Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 358/2022-T
Data da decisão: 2023-02-17  Selo  
Valor do pedido: € 1.143.164,85
Tema: Imposto do Selo; Taxa Multilateral Intercâmbio; Comissões Interbancárias
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SUMÁRIO:

1 – As comissões cobradas a título de Taxa Multilateral de Intercâmbio e as comissões interbancárias pela utilização de TPA’s e ATM’s estão sujeitas a Imposto do Selo, concretamente na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo;

2 – A sujeição à verba 17.3.4. da TGIS das TMI’s e das comissões interbancárias cobradas pela utilização de TPA’s e ATM’s não viola o princípio da capacidade contributiva;

3 – O sujeito passivo tem de provar, de forma individualizada, operação a operação, que o valor unitário das comissões cobradas é inferior a € 0,125, para demonstrar que o resultado da aplicação da taxa de 4% prevista na verba 17.3.4. da TGIS não resulta aritmeticamente em imposto a pagar.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

            Os Árbitros Carla Castelo Trindade, António de Barros Lima Guerreiro e Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

            1. A..., S.A., com o número de identificação fiscal ..., com sede na ..., ..., ...-... Porto (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), em conjugação com a alínea a), do n.º 1, do artigo 102.º, do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo (“IS”) n.º 2022 ..., dos actos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2022 ... a 2022 ... e da demonstração de liquidação de IS n.º 2022..., referentes ao exercício de 2018, no montante total de € 1.488.613,00.

 

            2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 9 de Junho de 2022 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à AT.

 

            3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 28 de Julho de 2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

            4. O Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:

  1. Os serviços de inspecção tributária (“SIT”) consideraram ilegalmente que a Taxa Multilateral de Intercâmbio (“TMI”) e as comissões interbancárias, por estarem sujeitas mas isentas de IVA nos termos da alínea c) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, estavam sujeitas a Imposto do Selo (“IS”) nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 1.º do Código do IS (incidência objectiva) e nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS (incidência subjectiva), tendo cabimento na verba 17.3.4. da TGIS;
  2. A TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM's não correspondem a contraprestações/remunerações de prestações de serviços de pagamentos (serviços financeiros) realizados por um banco a outro banco, não estando, por isso, sujeitas a IS;
  3. A operação de pagamento no terminal de pagamento automático (“TPA”) implica uma relação complexa, funcionando maioritariamente através de um sistema quadripartido: titular do cartão, banco emitente, banco adquirente e comerciante;
  4. Entre o banco emissor e o banco adquirente é estabelecida uma operação interbancária de intercâmbio, no âmbito da qual o banco adquirente paga ao banco emissor uma TMI por qualquer pagamento que se realize através de cartões bancários;
  5. Quando o titular do cartão bancário efectua uma compra o banco emissor (do cartão) paga ao banco adquirente (banco do comerciante) o preço dessa compra descontado do valor da TMI; por sua vez, o banco adquirente paga ao comerciante o preço da compra descontado da taxa de serviço ao comerciante (“TSC”);
  6. A TMI paga pelo banco adquirente ao banco emissor tem como justificação económica o reequilíbrio financeiro das posições de ambos os bancos neste esquema e na assunção conjunta daqueles custos;
  7. Resulta do Regulamento (UE) n.º 2015/751, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2015, que a taxa de intercâmbio corresponde à componente compensação líquida recebida pelo emitente depois de saldados por “compensação” os diversos feixes de taxa multilateral de intercâmbio entre as diversas entidades bancárias;
  8. A AT, ao considerar um montante bruto de taxa multilateral de intercâmbio, ignora esta natureza/função de reequilíbrio da repartição dos custos nas relações interbancárias;
  9. Não está em causa a contraprestação por serviços financeiros entre bancos e, ainda que estivesse, apenas o montante líquido poderia receber a qualificação de comissão;
  10. Não é por isso verdade que “a base tributável do imposto é o montante das comissões ou contraprestações cobradas pelas entidades financeiras pela sua prestação de serviços financeiros”;
  11. Ao realizar uma ordem de pagamento perante o banco adquirente ou permitir a realização de operação num ATM ou Caixa Automática (ex: disponibilizar numerário), o banco não realiza qualquer operação onerosa de prestação de serviços;
  12. Não tem, portanto, a Requerida, qualquer base legal ou fundamento para sujeitar esta operação à invocada norma de incidência de IS (a verba 17.3.4. da TGIS);
