Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 276/2022-T
Data da decisão: 2023-02-15  IRS  
Valor do pedido: € 19.555,80
Tema: IRS - Incompetência material; Mais-valias; Despesas e encargos; Ónus da prova; Princípio do inquisitório; Despesas com a prestação de garantia indevida.
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SUMÁRIO:

 

  1. A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida pelo artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, está limitada à apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamentos por conta, de actos de fixação da matéria tributável quando não dêem origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais, e, por conseguinte, não abrange a apreciação da idoneidade de garantia prestada em processo executivo ou a sindicância de actos do órgão de execução fiscal;
  2. A prova de que efectivamente suportou as despesas e encargos a que alude o artigo 51.º do CIRS onera o sujeito passivo, por ser pressuposto do direito à utilização desses valores aquando do apuramento da mais-valia, nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT;
  3. A montante do ónus da prova, a AT está obrigada pelo princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º da LGT , que postula que deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido, princípio que se fundamenta na obrigação de a administração prosseguir o interesse público (artigo 266º/1 da CRP e artigo 55º da LGT), assim como no dever de imparcialidade da actuação administrativa (266º/2 da CRP e artigo 55º da LGT);
  4. Acresce que o n.º 2 do artigo 74.º da LGT prescreve que “Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária”;
  5. Os pressupostos para a aplicação do n.º 2 do artigo 53.º da LGT, no que respeita à indemnização por garantia indevida, são a existência de um erro no acto de liquidação de um tributo, que ele seja imputável aos serviços - entendido com o mesmo sentido que vale para os juros indemnizatórios, ou seja, qualquer ilegalidade - que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial (ou p.p.a.) e, verificados estes pressupostos, há lugar a indemnização por prestação de garantia indevida, ainda que a garantia tenha sido mantida por período inferior a três anos, e a pretensão indemnizatória justifica-se pelo dever de reconstituição da situação económica em que o Requerente estaria se não tivesse sido praticado o acto ilegal.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

  1. RELATÓRIO:

            A..., contribuinte fiscal número ..., casado, com residência na ..., ..., ..., ..., em Luanda, Angola, veio, aos 20.04.2022, apresentar pedido de pronúncia arbitral relativamente à liquidação de IRS do exercício de 2020, com o número 2022..., no valor de 19.555,80€.

            É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O Requerente insurge-se contra o indeferimento parcial da reclamação graciosa por si apresentada, que recebeu o número ...2021..., em reacção à liquidação de IRS supra identificada no que respeita, por um lado, “à consideração da mais-valia com a venda, pelo Requerente, do direito de propriedade correspondente a 50% de um bem imóvel sito em Portugal, ao qual se entende dever ser aplicado o regime de reinvestimento dos valores de realização pela venda de habitação própria e permanente do agregado familiar, com a oposição da AT” e, por outro, com o facto “não terem sido considerados, para o cálculo da mais-valia alegadamente tributável, igualmente em contradição com o regime previsto no CIRS, vários encargos que seriam relevantes para o efeito” e peticiona a respectiva anulação, por vício de violação de lei, erro nos pressupostos de facto e de direito e insuficiente fundamentação.

Alega:

Que se qualifica como não residente em Portugal desde 1 de Janeiro de 2017, ano em que alterou a sua residência fiscal para Angola, tendo nomeado B..., contribuinte número ..., com quem é casado segundo o regime da comunhão de adquiridos, como sua representante fiscal em Portugal. A sua mulher reside em Portugal em Lisboa, na ..., nº ..., ..., com três dos cinco filhos do casal. Em 15 de Junho de 2009, o Requerente e a sua mulher compraram um imóvel em Portugal, sito na Rua ..., ..., ..., ...... Lisboa pelo preço de 500.000,00€ e procederam a obras de recuperação e remodelação integral daquele apartamento, tendo recorrido a financiamento, junto do BBVA. para suportar os custos de aquisição e obras apartamento onde a mulher do Requerente e os filhos passaram a habitar em 2010.

No dia 18 de Novembro de 2020 o Requerente e a sua Mulher alienaram o imóvel em questão, pelo valor total de 921.996,42€, tendo suportado gastos com a alienação, designadamente, em comissões de mediação imobiliária.

