerida recapitula os factos e reitera os argumentos jurídicos, apenas aditando que, na sua opinião, as declarações de parte e a prova testemunhal nada acrescentaram, ou permitiram modificar, face ao que já se concluíra em sede inspectiva.
III. C. Fundamentação da decisão
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Suscitam-se neste processo essencialmente duas questões:
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A de sabermos se ocorreu alguma irregularidade no procedimento inspectivo;
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A de determinarmos se, sim ou não, ocorreu um adiantamento por conta de lucros.
III. C. I. Do procedimento inspectivo
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Quanto à primeira questão, parece claro que a Requerente labora num equívoco. Como resulta da documentação apresentada no Processo Administrativo junto à Resposta da Requerida, e demos como provado, há dois momentos distintos:
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O primeiro é um procedimento que, sendo ele próprio já externo, ou seja, configurado nos termos da alínea b) e não da alínea a) do art. 13º do RCPITA, se limitou a constatar, por consulta, recolha e cruzamento de dados, inclusivamente com a elaboração de um Termo de Ocorrência lavrado nas instalações da Requerente, a existência de indícios fortes de disparidades de valores e de irregularidades tributárias imputáveis à Requerente, e que poderiam justificar novas liquidações de imposto.
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Perante essa constatação, encerra-se o primeiro momento sem ser tomada qualquer decisão, e inicia-se o segundo momento, um procedimento inspectivo ao abrigo das Ordens de Serviço n.os OI2021... e OI2021..., ambas de 3 de Dezembro de 2021, que, esse sim, conduziria à liquidação adicional de retenções na fonte de IRS, respeitantes ao ano de 2021, acrescida de juros compensatórios.
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No primeiro momento o procedimento inspectivo assentou num mero Despacho e não numa Ordem de Serviço, nos termos do art. 46º, 4 e 5 do RCPITA; e, não tendo efectivamente resultado dele qualquer acto administrativo susceptível de impugnação, também não havia lugar a notificação prévia, nos termos do art. 50º, 1, c) do RCPITA.
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Só o segundo momento, desencadeado pelas Ordens de Serviço e culminando no RIT e nas novas liquidações, é que tinha de ser notificado previamente, como o foi, nos termos do art. 49º do RCPITA.
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O segundo momento não é uma mera alteração de âmbito do primeiro – alteração que devesse ser autonomamente notificada à Requerente: é, pelo contrário, um novo procedimento inspectivo, com pressupostos e formalidades próprias, nascido após o encerramento do procedimento anterior.
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As ilegalidades e inconstitucionalidades que, pela Requerente, são assacadas ao procedimento inspectivo, descontadas as afirmações meramente conclusivas e as alegações não especificadas, assentam, pois, num equívoco acerca do que verdadeiramente se passou.
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Não se descortina qualquer ilegalidade no procedimento inspectivo, nem qualquer lesão de princípios constitucionalmente tutelados.
III. C. II. Do adiantamento por conta de lucros
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Demos como provado que o gerente da sociedade Requerente reconheceu, em documento assinado e cuja autenticidade não foi contestada, relativamente à disparidade de valores detectada no procedimento inspectivo, que “a diferença constitui um adiantamento de lucros efectuado pela sociedade ao seu sócio-gerente”.
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No PPA a Requerente argumenta que “o gerente desconhece o que sejam adiantamento de lucros”, e que, por isso, terá “assinado de cruz” o Termo de Ocorrência.
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Na Reunião de 15 de Novembro de 2022, o gerente da sociedade Requerente, no seu depoimento, e a testemunha, foram um pouco mais longe, aludindo a pressões que teriam sido exercidas no sentido de o gerente “assinar de cruz”.
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Nada disso foi provado por outro meio, e já antes referimos que a força probatória da prova testemunhal (e por maioria de razão a das declarações de parte) é de livre apreciação pelo tribunal.
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Insistamos ainda que, nos processos arbitrais, vigora o princípio da “livre apreciação dos factos (...) de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros”, como preceitua o art. 16º, e) do RJAT, pelo que é a sua luz que há que efectuar o juízo probatório.
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Ora, a essa luz, duas coisas se afiguram como inverosímeis, de acordo com a convicção dos árbitros e com as regras da experiência comum:
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Que tenha havido qualquer forma de coacção exercida sobre o gerente da sociedade Requerente a ponto de retirar o carácter voluntário do seu depoimento, a ponto de intimidar os demais presentes que assinaram igualmente o Termo de Ocorrência, e a ponto de impedir a reacção tempestiva, por algum dos signatários do Termo de Ocorrência, e pelos meios adequados, contra uma tal coacção, exercida para mais, se ela tivesse tido lugar, por um funcionário público.