  13. A verificação de uma prestação de serviços financeiros e a identificação da correspondente contraprestação são absolutamente determinantes para que seja aplicável a verba 17.3.4 da TGIS;
  14. No que respeita às operações em TPA, a relação entre o banco emissor e o banco do comerciante traduz-se num contrato de mandato (artigo 1157.º e ss do Código Civil), pelo que o banco emissor não presta um serviço de pagamento ao banco adquirente;
  15. As operações efectuadas em ATM não criam quaisquer vínculos contratuais, seja entre o banco detentor do ATM e o titular do cartão, seja entre o banco detentor do ATM e o banco emissor do cartão, pois traduzem-se numa mera relação de facto;
  16. Perante o exposto, não pode proceder o entendimento de que as taxas interbancárias cobradas pela utilização de ATM's correspondem a comissões pela prestação de um serviço, pois não há sequer qualquer vínculo jurídico que ligue uma entidade bancária a outra entidade bancária e, consequentemente, não há um facto, acto, situação ou outro evento jurídico susceptível de recair na incidência do imposto do selo (artigo 1.º, n.º 1, do Código do IS);
  17. Caso não se entenda, então sempre terá a norma constante da verba 17.3.4. da TGIS de ser considerada materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), quando interpretada no sentido de que aquela inclui no seu escopo a TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM's, que não se reconduzem verdadeiramente um consumo ou despesa ou outra forma de verdadeiramente um consumo ou despesa ou outra manifestação de capacidade contributiva;
  18. Na eventualidade de se considerar que a TMI e as comissões interbancárias nas CA estão sujeitas a IS, sempre seriam parcialmente ilegais as liquidações de imposto sobre TMI e comissões interbancárias de valor inferior a € 0,125;
  19. Até ao montante de € 0,1249 o Requerente não está sujeito a IS na medida em que, por força do arredondamento aplicável, o resultado seria zero;
  20. Em sede de RIT, a AT considerou que o Requerente não demonstrou que a cobrança das comissões de valor inferior a € 0,125 ocorreram operação a operação, contudo, a AT também refere que o Requerente entregou diversos ficheiros dos quais resultam em detalhe os valores de compras no montante de € 1.113.429,46 e pagamentos de serviços € 28.427,40 realizados através de TPA e caixa automática inferiores a € 0,125, pelo que se conclui que foi feita essa prova;
  21. A AT afirma a ausência de qualquer suporte normativo para a regra do arredondamento, contudo, o Direito não tem de regular tudo, designadamente regras matemáticas;
  22. Acresce que a Circular n.º 65-A/49, de 1 de Janeiro, da Direcção-Geral da Contabilidade Pública-Secretário de Estado do Orçamento, define as regras relativas aos arredondamentos de receitas e despesas, nos termos da qual estabelece que “O arredondamento no imposto do selo faz-se para a dezena de centavos imediatamente superior, não se considerando, porém, os décimos de milavos.”;
  23. Uma vez que a moeda legal em curso (o Euro) só pode ser arredondada com duas casas decimais (uma vez que está dividida em 100 subunidades designadas cêntimos), se o algarismo que se encontra na terceira casa decimal é menor que 5, o algarismo que se encontra na segunda casa decimal não se altera;
  24. Desta forma, se estivermos perante uma TMI de € 0,1249, a que se aplicaria o IS 4%, teríamos € 0,004996, o que arredondado a duas casas decimais implica um resultado de zero;
  25. A incidência ao IS não se encontra dependente da forma de cobrança ou pagamento das realidades em causa, pelo que o cálculo do IS tem de ser feito sobre cada transacção de forma isolada ou individual e não sobre um “bundle” ou agregado de transacções;
  26. O que está sujeito a tributação é somente cada operação, i.e., cada comissão, pelo que a cobrança releva única e somente para aferir o quando se tem por verificado o facto tributário, e não o quid;
  27. Assim, uma vez que foram cobradas TMI de valor unitário inferior a € 0,125, relativas à utilização dos serviços de pagamento através dos TPA – compras no montante total de € 1.113.429,46, conforme resulta dos ficheiros entregues aos SIT, impõe-se uma redução da correcção em causa no montante € 44.537,18;
  28. Identicamente, uma vez que foram cobradas TMI de valor unitário inferior a € 0,125, relativas à utilização dos serviços de pagamento através dos TPA – Pagamento de Serviços no montante total de € 28.427,40 conforme resulta dos ficheiros entregues aos IST, impõe-se uma redução da correcção em causa no montante e € 1.137,10;
  29. Perante o exposto, as liquidações do IS devem ser parcialmente anuladas, o mesmo se impondo quanto às correspondentes liquidações de juros compensatórios, nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da LGT;
  30.  Impõe-se ainda o cancelamento da garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal e o reembolso ao Requerente dos montantes incorridos pela sua prestação e manutenção, nos termos do artigo 53.º da LGT.

