Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 355/2022-T
Data da decisão: 2023-02-16  IRS  
Valor do pedido: € 5.749,35
Tema: IRS – Código “1519 Outros prestadores de serviços” – Coeficiente de Tributação.
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SUMÁRIO:

 

I – A prestação de serviços de assessoria, com funções de apoio técnico, informação, acompanhamento e promoção de atividades, incluindo a implementação de projetos e concretização de políticas, no âmbito da normal atividade autárquica, com caráter regular e materialmente pouco delimitado, com disponibilidade permanente e sujeição a especial confiança pessoal e política, não é integrada pelo código “1320 – Consultores”, mas sim pelo código “1519 – Outros prestadores de serviços”, nos termos do artigo 151.º do CIRS.

 

II –  Para tributação de rendimentos da categoria B, o coeficiente de 0,75 é aplicado às atividades consagradas na tabela do artigo 151.º do CIRS. O coeficiente residual de 0,35 é aplicado às atividades não especificamente previstas na tabela, incluindo o código “1519 – Outros prestadores de serviços”, nos termos do artigo 31.º, n.º 1, alínea c) do CIRS.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra Adelaide Moura, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar Tribunal Arbitral singular, profere a seguinte decisão:

 

  1. Relatório

 

  1. No dia 06-06-2022, A..., Requerente, com domicílio fiscal na ..., ..., ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária).

 

  1. Tendo sido notificado dos despachos do Chefe de Divisão de Serviço Central, no sentido do indeferimento do procedimento de recurso hierárquico autuado sob o n.º ...2021..., referente ao ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2019..., emitida em 05-11-2019, com acerto de contas em 12-11-2019, no valor a reembolsar de € 1.738,29, e do procedimento de recurso hierárquico autuado sob o n.º ...2021..., referente à liquidação de IRS n.º 2017..., emitida em 04-05-2017, com acerto de contas em 08-05-2017, no valor a reembolsar de € 2.856,94, não se conformando, apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral contra tais liquidações e respetivas decisões da AT.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 07-06-2022 e notificado à Requerida nessa mesma data, não tendo o Requerente expressamente procedido à nomeação de árbitro.

 

  1. Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, foi designada, em 28-07-2022, pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a árbitra Adelaide Moura, que comunicou ao Conselho Deontológico de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.

 

  1. As partes foram notificadas dessa designação, não tendo, qualquer delas, manifestado vontade de a recusar, vindo o Tribunal a ser constituído em 17-08-2022, em harmonia com as disposições contidas no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.

 

  1. Em 22-08-2022 foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerida para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional e remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.

 

  1. Em 30-09-2022 foi apresentada a resposta pela Requerida, juntando o respetivo processo administrativo, vindo o Tribunal, em 02-11-2022, a proferir despacho a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, a produção de prova testemunhal e alegações escritas, ao abrigo dos princípios da celeridade, simplificação e informalidade processuais.

 

  1. O referido despacho arbitral fixou a prolação de decisão arbitral até 17-02-2023.

 

  1. Das posições das Partes

 

Da posição do Requerente:

 

  1. Para efeitos de liquidação de IRS, o Requerente defende que os rendimentos decorrentes do Contrato de Avença n.º .../03/DMGRH/2014, entre 2015 e 2016, devem ser englobados no código “1519 – Outros prestadores de serviços”.

 

  1. Os serviços prestados em assessoria ao Gabinete de Vereador da Câmara Municipal de Lisboa, que dependem de confiança pessoal e política, não se confundem com aqueles que são tipicamente exercidos no âmbito de contratos assentes no desempenho de competências técnicas concretamente delimitadas e especializadas.

 

  1. Os serviços prestados pelo Requerente implicavam a execução de tarefas bastante generalistas, não previamente tipificadas, integrando objetivos abrangentes, incluindo o acompanhamento de concretização de políticas, a frequência de eventos e reuniões públicas, o atendimento de munícipes, o contacto com serviços municipais e a comunicação de orientações.

 

  1. Os serviços prestados não se confundem com típicos contratos de prestação de serviços de profissionais liberais ou equiparados, relevando o teor no referido Contrato de Avença e subsequente Declaração emitida pela Câmara Municipal de Lisboa relativamente ao âmbito material da prestação de serviços do Requerente.

