Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 80/2014-T
Data da decisão: 2014-06-30  IRC  
Valor do pedido: € 513.501,78
Tema: IRC - Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais. Tributações autónomas. Alínea a) do nº 1 do artigo 45º do Código do IRC (redacção em vigor até ao ano de 2013)
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

  1. RELATÓRIO

 

a)      Em 02-02-2014, A, SGPS, SA, NIPC …, com sede na Rua … Lisboa, sociedade dominante de grupo (o grupo B) sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto, desde 2010 até hoje, nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC (em 2009, artigo 63.º do CIRC); entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral colectivo (TAC).

b)      O pedido está assinado por advogado cuja procuração foi junta.

 

O PEDIDO

 

c)      A Requerente suscita ao TAC que deve:

a.       Ser declarada a ilegalidade e anulados os indeferimentos das reclamações graciosas que lhe foram indeferidas na medida em que recusaram a anulação da parte ilegal, nos termos discutidos em procedimentos graciosos, das autoliquidações de IRC e derrama municipal consequente dos exercícios de 2010, 2011 e 2012, com isso violando o princípio da legalidade;

b.      Ser declarada a ilegalidade parcial destas autoliquidações (e serem consequentemente anuladas), nas partes correspondentes aos valores de € 125.221,44, € 174.466,33 e € 213.814,01, relativamente aos exercícios de 2010, 2011 e 2012, respectivamente;

c.        Ser, consequentemente, reconhecido o direito ao reembolso destes montantes e, bem assim, o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado.

d)     Invoca que os actos de autoliquidação que levou a efeito nas declarações Modelo 22 dos exercícios dos anos de 2010, 2011 e 2012 estão em desconformidade com a alínea a) do nº 1 do artigo 45º do Código do IRC conjugada com a alínea f) do nº 1 do artigo 23º do Código do IRC, ocorrendo o vício de violação de lei.

e)      Na medida correspondente à não relevação fiscal dos encargos fiscais com tributações autónomas desses mesmos exercícios.

f)       Propugna nas suas alegações de que a alteração legislativa de 2014 (revogação do artigo 45º do Código do IRC e sua substituição pela adição do artigo 23º A do Código do IRC – pela Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro) tem inequivocamente carácter inovatório e, consequentemente, só pode aplicar-se daí em diante.

g)      Concluindo que padeceria de inconstitucionalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição (proibição de retroactividade da lei fiscal), e por violação do princípio da protecção da confiança ínsito no princípio do Estado de direito (conforme o artigo 2.º da Constituição), a interpretação da norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, no sentido de que a equiparação aí efectuada das tributações autónomas ao IRC, se aplicaria a exercícios fiscais anteriores a 2014, por ter, alegadamente, natureza materialmente interpretativa da norma anterior que substituiu (a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC).

h)      Mais peticiona a condenação da AT em juros contados desde 31.05.2011, 31.05.2012 e 31.05.2013 (datas-limite para os reembolsos oficiosos de IRC parte da AT) respectivamente quanto ao IRC dos anos de 2010, 2011 e 2012.

i)        Identifica a Requerente os actos tributários objecto do dissídio da seguinte forma:

a.       Os indeferimentos das reclamações graciosas e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), os actos de autoliquidação de IRC e derrama consequente relativos aos exercícios de 2010, 2011 e 2012 na medida correspondente à não relevação fiscal dos encargos fiscais com tributações autónomas desses mesmos exercícios.

b.      Pretendendo submeter à apreciação do Tribunal Arbitral a legalidade destes indeferimentos das reclamações graciosas, na medida em que desatendem o reconhecimento da ilegalidade daquela parte das autoliquidações de IRC e derrama consequente, referentes aos exercícios de 2010, 2011 e 2012 do Grupo Fiscal B e, bem assim, a legalidade desta parte das autoliquidações de IRC e derrama consequente, referentes aos exercícios de 2010, 2011 e 2012, cujo montante ascende a € 125.221,44, € 174.466,33 e a € 213.814,01, respectivamente.

 

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL

 

j)        O pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 04.02.2014.

k)      Pelo Conselho Deontológico do CAAD foram designados árbitros os signatários desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 04.02.2014.

l)        Pelo que o Tribunal Arbitral Colectivo (TAC) se encontra, desde 03.04.2014, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio.

m)    Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Colectivo com data de 03-04-2014 que aqui se dá por reproduzida.

n)      Uma vez que se levantam neste processo questões em tudo idênticas às já levantadas em muitos outros processos já decididos no CAAD, o TAC por despacho de 12-05-2014 decidiu dispensar-se da reunião de partes a que alude o artigo 18º do RJAT, se as partes a isso nada viessem obstar.

o)      A AT entendeu não se pronunciar sobre a matéria, anuindo tacitamente à posição do TAC. A Requerente através de requerimento de 15-05-2014 veio manifestar a sua concordância expressa à promoção do TAC, não prescindindo da produção de alegações escritas.

p)      Por despacho de 16-05-2014 foi conferido às partes um prazo de 10 dias sucessivos para a produção de alegações finais, querendo.

q)      Em 23-05.2014 a Requerente apresentou as suas alegações. Em 05-06-2014 a AT apresentou as contra-alegações.

r)       A AT protestou juntar o PA instrutor, não o tendo junto até à data, certamente porque o seu conteúdo corresponde ao teor das reclamações graciosas que estão na origem deste pedido de pronúncia e que foram juntas pela Requerente com a designação de Documento nº 6 a Documento nº 11.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

s)       Legitimidade, capacidade e representação - as partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão devidamente representadas.