 

            5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 17 de Agosto de 2022, sendo que naquela mesma data foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.

 

            6. Em 30 de Setembro de 2022 a Requerida apresentou a sua resposta. Não obstante, o documento junto aos autos tinha por referência um outro processo arbitral, razão pela qual se procedeu ao consequente desentranhamento. Assim, em 3 de Outubro de 2022 foi proferido despacho arbitral a determinar a notificação da Requerida para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentar a resposta correcta e remeter cópia do processo administrativo, em correcto e integral cumprimento do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º, do RJAT.

 

            7. Em 7 de Outubro de 2022, a Requerida apresentou a sua resposta e juntou aos autos o processo administrativo (“PA”), tendo concluído pela improcedência do pedido arbitral e pela sua absolvição de todos os pedidos, com base nos seguintes argumentos:

  1. No RIT a AT não considerou que as operações em causa estavam sujeitas a IS apenas por não serem tributadas em sede de IVA, mas antes porque quer a TMI quer as comissões bancárias se qualificam como “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”, sendo enquadráveis na verba 17.3.4 da TGIS;
  2. Do texto da lei resulta com clareza que a base tributável do imposto é o montante das comissões ou contraprestações cobradas pelas entidades financeiras pela sua prestação de serviços financeiros e não qualquer compensação líquida das comissões recebidas;
  3. Assim, as taxas cobradas por operações em TPA, sendo necessariamente “operações de pagamento baseadas em cartões”, ficam expressa e claramente sujeitas à verba 17.3.4. da TGIS;
  4. Após a intervenção legislativa de 2016, dúvidas também não restam sobre a sua sujeição a IS das taxas incidentes sobre operações de pagamento realizadas em caixas multibanco (ATM);
  5. Conclui-se, assim, pela legalidade da liquidação contestada, emergente da correcção relativa a comissões TMI e comissões interbancárias cobradas pela utilização de TPA e ATM em operações com cartões bancários;
  6. No caso concreto das TMI e das comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM's, sujeitas à verba 17.3.4 da TGIS, verifica-se que o “banco” que as cobra é o credor de uma determinada quantia, aumentando, assim, o seu rendimento e situação patrimonial;
  7. Este “incremento” na esfera do Requerente é demonstrativo da sua capacidade contributiva, pelo que não se vislumbra como é que a aplicação de um imposto sobre esta realidade, a uma taxa de 4%, viola o princípio da capacidade contributiva;
  8. Acresce que não há qualquer indício de que o montante dessas comissões seja estritamente limitado aos custos suportados para realizar as operações;
  9. Termos em que não se demonstra violação dos princípios da igualdade e da tributação com base na capacidade contributiva;
  10. Também não tem razão o Requerente quando afirma que a incidência a IS não se encontra dependente da forma de cobrança ou pagamento (isolada ou agregada) das realidades em causa;
  11. Com efeito, pese embora o facto tributário sejam efectivamente as comissões e outras contraprestações, a obrigação de imposto só surge no momento da sua cobrança, conforme resulta da conjugação da parte final da verba 17.3.4 da TGIS com a alínea h) do n.º 1 do artigo 5.º do CIS;
  12. Se a cobrança da comissão devida ao banco pelas transacções efectuadas durante dia só ocorre no final desse dia (ou de outro dia) é sobre esse montante que incide o IS e não sobre qualquer outro;
  13. Do RIT retira-se com clareza que a cobrança das comissões pelos serviços financeiros prestados aos seus clientes acontecia no final de cada dia – momento gerador da obrigação de imposto –, e não operação a operação;
  14. Por outro lado, a referência à regra 6.ª da Circular n.º 65-A/49, de 1 de Janeiro, da Direcção-Geral da Contabilidade Pública-Secretário de Estado do Orçamento, é inaplicável ao caso sub judice, porquanto o que aquela trata é do modo como devem ser feitos os arredondamentos no registo contabilístico das receitas e despesas do Estado;
  15. Nestes termos, inexiste qualquer ilegalidade que obrigue à anulação parcial da liquidação contestada;
  16. Consequentemente, inexiste também qualquer ilegalidade dos actos de liquidação de juros compensatórios impugnados.

 

            8. Por despacho proferido em 10 de Outubro de 2022, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais, previstos nos artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT. Foi ainda facultada às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas, por prazo simultâneo de 15 dias, direito que apenas foi exercido pelo Requerente, mediante requerimento apresentado em 28 de Outubro de 2022, onde reiterou os argumentos anteriormente expressos na resposta ao pedido arbitral.

 

II. SANEAMENTO

 

            9. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades, nem existem excepções ou outras questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

III. DO MÉRITO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

 

            10. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  1. O Requerente é uma instituição de crédito que se dedica à actividade de comércio bancário;
  2. O Requerente está integrado no grupo dos contribuintes de elevada relevância económica e fiscal, nos termos previstos no artigo 68.º-B da LGT, cujo acompanhamento permanente e gestão tributária competem à Unidade dos Grandes Contribuintes, de acordo com o disposto no Anexo I do Despacho da Directora‑geral da AT n.º 977/2019, de 28/1, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 19, Parte C, de 28/172019;
  3. No exercício da sua actividade o Requerente recebeu, em 2018, dos bancos emissores dos cartões de crédito e débito utilizados em serviços financeiros executados através de TPA, Caixas Automáticas ou ATM’s o montante global de € 25.126.875,21, dos quais € 7.948.956,85 se referiam a taxas multilaterais de intercâmbio e € 17.177.818,36 a comissões interbancárias respeitantes a serviços executados através de ATMs;
  4. O Requerente não liquidou Imposto do Selo sobre o referido montante de € 25.126.875,21 por entender não ser aplicável a verba 17.3.4. da TGIS;
  5. O Requerente foi objecto de uma acção de inspecção externa, de âmbito geral, ao exercício de 2018, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2020..., de 31 de Dezembro de 2020;
  6. O Requerente foi notificado, através do Ofício n.º..., de 25 de Novembro de 2021, para exercer o direito de audição relativamente ao projecto de Relatório de Inspecção Tributária, elaborado pela Divisão de Inspecção a Bancos e Outras Instituições Financeiras da Unidade dos Grandes Contribuintes da Administração Tributária;
  7. O Requerente foi notificado do relatório final de inspecção tributária, no qual foram propostas as seguintes correcções em sede de IS:

Ponto

Descrição da Correcção

Montante (€)

III.

2.1.

RETENÇÕES NA FONTE – IS

 

III.

2.1.1.

Taxa de Serviço do Comerciante (n.º 1 do art.1.º do CIS - verba 17.3.4 da TGIS)

303.719,36

III.

2.1.2.

Taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM's (n.º 1 do art. 1.º, n.º 1 do art. 9.º e n.º 1 do art. 22.º, todos do CIS e verba 17.3.4 da TGIS)

1.005.075,0

 

 

IS - Total de Imposto em Falta

1.308.794,36

         

 

  1. Na sequência das referidas correcções, o Requerente foi notificado do acto de liquidação de IS n.º 2022..., no montante de € 1.308.794,36, dos actos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2022... a 2022..., no montante de € 179.818,64, e da demonstração de liquidação de IS n.º 2022..., que foi apurado um montante total a pagar de € 1.488.613,00;
  2. Em 23 de Março de 2022, o Requerente prestou a garantia bancária n.º GAR/..., no montante de € 1.884.691,59, para suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2022...;
  3. Em 7 de Junho de 2022, o Requerente apresentou o presente pedido de constituição de Tribunal Arbitral, no qual apenas contestou a correcção referente à TMI e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM's, identificada no ponto III 2.1.2 do RIT.

 

III.1.2. Factos não provados

 

            11. Com relevo para a decisão da causa, não se considera provada a existência de compras e pagamentos de serviços realizados através de TPA e de ATM's, que resultaram em comissões interbancárias de valor unitário inferior a € 0,125.

