SUMÁRIO: As correções de registos contabilísticos nos termos do SNS e do CIRC é possível caso sejam feitas no cumprimento das respetivas normas, pelo que deverão ser considerados legais.
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DECISÃO ARBITRAL
I - RELATÓRIO
A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º .., ..., ..., ...-..., Lisboa (doravante “Requerente”), notificada do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2021..., praticado com referência ao exercício de 2017, do qual resulta o imposto a reembolsar de € 16.171,11, do ato de liquidação de Juros Compensatórios n.º 2021..., no valor de € 8.949,41 e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2021 ... (Compensação n.º 2021...), da qual resultou € 77.172,83 de imposto a pagar vem, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Administrativa ("RJAT") deduzir contra os supra indicados atos de liquidação de IRC e de Juros Compensatórios referentes ao exercício de 2017, pedindo a sua anulação.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 10-05-2022.
A Requerente procedeu à designação de árbitro, tendo nomeado o Professor Doutor Tomás Cantista de Castro Tavares.
A 02-06-2022, a Requerida designou representantes processuais os juristas Cristiana Santos Afonso e Edna Soares Tavares e, a 30-6-2022, e designou como árbitro o Professor Doutor António Fernando Cardão Pito.
A 05-09-2022, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou para Presidente do Tribunal Arbitral a Professora Doutora Regina de Almeida Monteiro, que, na mesma data, aceitou o encargo.
Por despacho de 23-09-2022 do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD ficou constituído o Tribunal Arbitral.
A AT, devidamente notificada para o efeito, em 26-10-2022 apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação, tendo ainda junto o PA.
Por despacho de 01-11-2022 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e facultando às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, contados da notificação do mencionado despacho.
A 18-11-2022 a Requerente apresentou as alegações escritas.
A 17-02-2023 a Requerente juntou aos autos o documento que no PPA protestou juntar (documento 18), para comprovar o pagamento do imposto apurado através da liquidação de IRC objeto dos autos.
Por despacho de 20-02-2023 esse documento foi admitida a sua junção.
II. Matéria de facto
II.1. Factos Provados
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
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A requerente dedica-se à instalação de máquinas e equipamentos industriais; e outras atividades especializadas de construções diversas.
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Em 2014, a A... fez obra para a B... (num negócio tipo consórcio ou empreiteiro/ subempreiteiro), que por sua vez trabalhava para a C..., SA.
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A obra relevou-se um enorme fracasso: os custos foram muito superiores aos proveitos contratualizados.
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Perante isso, a A... e B... fizeram duas coisas (em final de 2015): acordaram a saída da obra; e efetuaram a reclamação de reequilíbrio do contrato (por custos acrescidos) junto da C..., SA, superior a 10M€ (efetuada pela B...) – e depois, em caso de sucesso, a A... ficaria com metade da quantia e faturaria isso mesmo à B... .
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A C... refutou essa responsabilidade.
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Em 2016, a obra ficou concluída (não haveria mais custos); e foi estimado o valor de 4,5M€ que receberia da B... – fruto de 50% do contencioso que se assumia como vitorioso com a C..., SA;
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Em 2017, a B... apresenta um Plano Especial de Revitalização (PER) e depois é declarada insolvente.
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O “crédito” de 4,5M€ da A... sobre a B... não é reconhecido no processo de insolvência da B... .
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Por outro lado, a B... arroga-se credora da A... (por outros eventos) em mais de 2M€, tendo na sua posse garantia bancárias à primeira solicitação; e além disso, mantinham uma obra nos Camarões, numa parceria de 50% cada um do capital social.
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A reclamação por reequilíbrio do contrato nunca foi reconhecida judicial ou extrajudicialmente.
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Em 2017, a A... e a B... (melhor, a massa insolvente da B...) fazem um acordo, em que: (i) declaram, reciprocamente, que mais nada têm a haver uma da outra, seja a que título for, dando por integralmente saldados os créditos respetivos sobre a outra parte; (ii) desistem, reciprocamente, de reclamar os créditos de uma contra a outra (o crédito de 4,5M€ e de 2M€ acima identificados), com a entrega à A... das garantias bancárias (que assim não foram acionadas); (iii) e a A... pagou 150 mil euros para ficar com a totalidade do projeto em desenvolvimento nos Camarões.
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Este acordo foi proveitoso para a A...: (i) evitou ter de pagar mais de 2,5M€ à B... (na posse de garantias bancárias a seu favor); (ii) Aceita a inexistência do seu alegado crédito, mas se existisse, a verdade é que a B... nunca lho pagaria, porque insolvente; (iii) e resolve o problema da subsidiária dos Camarões que estava num impasse (com um sócio insolvente, com 50% do capital).
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Na sequência desse acordo, a requerente debitou a conta 68889 - outros acertos e creditou a conta 28 - diferimentos pelo valor de 4,5M€ estornando, na prática, o lançamento que efetuara no período anterior assim desreconhecendo o rendimento que, então, reconhecera.
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A A... considerou esse gasto em termos contabilísticos e fiscais de 2017 – mas a AT corrigiu essa natureza, pela argumentação exposta no RIT.
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Em 2014, a A... acordou fazer uma obra para a D... (tipo subempreiteiro), que, por sua vez, trabalhava para a E... .
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A obra foi problemática, com custos efetivos superiores aos faturados.
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Em 2016, a A... acorda com a D... o fecho de contas da obra: 4.4M€, prestados e faturados, acrescido de 0.4M€ (estimativa que a A... receberia, em caso de sucesso de reclamação por “trabalhos a mais”: “equipment extra quantities” e “acceleration costs”).
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Em 2017, a D... entra em processo de insolvência, decretada em 2018. Perante isso, a requerente leva, em 2017, o valor de 0.4M€ daquele crédito a gasto contabilístico e fiscal.
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Em 2021 a requerente foi sujeita a uma ação de inspeção ao abrigo das Ordens de Serviço ordens de serviço com os números OI2021... e OI2021..., e que incidiram sobre os períodos de tributação de 2017 e 2018.
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Dessa Inspeção resultou o ato de liquidação de IRC n.º 2021 ..., relativo ao exercício de 2017, no valor de €77.172,83.
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A Requerente foi notificada em 16 de dezembro de 2021 dessa liquidação, tendo como prazo limite de pagamento a data de 08-02-2022.
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Em 04-02-2022 a Requerente procedeu ao pagamento do imposto apurado através da liquidação de IRC objeto dos autos, no valor de € 77 172, 83.
II.2. Factos não provados
Não há factos não provados com relevância para a decisão.
II.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a) e e) do RJAT.
Os factos provados assentam, por um lado, no consenso entre as partes confrontando o relatório inspetivo com o requerimento inicial e, por outro lado, em documentos escritos juntos aos autos pela requerente, que não foram formalmente impugnados pela requerida. Em relação aos documentos entregues pela requerente assumem especial relevância os da prova da reclamação de créditos contra a B... (doc. 7 e 11); as inscrições contabilísticas efetuadas pela requerente; as insolvências das empresas e os acordos de fecho de contas com a B... e a D... (doc. 13 e 16).
III – SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5 e 6, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
IV – Matéria de direito
A questão decidenda nos presentes autos visa, essencialmente, determinar a legalidade da liquidação de IRC supra identificada.
Vejamos:
Em 2017, a Requerente, A..., SA (A...), desreconheceu os rendimentos de dois contratos de construção que havia assinado com as sociedades B... e D..., que havia reconhecido no ano anterior.
Quanto ao primeiro, a Requerente foi subcontratada pela B... para a execução parcial de uma obra para cuja realização a sociedade subcontratante fora, por sua vez, contratada pela sociedade C..., SA (C...).
Os trabalhos da Requerente nessa obra iniciaram-se no exercício de 2014.
No final do exercício de 2015, a Requerente entendia haver executado 98,07% dos trabalhos para cuja execução fora subcontratada, se bem que não tivesse faturado ainda à B... a totalidade dos valores que contratualmente teria direito a faturar.
Deste modo, também no final desse exercício de 2015, a Requerente havia registado mais de 4,4 milhões de euros como valor por faturar, relativos a trabalhos já executados nessa obra.
Além disso, nessa mesma data, “a Requerente e a sociedade B... acordaram, por mútuo acordo, a saída desta obra com a sociedade C...”.
Em novembro de 2016, a Requerente havia apurado a importância de € 4 542 289,92 como valor a faturar à B... respeitante a esta obra e calculara esse valor pela “aplicação do método da percentagem de acabamento dos contratos de construção para apuramento dos resultados das obras de carácter plurianual”. No final desse mesmo ano, a empresa relevou essa importância creditando uma subconta da conta 72 - Prestações de Serviços pela importância de € 4 500 000,00, assim aumentando o lucro tributável do período, e registando 42 289,92 € como gasto.
Em 2017, foi declarada judicialmente a insolvência da sociedade B... num processo judicial no qual não foi reconhecido qualquer crédito da Requerente sobre a falida e, em sequência disso, a Requerente reclamou ao Administrador de Insolvência créditos no valor de 5.634.923,29€.
Também em 2017, foi recusada a reclamação que a sociedade B... apresentara à sociedade C..., quando era do valor que a B... recebesse de tal reclamação que a Requerente deveria ser paga, e, além disso, nesse mesmo ano, a sociedade B... foi declarada insolvente. Por tais razões, a Requerente considerou que não era provável que a quantia que havia sido reconhecida como rendimento desse contrato na demonstração de resultados do ano anterior fosse cobrada e, por isso, contabilizou-a como gasto do exercício o que contribuiu para a redução do lucro tributável desse ano.
Os valores dos saldos das contas correntes recíprocas apurados por cada uma das empresas eram altamente divergentes: a A... reclamava um saldo a seu favor de 6 622 062,34 € enquanto a B... anunciava um saldo credor no valor de 9 887 458,61 € que lhe devia ser pago pela A... .
A divergência foi sanada através de uma negociação entre a Requerente e o Administrador de Insolvência da B... que terminou com a assinatura de um “Acordo de fecho de contas”. Nesse acordo, estipulou-se que “A Massa Insolvente e a A... declaram, reciprocamente, que mais nada têm a haver uma da outra, seja a que título for, dando por integralmente saldados os créditos respectivos sobre a outra parte” (n.º 2 da cláusula única do Acordo de fecho de contas).
Na sequência da assinatura do Acordo, a Requerente debitou a conta 68889 - Outros Acertos e creditou a conta 28 - Diferimentos pelo valor de 4 500 000,00 € estornando, na prática, o lançamento que efetuara no período anterior assim desreconhecendo o rendimento que, então, reconhecera.
A Requerida interpretou o texto do Acordo como constituindo “um perdão de dívida realizado pela A... à B..., que foi traduzido contabilisticamente através da anulação parcial de rendimentos reconhecidos em 2016, afetando negativamente o resultado líquido do exercício”. Assim sendo, decidiu não o considerar como gasto do exercício para efeitos do cálculo do lucro tributável da sociedade.
A alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º do Código do Imposto sobre as Pessoas Coletivas (CIRC) estabelece que, para «permitir o apuramento» do lucro tributável, a contabilidade deve “estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor (...)” pelo que, para indagar da utilidade dos registos contabilísticos da Requerente para a determinação do seu lucro tributável é necessário verificar a sua conformidade com as regras do Sistema de Normalização Contabilística (SNC).
Em 2016, a Requerente reconheceu a importância de quatro milhões e quinhentos mil euros como rédito do contrato que subscrevera com a B... .
Recorde-se, porém, que no exercício anterior a subcontratante B... decidira unilateralmente não cumprir na íntegra o contrato que assinara com a C..., para o que contou com a solidariedade da Requerente, mas sem garantir o consentimento do cliente nem indicar preceito jurídico ou previsão contratual que fundamentem essa sua decisão.
No entanto, os contratos de construção estão sujeitos ao regime geral dos contratos, nomeadamente ao n.º 1 do artigo 406.º do Código Civil, que dispõe que “O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.”
Ao agir deste modo, isto é, ao decidir unilateralmente não executar na íntegra os trabalhos que se comprometera a executar ao assinar o contrato, a B... colocou-se em situação de incumprimento pelo que ficou sujeita a indemnizar a sua cliente F... pelos danos causados.
Assim sendo, no final daquele exercício de 2016, era praticamente nula a probabilidade de que a B... recebesse o pagamento do valor de 12 066 196,10 € que reclamara à F... sendo que, conforme afirma a Requerente , havia o entendimento entre ela própria e a sua subcontratante, de que o valor reclamado, se recebido, seria repartido igualmente entre as duas sociedades, o que significa que, sendo nula a probabilidade de que a reclamação da B... fosse aceite e satisfeita, era previsível que a Requerente nada viria a receber.
Nem sequer foi necessário passar muito tempo para ser confirmada a justeza das previsões acima referidas como podendo ser feitas em 2016, pois, no final do primeiro trimestre de 2017, a B... apresentou-se à insolvência. Nesse processo, não foi reconhecido qualquer crédito da Requerente, mas foi-o um crédito de 18 802 666,60 € da F... com o fundamento de “Incumprimento contratual”.
Nos parágrafos 22, 23 e 24 da NCRF 19 – Contratos de Construção estabelece-se que ser “provável que os benefícios económicos associados ao contrato fluirão para a entidade” é indispensável para que “o rédito do contrato (…) seja reconhecido como rédito (da empresa)”, mas esta condição não estava satisfeita na data em que a Requerente reconheceu o rendimento do seu contrato com a B... .
Por tal razão, o reconhecimento do rendimento do contrato com a B..., feito em 2016, foi-o em contradição com o procedimento regulado pela norma contabilística citada. Assim, nos termos do preceito do Código do IRC referido acima, os registos contabilísticos deste rendimento, por assim não concordarem com o prescrito nas normas do Sistema de Normalização Contabilística, não poderiam ser considerados no cálculo do lucro tributável da Requerente em IRC.
Quanto ao segundo contrato, a Requerente foi subcontratada pela sociedade D... para a execução parcial de uma obra para a qual a subcontratante fora, por sua vez, contratada pela sociedade E... . O fecho da obra foi acordado entre a Requerente e a D... em março de 2016, data em que foi fixado o valor final a receber pela Requerente, tendo a respetiva fatura sido emitida no mês seguinte.
Para formalizar o fecho da obra, a Requerente subscreveu uma Declaração na qual diz que com aquela importância é feita a quitação de todos os seus créditos e de quaisquer outros direitos seus com origem naquele contrato e renuncia expressamente a quaisquer reclamações futuras.
A Requerente afirma agora que “(além do montante final acordado) a Requerente teria, ainda, direito a receber montantes adicionais em caso de sucesso da reclamação apresentada pela D... ao seu cliente E..., em 2015, a título de “equipment extra quantities” e “acceleration cost”, cujo montante foi estimado em € 400.000.”
Contudo, aquele documento parece inibir a Requerente de exigir quaisquer importâncias adicionais à D... com base neste contrato, ou de pleitear por elas e, realmente, não se vê que ela tivesse reclamado qualquer crédito no respetivo processo de insolvência.
Além disso, no final de 2016, já passara um ano ou mais desde que a D... fizera a sua reclamação ao dono da obra e não há notícia de que, entretanto, essa reclamação tivesse sido aceite, pelo que era muito incerto que alguma vez o fosse.
Por tudo isto se pode dizer que, tal como no caso anterior, o reconhecimento do rendimento de quatrocentos mil euros no contrato da D... foi feito contrariando a disciplina dos parágrafos 22, 23 e 24 da NCRF 19 - Contratos de Construção pelo que, por não concordar com a normalização contabilística, esse valor não deveria ser utilizado no cálculo do lucro tributável do exercício de 2016 para respeitar a alínea a) do número 3 do artigo 27,º do CIRC já acima citada.
No entanto, na data do início da inspeção interna à Requerente, havia caducado já o prazo para corrigir a liquidação do IRC de 2016, pelo que tal valor não poderia ser agora alterado e, por isso, o montante dos resultados fiscais que transitaram de 2016 para 2017 está sobrevalorizado relativamente àquele que teria sido obtido se tivessem sido integralmente aplicadas as disposições das NCRF, dado que inclui o incorreto reconhecimento de rendimentos destes dois contratos.
Objetivamente, dos lançamentos feitos na contabilidade da Requerente no exercício de 2017 para estornar aqueles que fizera em 2016, reconhecendo os rendimentos destes dois contratos, resulta que, depois deles, os registos contabilísticos concordam com as regras do Sistema de Normalização Contabilística e, assim sendo, são elegíveis para informar o cálculo do IRC da sociedade.
Pelo exposto deve o presente pedido arbitral ser considerado totalmente procedente.
V. Da restituição do imposto pago e juros indemnizatórios
A Requerente solicita a restituição do valor do IRC e juros compensatórios resultantes do ato de liquidação de IRC n.º 2021..., praticado com referência ao exercício de 2017, do qual resulta o imposto a reembolsar de € 16.171,11, do ato de liquidação de Juros Compensatórios n.º 2021..., no valor de € 8.949,41 e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2021... (Compensação n.º 2021...), da qual resultou o total de € 77.172,83.
Assim, nos presentes autos, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade do ato de liquidação resultante da ação de inspeção objeto deste processo é procedente a pretensão do Requerente à restituição por força dos artigos 24.º, n.º 5, alínea b), do RJAT, 43.º, n.º 1 da LGT, e e 61.º, n.º 5 do CPPT o que o que é essencial para restabelecer a situação que existiria se a ilegalidade em causa não tivesse sido praticada, conformo dispõe o artigo 100.º da LGT.
De acordo com o disposto no artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1 a) do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
Quanto ao pedido de juros indemnizatórios temos de considerar o disposto no artigo 24.º, n.º 5 do RJAT: “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, com a remissão para artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, pelo que devem sendo devidos juros indemnizatórios contabilizados desde a data de pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
VI – Decisão
Em face de tudo quanto se deixa exposto, decide-se:
a) Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação de IRC n.º 2021..., no valor de € 77.172,83;
b) Julgar procedentes os pedidos de reembolso e de juros indemnizatórios.
VII. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 77.172,83 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n. º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se
Lisboa, 2 de março de 2023
Os Árbitros
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(Regina de Almeida Monteiro - Árbitro Presidente)
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(Tomás Castro Tavares - Árbitro Adjunto)
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(António Fernando Cardão Pito - Árbitro Adjunto)