t)       Contraditório - a AT juntou ao processo, em 12.05.2014, a resposta ao pedido de pronúncia apresentado pela Requerente. Foram as partes notificadas de todos os actos adoptados pelo TAC e dos actos praticados pela contraparte.

u)      Excepções dilatórias - o processo não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

Quanto ao vício material de violação de lei

 

v)      Defende que desde o aparecimento do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, que previu a exigência de montantes, a título de imposto, às empresas que incorressem em despesas não documentadas (ou confidenciais), logo à nascença a tributação autónoma, nunca foi imposto sobre o rendimento da empresa.

w)    Alega que na esmagadora maioria dos casos, a função das tributações autónomas, revela que as mesmas não são, não têm a natureza de imposto sobre o rendimento (lucro) da pessoa colectiva que as suporta e constitui o seu sujeito passivo.

x)      Além disso as tributações autónomas aplicam-se independentemente do IRC (em consequência, justamente, desta sua diferente natureza e função no confronto com o IRC): aplicam-se mesmo (ou na mesma) quando haja exclusão de sujeição a (não incidência de) IRC, ou isenção de IRC, e aplicam-se a realidade diferente daquela (o lucro) a que se aplica o IRC, donde que a sua dedução fiscal não gera um círculo vicioso, como no caso de uma eventual dedução das derramas.

y)      Propugna que “aos encargos fiscais decorrentes das tributações autónomas aplica-se a regra geral da dedutibilidade dos encargos fiscais prevista no artigo 23.º, n.º 1, alínea f), do CIRC”.

z)      E que os encargos fiscais a que se aplica a excepção à respectiva dedutibilidade, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC são apenas o próprio IRC apurado, a sobretaxa conhecida como derrama estadual (artigo 87º-A do CIRC) e a derrama municipal (artigo 14º nº 1 da Lei 2/2007, de 15 de Janeiro).

aa)   Aduz que a “controvérsia doutrinal que existiu sobre a (in)dedutibilidade da derrama municipal e o modo como foi dirimida, confirmam também que, com respeito aos encargos fiscais com tributações autónomas não se aplica a excepção, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, à regra fiscal da dedutibilidade dos impostos”.

bb)  Posto que “fazendo jus ao seu nome, as tributações autónomas são autónomas, independentes, das não sujeições em sede de IRC (situação ainda mais extrema que a de isenção)”.

cc)   Conclui que há norma que pela positiva prescreve a dedutibilidade das tributações autónomas (artigo 23.º, n.º 1, alínea f), do CIRC) e não há norma que pela negativa excepcione essa dedutibilidade (alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC).

dd) Ou seja, propugna por uma leitura do acrónimo “IRC” usado na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, no sentido de só abranger o imposto sobre os lucros da empresa e já não os montantes resultantes da aplicação das taxas de tributação autónoma, pela razão de que é um imposto autónomo que não se confunde com o IRC, quer do ponto de vista formal, quer substancial.

ee)   Posto que as tributações autónomas “nada têm a ver com a função do IRC”.

 

Quanto à inconstitucionalidade da norma constante da alínea a) do nº 1 do artigo 23º-A do Código do IRC na redacção introduzida pela Lei 2/2014, de 16 de Janeiro

 

ff)    Refere nas suas alegações, que a alteração legislativa de 2014 quanto a esta matéria tem inequivocamente carácter inovatório e, consequentemente, só pode aplicar-se daí em diante, daí concluindo que padece de inconstitucionalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição (proibição de retroactividade da lei fiscal), e por violação do princípio da protecção da confiança ínsito no princípio do Estado de direito (conforme artigo 2.º da Constituição), a interpretação da norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, no sentido de que a equiparação aí efectuada das tributações autónomas ao IRC, se aplicaria a exercícios fiscais anteriores a 2014, por ter, alegadamente, natureza materialmente interpretativa da norma anterior que substituiu (a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC) e que não fazia tal equiparação.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA

 

Quanto ao vício material de violação de lei.

 

gg)  Logo em 19.03.2014 a AT juntou ao processo um requerimento, nos termos do nº 1 do artigo 13º do RJAT comunicando a manutenção do acto objecto do pedido de impugnação.

hh)  Na Resposta ao pedido de pronúncia começa por referir a AT que mesmo admitindo em tese a dedutibilidade das tributações autónomas, no que concerne às tributações autónomas sobre despesas não dedutíveis, nunca será de admitir a sua dedutibilidade na medida em que configurariam um encargo fiscal sobre gastos não indispensáveis “para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, pelo que não se subsumem na alínea f) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

ii)      Quanto à possibilidade de dedução ao lucro tributável de encargos com tributação autónoma incidente sobre gastos dedutíveis, rebate a leitura que a Requerente faz da jurisprudência e dos autores que cita em abundância, posto que nenhum se pronuncia no sentido de que as tributações autónomas não serem, pelo menos formalmente, IRC, nem tão-pouco advogam a sua dedutibilidade ao lucro tributável, quer por sua exclusão da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC, quer pela sua inclusão na alínea f) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

jj)      Nem configura ser aceitável que delas se retire, sem mais, que as tributações autónomas, apesar das particularidades no seu apuramento, não são IRC e que, por isso, não integram a previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC.

kk)  Contrapõe que a pretensão da Requerente – qual seja a de corrigir a inscrição dos encargos relativos a tributações autónomas no campo 724 da Modelo 22 – esbarra desde logo no elemento literal da norma ínsita na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, a qual se reporta a encargos com IRC.

ll)      E assim é porque não se pode negar que as tributações autónomas se inserem formalmente no IRC a pagar pelo contribuinte.