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

12. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

13. Neste sentido, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função das posições assumidas pelas partes e tendo em conta a sua relevância jurídica determinada com base nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

14. A matéria de facto dada como provada e como não provada foi fixada por este Tribunal Arbitral com base na fundamentação e nos elementos de prova que constam do RIT, bem como nas posições que as partes expressaram nos articulados que apresentaram.

 

15. No que em concreto respeita à matéria de facto dada como não provada, entende este Tribunal Arbitral que os elementos de prova que o Requerente juntou no âmbito do procedimento de inspecção tributária para sustentar o requerimento de redução da base tributável de IS, associada a TMI’s e comissões interbancárias cobradas pela utilização de TPA’s e ATM’s, não permitem certificar que o valor unitário das comissões em causa é igual ou inferior a € 0,125.

 

16. Conforme evidenciaram os SIT, os elementos de prova disponibilizados pelo Requerente têm como suporte documental os ficheiros electrónicos de fecho do dia produzidos pela SIBS, sendo a TMI e as comissões interbancárias cobradas sobre a totalidade das transacções do dia (ou dias) e não sobre cada transacção em si considerada. Portanto, o Requerente não juntou naquela sede, nem tampouco o fez no âmbito do presente processo arbitral, facturas ou documentos equivalentes que permitam comprovar a cobrança individualizada, operação a operação, das referidas comissões. Isto sem contar que a inexistência de elementos documentais individualizados não permite aferir se os valores a que o Requerente alude foram obtidos ou não, por arredondamento, por defeito ou por excesso.

 

17. Por estes motivos, foi o referido facto dado como não provado.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

III.2.1. Ordem do conhecimento dos vícios

 

            18. Antes de se proceder à apreciação do mérito da causa, cumpre fixar a ordem de conhecimento dos vícios tendo para o efeito em conta o disposto no artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT. Uma vez que não foram invocados vícios conducentes à declaração de inexistência ou nulidade dos actos de liquidação impugnados, a apreciação dos vícios invocados pelo Requerente deverá seguir a relação de subsidiariedade por este estabelecida no pedido arbitral que apresentou. Neste sentido, será apreciado, em primeiro lugar, o alegado vício de violação de lei por errónea interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 1.º do Código do IS e da verba 17.3.4. da TGIS, em segundo lugar, será apreciado o alegado vício de inconstitucionalidade da verba 17.3.4. da TGIS por violação do princípio da capacidade contributiva, em terceiro lugar, será apreciada a invocada ilegalidade parcial da liquidação de IS sobre TMI e comissões interbancárias de valor inferior a € 0,125 e, por fim, será apreciada a invocada ilegalidade dos actos de liquidação de juros compensatórios.

 

III.2.2. Taxa Multilateral de Intercâmbio e Comissões Interbancárias cobradas pela utilização de TPA’s e ATM’s

 

            19. Quando a este ponto cumpre aferir se as TMI’s e as comissões interbancárias cobradas pelo Requerente em virtude da utilização de TPA’s e ATM’s estavam ou não sujeitas a Imposto do Selo, tendo em conta o disposto no n.º 2 do artigo 1.º do Código do IS e da verba 17.3.4. da TGIS.

 

            20. Nesta análise haverá desde logo que ter presente que não assiste razão ao Requerente quando invoca que os SIT entenderam que as operações aqui em causa estavam sujeitas a Imposto do Selo apenas e simplesmente pelo facto de não serem sujeitas a IVA. De facto, o teor do RIT demonstra com clareza que a AT, para além de alegar que as operações não estavam sujeitas a tributação em sede de IVA (delimitação negativa de incidência prevista no artigo 2.º, n.º 1 do Código do IS), procurou simultaneamente fundamentar que se encontravam preenchidas as demais normas de incidência a imposto (artigos 1.º e 2.º do Código do IS), enquadrando a final as operações em causa na verba 17.3.4. da TGIS.

 

            21. Por conseguinte, não se verifica o erro de interpretação que o Requerente invoca a respeito do n.º 2, do artigo 1.º do Código do IS, cabendo assim aferir se as TMI’s e as comissões interbancárias cobradas pelo Requerente se enquadram ou não na verba 17.3.4. da TGIS.

 

            22. Enquanto ponto de partida, cumpre fixar a base legal vigente à data dos factos tributários aqui em causa. Ao que aqui importa, dispunha-se o seguinte no Código do IS:

Artigo 1.º

Incidência objectiva

1 – O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

 

Artigo 2.º

Incidência subjectiva

1 – São sujeitos passivos do imposto:

(…) c) Instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas residentes em território nacional, que tenham intermediado operações de crédito, de prestação de garantias ou juros, comissões e outras contraprestações devidos por residentes no mesmo território a instituições de crédito ou sociedades financeiras não residentes;”

 

Artigo 3.º

Encargo do imposto

1 – O imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1.º

(…) 3 – Para efeitos do n.º 1, considera-se titular do interesse económico:

(…) h) Nas operações de pagamento baseadas em cartões, previstas na verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo, as instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras a quem aquelas forem devidas;

 

TABELA GERAL DO IMPOSTO DO SELO

17 Operações financeiras:

(…) 17.3 Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado:

(…) 17.3.4 Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões……………………………………..4%”.

 

            23. Tendo presente este enquadramento legislativo, e partindo do pressuposto que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil), verifica-se que à data dos factos as TMI’s e as comissões interbancárias cobradas pelo Requerente no âmbito da utilização de TPA’s e ATM’s estavam sujeitas a IS por se subsumirem à verba 17.3.4. da TGIS.