O Requerente apresentou a sua declaração de IRS do ano de 2020 e, no campo 4001 do Anexo G dessa Declaração de IRS, por erro, o Requerente declarou os valores totais de aquisição do imóvel (em 2009) e de venda (em 2020), bem assim como o valor total das despesas e encargos suportados com a remodelação integral do mesmo e acima referidos. Designadamente, declarou os seguintes valores: aquisição do imóvel: 500,000.00€; venda: 921,996.42€, despesas e encargos suportados com a remodelação integral: 240,729.90€.

No mesmo quadro 4 declarou a sua quota-parte percentual, 50%, tendo a sua indicada mulher, na respectiva declaração de IRS, feito a mesma declaração, com o mesmo erro, i.e., com os mesmos valores totais. Ambos declararam a intenção de reinvestir a mais-valia obtida, tendo preenchido o correspondente campo 5006 do quadro 5 do Anexo G.

Em consequência da notificação de divergências, apresentaram, cada um deles, declaração de substituição, corrigindo aqueles indicados valores para metade, correspondentes à quota parte de cada um.

Foi, no entanto, notificado de nova divergência, na medida em que a AT entendeu que não se demonstram comprovados os elementos referentes a parte das despesas apresentadas na declaração de IRS de 2020 e, bem assim, que o Requerente não teria direito a isenção por reinvestimento em virtude de não ser residente em Portugal e, consequentemente, o imóvel alienado não ser a sua habitação própria permanente.

A liquidação de IRS do ano de 2020 perfaz um total de 33.954,62€, já que, com aquilo que o Requerente considera manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito, (a) assume que por ser não residente fiscal em Portugal o Requerente é não elegível ao regime de reinvestimento desta mais-valia previsto no n.º 5 do artigo 10º cio Código do IRS; (b) duplica o valor apurado ela mais-valia e, consequentemente, duplica o valor de IRS que seria devido caso tal apuramento estivesse coreto e não fosse a mais-valia apurada pelo Requerente elegível para o regime de reinvestimento.

Em sede de reclamação graciosa contra a consequente acto de liquidação, foi proferido despacho que a indeferiu parcialmente, admitindo apenas que a mais-valia se deve considerar apenas em 50% do respectivo valor e reduzindo o montante de imposto final a pagar para 19.555,80€, decisão que o Requerente considera ferida de violação e lei e de novo e autónomo vício de omissão da fundamentação devida, ausência de ponderação dos argumentos aduzidos e vício de violação de lei expressa.

Considera que estes actos violaram o disposto no artigo 10.º, n.º 5 e 3.º, n.º 4 do CIRS e conclui que os actos de primeiro e de segundo grau controvertidos enfermam dos vícios de violação de lei por erro de facto e de direito; em virtude da violação das normas de incidência tributária; ou, pelo menos, da interpretação que delas foi feita; bem ainda como vício da fundamentação legalmente exigida, também por erro e omissão, vícios que fundamentam o seu pedido de pronúncia arbitral.

O Requerente pede ainda que este Tribunal considere que, em sede do processo de execução fiscal, a garantia por ele oferecida é idónea, expendendo a esse propósito alguma argumentação.

Conclui, peticionado que o deverá o acto tributário ser anulado por vício de violação de lei, quer no que se refere à liquidação de imposto quer no que se refere a juros compensatórios. Subsidiariamente, peticiona que o “valor da mais-valia apurada, e IRS devido, seja rectificado para menos, tendo em conta a consideração da totalidade das despesas incorridas com a manutenção/conservação do imóvel, após anulação da liquidação ora controvertida”, bem como o “reembolso” dos encargos que suportou com a garanta destinada a sustar o processo de execução fiscal, em valor que não discrimina.

 

O Requerente juntou documentos e arrolou testemunhas.

 

A signatária foi nomeada aos 09 de Junho de 2022, tendo essa nomeação sido notificada às partes, que não se opuserem.

 

Antes da constituição do Tribunal Arbitral, a Requerida veio, ao abrigo do artigo 13.º do RJAT, revogar parcialmente o acto de liquidação em crise, reconhecendo ao Requerente o direito à exclusão da tributação dos rendimentos de mais-valias (suspendendo-se a tributação até à concretização do reinvestimento), mas mantendo a sua posição no que respeita à consideração das despesas declaradas pelo requerente com a valorização do imóvel.

 

Notificado, o Requerente veio aos autos indicar que pretende o prosseguimento do procedimento quanto à parte que não foi objecto de revogação pela Requerida, nos termos do artigo 13.º, n.º 2 do RJAT.