mm)                     Uma vez que tal observação não é disputada pela jurisprudência nem pelos prestigiados autores que a Requerente cita, os quais, sublinhe-se, abordam a questão das especificidades das tributações autónomas justamente no pressuposto de que elas compõem formalmente o IRC a pagar pelos contribuintes.

nn)   Concluindo que “quando o legislador se refere a encargos de IRC, necessariamente está a incluir, ainda que para já num plano literal, as tributações autónomas”, pelo que “as tributações autónomas são uma componente do IRC a autoliquidar e a pagar pelos contribuintes nos termos e nos prazos previstos respectivamente nos artigos 89.º e seguintes (Liquidação – Capítulo V) e 104.º e seguintes (Pagamento – Capítulo VI) do Código do IRC, os quais, de resto, se referem indiferenciadamente quer a IRC sobre o lucro, quer às tributações autónomas em sede de IRC”.

oo)  “O imposto sobre o rendimento contempla, também, elementos de obrigação única, como as taxas liberatórias do IRS ou as taxas de tributação autónoma do IRC”.

pp)  A sua “(in) dedutibilidade … não pode ser colocada no mesmo plano da discussão que no passado se verificou em torno da dedutibilidade das derramas municipais e que culminou com a solução plasmada na Lei de Orçamento de Estado de 1996 (Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março), à qual foi conferida natureza interpretativa, e, ainda, no acórdão do Pleno do STA, de 06-05-2002, proferido em recurso por oposição de julgados no processo n.º 022155”, posto que “as taxas de tributações autónomas não partilham com as derramas as características que as tornam um imposto distinto e especial em relação ao IRC”.

qq)  Posto que desde a sua criação pelo artigo 4º do Decreto-Lei nº 192/90, de 09 de Junho “mesmo não inseridas formalmente nos códigos do IRS ou IRC, já se determinava que o produto da aplicação destas taxas constituía um adicional do imposto sobre o rendimento a liquidar e a pagar pelo contribuinte”.

rr)     Conclui que “as tributações autónomas não são nem nunca foram um imposto especial autónomo, como o eram e em parte ainda são as derramas municipais, tão-pouco são um “imposto sobre o consumo” ou um “imposto geral sobre o consumo” [para este efeito bastaria tão somente referir a tributação autónoma sobre os lucros distribuídos prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC, os quais dificilmente se considerariam actos de consumo], mas sim uma componente integrante do IRC que configura um elemento de obrigação única.”

ss)    Reforça a conclusão atrás referida no facto do legislador ter feito a alteração introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que veio acrescentar àquela alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC, que passou a constar da alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º-A, “O IRC, incluindo as tributações autónomas, (…)”, em contraposição com a intervenção que efectuou ao preceito através da já aludida lei de orçamento de Estado para o ano de 1996, quando acrescentou à sua redacção, para incluir as derramas,  “(…) e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros”.

tt)     Propugnando que “o legislador vem assim, com um alcance manifestamente clarificador, esclarecer que considera as tributações autónomas como uma componente incluída nos encargos suportados a título de IRC”, sendo “um subsídio interpretativo que não deve ser ignorado na tarefa de apurar o sentido do preceito em análise, que vem corroborar a interpretação que dele sempre foi feita quer pela Autoridade Tributária e Aduaneira, quer pela generalidade dos contribuintes na autoliquidação do IRC (designadamente a ora Requerente arbitral) ”.

uu)  Refere ainda que “… o total do imposto a pagar ou a recuperar, consta dos campos 367 e 368, do quadro 10 (Cálculo do Imposto), da modelo 22, consistindo tais montantes indubitavelmente de IRC, o qual inclui tributações autónomas.”

vv)  E conclui ainda: “a tese que a Requerente persegue só vingaria através de uma eventual interpretação restritiva da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, a qual, adiante-se, não se antevê praticável” sendo certo que “as tributações autónomas partilham dos motivos que justificam a indedutibilidade do IRC sobre o rendimento” e “de um ponto de vista formal as tributações autónomas não configuram um imposto distinto do IRC, antes consistem num seu adicional”.

ww)                     Valendo como argumento para a não dedutibilidade para apuramento do lucro tributável das tributações autónomas, as mesmas razões da não dedutibilidade do IRC em sentido próprio, por não ser dedutível a si mesmo.

xx)  Como último argumento contra a dedutibilidade das tributações autónomas a AT refere o regime prático e funcional do processo de determinação da matéria colectável e de liquidação do IRC que resulta do nº 14 do artigo 88º do CIRC, na medida em que, antes de se processar a liquidação das tributações autónomas há que apurar se no modelo 22 se apresenta lucro tributável ou prejuízo, pelo é sempre posterior (após a operação de obtenção da matéria colectável) o seu processo de liquidação. Daqui retirando uma ligação intrínseca entre o iter tributário visando a liquidação do IRC e o iter tributário aplicável á liquidação de cada tipo de tributação autónoma.

yy)  Conclui pela improcedência do pedido, incluindo quanto juros indemnizatórios, tal como já ocorreu nos processos CAAD 187/2012-T, 209/2103-T, 210/2013-T, 246/2013-T, 255/2013-T, 260/2013-T e 282/2013-T).

zz)   Nas suas alegações a AT, manteve a posição assumida na Resposta e veio ainda complementar o que havia referido e se expressou em ss) e tt) supra: “A nova redacção do artigo 23ºA nº 1 alínea a) introduzida pela Lei 2/2014, de 16 de Janeiro, tem um manifesto alcance esclarecedor para o futuro quanto ao seguinte facto: as tributações autónomas são uma componente incluída nos encargos suportados a título de IRC”.