 

            24. Apesar de o Requerente afirmar que nas operações de utilização de TPA’s e ATM’s não realiza qualquer prestação de serviços de pagamento e que apenas estabelece uma relação de mandato com o banco adquirente, a verdade é que no âmbito daquelas operações o Requerente recebe comissões e contraprestações pelos serviços financeiros que presta, sendo inquestionável que aquelas são operações relacionadas com pagamentos baseados em cartões.

 

            25. De resto, é este o entendimento que tem sido seguido pela jurisprudência arbitral que já se pronunciou a este respeito e que deverá aqui ser tido em consideração por força do disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil segundo o qual “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.

 

            26. Entre tantos outros processo (v.g. processos arbitrais n.ºs 496/2017-T, 103/2018-T, 431/2018-T, 171/2019-T, 238/2019-T, 100/2020-T, 127/2020-T, 433/2020-T, 763/2020-T), veja-se, a título exemplificativo, as considerações feitas a este respeito no acórdão arbitral proferido em 5 de Setembro de 2022, no âmbito do processo n.º 516/2021-T:

 

            “Em relação ao enquadramento da TMI e das comissões cobradas pela utilização de ATM’s na verba 17.3.4 da TGIS, o Requerente defende a exclusão destas por entender que não constituem a contraprestação de serviços financeiros, antes, a mera repartição ou partilha de custos suportados pelas diversas instituições envolvidas nas operações.

            Em ambos os casos é consensual que estamos perante taxas e comissões interbancárias – i.e., contraprestações cobradas entre instituições de crédito – relativas a operações realizadas com cartões bancários:

            Quer em terminais de pagamento automático (TPA’s), nomeadamente no âmbito de aquisição de bens e serviços em estabelecimentos comerciais [TMI];

            Quer através da utilização de Caixas Automáticos (ATM ou multibanco), designadamente para realização de pagamentos [comissões por utilização de ATM’s].

            O regime de pagamentos aplicável encontra-se descrito no Caderno 10 do Banco de Portugal (BdP) disponível em linha: https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/pdf-boletim/10_terminais_de_pagamento_e_caixas_automaticos.pdf.

            No caso de pagamento em TPA’s[4], que dão origem às TMI, o titular do cartão dá uma ordem de pagamento relativa a uma compra ao comerciante, através da utilização do seu cartão no TPA. A informação é transmitida pelo Banco do comerciante que forneceu o TPA, designado por adquirente (acquirer)[5], ao Banco emissor do cartão, que autoriza o pagamento e fornece uma “garantia” de pagamento. O Banco adquirente paga ao comerciante, deduzindo (cobrando-lhe) uma comissão (a taxa de serviço do comerciante ou TSC). O Banco emissor do cartão, por sua vez, cobra ao cliente titular do cartão o valor da transação, reembolsa o Banco adquirente e cobrando a este último TMI.

            Em relação às comissões por utilização de ATM, interessa compulsar o Caderno 10 do BdP que configura o Caixa Automático como “um terminal de uma rede do sistema bancário que permite ao cliente efetuar diversos tipos de operações em regime de autosserviço, sem necessidade de recorrer aos balcões das agências bancárias. Os Caixas Automáticos permitem que operações correntes, como levantamentos, consultas, pagamentos e depósitos, ou outras operações normalmente realizadas junto do caixa da instituição, possam ser realizadas pelos clientes, mesmo que a instituição não esteja aberta.”[6]

            Neste âmbito, quando são efetuados pagamentos através de ATM/Caixa Automático o Banco detentor do ATM cobra ao Banco emitente do cartão bancário uma comissão pelo serviço prestado.

            Com a alteração introduzida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março[7], a verba 17.3.4 da TGIS passou a enquadrar no âmbito de incidência do Imposto do Selo não apenas as comissões cobradas aos clientes das instituições, mas também as comissões e contraprestações interbancárias (v. resumo histórico na decisão arbitral do processo n.º 736/2020-T, ponto 3.2), apresentando à data dos factos a seguinte redação:

            “17.3 Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado:

[…]

            17.3.4 Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões 4%”

            O Requerente argumenta que não liquidou Imposto do Selo sobre as TMI e sobre as comissões interbancárias pela utilização de Caixas Automáticos em operações efetuadas com cartões bancários cobradas a outros Bancos por entender que aquelas não representam a remuneração de serviços financeiros, correspondendo apenas à redistribuição dos custos incorridos entre as diversas entidades bancárias intervenientes, pelo que sem cabimento na mencionada verba 17.3.4 da TGIS.

            Alega o Requerente que os serviços de pagamentos eletrónicos realizados com cartões bancários funcionam com o apoio de diversas empresas que operam o sistema de pagamentos e se situam a montante dos bancos, indicando nomeadamente a SIBS e as entidades que possuem a tecnologia e as marcas dos cartões, que cobram comissões aos Bancos. Assim, na construção do Requerente, a justificação da TMI e da comissão por utilização de ATM’s reside na partilha desses custos e reequilíbrio financeiro das posições dos bancos intervenientes, entre os quais não existe um específico vínculo jurídico e que se limitam a concertar a sua atividade para disponibilizarem aqueles meios aos seus clientes. Salienta, ainda, que, no caso dos ATM’s existe uma “mera relação de facto” entre os bancos que decorre de uma “convenção interbancária de colaboração recíproca” e, uma vez mais, que a comissão cobrada visa apenas repartir custos associados à tecnologia utilizada para por à disposição dos clientes as operações automatizadas.