 

Em conformidade, o Tribunal Arbitral foi constituído aos 29 de Junho e proferido despacho nos termos e para os efeitos do artigo 17.º do RJAT.

 

A Requerida veio, aos 28 de Setembro, apresentar a sua Resposta e juntar aos autos o Processo Administrativo.

 

Continua, na sua Resposta, a aduzir argumentação relativa ao conceito de habitação própria permanente e de agregado familiar, argumentação que se tornara já inútil a estes autos em consequência do mencionado despacho de revogação. No que respeita, portanto, apenas à matéria que continua em discussão, a Requerente sustenta que:

 

O Requerente inscreveu na declaração por si entregue em 2021JUL06 (declaração de substituição) o montante de despesas e encargos (no campo 4001 do quadro 4 do anexo G) de 121.221,68 €. ao reinvestimento (matéria já analisada supra), foi alterado o montante de despesas e encargos para 41.313,91 €.

 

Ou seja, esta questão foi analisada no procedimento de análise de divergências e, nesse procedimento, o Requerente anexou vários documentos, tendo os mesmos sido analisados e proferido em 12.08.2021 o seguinte despacho, em sede de concessão do direito de audição:  “Deve entregar declaração de substituição com correcção no quadro 4 do anexo G do valor de despesas e encargos para 28.997,25 euros (conferir mapa de despesas aceites e não aceites que se anexa)”, com o averbamento de 17.11.2021 “Relativamente às facturas de obras de C... Lda., NIPC ..., apresentou orçamento e autos de medição, mas não apresentou recibos comprovativos do pagamento; “Relativamente às despesas de cozinha de E..., apresentou recibos de pagamento das facturas no valor total de 12.366,66 euros (quota-parte de 50% do total de 24.633,31 euros), pelo que o valor total de despesas e encargos aceites ascende a 41.313,91 euros”.

 

Essa declaração deu origem a um procedimento de análise de divergências que, por sua vez, levou à elaboração de declaração oficiosa, da qual o Requerente reclamou graciosamente sem que a questão tenha sido sequer colocada e, da conclusão da petição arbitral, onde é formulado o pedido, não consta qualquer referência ao montante de despesas e encargos, pelo que, entende a Requerida, a esta matéria, o Requerente compreendeu e aceitou a argumentação da Autoridade Tributária para a não consideração de algumas despesas e encargos.

 

Acresce que, relativamente à declaração Mod. 3 da mulher do Requerente (que é também a sua representante fiscal), respeitante ao ano fiscal de 2020, foi a mesma submetida a semelhante procedimento de análise de divergências, tendo sido elaborada declaração oficiosa onde foi inscrito o montante de despesas e encargos (no campo 4001 do quadro 4 do anexo G) de 41.313,91€ e, consultado o sistema informático da AT, verifica-se que, até à presente data, não foi a liquidação originada pela mencionada declaração oficiosa contestada, quer administrativamente, quer judicialmente.

 

Pelo que conclui que o acto tributário não enferma dos vícios apontados pelo Requerente relativamente à matéria das despesas e encargos.

 

Quanto às questões relativas ao processo de execução fiscal (como sejam a instauração do processo, a prestação de garantia e os custos com a prestação da mesma, a recusa das hipotecas, etc.), defende que devem as mesmas ser arguidas no âmbito do referido processo.

 

Finalmente, quanto à requerida produção de prova testemunhal, entende que esta é desnecessária quer por constarem dos autos os elementos documentais que farão a prova dos factos quer porque, relativamente aos demais artigos, estes consubstanciam matéria conclusiva ou de direito, pelo que requer a respectiva dispensa, bem como a da reunião prevista no artigo 18º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

 

O Tribunal proferiu aos 8 de Novembro de 2022, despacho no sentido de considerar que estavam reunidas as condições para proferir a decisão arbitral, sem necessidade da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, de ouvir a prova testemunhal arrolada e, consequentemente, de subsequentes alegações e convidando as partes a pronunciar-se sobre essa intenção e sugerindo que o Requerente, caso discordasse, viesse indicar quais os factos concretos que pretende provar dessa forma.

 

O Requerente veio, em resposta, insistir na audição da prova testemunhal, alterar o rol de testemunhas apresentado e, acedendo ao convite do Tribunal, indicar os factos a que pretende sejam elas ouvidas.