 

  1. Face à natureza dos serviços prestados, aos rendimentos da categoria B obtidos, e englobados no código “1519 – Outros prestadores de serviços”, seria aplicável o coeficiente de 0,35, e não o coeficiente de 0,75 aplicado pela AT, que qualificou a atividade como sujeita ao código “1320 – Consultores”.

 

  1. Sem prejuízo de posterior substituição, o Requerente alega, ainda, que a declaração anual de IRS não pode infirmar a aplicação do código “1519 – Outros prestadores de serviços”, porquanto o anterior preenchimento do campo 403, ao invés do campo 404, deveu-se a incorretas informações e instruções constantes no Portal das Finanças.

 

  1. Desta forma, a errónea interpretação da AT quanto à qualificação da atividade exercida pelo Requerente resultou na ilegal tributação de rendimentos e redução de reembolsos.

 

  1. Concluindo pela ilegalidade dos atos de liquidação e das decisões de indeferimento em causa, por alegada violação do disposto nos artigos 31.º, n.º 1, alínea c) e 151.º do Código do IRS, do princípio do contraditório e do princípio da igualdade, o Requerente, peticionando a procedência do pedido formulado, requer a anulação dos referidos atos tributários, com reembolso de todas as quantias indevidamente pagas e juros.

 

Da posição da Requerida:

 

  1. Da consulta ao Contrato de Avença n.º .../03/DMGRH/2014, celebrado em 28-02-2014, entre o Requerente e a Câmara Municipal de Lisboa, verifica-se que o contrato tem por objeto, nomeadamente, a prestação de serviços de apoio técnico especializado e a coordenação e gestão integrada das matérias relativas ao pelouro nas áreas delegadas no âmbito do Gabinete de Vereador.

 

  1. Da Declaração emitida pela Câmara Municipal de Lisboa junta pelo Requerente resulta que as funções exercidas como assessor incluíam o acompanhamento da implementação de políticas definidas pelo Vereador, no âmbito dos pelouros que lhe estavam atribuídos, designadamente as áreas de higiene urbana, reparação e manutenção mecânica, e iluminação pública.

 

  1. Não restam dúvidas de que as funções exercidas pelo Requerente têm total cabimento no CAE 70220 – Outras Atividades de Consultoria para Negócios e a Gestão, que compreende, nomeadamente, as atividades de consultoria, orientação e assistência operacional às empresas ou a organismos, públicos ou privados, em matérias diversas de planeamento, organização controlo, informação e gestão.

 

  1. Correspondendo, para efeitos de tributação, no código “1320 – Consultores”, nos termos do artigo 151.º do Código do IRS e da Portaria n.º 1011/20211, de 21 de agosto.

 

  1. A atividade efetivamente exercida pelo Requerente é que releva, e não a atividade constante no cadastro enquanto contribuinte fiscal.

 

  1. Os rendimentos decorrentes do contrato em causa deverão constar no campo 403 do quadro 4A do anexo B da declaração modelo 3 de IRS.

 

  1. A determinação do rendimento tributável é obtida através da aplicação do coeficiente de 0,75, conforme previsto no artigo 31.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS.

 

  1. Com efeito, considerando ter aplicado o correto código de atividade e respetivo coeficiente, para efeitos de tributação em IRS, a Requerida conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, não vislumbrando qualquer violação do princípio do contraditório e do princípio da igualdade, devendo, assim, manter-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação e os atos de indeferimento dos recursos hierárquicos, e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.

 

  1. Saneamento

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1 do RJAT.