            Porém, o facto de os Bancos incorrerem, a montante, em custos, tais como os inerentes aos serviços de plataformas tecnológicas e às marcas dos cartões bancários, não afasta, nem é incompatível, com a prestação de serviços financeiros que, pelo contrário, em regra postula existirem diversos encargos incorridos para a sua realização. Por outro lado, conforme assinalado na decisão do processo arbitral n.º 433/2020-T, não há qualquer indício de que o montante de TMI e de comissões cobrados seja estritamente limitado aos custos suportados para realizar as operações.

            Nem se afigura válida a asserção de que inexiste vínculo jurídico entre os bancos intervenientes, que é contrariada pela existência da relação de mandato e pela “convenção interbancária de colaboração recíproca” a que o Requerente faz apelo na caracterização das operações.

            Atenta a redação da verba 17.3.4, a sujeição a Imposto do Selo depende da circunstância de serem cobradas “comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões” e, na situação vertente, constata-se a cobrança efetiva de taxas [TMI] e comissões [pela utilização de ATM’s] decorrentes de operações de pagamento com cartões (v. a título ilustrativo, no mesmo sentido, as decisões arbitrais n.ºs 433/2020-T e 763/2020-T).

            Pelo exposto, não pode deixar de concluir-se que, quer a TMI, quer as comissões de utilização de ATM’s estão sujeitas a Imposto do Selo, nos termos da verba 17.3.4 da TGIS, na redação dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março[8], encontrando-se preenchidos os pressupostos da tributação, de natureza objetiva e subjetiva, tendo em consideração que o Requerente é, como antes referido, uma instituição de crédito e que estas comissões são isentas de IVA (artigo 9.º, 27), alínea c) do Código do IVA), não beneficiando de qualquer norma de isenção de Imposto do Selo.”

 

            27. Para além destas considerações, às quais se adere, cumpre sublinhar que inexiste fundamento legal para aplicar a taxa de IS prevista na verba 17.3.4. da TGIS sobre o montante “líquido” das comissões e contraprestações cobradas. Montante “líquido” esse que, em qualquer caso, não foi sequer evidenciado e demonstrado pelo Requerente.

 

            28. Neste preciso sentido, referiu-se no já citado acórdão arbitral n.º 516/2021-T que:

“[s]obre o valor que constitui a base de incidência de Imposto do Selo, retira-se do disposto na verba 17.3 da TGIS que o mesmo corresponde ao valor cobrado das comissões e contraprestações e não a um valor “líquido” compensado de comissões e contraprestações pagas. Assim, em linha com o decidido nas ações arbitrais n.ºs 433/2020-T e 763/2020-T, inexiste suporte textual para aplicar a taxa de imposto [4%] apenas à compensação líquida que o Requerente aufere com as comissões recebidas “depois de saldados os diversos feixes de taxa multilateral de intercâmbio entre os diversos bancos”.

            Acresce salientar que, contrariamente ao que sustenta a Requerente, não se retira do Regulamento (UE) 2015/751 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2015, relativo às taxas de intercâmbio aplicáveis a operações de pagamento baseadas em cartões, que a compensação a considerar deva ser, para efeitos de Imposto do Selo, líquida. O artigo 2.º, ponto 10) deste diploma delimita a “taxa de intercâmbio”, como a taxa paga, “direta ou indiretamente (ou seja, através de terceiros), por cada operação realizada entre o emitente e o adquirente das operações de pagamento baseadas em cartões”, referindo de forma expressa que “[a] compensação líquida[9] ou qualquer outra remuneração acordada faz parte da taxa de intercâmbio”. (sublinhado nosso) Assim, a contraprestação acordada integra a TMI, devendo ser nesse sentido, sujeita a tributação integral.

 

            29. Perante o exposto, julga-se improcedente o vício invocado pelo Requerente a este respeito, já que as comissões aqui em análise estavam efectivamente sujeitas a IS tal qual fundamentado pela AT no RIT.

 

III.2.3. Inconstitucionalidade da verba 17.3.4. da TGIS por violação do Princípio da Capacidade Contributiva

 

            30. A este respeito cabe aferir se a sujeição à verba 17.3.4. da TGIS das TMI’s e das comissões interbancárias cobradas pela utilização de TPA’s e ATM’s traduz ou não a cobrança de um imposto que viola o princípio da capacidade contributiva. De acordo com o Requerente, a inconstitucionalidade resultante da violação daquele princípio deve-se ao facto de o imposto incidir sobre uma realidade sem substância económica, porquanto não incidente sobre um rendimento, despesa ou consumo.

 

            31. Ora, esta questão também já foi objecto de extensa e desenvolvida apreciação pela jurisprudência dos tribunais arbitrais e do Supremo Tribunal Administrativo, que por razões de segurança jurídica haverá aqui que considerar.

 

            32. Na jurisprudência dos tribunais arbitrais, referiu-se no acórdão proferido em 13 de Janeiro de 2021, no âmbito do processo n.º 433/2020-T, o seguinte:

            “(…) o Imposto do Selo não tem uma estrutura coerente, inserindo-se no seu âmbito de incidência situações de natureza completamente distinta, que inviabilizam que seja qualificado como imposto sobre o consumo, como pretende o Requerente.

            Com efeito, a norma geral de incidência estabelece que «o imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens» (n.º 1 do artigo 1.º do CIS), e as situações incluídas na Tabela Geral do Imposto do Selo nem se limitam sequer a situações desses tipos, como sucede, por exemplo, com a mera detenção de património (verbas 28. e 29., vigentes em 2016, relativas à detenção de património imobiliário e mobiliário).