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Que o gerente da sociedade Requerente sofra de alguma diminuição cognitiva que o impeça de perceber o conceito de “adiantamento por conta de lucros”, ou, como declarou e assinou, “adiantamento de lucros efectuado pela sociedade ao seu sócio-gerente”, uma prática comercial corrente nas sociedades anónimas e nas sociedades por quotas, como é o caso. Na verdade, a estranheza aumenta porque, na reunião de 15 de Novembro de 2022, o gerente da sociedade Requerente fez prova de estar no pleno gozo das suas faculdades cognitivas, e no seu depoimento deixou repetidamente subentendido que não só compreende o conceito (nunca solicitando explicações quando o conceito foi convocado), como o coloca em prática e dele tira proveito: um comportamento contraditório com a argumentação apresentada pela própria Requerente.
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Aliás, em contraposição a ambas as inverosimilhanças, foi esclarecido, durante a reunião de 15 de Novembro de 2022, que o reconhecimento, pelo gerente da sociedade Requerente, de que se tratava de “adiantamento por conta de lucros” visou precipuamente afastar a tributação em sede de “despesas não-documentadas” do montante detectado, o que significaria uma taxa de imposto superior à que corresponde aos “adiantamentos” (art. 71º do CIRS versus art. 88º, 1 do CIRC).
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Cabe até perguntar se a Requerente, alegando uma “inconsciência” do seu gerente quanto ao conceito de “adiantamentos por conta de lucros”, e alegando, sem a provar, a ausência de vontade no reconhecimento da natureza do montante em falta, os €385.174,89, mas sem impugnar a existência desse montante em falta, e sem contestar que esse montante foi entregue ao sócio-gerente, não estará inadvertidamente a convocar o regime das despesas não-documentadas, e a oneração com um tributo superior…
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Duas coisas são certas:
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Não caberia no âmbito de um processo arbitral reagir a efeitos de pressões ilegítimas, ou a efeitos de iliteracia societária / contabilística, se eles tivessem existido – havendo meios próprios, até de natureza criminal, para tutelar interesses eventualmente lesados por essas situações, pelo que tais questões, a serem verdadeiras, deveriam ter sido resolvidas a montante do processo arbitral, e nada foi referido a indicar que isso sequer tenha sido tentado.
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Não se concebe que a Requerente quisesse, incorrendo em infracção, furtar à incidência de imposto os €385.174,89 em falta nos seus cofres, pelo que um eventual arrependimento quanto ao reconhecimento da sua natureza como “adiantamentos por conta de lucros” jamais poderia ter a virtualidade de isentar de tributação aquele montante – quando muito, faria incidir um outro imposto, como acabámos de referir; para lá das consequências no plano das infracções.
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Seja como for, o Termo de Ocorrência de 15 de Setembro de 2021 tem um valor probatório que não foi idoneamente questionado, e que prevalece, nos termos gerais anteriormente referidos, sobre depoimentos testemunhais ou de parte, ou alegações das partes – de forma que limita a própria livre apreciação, pelo tribunal, do valor probatório desse documento (art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT). Insistamos no princípio geral de que, havendo documento que prova factos, só se admitirão depoimentos que interpretem o contexto desses documentos, não se podendo negar os factos neles provados.
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Isso dispensa o recurso à presunção que consta do art. 6º, 4 do CIRS, porque já demos por provada a natureza de “adiantamentos por conta de lucros” atribuível ao montante de €385.174,89 em falta no cofre da Requerente. Essa presunção, só por si, já inverteria o ónus da prova, retirando à Requerente o argumento de que caberia à AT provar a existência desses adiantamentos, ou o preenchimento dos respectivos requisitos. Mas, havendo documento, o próprio recurso à presunção deixa de ser necessário.
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Não ocorreu, pois, qualquer ilegalidade nos actos tributários de 17 de Fevereiro de 2022, nº 2022... de liquidação adicional de retenções na fonte de IRS, respeitante ao ano de 2021, no montante de €107.848,96, e n.º 2022..., de liquidação de juros compensatórios, no valor de €1.264,63, referentes ao mesmo exercício de 2021.
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Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – art. 608.º do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT.
IV. Decisão
Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
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Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido formulado;
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Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
V. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 109.113,59 (cento e nove mil, cento e treze euros e cinquenta e nove cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VI. Custas
Custas no montante de € 3.060,00 (três mil e sessenta euros) a cargo da Requerente (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).
Lisboa, 6 de Fevereiro de 2023
Os Árbitros
Fernando Araújo
Tomás Cantista Tavares
João Menezes Leitão
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