 

  1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

  1. O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

 

  1. Matéria de facto

 

  1. Factos provados

 

  1. Em 01-02-2014, o Requerente iniciou atividade com o código “1519 – Outros prestadores de serviços”.

 

  1. Em 28-02-2014, o Requerente e a Câmara Municipal de Lisboa celebraram Contrato de Avença n.º .../03/DMGRH/2014.

 

  1. O Contrato de Avença n.º .../03/DMGRH/2014, celebrado entre o Requerente e a Câmara Municipal de Lisboa, estipula que “tem por objecto a prestação de serviços de assessoria ao nível técnico especializado, bem como coordenação e gestão integrada de apoio do Vereador B..., designadamente: a) Prestação de apoio técnico especializado, em particular nas áreas da Higiene Urbana, Reparação e Manutenção Mecânica e Iluminação Pública; b) Implementação de novos projetos e recolha de informação que permita estruturar a intervenção nessas áreas; c) Acompanhamento de processos nas áreas de Higiene Urbana, Reparação e Manutenção Mecânica e Iluminação Pública ou outras da competência do Vereador, desde que assim se releve necessário; d) Promoção activa, transversal e articulada do trabalho desenvolvido ao nível deste Gabinete”.

 

  1. Pelos rendimentos regulares que auferia, ao abrigo do Contrato de Avença n.º .../03/DMGRH/2014, o Requerente emitia faturas-recibo eletrónicas com o descritivo de “Assessoria ao Gabinete do Vereador (…)”.

 

  1. O Requerente declarou os rendimentos de categoria B obtidos no campo 403 da declaração anual de IRS, considerando informações e instruções no Portal das Finanças.

 

  1. A Requerida emitiu, em 04-05-2017, liquidação de IRS n.º 2017..., referente ao ano de tributação de 2016, com acerto de contas em 08-05-2017, no valor a reembolsar de € 2.856,94.

 

  1. Por meio de correção oficiosa, a AT emitiu, em 05-11-2019, a liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao ano de tributação de 2015, com acerto de contas em 12-11-2019, no valor a reembolsar de € 1.738,29.

 

  1. Em ambas as liquidações de IRS, a Requerida aplicou o código “1320 – Consultores” e o coeficiente de 0,75 aos rendimentos auferidos pelo Requerente.

 

  1. Em 04-05-2020, o Requerente apresentou Reclamação Graciosa relativamente à liquidação de IRS n.º 2019... .

 

  1. Em resposta à referida reclamação, a AT propôs o indeferimento do pedido do Requerente.

 

  1. O Requerente pronunciou-se, ao abrigo do direito de audiência prévia, em 10-08-2021, tendo junto declaração da Câmara Municipal de Lisboa, emitida em 06-08-2021, na qual consta que o Contrato de Avença celebrado configura um contrato “atípico” e que as respetivas funções de “assessor” não assumem “competência técnica definida” e estão sujeitas a “alguma imprevisibilidade”.

 

  • Conforme notificação datada de 21-09-2021, a AT emitiu decisão final de indeferimento do pedido, expressando que “O sujeito passivo está coletado na atividade 1519 – Outros prestadores de serviços, mas as atividades efetivamente exercidas e constantes (…) do Contrato de Avença (…) e descritas nos respetivos recibos verdes/eletrónicos como “Assessoria Gabinete Vereador”, não têm enquadramento nesta atividade, mas sim na atividade de “Consultores – Cod. 1320 (…). A atividade desenvolvida pelo sujeito passivo (…) é uma atividade de consultoria e, em termos de incidência real, enquadra-se na alínea b) do n.º 1 do art. 3.º do CIRS, sendo os rendimentos declarados no campo 403”.

 

  1. Em 21-10-2021, o Requerente apresentou Recurso Hierárquico da decisão de indeferimento.

 

  • A AT emitiu decisão final, mantendo o indeferimento do pedido, conforme notificação datada de 25-02-2022.

 

  • Relativamente ao ano de tributação de 2016, o Requerente procedeu à entrega de declaração de substituição da liquidação de IRS, em 12-02-2020, corrigindo o preenchimento dos campos 403 e 404 do quadro do anexo da declaração anual de IRS.

 

  1. Face à ausência de correção do ato pela AT, em 04-05-2020, o Requerente apresentou pedido de Revisão Oficiosa da liquidação de IRS n.º 2017... .