Incluindo tributação de realidades manifestamente heterogéneas, o Imposto do Selo tem sido generalizadamente qualificado como um imposto de natureza residual, que inclui todas as situações reveladoras de capacidade contributiva que legislativamente se pretendem tributar que não são, como tal, incluídas no âmbito de incidência de outros impostos. Isto é, «através do imposto do selo, propriamente dito, visa-se tributar circulações de riqueza, de bens, de valores; sobretudo quando tais valores, ou bens, não tenham podido ser tributados por outra via». (6) (7)

            Por isso, não valem em relação ao Imposto do Selo preocupações de coerência sistemática a que alude o Requerente, designadamente derivadas do facto de a tributação destas comissões não ser tributação do consumo, pois o âmbito de incidência objectiva do Imposto do Selo não se restringe a este tipo de tributação.

            Por outro lado, como se disse, embora o Imposto do Selo seja utilizado «sobretudo» para tributar valores ou bens que não tenham podido ser tributados por outra via, não há qualquer obstáculo constitucional a que seja utilizado para tributar factos que podiam ser tributados por outras vias.

            No que concerne ao princípio da tributação tendo em atenção a capacidade contributiva, que é afloramento do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), afigura-se que não é violado pela tributação das referidas comissões, pois elas revelam que quem as aufere dispõe de uma capacidade contributiva superior a quem não as recebe.

            Por outro lado, não há qualquer indício de que o montante dessas comissões seja estritamente limitado aos custos suportados para realizar as operações.

            Neste contexto, não se demonstra violação dos princípios da igualdade e da tributação com base na capacidade contributiva.

            No que concerne ao artigo 104.º da CRP, afigura-se que não se coloca a questão da violação dos seus n.ºs 3 e 4, pois reportam-se à tributação do património e do consumo.

            No caso destas comissões, incidindo o Imposto do Selo sobre os proventos que advêm da realização de operações com cartões, está-se perante uma forma especial de tributação de rendimento, como afirma o Requerente. Esta tributação não é incompaginável com o n.º 2 do artigo 104.º da CRP, pois estabelece que «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real», não proibindo outras formas de tributação do rendimento, não baseadas no lucro tributável, inclusivamente com natureza de impostos de sobreposição. (8)”.

 

            33. Ainda que em relação à Taxa de Serviço de Comerciante, mas cujas considerações são aqui aplicáveis mutatis mutandis, veja-se o que referiu o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão proferido em 4 de Maio de 2022, no âmbito do processo n.º 01711/15.1BEPRT:

            “O Imposto do Selo foi introduzido no sistema tributário português moderno pelo dec.lei 12700, de 20/11/1926, o qual aprovou o respectivo Regulamento, sendo a Tabela Geral do Imposto de Selo aprovada pelo decreto 21916, de 28/11/1932, ambos os diplomas tendo sofrido muitas alterações posteriores. Este tributo podia definir-se como um imposto que incide sobre a formalização de actos jurídicos ou sobre outras situações tributárias, qualquer que seja a forma do respectivo pagamento. Sendo, em regra, um imposto indirecto incidente sobre documentos e actos documentados, podia configurar-se, em certos casos, como verdadeiro imposto sobre a despesa, sobre o consumo, ou até como taxa. O Prof. Teixeira Ribeiro defendia que este imposto constituía uma amálgama de tributação directa e indirecta. O mesmo incidia, nos termos do artº.1, do respectivo Regulamento, sobre todos os documentos, livros, papéis, actos e produtos especificados na Tabela Geral do Imposto de Selo. Por último, refira-se que em muitos casos, o imposto de selo se configurava, conforme mencionado, como uma verdadeira taxa, como era o caso do selo devido pela emissão de certidões ou pela prática de actos notariais e registrais (cfr.Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.272 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.Edição, Livraria Almedina, 1996, pág.595 e seg.).

            Com a Lei 150/99, de 11/09, o Imposto de Selo mudou a sua natureza essencial de imposto sobre os documentos, passando a afirmar-se como um verdadeiro tributo incidente sobre operações que, independentemente da forma da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza. Nalguns casos incide sobre a despesa, noutros sobre o rendimento, e noutros ainda sobre o património, situação que, inevitavelmente, introduz um elemento perturbador da coerência do imposto e, por isso, um desafio acrescido para o intérprete. Na sua actual modelação, o imposto de selo configura-se como meio de atingir manifestações de capacidade contributiva não abarcadas pelas regras de incidência de quaisquer outros tributos, assim tendendo a assumir uma função residual (cfr.José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª. Edição, Almedina, 2016, pág.447 e seg.; António Santos Rocha e Outro, Tributação do Património, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.615 e seg.; J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, Os Impostos sobre o Património Imobiliário, O Imposto do Selo, Anotados e Comentados, 1ª. Edição, Engifisco, 2005, pág.534).

Na vertente de imposto incidente sobre a despesa, as operações financeiras e de garantia constituem uma das áreas mais importantes em sede de regime do Imposto de Selo, desde logo, pela complexidade técnica que apresentam (cfr.Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins, Imposto do Selo, Operações Financeiras e de Garantia, Almedina, 2020, pág.13).”.

 

            34. Uma vez que a reprodução dos argumentos acabados de citar traduziria um acto inútil para o processo e nessa medida proibido (artigo 130.º do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), adere o presente Tribunal Arbitral aos argumentos constantes daqueles acórdãos, julgando-se consequentemente improcedente o vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da capacidade contributiva invocado pelo Requerente no pedido arbitral.

 

III.2.4. Taxa Multilateral de Intercâmbio e Comissões Interbancárias de valor inferior a € 0,125

 

            35. Por fim, e para o caso da improcedência dos vícios anteriores, alegou o Requerente que os actos de liquidação de IS seriam parcialmente ilegais, já que as comissões de valor unitário igual ou inferior a € 0,1249, por força do arredondamento aplicável, dariam um resultado aritmético correspondente a zero e, nessa medida, sem imposto a pagar.