 

Notificada para se pronunciar, a Requerida veio reiterar a sua posição quanto à desnecessidade de produção de prova documental e sustentar que, em qualquer caso, a prova não deve ser admitida por se referir a “despesas/encargos nunca anteriormente contestados, quer em sede de processo de divergências quer em sede de reclamação graciosa”.

 

O Tribunal proferiu despacho, considerando que os órgãos jurisdicionais podem, e devem, conhecer de todas as ilegalidades de substância que afectem o acto tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litígio e, em consequência, admitindo a alteração ao rol de testemunhas e designando o dia 11 de Janeiro de 2023, pelas 10h, para a respectiva inquirição.

 

A inquirição das testemunhas teve lugar no dia e hora aprazados, foi gravada e foi lavrada a respectiva acta.

 

As partes vieram apresentar as suas alegações a 24 de Janeiro. A Requerida considerou que os depoimentos das testemunhas não provaram que as despesas e encargos que o Requerente teve no imóvel em causa correspondem aos valores constantes dos documentos 4, 5 e 6 juntos com o pedido arbitral, e o Requerente sustentou a posição contrária.

 

  1. SANEAMENTO:

 

O Tribunal foi regularmente constituído.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

 

No entanto, o Requerente, além de colocar em causa a liquidação de imposto identificada e a decisão e indeferimento parcial que incidiu sobre a sua reclamação graciosa, pede ainda que este Tribunal considere que, em sede do processo de execução fiscal, a garantia por ele oferecida é idónea, expendendo a esse propósito alguma argumentação.

 

Ora, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, que estabelece o seguinte:

 

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”

 

O âmbito da jurisdição arbitral tributária está, portanto, limitado à apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamentos por conta, de actos de fixação da matéria tributável quando não dêem origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

 

Esta competência é taxativa e não abrange, como é manifesto, a apreciação da idoneidade da garantia prestada no processo de execução fiscal ou a reclamação contra actos do órgão de execução fiscal.

 

Pelo exposto, é forçoso concluir que o Tribunal é incompetente para a apreciação da questão da idoneidade da garantia prestada, incompetência que é do conhecimento oficioso e que determina a absolvição da Requerida da instância quanto a esse segmento do pedido (art. 2º, n. º1, al. a) do RJAT e 16.º, n.ºs 1 e 2 e 99º, nº 1 do CPC, ex vi art.º 29º, nº 1 alínea e) do RJAT).

 

O Tribunal é competente para conhecer dos restantes pedidos e o processo não sofre de outros vícios que o invalidem.

 

Fixa-se o valor do processo em 19.555, 80€ (dezanove mil quinhentos e cinquenta e cinco euros e oitenta cêntimos) de harmonia com o disposto nos artigos 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT.

 

 

3. MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:

 

  1. Em 15 de Junho de 2009, o Requerente e a sua Mulher, casados no regime de comunhão de adquiridos, compraram um imóvel em Portugal, sito na Rua ... ..., ..., ..., ...-... Lisboa por 500.000,00€, tendo posteriormente procedido a obras de recuperação e remodelação integral do apartamento com vista à habitação da sua família;

 

  1. O correspondente projecto de arquitectura foi elaborado pelo gabinete de arquitectura D..., que assumiu adicionalmente o papel de fiscal de obra, e teve o custo total de 6.972,93€;

 

  1. Foi também emitido um parecer técnico de engenharia relacionado com a estrutura do apartamento com potencial implicação para o edifício, no que despenderam o montante de 660.00€;

 

 

  1. A obra de construção civil foi adjudicada pelo Requerente e a sua Mulher à construtora C..., Lda., com um custo total de 150,469.26€, valor por eles efectivamente pago por meio de transferências bancárias;

 

  1. O projecto de concepção da cozinha e a obra da sua instalação ficou a cargo da empresa E..., Lda., o que importou no montante de 26,346.67€;

 

 

  1. As obras de recuperação e remodelação integral do apartamento com vista à habitação da família ascenderam, assim, a 184.448,86€;

 

  1. A aquisição do imóvel e os custos de remodelação foram financiados pelo BBVA;

 

 

  1. No dia 18 de Novembro de 2020 o Requerente e a sua mulher alienaram o imóvel em questão, pelo valor total de 921.996,42€;

 

  1. Com a venda, o Requerente e a mulher suportaram o valor de 57,994.50€ de comissão de intermediação;

 

  1. Tendo a referida alienação sido reportada na Declaração de IRS de 2021 e tendo o Requerente optado pelo reinvestimento do valor de realização para efeitos de exclusão de tributação da mais-valia apurada.