 

  1. Em resposta à referida reclamação, a AT propôs o indeferimento do pedido do Requerente.

 

  1. O Requerente pronunciou-se, abrigo do direito de audiência prévia, em 10-08-2021.

 

  1. Conforme notificação datada de 21-09-2021, a AT emitiu decisão final de indeferimento do pedido.

 

  1. Em 21-10-2021, o Requerente apresentou Recurso Hierárquico da decisão de indeferimento.

 

  1. A AT emitiu decisão final, mantendo o indeferimento do pedido, conforme notificação datada de 25-02-2022.

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

  1. Factos não provados

 

Não se verificaram outros factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido considerados provados.

 

  1. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se nos documentos juntos aos autos pelas partes, incluindo os constantes no processo administrativo, bem como o acordo das partes, expresso ou por falta de impugnação, quanto aos respetivos factos alegados.

 

  1. Matéria de direito

 

  1. Objeto e âmbito do presente processo

 

A questão essencial que se coloca neste processo é a de saber se, ao abrigo dos artigos 31.º e 151.º do Código do IRS e da Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, nas suas redações aplicáveis, a atividade exercida pelo Requerente se enquadra no código “1519 – Outros prestadores de serviços”, como peticiona, ou no código “1320 – Consultores”, como defende a AT, para determinação do rendimento tributável, em sede de regime simplificado de IRS.

 

  1. Do Direito

 

  1. Qualificação da natureza dos rendimentos auferidos

 

O Requerente alega, face à natureza dos serviços prestados, que a AT deve enquadrar os rendimentos obtidos no âmbito do código “1519 – Outros prestadores de serviços”, aplicando o coeficiente de 0,35, nos termos dos artigos 31.º, n.º 1, alínea c) e 151.º do Código do IRS.

 

A Requerida entende que os serviços prestados pelo Requerente têm enquadramento específico no código “1320 – Consultores”, atendendo ao teor do CAE 70220, aplicando o coeficiente de 0,75, nos termos dos artigos 31.º, n.º 1, alínea b) e 151.º do Código do IRS.

 

Vejamos. O artigo 31.º do Código do IRS fixa os coeficientes aplicáveis para determinação do rendimento tributável auferido pelos sujeitos passivos, em regime simplificado.

 

Concretamente, o referido preceito legal prevê a “aplicação dos seguintes coeficientes: (…) 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º; (…) 0,35 aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores”.

 

Quanto às atividades profissionais, o artigo 151.º do Código do IRS dispõe que “As atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças.”

 

É a Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, na sua redação aplicável, que adota a referida tabela de atividades do artigo 151.º do Código do IRS, que elenca diversas atividades codificadas, tais como: “(…) 13 - Outras pessoas exercendo profissões liberais, técnicos e assimilados: (…) 1320 Consultores; (…) 15 - Outras actividades exclusivamente de prestação de serviços: 1519 Outros prestadores de serviços”.

 

De acordo com as instruções de preenchimento da declaração modelo 3 de IRS, o campo 403 do quadro 4A do anexo B da mencionada declaração anual destina-se, por exemplo, aos rendimentos com código “1320 – Consultores”, e o campo 404 aos rendimentos com código “1519 – Outros prestadores de serviços”, aplicando-se os respetivos coeficientes.

 

Ora, conforme decisão arbitral de 28-03-2022, no processo n.º 644/2021-T (acessível em www.caad.pt), evocando jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo:

 

A partir de 2015, o legislador fiscal passou a prever expressamente que o coeficiente de 0,75 apenas pode ser aplicado às atividades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS. Este normativo não inclui o Código “1519 – Outros prestadores de serviços” e demais prestações de serviços de atividades profissionais não previstas na referida tabela, aplicando-se o coeficiente 0,35, conforme resulta do artigo 31.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRS. Assim, e presumindo que o legislador fiscal soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi alínea d) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária), não se pode senão concluir que o coeficiente de 0,75 só pode ser aplicado às atividades concreta e indubitavelmente previstas naquela tabela, aplicando-se o coeficiente residual de 0,35 às atividades aí não especificamente previstas, visto que este coeficiente não evidencia uma atividade profissional de prestação de serviços específica.”