 

Quanto à inconstitucionalidade da norma constante da alínea a) do nº 1 do artigo 23º-A do Código do IRC na redacção introduzida pela Lei 2/2014, de 16 de Janeiro

 

aaa)                      Conclui a AT nas contra-alegações que não padece de inconstitucionalidade a norma em causa uma vez que a AT nunca propôs a aplicação do novo artigo 23º-A do CIRC a factos tributários ocorridos e decididos na vigência da lei pretérita.

 

***

 

bbb)                     Propugnando pela legalidade dos actos tributários porque configuram uma correcta aplicação da lei aos factos.

 

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

 

As questões que se colocam ao Tribunal são apenas atinentes à interpretação e aplicação de regras de direito.

 

Sobre esta matéria, em concreto, já se pronunciou o CAAD em diversas decisões em que a questão de fundo é a mesma, ou seja, discute-se, no fundo, a amplitude da previsão da norma ínsita na alínea a) do nº 1 do artigo 45º do Código do IRC, conjugada com a norma contida na alínea f) do nº 1 do artigo 23º do Código do IRC.

 

O limite da interpretação é a letra, o texto da norma. Falta depois a “tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal”.

 

Ou seja, o cerne da questão consiste em apurar face ao princípio geral de dedutibilidade de encargos comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, os de natureza fiscal e parafiscal, que resultava do artigo 23.º, n.º 1, alínea f), do Código do IRC, se a norma contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do mesmo Código, nos termos da qual não eram dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável o IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros, na sua previsão, comporta a não dedutibilidade das tributações autónomas.

 

Estamos assim, apenas e só, no âmbito da actividade de interpretação e aplicação das normas, ou seja, na tarefa de delimitar as situações jurídico-factuais que devem haver-se por comportadas na previsão da norma contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC, mais concretamente no acrónimo de “Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas”: “IRC”.

 

Por último, haverá que abordar a questão da eventual inconstitucionalidade da norma constante da alínea a) do nº 1 do artigo 23º-A do Código do IRC na redacção introduzida pela Lei 2/2014, de 16 de Janeiro, por eventual violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição (proibição de retroactividade da lei fiscal), e por violação do princípio da protecção da confiança ínsito no princípio do Estado de direito (conforme artigo 2.º da Constituição), no sentido de que a equiparação aí efectuada das tributações autónomas ao IRC, se aplicaria a exercícios fiscais anteriores a 2014, por ter, alegadamente, natureza materialmente interpretativa da norma anterior que substituiu (a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC) e que não fazia tal equiparação.

 

São as seguintes as questões que o TAC deve solucionar:

 

 

  1. Face ao princípio geral de dedutibilidade de encargos comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, os de natureza fiscal e parafiscal, que resultava do artigo 23.º, n.º 1, alínea f), do Código do IRC, a norma contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do mesmo Código, nos termos da qual não eram dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável o IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros, na sua previsão, comporta a não dedutibilidade das tributações autónomas?
  2. A alteração introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que revogou o artigo 45.º do Código do IRC, e aditou o artigo 23ºA do Código do IRC, cuja alínea a) do nº 1 passou a ter esta redacção: “O IRC, incluindo as tributações autónomas, (…)”, em contraposição com a intervenção que efectuou ao preceito através da Lei de Orçamento de Estado para o ano de 1996, quando acrescentou à sua redacção, para incluir as derramas, “(…) e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros” tem natureza interpretativa?
  3. A norma constante da alínea a) do nº 1 do artigo 23º-A do Código do IRC na redacção introduzida pela Lei 2/2014, de 16 de Janeiro foi aqui aplicada pela AT e consequentemente ocorre a violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição (proibição de retroactividade da lei fiscal), e a violação do princípio da protecção da confiança ínsito no princípio do Estado de direito (conforme artigo 2.º da Constituição)?

 

III.      MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA. FUNDA-MENTAÇÃO

 

Com relevância para a decisão que se vai adoptar são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos) e/ou os artigos do pedido da Requerente e da resposta da AT quanto aos factos admitidos por acordo, como fundamentação:

Exercício económico de 2010

 

1)      Quanto ao exercício de 2010, a requerente apresentou em 30.05.2011, a declaração Modelo 22 do IRC, tendo procedido à sua substituição em 16.11.2012, nesta última declaração fazendo constar no Quadro 10:

a.       No Campo 365: 434 258,87 euros de tributações autónomas;

b.      E no Campo 367: o valor de IRC TOTAL A PAGAR de 2 505 583,59 euros, incluindo as tributações autónomas – Conforme Documentos nºs 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia e artigos 2º e 18º do pedido de pronúncia.

2)      No Quadro 11 da aludida declaração de IRC a Requerente fez constar:

a.       No Campo 421: encargos com viaturas (artigo 88º-4): 4 185 813,75 euros - que gerou uma TA de 418 581,38 euros;

b.      No Campo 414: despesas de representação (artigo 88º-7): 88 222,93 euros - TA de 8 322,29 euros;

c.       No Campo 415: encargos com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador (artigo 88º-9): 44 414,12 euros – TA de 2 220,71 euros; - Conforme Documentos nºs 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia e artigos 2º e 18º do pedido de pronúncia.

 

Exercício económico de 2011

 

3)      Quanto ao exercício económico de 2011, a requerente apresentou em 30.05.2012, a declaração Modelo 22 do IRC, fazendo constar no Quadro 10:

a.       No Campo 365: 603 933,86 euros de tributações autónomas;

b.      E no Campo 367: o valor de IRC TOTAL A PAGAR de 1 124 836,04 euros, incluindo as tributações autónomas – Conforme Documento nº 4 junto com o pedido de pronúncia e artigos 2º e 20º do pedido de pronúncia.

4)      No Quadro 11 da aludida declaração de IRC a Requerente fez constar:

a.       No Campo 420: encargos com viaturas (artigo 88º-3): 1 171 461,20 euros e;

b.      No Campo 421: encargos com viaturas (artigo 88º-4): 2 386 589,46 euros – TA de 594 464,01 euros;

c.       No Campo 414: despesas de representação (artigo 88º-7): 64 938,01 euros - TA de 6 493,80 euros;

d.      No Campo 415: encargos com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador (artigo 88º-9): 14 632,40 euros - TA de 731,62 euros - Conforme Documento nº 4 junto com o pedido de pronúncia e artigos 2º e 20º do pedido de pronúncia.

 

Exercício económico de 2012

 

5)      Quanto ao exercício económico de 2012, a requerente apresentou em 30.05.2013, a declaração Modelo 22 do IRC, fazendo constar no Quadro 10:

a.       No Campo 365: 688 437,87 euros de tributações autónomas;

b.      E no Campo 367: o valor de IRC TOTAL A PAGAR de 853 933,10 euros, incluindo as tributações autónomas – Conforme Documento nº 5 junto com o pedido de pronúncia e artigos 2º e 22º do pedido de pronúncia.

6)      No Quadro 11 da aludida declaração de IRC a Requerente fez constar:

a.       No Campo 420: encargos com viaturas (artigo 88º-3): 1 427 642,72 euros;

b.      No Campo 421: encargos com viaturas (artigo 88º-4): 2 471 513,06 euros – TA de 636 021,02 euros;

c.       No Campo 414: despesas de representação (artigo 88º-7): 350 320,42 euros – TA de 35 032,04 euros;

d.      No Campo 415: encargos com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador (artigo 88º-9): 31 441,48 euros - TA de 1 491,98 euros;

e.       No Campo 424: gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes (artigo 88º-13-b)): 36 000,00 euros – TA 12 600,00 euros - Conforme Documento nº 5 junto com o pedido de pronúncia e artigos 2º e 22º do pedido de pronúncia.

7)       Em 30 de Maio de 2013 a requerente apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC e derrama municipal consequente, respeitantes ao exercício de 2010 – Documento nº 6 junto com o pedido de pronúncia e artigo 4º do mesmo pedido.

8)      E em 28 de Agosto de 2013, a requerente apresentou reclamações graciosas contra as autoliquidações de IRC e derrama municipal, respeitantes aos exercícios de 2011 e 2012 – Documentos nº 7 e 8 juntos com o pedido de pronúncia e artigo 5º do mesmo pedido.

9)      No dia 14 de Novembro de 2013 a requerente foi notificada por carta registada das decisões de indeferimento das reclamações graciosas relativas aos exercícios de 2010 e 2011, por despachos proferidos em 11 de Novembro de 2013 e em 12 de Novembro de 2013, respectivamente, pelo Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes – Documentos n.ºs 9 e 10 juntos com o pedido de pronúncia e artigo 6º do mesmo pedido.

10)  No dia 6 de Dezembro de 2013 a requerente foi notificada por carta registada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa relativa ao exercício de 2012, por despacho proferido em 4 de Dezembro de 2013 pelo Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes – Documento nº 11 junto com o pedido de pronúncia e artigo 7º do mesmo pedido.

11)  A Requerente pagou em 31.05.2011 e 02-01-2013 o IRC TOTAL autoliquidado quanto ao exercício económico de 2010, onde se incluíam as liquidações de tributações autónomas a que se alude em 1) – b. supra – Documentos nºs 13 e 14 juntos com o pedido de pronúncia.

12)  A Requerente pagou em 31.05.2012 o IRC TOTAL autoliquidado quanto ao exercício económico de 2011, onde se incluíam as liquidações de tributações autónomas a que se alude em 3) – b. supra – Documento nº 16 junto com o pedido de pronúncia.

13)  A Requerente pagou em 31.05.2013 o IRC TOTAL autoliquidado quanto ao exercício económico de 2012, onde se incluíam as liquidações de tributações autónomas a que se alude em 5) – b. supra – Documento nº 19 junto com o pedido de pronúncia.

14)  A Requerente não deduziu, para efeitos do apuramento do lucro tributável do seu grupo fiscal nos referidos exercícios de 2010 a 2012, os encargos suportados com as referidas tributações autónomas, antes tratando-as como se fossem IRC ou derrama municipal – Artigo 24º do pedido de pronúncia.

15)  O impacto fiscal decorrente de não ter sido deduzido o encargo com tributações autónomas no apuramento do IRC, incluindo a sobretaxa derrama estadual e a derrama municipal é de 125 221,44 euros quanto ao ano de 2010, 174 466,33 euros quanto ao ano de 2011 e 213 814,01 euros quanto ao ano de 2012, num total de 513 501,78 euros – artigos 26º a 29º do pedido de pronúncia e Documentos 23 a 25 juntos com o pedido de pronúncia.

 

 

Não existe outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual, independentemente do sentido da decisão que se adoptar.

 

A matéria assente resulta de confissão ou de documentos juntos pelas partes cujos conteúdos e valorações probatórias não mereceram qualquer tipo de dissonância.

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

  1. Face ao princípio geral de dedutibilidade de encargos comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, os de natureza fiscal e parafiscal, que resultava do artigo 23.º, n.º 1, alínea f), do Código do IRC, a norma contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do mesmo Código, nos termos da qual não eram dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável o IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros, na sua previsão, comporta a não dedutibilidade das tributações autónomas?

 

Refira-se desde já que o Tribunal decide adoptar, quanto ao sentido e fundamentação, o que foi decidido no Processo CAAD 210/2013-T no que tange ao objecto deste dissídio.

 

Antes de mais convirá referir que do ponto de vista formal e literal da lei (e em termos operacionais), e quanto à previsão da norma em causa (contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do mesmo Código, mais concretamente a expressão “IRC”) não restam dúvidas de que aí está comportado o IRC propriamente dito e o produto da aplicação das taxas de tributação autónoma a que alude o artigo 88º do Código do IRC.

 

Senão vejamos:

 

Como resulta dos factos provados (incisos 1) b.; 3) b.; 5) b.; 11), 12) e 13) supra) não há um pagamento separado do IRC e ao lado ou paralelamente pagamentos autónomos do produto da aplicação das taxas de tributação autónoma. O que existe é um montante único de uma colecta de IRC, englobando várias realidades, com processos distintos de incidência (alguns sobre despesas), determinação da matéria colectável e aplicação de taxas. Quando se chega à fase final da liquidação/determinação do IRC GLOBAL, o processo é único no sentido de que existe apenas uma colecta única de IRC.

 

Por outro lado, a alegação da Requerente de que a aplicação das taxas de tributação autónoma é aplicável genericamente às entidades que são não sujeitas e que isso comprova que as taxas de tributação autónoma são mais assimiladas a um imposto especial, autónomo do IRC, não parece ter suporte na realidade.

 

Vejamos o caso dos Partidos Políticos, associações públicas, que são entidades não sujeitas a IRC nos termos do nº 1 do artigo 10º da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho.

 

Do próprio conceito de “não sujeição” se retira que estas entidades não cabem na previsão das normas dos artigos 1º e 2º do Código do IRC. Por outro lado, nos vários nºs do artigo 88º do CIRC a sua aplicação faz apelo a que o destinatário seja “sujeito passivo” de IRC, ou seja, que se trate de uma entidade sujeita a IRC ainda que dele isenta.

 

Para este tipo de entidades, tendo em conta que a liquidação do IRC é em regra levada a efeito pelo próprio sujeito passivo na declaração a que alude o artigo 120º do Código do IRC (vidé alínea a) do artigo 89º do CIRC), não existe sequer obrigação de apresentação do Modelo 22 do IRC, o que se retira a contrario sensu do nº 9 do artigo 117º do Código do IRC (posto que só estas entidades têm que apresentar o Modelo 22 do IRC).

 

Pelo que, salvo as entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal, as entidades não sujeitas a IRC, não estarão sujeitas por esse mesmo facto, às taxas de tributação autónoma do artigo 88º do Código do IRC.

 

Existe, pois, uma ligação intrínseca entre o normativo de incidência e quanto às isenções que se reflecte na aplicação das taxas de tributação autónomas a que alude o artigo 88º do Código do IRC.

 

Por outro lado, do ponto de vista operacional, existe a cobrança de uma única colecta de IRC, onde estão comportadas as liquidações de tributações autónomas.

 

Como atrás referimos, visando a uniformização e simplificação, e porque subscrevemos o seu essencial acerto, vamos aderir ao que se encontra escrito na Decisão Arbitral CAAD 210/13-T, que a seguir transcrevemos:

 

A dúvida acerca da dedutibilidade das tributações autónomas no âmbito da anterior redacção do Código do IRC surge em consequência da margem interpretativa criada pela conjugação de duas normas:

ü  Por um lado, o princípio geral de dedutibilidade de encargos comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, os de natureza fiscal e parafiscal, que resultava do artigo 23.º, n.º 1, alínea f), do Código do IRC,

ü  Por outro lado, a regra de não dedutibilidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do mesmo Código, nos termos da qual não eram dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável o IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros.

 

Em concreto, as dúvidas surgem porque a norma prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC não menciona expressamente as tributações autónomas e porque o princípio geral em sede de IRC era o da dedutibilidade de encargos indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

 

Assim, face a um princípio geral de dedutibilidade de encargos e à ausência de referência expressa às tributações autónomas, a dúvida surge sobre se o legislador quis incluí-las na excepção de não dedutibilidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC.

 

As dúvidas surgidas a propósito da dedutibilidade das tributações autónomas em sede de IRC são, portanto, perfeitamente justificáveis face a alguma incerteza criada pelo elemento literal das normas enunciadas. Assim, será necessário aprofundar a análise além do seu elemento literal, buscando nas razões de ser do regime das tributações autónomas a resposta às dúvidas criadas.

 

As tributações autónomas foram introduzidas no ordenamento jurídico português através do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, que previu a tributação autónoma, à taxa de 10%, das despesas confidenciais ou não documentadas.

 

Mais tarde, as tributações autónomas foram incluídas no Código do IRC, através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que veio integrar a previsão das tributações autónomas no diploma que regula o IRC.

 

Desde então o regime das tributações autónomas, inserido no Código do IRC, tem vindo a passar por um processo de expansão progressiva.

 

Actualmente são vários os tipos de tributações autónomas que encontramos no artigo 88.º do Código do IRC:

i) Tributação autónoma sobre despesas não documentadas;

ii) Tributação autónoma sobre encargos com viaturas;

iii) Tributação autónoma sobre despesas de representação;

iv) Tributação autónoma sobre importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;

v) Tributação autónoma sobre despesas com ajudas de custo e com compensações pela deslocação de trabalhadores em viatura própria ao serviço da entidade patronal;

vi)  Tributação autónoma sobre os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial;

vii) Tributação autónoma sobre gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como sobre os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo;

viii) Tributação autónoma sobre gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes.

 

Da análise deste elenco podemos retirar duas ilações de princípio:

 

(i) A primeira é a de que as tributações autónomas incidem quer sobre encargos dedutíveis, quer sobre encargos não dedutíveis;

(ii) A segunda é a de que as tributações autónomas não servem apenas um objectivo, mas sim dois:

·          Umas visam evitar a erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir tributação sobre encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC, mas que, sendo-o, se transformam num agravamento da tributação, pretendendo, portanto, servir como desincentivo à despesa com tais encargos;

 

·         Outras visam penalizar comportamentos presuntivamente evasivos ou fraudulentos.

 

A primeira ilação leva-nos, de imediato, a uma constatação fundamental: a de que, se se admitisse a dedutibilidade das tributações autónomas sobre despesas não dedutíveis, se estaria a admitir a dedutibilidade de um encargo não indispensável para realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

 

Com efeito, se o gasto sobre o qual incide a tributação autónoma não é, em si mesmo, dedutível, é porque (para o sistema de IRC) o mesmo não é indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

 

Ora, se assim é, a tributação autónoma que sobre ele incide também o não será, pelo que se estaria a admitir a dedução de um encargo em frontal desacordo com o princípio geral de que os encargos só são dedutíveis em sede de IRC se lhes estiver inerente aquela indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

 

Assim, tal como não são dedutíveis os tributos incidentes sobre factos não relacionados com a realização de rendimentos sujeitos a IRC, também as tributações autónomas que incidem sobre despesas não dedutíveis terão, forçosamente, que estar excluídas de tributação sob pena de se admitir uma evidente contradição sistemática no Código do IRC, o que não é de aceitar face aos princípios interpretativos consagrados no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil (que a LGT manda aplicar nos termos do no n.º 1 do seu artigo 11.º), os quais determinam que o intérprete deve presumir que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” e “que consagrou as soluções mais acertadas”. 

 

De facto a Requerente não suscita neste processo a dedutibilidade das tributações autónomas sobre despesas não dedutíveis.

 

O cerne da questão está, neste caso, na resposta que se der à seguinte pergunta: quanto às tributações autónomas que incidem sobre despesas dedutíveis não deverá aí concluir-se que, sendo dedutível a despesa, deverá ser dedutível a tributação autónoma, ela própria, como encargo suportado por força da realização de tal despesa, seguindo o acessório o caminho do principal (acessorium principale sequitur)?

 

Aqui, a questão interpretativa que importa dilucidar prende-se com a definição do conteúdo adequado da expressão linguística “IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre lucros” (consagrada na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC), decidindo-se então se aí se devem considerar incluídas as tributações autónomas ou não.

 

A Requerente defende que, configurando a tributação autónoma um tributo, um imposto autónomo, que incide sobre a despesa e não sobre o rendimento, esta tributação não poderá ser considerada “IRC” para efeitos da exclusão da dedutibilidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC.

 

É verdade que as tributações autónomas se aplicam quando há despesa realizada, mas será que, ainda assim, elas não servem um propósito coadjuvante do IRC stricto sensu, podendo então dizer-se que, ainda que operando de forma diferente, designadamente porque são apuradas de forma distinta, se integram no sistema global do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas?

 

Por outras palavras: será que a tributação agravada de determinados tipos de despesas dedutíveis não é, ainda assim, uma forma indirecta de tributar o rendimento dos sujeitos passivos que nelas incorrem, assim incorporando o objectivo geral que preside ao IRC e que o distingue enquanto imposto sobre os lucros?

 

E ainda de outra forma: será que o regime de um imposto que se define como imposto sobre os lucros e onde, consequentemente, as despesas ou gastos desempenham um papel fundamental na delimitação da matéria tributável, não pode incluir em si mesmo tributações autónomas sobre determinados tipos de despesas que, contribuindo para a diminuição da base tributável são, além disso, de discutível empresarialidade?

 

Parece-nos que todas estas questões devem ser respondidas afirmativamente.

 

Com efeito, além do caso das tributações autónomas que incidem sobre despesas não dedutíveis e cuja previsão se justifica enquanto mecanismo anti-evasão, também no caso das tributações autónomas que incidem sobre despesas dedutíveis está presente a vontade do legislador de impedir a erosão da base tributável através da realização de despesas que, embora não possam ser proibidas de todo pelo sistema do IRC porque, em alguns casos, poderão mesmo ser necessárias à realização do rendimento tributável e/ou à manutenção da fonte produtora, são despesas que partilham entre si um risco de não empresarialidade, isto é, um risco de não serem realizadas com fins empresariais, mas sim extra-empresariais ou privados. Nesses casos, o legislador opta, assim, por aceitar a sua dedutibilidade, mas onerando-a com uma tributação autónoma.

 

Na verdade, estamos, em ambos os casos, perante um mecanismo cujo objectivo último é o de contribuir para a “normalização” da tributação em sede de IRC, isto é, para o funcionamento deste imposto na sua forma mais pura e mais próxima das suas raízes de imposto sobre o lucro obtido pelas pessoas colectivas. Nesse sentido, as tributações autónomas não são mais do que mecanismos coadjuvantes do eixo central do IRC, que é o de tributar lucros permitindo a dedução das despesas em que os sujeitos passivos têm que incorrer com vista à realização dos rendimentos tributáveis.

 

Trata-se, assim, de não mais do que um mecanismo de tributação indirecta do rendimento, que visa prevenir a perda de receita fiscal por evasão fiscal ou por confusão das esferas empresariais e privadas.

 

Em concreto, no que se refere às tributações autónomas que incidem sobre despesas dedutíveis, as mesmas visam compensar, por essa via, a perda de receita fiscal que a realização e dedução de tais despesas ocasionaria na sua ausência. Assim, enquanto se permite que o sujeito passivo deduza a despesa, onera-se a sua dedução com a tributação autónoma reduzindo-se, assim, a receita fiscal perdida com a dedução da despesa e desincentivando-se a utilização futura do tipo de encargos que gerou a tributação autónoma.

 

Como refere o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 18/2011, a propósito dos encargos relacionados com viaturas: “[estes] referem-se a encargos dedutíveis como custos para efeitos de IRC, isto é, a encargos que comprovadamente foram indispensáveis à realização dos proveitos, à luz do que estabelece o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, sendo a tributação prevista nesses preceitos [atuais n.º 3 e 4 do artigo 88.º do CIRC] explicada por uma intenção legislativa de incentivar as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afectem negativamente a receita fiscal”. 

 

No mesmo sentido vão as palavras de Saldanha Sanches quando afirma que ”Neste tipo de tributação [autónoma], o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal que se encontra na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros.” (cf. “Manual de Direito Fiscal”, 3ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 406).

 

Face ao exposto, embora se reconheça que o regime das tributações autónomas constitui, no quadro do IRC, um regime especial quanto à forma de apuramento da tributação, isso não o afasta da sua natureza intrínseca de regime de tributação do rendimento das pessoas colectivas.

 

É verdade que este regime pode, por via dessa integração e do processo de complexificação que vem sofrendo, ter-se tornado multifacetado e diversificado no seu modo de actuação, mas não deixa por isso de ser um regime dedicado à tributação do rendimento das pessoas colectivas e à obtenção de receita fiscal por essa via. Se esta é, por vezes, obtida através da tributação de determinadas despesas que reduzem o lucro tributável, ainda assim se consegue vislumbrar aí uma forma de tributação desse mesmo lucro tributável que é própria dos objectivos que subjazem ao IRC – de resto, as próprias tributações autónomas são devidas a título deste imposto.”

 

A resposta a dar à questão colocada é no sentido de se considerar que a norma contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do mesmo Código (em vigor até 2013), nos termos da qual não eram dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável o IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros, na sua previsão, não comporta a dedutibilidade das tributações autónomas.

 

 

  1. A alteração introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que revogou o artigo 45.º do Código do IRC e aditou o artigo 23ºA do Código do IRC, cuja alínea a) do nº 1 passou a ter esta redacção: “O IRC, incluindo as tributações autónomas, (…) ”, em contraposição com a intervenção que efectuou ao preceito através da Lei de Orçamento de Estado para o ano de 1996, quando acrescentou à sua redacção, para incluir as derramas, “ (…) e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros” tem natureza interpretativa?

 

 

Afigura-se-nos que o que acima se acaba de dizer não colide com a interpretação acerca da natureza das tributações autónomas e, em especial, acerca da questão da sua (não) dedutibilidade em sede de IRC, a recente alteração efectuada ao Código do IRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que veio revogar o antigo artigo 45.º, estabelecendo-se agora no artigo 23.º-A do CIRC que “Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros.”

 

Esta alteração veio, segundo se entende, clarificar que, relativamente aos períodos a que a norma em causa se aplica, os gastos com tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos fiscais, tornando assim expresso na letra da lei algo que já decorria dos seus termos, ainda que indirectamente.

 

Ou seja, o que o legislador terá pretendido será apenas clarificar de forma mais evidente o conteúdo da norma visando evitar conflitualidade potencial como a que resulta deste processo.

 

Nesta linha de pensamento, não se configura, pois, que a alteração legislativa em causa tenha natureza interpretativa, nem que tenha ou possa ter efeitos ou aplicação retroactiva.

 

 

  1. A norma constante da alínea a) do nº 1 do artigo 23º-A do Código do IRC na redacção introduzida pela Lei 2/2014, de 16 de Janeiro foi aqui aplicada pela AT e consequentemente ocorre a violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição (proibição de retroactividade da lei fiscal), e a violação do princípio da protecção da confiança ínsito no princípio do Estado de direito (conforme artigo 2.º da Constituição)?

 

Não parece que a AT tenha feito aplicação de um normativo que apenas vigora a partir de 2014, à situação dos autos.

 

Com efeito, a requerente foi notificada em Novembro e em Dezembro de 2013 dos indeferimentos das reclamações graciosas como resultou provado nos incisos 9) e 10) dos factos provados, pelo que seria impossível que aplicasse uma norma que apenas veio a ser publicada em Janeiro de 2014.

 

De qualquer forma, pelo que acima se referiu, a alteração legislativa tem em vista apenas uma clarificação de algo que já estava comportado na previsão da norma revogada, mais concretamente no acrónimo “IRC”.

 

Não há, nem poderia ocorrer, pois, qualquer aplicação retroactiva de uma norma que não existia à data da prática dos actos que a Requerente pretende ver anulados.

 

Não ocorre, por isso, qualquer desconformidade com os princípios constitucionais questionados.

 

***

 

Como consequência do acima exposto haverá que julgar improcedentes os pedidos de pronúncia arbitral.

 

V. DECISÃO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos julgam-se improcedentes os pedidos de pronúncia arbitral, com custas a cargo da Requerente.

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 513 501,78 euros.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7 956.00 €, segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 30 de Junho de 2014

 

Tribunal Arbitral Colectivo,

 

Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (Presidente)

 

António Alberto Franca

 

Augusto Vieira

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto

no artigo 138.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.