 

            Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:

 

A convicção do Tribunal fundou-se nas alegações das partes não controvertidas, nos documentos juntos aos autos pelo Requerente e no processo administrativo junto pela Requerida e, bem assim, no depoimento das testemunhas.

 

            Designadamente:

 

A testemunha B..., mulher do Requerente, que depôs com segurança e conhecimento directo dos factos, acerca das obras que o apartamento sito na Rua ..., ..., ... sofrera, dos custos incorridos, da intervenção do gabinete de arquitectura, do parecer técnico de engenharia, da empresa encarregada da empreitada, C..., dos autos de medição e da verificação desses autos pelo BBVA como condição de libertação das verbas mutuadas com destino a esses custos.

 

A testemunha F..., antigo funcionário da construtora encarregada da empreitada, depôs com segurança e conhecimento directo dos factos e veio a Tribunal atestar que a C..., Lda. concorreu e ganhou o concurso para a obra a realizar no imóvel do Requerente e mulher, que foi efectuada uma reabilitação geral desse imóvel e que o pagamento da obra foi realizado através de transferências bancárias. Mais explicou que a C..., Lda. era responsável pela área técnica (engenharia e construção), pela elaboração dos orçamentos e autos de medição e que a parte financeira da empresa se encontrava subcontratada a empresa de contabilidade, que todas as facturas relativas às prestações de serviços efectuadas eram devidamente emitidas pelo contabilista externo, mas que este a certa altura se viu impossibilitado de aceder ao pedido do Requerente para emissão de segundas vias das facturas emitidas aquando do período da obra, uma vez que foi identificado um problema informático que não lhe permite aceder a tais documentos.

 

A testemunha declarou ainda que foi capaz de afirmar, em documento junto aos autos, e que sustenta ainda que o valor total da obra ascendeu a 150,46.26€, informação a que tem acesso através dos autos de medição mensalmente elaborados e que ainda se encontram na sua posse. 

 

            DO DIREITO:

 

            Do princípio do inquisitório e do ónus da prova:

 

            Não estando em causa a qualificação jurídica, i.e., a subsunção às normas legais, das despesas que o Requerente alega ter suportado com a valorização do imóvel alienado, mas tão só a prova (de parte) dessas despesas, é forçoso concluir, face à matéria de facto dada como provada, que o pedido de pronúncia arbitral terá de proceder.

 

            Aliás, cumpre referir que a AT, aqui Requerida fundamentou a decisão de não considerar essas despesas e encargos para efeitos de cálculo do valor de aquisição e, consequentemente, de apuramento da mais-valia com o facto de não existirem comprovativos do respectivo pagamento, não tendo colocado em causa que as facturas foram, de facto, emitidas.

 

            Ora, sendo inegável que a prova de que efectivamente suportou tais despesas e encargos onera o sujeito passivo, por ser pressuposto do direito à utilização desses valores aquando do apuramento da mais-valia (através do método da soma ao valor de aquisição), nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, também é verdade que, a montante do ónus da prova, a AT está obrigada pelo princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º da LGT , que postula que deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.

 

 Este princípio fundamenta-se na obrigação de a administração prosseguir o interesse público (artigo 266º/1 da CRP e artigo 55º da LGT), assim como no dever de imparcialidade da actuação administrativa (266º/2 da CRP e artigo 55º da LGT).

 

No caso concreto, não é possível afirmar que a Requerida tenha observado os deveres que lhe são impostos por este princípio e tenha realizado as diligências probatórias que o dever de inquisitório e de descoberta da verdade material lhe impunham.

 

Acresce que o n.º 2 do artigo 74.º da LGT prescreve que “Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária”, o que não pode deixar de acontecer no caso em apreço, já que a Requerida tem obviamente acesso (e nunca o negou) à informação acerca das facturas e facturas-recibo emitidas, oportunamente, pelos vários intervenientes.

 

Confrontado com as omissões, a esse respeito, da Requerida e onerado com uma prova que lhe era difícil e que podia ter sido, ao menos em parte, desnecessária tivesse a Requerida cumprido o seu dever, o Requerente, ainda assim, foi capaz de demonstrar suficientemente que realizou as despesas que inseriu no campo correspondente da declaração de IRS do ano da alienação e que essas despesas tiveram relação directa com a valorização do imóvel e, como tal, contribuíram para a mais valia obtida (o que, reitere-se, em qualquer caso a AT não colocara em causa).

 

Feita esta prova, nestas circunstâncias, a liquidação em crise padece do vício de violação de lei, designadamente, dos citados artigos 58.º e 74.º, n.º 2, da LGT, e 51.º do CIRS, vício que a torna anulável.

 

Não sendo devido imposto, não são devidos juros compensatórios, pelo que também a respectiva liquidação deverá ser anulada.

 

Das despesas com a prestação da garantia:

 

Por último, o Requerente pede que, no caso de procedência dos anteriores pedidos, a Requerida seja condenada a reembolsá-lo das despesas que teve com a prestação da garantia destinada a sustar o processo executivo.

 

Ora, artigo 53.º, n.º 1 da LGT consagra que “O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objectivo a dívida garantida.”, estabelecendo o n.º 2 do aludido artigo que “O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.”.

 

Portanto, os pressupostos para a aplicação do n.º 2 do artigo 53.º da LGT são:

  1. Existência de um erro no acto de liquidação de um tributo;
  2. Que ele seja imputável aos serviços;
  3. A existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial (ou p.p.a.).

 

Verificados estes pressupostos, há lugar a indemnização por prestação de garantia indevida, ainda que a garantia tenha sido mantida por período inferior a três anos.

 

Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa entendem que “O erro imputável aos serviços considerar-se-á verificado se o sujeito passivo obtiver vencimento na reclamação ou na impugnação e o fundamento da anulação não lhe for imputável.” (cfr. Lei Geral Tributária Anotada e Comentada. 4ª Edição, Encontra da Escrita Editora, 2012).

 

Neste sentido, “(...) o conceito de “erro imputável aos serviços”, quer para efeitos do artigo 43.º, n.º 1, quer para efeitos do artigo 53.º, n.º 2, ambos da LGT, é entendido como o “erro sobre os pressupostos de facto e de direito imputável à Administração Tributária (...)” (cfr. Ac. do TCA Sul de 11 de Novembro de 2021, processo n.º 1353/04.7BELRS).

 

Logo, o erro imputável aos serviços deve ser entendido com o mesmo sentido que vale para os juros indemnizatórios, ou seja, qualquer ilegalidade.

 

Uma vez que a Requerida vai integralmente vencida devido à existência erro imputável aos serviços na liquidação do tributo e juros compensatórios, o aqui Requerente tem sempre direito a ser indemnizado pela prestação de garantia bancária para suspender a execução, independentemente do período de tempo pelo qual a garantia teve de ser mantida (cfr. Ac. do STA de 18 de Dezembro de 2002, recurso n.º 940/02).

 

A indemnização por prestação de garantia indevida terá de ser liquidada em eventual execução de julgados, mas terá sempre como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na LGT (artigos 53.º, n.º 3, 45.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10 da LGT).

 

A pretensão indemnizatória, quer à luz do artigo 53.º, quer à luz do artigo 43.º, ambos da LGT, justifica-se pelo dever de reconstituição da situação económica em que o Requerente estaria se não tivesse sido praticado o acto ilegal (cfr. Ac. do TCA Norte de 11 de Fevereiro de 2016, processo n.º 01398/13.6BEBRG), o que também fundamenta a competência deste Tribunal arbitral para apreciar esse pedido.

 

DECISÃO:

 

            Em conformidade, decide-se:

 

- Absolver a Requerida da instância, por verificação da excepção de incompetência material deste Tribunal Arbitral no que respeita ao pedido de apreciação da idoneidade da garantia prestada;

 

 - Julgar provados e procedentes os restantes pedidos e, em consequência, anular o acto de liquidação em crise, de imposto e juros compensatórios;

 

- Condenar a Requerida a indemnizar o Requerente nas despesas que ele demonstre ter suportado com a garantia destinada a sustar o processo executivo;

 

- Condenar a Requerida nas custas do p.p.a., no valor de 1.224,00€ (mil duzentos e vinte e quatro euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, e de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT, 4.º, n.º 4 do RCPAT.

           

            Notifique-se.

            Porto e CAAD, 15 de Fevereiro de 2023,

 

A Árbitro,

 

 

Eva Dias Costa