 

            36. A este respeito, cumpre começar por referir que, do ponto de vista estritamente jurídico, não existe base legal que fundamente o arredondamento nos termos propugnados pelo Requerente. De facto, e conforme se referiu no acórdão arbitral proferido em 24 de Janeiro de 2019, no âmbito do processo n.º 431/2018-T:

            “(...) A Requerente não invoca qualquer suporte normativo para o arredondamento que refere, nem está previsto qualquer arredondamento em sede de liquidação de imposto do selo.

            O arredondamento previsto no Decreto-Lei n.º 138/98, de 16 de maio, a que alude a Requerente nas alegações, para além de estar previsto no âmbito da transição do Escudo para Euro, tem lugar quando tem de ser efetuado o pagamento de uma quantia e não quando tem de ser liquidado um valor correspondente a uma globalidade de atos.”

 

            37. Acresce que, conforme referiu a Requerida, “a referência à regra 6.ª da Circular n.º 65-A/49, de 1 de janeiro, da Direção-Geral da Contabilidade Pública-Secretário de Estado do Orçamento, é inaplicável ao caso sub judice, porquanto o que aquela trata é do modo como devem ser feitos os arredondamentos no registo contabilístico das receitas e despesas do Estado.”

 

            38. Não obstante, a verdade é que a regra de arredondamento a que alude o Requerente resulta da mera aplicabilidade das leis matemáticas sobre a moeda com curso legal em Portugal. De facto, ao estar o Euro restrito nas suas subunidades ao cêntimo, cujo limite é a segunda casa decimal, a aplicação de uma taxa de 4% a comissões de valor igual (e consequentemente de valor inferior) a € 0,1249 tem um resultado aritmético correspondente a zero, conforme demonstra o seguinte exemplo com arredondamento à segunda casa decimal: € 0,1249 x 4% = € 0,004996 = € 0,00.

 

            39. Sem prejuízo, conforme resulta da matéria de facto acima fixada, não resultou provado nos presentes autos a cobrança de comissões de valor unitário inferior a € 0,125, razão pela qual improcede o vício alegado a este respeito pelo Requerente.

 

III.2.5. Juros compensatórios

 

            40. Quanto a este ponto invocou o Requerente que a AT não demonstrou os pressupostos previsto no artigo 35.º, n.º 1 da LGT de que dependia a liquidação de juros compensatórios, tendo-se antes limitado a exigir, de forma automática, o indicado valor.

 

            41. No RIT, consta o seguinte a respeito dos juros compensatórios: “[c]omo resultado das correções constantes no ponto III e, conforme demonstrado, tendo sido, por razões imputáveis ao contribuinte, retardada a liquidação do imposto, verifica-se que, ao abrigo do disposto no art.º 35.º da Lei Geral Tributária, art.º 102.º do CIRC, art.º 40.º do CIS, 91.º do CIRS, conjugado com o preceituado nos art.os 559.º e 562.º a 564.º, todos do Código Civil, se mostra devida, a título de juros compensatórios, a quantia correspondente à aplicação da taxa consignada na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, ao montante de imposto em falta.”.

 

            42. Já nos actos de liquidação de juros compensatórios consta expressamente o período de tributação a que respeitam, o período de cálculo, o valor base, a taxa aplicada e o valor devido, a que acresce a menção expressa aos artigos 35.º da LGT e 40.º do Código do IS.

 

            43. Acresce que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem considerado que o dever de fundamentação da AT relativo aos juros compensatórios se encontra cumprido nos casos em que a conduta do sujeito passivo configure um ilícito de natureza contra‑ordenacional.

 

            44. Neste sentido, referiu aquele Tribunal no acórdão proferido em 23 de Abril de 2013, no âmbito do processo n.º 01195/12, que “quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo». Isto, não propriamente porque a culpa se presuma, mas por ser «algo que em regra ou prima-facie, se liga ao carácter ilícito -típico do facto respectivo». Por isso, no plano da prática, demonstrado o enquadramento de uma conduta na previsão legal de um ilícito-típico, perguntar pela culpa «é no fundo perguntar se a culpa se encontra ou não em concreto excluída”.

 

            45. Ora, no RIT também se encontra evidenciado que a conduta do Requerente relativa à falta de entrega dos actos de liquidação do IS que eram devidos, configura um ilícito de natureza contra-ordenacional. Com efeito, consta do RIT o seguinte:

VII. Infrações verificadas

VII.1 - Infrações decorrentes das situações descritas no ponto III deste documento

Verificaram-se as infrações previstas e punidas nos termos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), da seguinte forma:

(…) Os factos descritos no ponto III.2 pelo art.º 114.º do RGIT”.

 

            46. Em face do exposto, tendo presente a articulação do RIT – onde se fundamenta o direito a juros compensatórios e onde se evidencia que a conduta do Requerente configura um ilícito contra-ordenacional – com os elementos constantes dos actos de liquidação de juros compensatórios, conclui-se a AT cumpriu com o dever de fundamentação que lhe era exigido, julgando-se improcedentes os vícios invocados a este respeito.

 

III.2.6. Indemnização por garantia indevida

 

            47. De acordo o disposto no artigo 53.º da LGT, a indemnização por prestação de garantia indevida dependente da procedência da ilegalidade dos actos de liquidação contestados, o que não sucede nos presentes autos. Por conseguinte, improcede também o pedido formulado a este respeito.

 

IV. DECISÃO

 

            Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente e, em consequência, absolver a Requerida do pedido.

 

V. VALOR DO PROCESSO

           

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 1.143.164,85.

 

VI. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 15.606,00, a suportar pelo Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 17 de Fevereiro de 2023

 

A Árbitra Presidente,

 

 

Carla Castelo Trindade

(Relatora)

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

 

António de Barros Lima Guerreiro

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

 

 

Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho