Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 277/2022-T
Data da decisão: 2023-03-02  Selo  
Valor do pedido: € 40.437,99
Tema: Imposto do Selo - FIEAE
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Sumário:

a) Da cessação da vigência do RFIIAH, em 31 de dezembro de 2020, resulta necessariamente, a sua inaplicabilidade a partir dessa data.

b) Da cessação não resulta um vazio legal, dado que, o legislador estabeleceu que após a cessação do RFIIAH seria aplicado ao FIIAH o regime fiscal dos fundos de investimento imobiliário. 

c) Concluindo-se que passa a ser esse regime fiscal aplicável ao FIEAE.

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. Relatório        
  1. A..., S.A., contribuinte fiscal n.º..., doravante denominada “Requerente”, com sede na ..., ..., ...-..., Coimbra, requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante “RJAT”[1]).
  2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto o acto tributário de liquidação de Imposto de Selo (IS), com o nº ... datado de 21 de Janeiro de 2022, no montante de €40.437,99.
  3. Peticiona a Requerente a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IS e, em consequência, a sua anulação, bem como a condenação da Requerida à restituição da quantia paga a título de IS, acrescida de juros indemnizatórios.
  4. A fundamentar o seu pedido alega a Requerente o seguinte:
  5. A Requerente é uma sociedade cujo objecto social consiste na fabricação de bolachas, biscoitos e tostas e pastelaria de conservação.
  6. No âmbito da sua actividade, a Requerente até 2010 era proprietária de um imóvel inscrito sob o artigo matricial U-..., sito na freguesia de ... e ..., o qual se traduzia numa fábrica localizada na região de Coimbra.
  7. Com o objectivo de obter liquidez para fazer face a carências de tesouraria, a 14 de Maio de 2010, a Requerente celebrou um Contrato de Compra e Venda, Promessas Unilaterais de Compra, Promessa Unilateral de Venda, Arrendamento e Fiança com o Fundo Imobiliário Especial de Apoio às Empresas (“FIEAE” ou “Fundo”).
  8. Subjacente ao contrato aqui referido, a Requerente alienou o imóvel inscrito sob o artigo matricial U-..., sito na freguesia de ... e ... ao FIEAE.
  9. Concomitantemente à alienação do imóvel em questão, procedeu-se à locação daquele imóvel, tendo a Requerente assumido a posição de locatária e o FIEAE de locador. No âmbito do contrato celebrado, estabeleceu-se que o FIEAE prometia vender à Requerente e esta prometia adquirir o imóvel ao fim de 7 anos, por valor definido no respectivo contrato.
  10. Não obstante, a 15 de Novembro de 2013, foi celebrado um aditamento ao contrato acima referido no qual se estendeu o período de locação do imóvel em apreço, bem como o prazo de caducidade das promessas de compra e de venda acima referidas até 30 de Setembro de 2023.
  11. Todavia, a Requerente decidiu antecipar a compra do imóvel em apreço, tendo para o efeito celebrado a 20 de Janeiro de 2022 o respectivo contrato de compra e venda.
  12. Por força da aquisição do imóvel em apreço, foi emitida a liquidação de IS n.º ..., no montante de €40.437,99.
  13. Ora, entende a Requerente que tal acto tributário de liquidação de IS padece de manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito. Senão vejamos.
  14. Em concretização do disposto na Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2009, através do Decreto-Lei n.º 104/2009, de 12 de Maio, foi criado o FIEAE, inicialmente, por um prazo de um ano. Não obstante, o prazo de duração do FIEAE tem sido sucessivamente prorrogado, por períodos adicionais de um ano e em 2016 foi alvo de uma prorrogação de 4 anos, a qual terminou a 11 de Maio de 2020. Contudo, conforme resulta do Despacho do Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital n.º 3486/2020, de 20 de Março, “(…) atenta a importância e necessidade de manter operacional a gestão da actual carteira do FIEAE, bem como promover a realização de novas operações, o que será mais adequadamente concretizado no âmbito de um horizonte temporal mais vasto (…)” o FIEAE foi prorrogado por mais 6 anos, encontrando-se em pleno funcionamento até 2026.
  15. Acresce que, o artigo 117.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2010, estabeleceu o regime fiscal aplicável ao FIEAE, estabelecendo que [a]o Fundo Imobiliário Especial de Apoio às Empresas (FIEAE), criado pelo Decreto-Lei n.º 104/2009, de 12 de Maio, aplica-se o regime fiscal especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro”.
  16. Nestes termos, decorre do regime tributário estabelecido para os FIIAH e, na mesma medida, por força de remissão, para os FIEAE, uma série de isenções em matéria tributária por forma a desonerar e facilitar a actividade por eles desenvolvida.
  17. Neste contexto, e para efeitos da presente petição, o n.º 8 do referido artigo 8.º dispõe que: “8 - Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º”.
  18. Nestes moldes, atenta que a regulação do regime fiscal aplicável ao FIEAE foi determinada por via de remissão a um regime tributário pré-existente criado para outra tipologia de fundos, concretamente FIIAH, torna-se patente que o Legislador entendeu aplicar ao primeiro o mesmo quadro jurídico-fiscal aplicável a estes últimos apesar de a criação de ambas as tipologias de fundos terem contextos e objectivos distintos.
  19. Ora, o regime jurídico dos FIIAH era de carácter transitório prevendo-se com efeito que [o] regime constante da presente secção vigora até 31 de Dezembro de 2020, operando-se nessa data a conversão dos FIIAH em fundos de investimento imobiliário sujeitos na íntegra ao Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário” cf. n.º 2 do artigo 9.º do RFIIAH. Por força deste normativo, desde 31 de Dezembro de 2020 o RFIIAH cessou a sua vigência, passando os FIIAH a regerem-se pelo regime aplicável aos fundos de investimento imobiliário.
  20. Não obstante, entende a Requerente que o cessar da vigência do RFIIAH opera para efeitos dos FIIAH, não se pretendendo repercutir tais efeitos para o FIEAE e o seu regime fiscal. Defende a Requerente que, apesar de se ter verificado a cessação da vigência do RFIIAH, prevista no n.º 2 do artigo 9.º daquele diploma, o quadro fiscal aplicável ao FIEAE deverá continuar a ser o do artigo 8.º do RFIIAH, devendo tal cessação operar apenas para efeitos dos FIIAH.
  21. Assim, deve manter-se em vigor o referido quadro fiscal para o FIEAE, por força da disposição normativa em vigor do artigo 117.º da Lei n.º 3-B/2010, que remete para o artigo 8.º do RFIIAH, porquanto os objetivos prosseguidos pelo FIEAE apenas estarão assegurados se inexistirem barreiras de índole fiscal à realização de operações com o Fundo.
  22. Por seu lado, a Requerida entende que lhe assiste razão, pelo que a referida liquidação de IS deverá manter-se na ordem jurídica.
  23.  Desde logo, constata-se que o RFIIAH existia já em momento prévio à criação do regime do FIEAE, tendo o legislador apenas, posteriormente, consagrado a sua aplicação aos FIEAE, por remissão para o mesmo.
  24. Estando igualmente determinado, desde o seu início (prévio ao regime dos FIEAE), que o RFIIAH teria carácter temporário, cessando a 31 de dezembro de 2020, passando os FIIAH a reger-se, após esse momento, pelo regime aplicável a fundos de investimento imobiliário – cf. artigo 104.º, n.º 2 da Lei 64-A/2008, que por facilidade de exposição se passa a transcrever:

«O regime constante da presente secção vigora até 31 de Dezembro de 2020, operando-se nessa data a conversão dos FIIAH em fundos de investimento imobiliário sujeitos na íntegra ao Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário.»

  1. Assim sendo, atenta a cessação da vigência do RFIIAH em 31 de dezembro de 2020, resulta, necessariamente, a sua inaplicabilidade a partir dessa data, salvo se o legislador tiver estabelecido norma legal em contrário.
  2. O regime fiscal dos FIIAH aplicou-se aos FIEAE a partir da Lei n.º 3-B/2010, não ignorando o legislador, quando consagrou a aplicação, por remissão, deste regime fiscal, que o mesmo tinha carácter transitório, estando definida temporalmente a sua vigência na ordem jurídica até 31-12-2020, por assim o RFIIAH já o dispor.
  3. Ademais, é bom referir que o legislador, no art.º 398.º da Lei 75-B/2020, de 31 de dezembro (LOE para 2021), estabeleceu que “[p]ara efeitos de aplicação do n.º 6 do artigo 71.º do EBF, o regime previsto no artigo 8.º do Regime Jurídico dos Fundos e Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional, aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é prorrogado até 31 de dezembro de 2025.”, sob o título “Prorrogação do Estatuto dos Benefícios Fiscais”.
  4. Verifica-se, assim, que o Legislador prorrogou o regime fiscal previsto no artigo 8.º do RFIIAH apenas para o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado conforme previsto no n.º 6 do art.º 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), sob a epígrafe: “Incentivos à reabilitação urbana e ao arrendamento habitacional a custos acessíveis”, salvaguardando-o da perda de benefícios fiscais que a cessação da vigência do RFIIAH iria produzir na sua esfera jurídica.
  5. Mas o FIEAE, salvo melhor opinião, não é beneficiário do disposto no citado n.º 6 do art.º 71.º do EBF, nem da salvaguarda ali consagrada.
  6. Diferentemente do que a Requerente pretende fazer crer, a remissão nos FIEAE não é feita concretamente para o artigo 8.º do RFIIAH, mas para o seu regime fiscal. Assim, cessado o regime fiscal especial dos FIIAH e, operando-se a sua conversão em FII ou SII, não se criou um vazio legal, pois passou a ser-lhe aplicável o regime fiscal especial destes instrumentos financeiros;
  7. Concomitantemente, a interpretação consequente da remissão operada pelo artigo 117.º da Lei n.º 3-B/2010, que não mencionava expressamente o artigo 8.º do RFIIAH, conduz à conclusão de que o mesmo enquadramento fiscal passaram a ter os FIEAE.
  8. Todavia, como referido, o legislador não procedeu do mesmo modo para a remissão genérica constante do artigo 117.º da Lei n.º 3-B/2010, mesmo sabendo, que o regime dos RFIIAH tinha natureza temporária e que por isso caducaria sem a referida prorrogação, pois, atenta a natureza da matéria em causa, a mesma tem de ser provada por Lei ou Decreto-lei autorizado, não podendo ser, como pretende a Requerente, somente implícita.
  9. E, portanto, devem ser extraídas as necessárias consequências sobre a (não) continuidade da aplicação aos FIEAE do regime fiscal especial previsto para os FIIAH no RFIIAH que cessou a partir de 31-12-2020, por não existir norma habilitante para isso.
  10. Consequentemente, a liquidação de IMT em apreço está conforme com o estatuído na lei, não violando o princípio da legalidade (art.º 103.º da CRP e art.º 8.º da LGT), interpretado na sua dimensão da proeminência da lei, devendo o ppa ser julgado improcedente.
  11. Em 10 de Dezembro de 2022, o Tribunal Arbitral proferiu Despacho a dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste (artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, do RJAT).
  12. Tendo o Tribunal permitido às Partes a apresentação de Alegações, as mesmas entenderam não o fazer.
  13. Foi designado o dia 2 de Março de 2023 como prazo limite para prolação da decisão arbitral.

 

  1. Saneador 

2.1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de Março).

2.2. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

2.3. O processo não enferma de nulidades.

  1. Matéria de facto 

 

  1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

3.1. A Requerente é uma sociedade cujo objecto social consiste na fabricação de bolachas, biscoitos e tostas e pastelaria de conservação.

3.2. No âmbito da sua actividade, a Requerente até 2010 era proprietária de um imóvel (fábrica) inscrito sob o artigo matricial U-..., sito na freguesia de ... e  ..., Coimbra.

3.3. A 14 de Maio de 2010, a Requerente celebrou um Contrato de Compra e Venda, Promessas Unilaterais de Compra, Promessa Unilateral de Venda, Arrendamento e Fiança com o Fundo Imobiliário Especial de Apoio às Empresas (“FIEAE” ou “Fundo”).

3.4. No âmbito desse contrato, a Requerente alienou o imóvel inscrito sob o artigo matricial U-..., sito na freguesia de ... e ... ao FIEAE.

3.5. Em simultâneo à alienação do imóvel em questão, procedeu-se à locação daquele imóvel, tendo a Requerente assumido a posição de locatária e o FIEAE de locador, estabelecendo-se que o FIEAE prometia vender à Requerente e esta prometia adquirir o imóvel ao fim de 7 anos, por valor definido no respectivo contrato.

3.6. A 15 de Novembro de 2013, foi celebrado um aditamento ao contrato acima referido no qual se estendeu o período de locação do imóvel em apreço, bem como o prazo de caducidade das promessas de compra e de venda acima referidas até 30 de Setembro de 2023.

3.7. A Requerente decidiu antecipar a compra do imóvel em apreço, tendo para o efeito celebrado a 20 de Janeiro de 2022 o respectivo contrato de compra e venda.

3.8. Por força da aquisição do imóvel em apreço, foi emitida a liquidação de IS n.º..., no montante de €40.437,99, objecto do presente processo.

3.9. A Requerente efectuou o pagamento da liquidação, a qual veio impugnar.

b) Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

3.10. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

  1. Matéria de direito

4.1. O Fundo Imobiliário Especial de Apoio às Empresas (FIEAE) foi criado através do Decreto-Lei n.º 104/2009, de 12 de Maio de 2009, tendo por objecto a aquisição de imóveis, por período de tempo limitado, integrados no património das empresas e utilizados no desenvolvimento da respetiva atividade sendo, subsequentemente, dados de arrendamento às empresas transmitentes (cf. n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 104/2009).

4.2. O FIEAE adquire os imóveis celebrando com a empresa alienante um contrato de arrendamento ou outra forma de cessão onerosa de utilização, por forma a que o FIEAE assegure o retorno do seu investimento e a empresa uma injeção de capital. O objectivo é permitir que as empresas obtenham liquidez financeira com base nos seus activos imobiliários, mantendo a sua atividade nos locais onde estão instaladas, com possibilidade de readquirem a propriedade dos imóveis (cf. n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 104/2009).

4.3. Inicialmente o FIEAE foi constituído pelo prazo inicial de um ano, prorrogável nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 104/2009, mas o seu prazo de duração foi sendo prorrogado, sendo que foi, por fim, prorrogado por um prazo adicional de 6 anos, pelo Despacho n.º 3486/2020, de 20 de março, do Ministro da Economia e da Transição Digital, até 2026.

4.4. Nos termos do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 104/2009 que criou o FIEAE determina-se que, «Em tudo o que não se mostre incompatível com as disposições do presente decreto-lei e com os regulamentos de funcionamento do FIEAE, aplica-se subsidiariamente o regime jurídico dos fundos de investimento imobiliário, aprovado pelo Decreto-Lei 60/2002, de 20 de Março.»

4.5. Posteriormente, com a Lei do Orçamento de Estado para 2010 (artigo 117.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril), estabeleceu-se o regime fiscal aplicável ao FIEAE dispondo que “[a]o Fundo Imobiliário Especial de Apoio às Empresas (FIEAE), aplica-se o regime fiscal especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro”.

4.6. Assim estabeleceu-se que aos FIEAE se aplicaria, por remissão, o regime fiscal especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (RFIIAH ou FIIAH), regime aprovado pelo artigo 102.º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, do qual constam uma série de isenções em matéria tributária por forma a desonerar e facilitar a atividade desenvolvida pelos FIIAH e na mesma medida, por força de remissão, a actividade desenvolvida pelo FIEAE.

4.7. Nomeadamente, e de acordo com o n.º 8 do artigo 8.º:

 

“Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º.”

4.8. Desde a criação do regime dos FIIAH lhe foi dado um carácter temporário, prevendo-se “[o] regime constante da presente secção vigora até 31 de dezembro de 2020, operando-se nessa data a conversão dos FIIAH em fundos de investimento imobiliário sujeitos na íntegra ao Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário”.

4.9. Ora, por força deste normativo legal a 31 de dezembro de 2020, o RFIIAH cessou a sua vigência, passando os FIIAH a regerem-se pelo regime aplicável a fundos de investimento imobiliário.

4.10. Termos em que a questão decidenda passa por saber se apesar de se ter verificado a cessação da vigência do RFIIAH, o qual era aplicado por remissão ao FIEAE, deverá continuar a ser esse o regime fiscal aplicável ao FIEAE.

4.11. Vejamos. O regime fiscal dos FIIAH foi aprovado pelo artigo 102.º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, constando o seu regime jurídico no n.º 1 do artigo 104.º da referida lei.

4.12. Após a criação dos FIEAE, e com a Lei do Orçamento de Estado para 2010 (artigo 117.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril), estabeleceu-se que esse regime fiscal seria aplicável, por remissão, ao FIEAE dispondo que “[a]o Fundo Imobiliário Especial de Apoio às Empresas (FIEAE), aplica-se o regime fiscal especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro”.

4.13. Constata-se da letra da lei que a remissão não é feita para normas fiscais específicas mas para o regime fiscal aplicável aos FIIAH:”…aplica-se o regime fiscal especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH)…”.

4.14. Acresce que esse regime dos FIIAH tinha, desde a sua criação, um carácter temporário, cessando a sua vigência a 31 de Dezembro 2020, estabelecendo-se que nessa altura os FIIAH passariam a reger-se pelo regime aplicável a fundos de investimento imobiliário – cf. artigo 104.º, n.º 2 da Lei 64-A/2008, que por facilidade de exposição se passa a transcrever:

«O regime constante da presente secção vigora até 31 de Dezembro de 2020, operando-se nessa data a conversão dos FIIAH em fundos de investimento imobiliário sujeitos na íntegra ao Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário.»

4.15. Ora, é assim certo que o legislador conhecia essa limitação temporal, assim como a subsequente mudança de regime também prevista na lei, após 31 de Dezembro de 2020.

4.16. Aliás limitação essa que o legislador decidiu afastar, especificamente, no que concerne à sua aplicabilidade ao Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado conforme previsto no n.º 6 do art.º 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), sob a epígrafe: “Incentivos à reabilitação urbana e ao arrendamento habitacional a custos acessíveis”, salvaguardando-o da perda de benefícios fiscais que a cessação da vigência do RFIIAH iria produzir na sua esfera jurídica.

4.17. Ora, temos que assumir que o legislador disse aquilo que pretendeu dizer e que “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. Tendo, por remissão, associado o regime fiscal do FIEAE ao regime fiscal aplicável ao FIIAH (e não a normas fiscais especificas), e tendo estabelecido uma limitação temporal ao regime fiscal inicial do FIIAH, após a qual lhe seria aplicável o regime fiscal dos fundos de investimento imobiliário, temos que entender que pretendeu o legislador que ao FIEAE fosse aplicado, em cada momento, o regime fiscal aplicável ao FIIAH.

4.18. Ou seja, que até 31 de Dezembro de 2020 fosse aplicável ao FIEAE o regime aprovado pelo artigo 102.º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, do qual consta a isenção de IS acima detalhada, e após essa data o regime fiscal dos fundos de investimento imobiliário. 

4.19. Sem uma actuação nesse sentido do legislador, que não existiu, tendo inclusivamente existido noutro caso, não há base para aplicar uma norma de um regime que, entretanto, cessou. Conforme estabelece o nº 2 do artigo 9º do Código Civil “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.”.

4.20. Ora, no caso, não temos tão pouco uma norma vigente que suporte a posição da Requerente. Da cessação da vigência do RFIIAH em 31 de dezembro de 2020, resulta necessariamente, a sua inaplicabilidade a partir dessa data.

4.21. E da mesma não resulta um vazio legal, dado que, conforme referido, o legislador estabeleceu que após a cessação do RFIIAH lhes seria aplicado o regime fiscal dos fundos de investimento imobiliário. 

4.22. Pelo que tem que necessariamente se concluir que passa a ser esse regime fiscal aplicável ao FIEAE, não tendo razão a Requerente na sua petição.

 

V. Decisão 

Nos termos expostos, acorda este Tribunal Arbitral:

a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se integralmente na ordem jurídica a liquidação de IS que lhe está subjacente.

b) Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

VI. Valor do processo

Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de €40.437,99.

 

VII. Custas

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 2142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

Lisboa, 2 de Março de 2023

 

O Árbitro,

 

Maria Antónia Torres

 



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.