 

Cumpre, assim, apurar a atividade fiscalmente relevante nos presentes autos, dirimindo a questão substancial da aplicação do código “1519 – Outros prestadores de serviços” ou do código “1320 – Consultores” à atividade exercida pelo Requerente, sendo que, para o efeito, o presente Tribunal Arbitral atenderá aos elementos formais disponíveis, nomeadamente o Contrato de Avença e a respetiva Declaração da Câmara Municipal de Lisboa, enquanto entidade contratante, bem como aos demais elementos materiais referentes aos serviços prestados pelo Requerente, conforme prova produzida nos autos.

 

Considerando, desde logo, o teor do contrato celebrado entre o Requerente e a Câmara Municipal de Lisboa, conforme documento junto aos autos, a atividade de prestação de serviços contratada, formalmente, compreende o seguinte:

 

  1. Prestação de apoio técnico especializado, em particular nas áreas de Higiene Urbana, Reparação e Manutenção Mecânica e Iluminação Pública;

 

  1. Implementação de novos projetos e recolha de informação que permita estruturar a intervenção nessas áreas;

 

  1. Acompanhamento de processos nas áreas de Higiene Urbana, Reparação e Manutenção Mecânica, Iluminação Pública ou outras de competência do Vereador; e,

 

  1. Promoção ativa, transversal e articulada do trabalho desenvolvido ao nível do Gabinete.

 

Do referido Contrato de Avença resulta que o Requerente se vinculou a prestar “serviços de assessoria”, incluindo “apoio técnico especializado” em determinadas áreas, mas não só. O objeto da prestação de serviços contratada pela Câmara Municipal de Lisboa engloba, também, atividades mais generalistas de “coordenação e gestão”, como a “implementação de novos projetos”, a “recolha de informação”, o “acompanhamento de processos” e a “promoção” do trabalho desenvolvido.

 

O Requerente exercia atividades de “assessoria”, com funções de apoio técnico, informação, acompanhamento e promoção, incluindo a implementação de projetos e concretização de políticas, no âmbito da normal atividade autárquica, por meio de prestação de serviços regular e materialmente pouco delimitada, sujeitando-se a confiança pessoal e política.

 

Ora, conforme exposto na decisão arbitral de 28-03-2022, no processo n.º 644/2021-T (acessível em www.caad.pt), “consultoria” e “consultor” remetem para “pessoa qualificada que junto de uma empresa, dá pareceres e trata de assuntos técnicos da sua especialidade”. Inversamente, “assessoria” e “assessor” remetem para “pessoa que tem como função profissional auxiliar um cargo superior nas suas funções, enquanto adjunto ou coadjutor”.

 

Afigura-se, consequentemente, que o Contrato de Avença celebrado entre o Requerente e a Câmara Municipal de Lisboa visava, à semelhança do exposto na decisão arbitral de 28-03-2022, no processo n.º 644/2021-T (acessível em www.caad.pt), a “coadjuvação na execução das políticas definidas pelo Vereador responsável (…), e não apenas de aconselhamento estratégico ou de implementação de um determinado projeto com caráter pontual”, sendo que a prestação de serviços acordada entre o Requerente e a entidade contratante detinha caráter estável, com pagamentos remuneratórios mensais, fixos e sucessivos, reunindo, assim, vários elementos que a desviam do típico contrato de consultoria. 

 

Também conforme decisão arbitral de 28-03-2022, no processo n.º 644/2021-T (acessível em www.caad.pt), “quando o legislador se refere no código 13 – “Outras pessoas exercendo profissões liberais, técnicos e assimilados”, onde consta o subcódigo 1320 – “Consultores”, não pretende “abarcar dentro das atividades de consultoria, científicas, técnicas e similares”, “quaisquer (…) atividades profissionais de prestação de serviços, com algum tipo de componente intelectual, designadamente se desenvolvidas num contexto de assessoria”, sendo que “os assessores, como sejam os ajudantes, os auxiliares, os adjuntos ou coadjuntos, que, geralmente, prestam apoio, diário, regular e contínuo de âmbito interno, visando auxiliar no exercício de funções de um cargo superior dentro da estrutura organizacional para a qual foram contratados” não se reconduzem à “atividade profissional de um consultor”, que não se confunde com o “cerne da atividade profissional efetivamente exercida pelo Requerente, ao contrário do que defende a AT, ainda que (…) no quadro de um determinado grau de formação e de especialização”.

 

Ora, o próprio Requerente configurou a prestação de serviços ao Gabinete do Vereador da Câmara Municipal de Lisboa como “assessoria” sob o código “1519 – Outros prestadores de serviços”, conforme descritivo das respetivas faturas-recibo eletrónicas emitidas, sendo que essas funções foram confirmadas por declaração da Câmara Municipal de Lisboa, conforme documento junto aos autos, e cujo teor e legitimidade não foram contrariados, sem prejuízo da casuística apreciação da AT.

 

A declaração da Câmara Municipal de Lisboa, datada de 6 de agosto de 2021, emitida por meio do Diretor Municipal de Recursos Humanos, esclarece que a prestação de serviços do Requerente abrangia, na prática, o acompanhamento da “concretização das políticas definidas pelo Vereador para os pelouros que lhe estão atribuídos (…), fazendo com que os respetivos serviços municipais lhe deem sequência, de modo a implementá-las através do planeamento definido, fazendo reporte àquele ou ao adjunto do gabinete, sempre que necessário”, bem como o “acompanhamento do Vereador a eventos e reuniões”, o “atendimento presencial de munícipes” e a preparação de “cartas e emails sobre questões relacionadas com os pelouros a que dá apoio”.

 

Adicionalmente, a declaração emitida pela Câmara Municipal de Lisboa, entidade contratante do Requerente, configura o contrato como “atípico” e expressa que as respetivas funções de “assessor” não assumem “competência técnica definida”, que “o recrutamento não está sujeito à concorrência” e que depende de “confiança pessoal e política” de quem o contratou para o respetivo gabinete de apoio, sendo que os serviços a prestar caracterizam-se por “alguma imprevisibilidade nas funções” desempenhadas “diariamente” e com “disponibilidade permanente”.

 

Todas estas atividades previstas na declaração da Câmara Municipal junta aos autos podem ser integradas nas previsões contratuais do Contrato de Avença celebrado com o Requerente.

 

Obviamente, a declaração não tem por efeito alterar o contrato, nem qualificar fiscalmente a atividade exercida pelo Requerente, mas permite concretizar e clarificar a atividade exercida pelo Requerente.

 

Sem prejuízo, a materialidade económica da atividade efetivamente exercida pelo Requerente exige que não se ignore os elementos formais disponíveis nos autos, nem que, seletivamente, se releve uns em detrimento de outros. Há que considerar todos os elementos formais e materiais, ao abrigo da prova produzida.

 

Com efeito, há que atender ao teor do Contrato de Avença, da declaração emitida pela Câmara Municipal de Lisboa, e das faturas-recibo emitidas, conjuntamente. Não se poderá considerar apenas a redação do Contrato de Avença, que aliás, só por si não bastaria, no entendimento do presente Tribunal Arbitral, para qualificar os rendimentos obtidos como parte do código “1312 – Consultores”.

 

Reafirme-se que, para enquadramento de qualquer profissional e respetivos rendimentos na tabela do artigo 151.º do Código do IRS, deve-se atender à atividade concreta e especificamente exercida, tal como decorre da decisão arbitral de 28-03-2022, no processo n.º 644/2021-T (acessível em www.caad.pt), em que a “aplicação dos coeficientes para determinação do rendimento tributável de serviços prestados, em sede de categoria B com aplicação das regras do regime simplificado, efetua-se pela verificação do tipo de funções e de tarefas que são exercidas pelo sujeito passivo, e não por via da aproximação a categorias mais ou menos vagas e abrangentes”.

 

O Contrato de Avença, pese embora aluda à expressão “especializado”, não define qualquer objeto específico, distintivo e personalizado que possa reconduzir-se, inequivocamente, a pretensa atividade de “consultoria”. Trata-se, materialmente, de “assessoria”, o que difere da posição da Requerida, merecendo tratamento diferenciado, em termos fiscais.

 

Considerando a atividade material a que o Requerente se encontrava vinculado, no âmbito do Contrato de Avença, apura-se que essa atividade exercida não se engloba no âmbito da consultoria em sentido estrito, como aconselhamento especializado a entidade sobre a sua atividade, mas sim, alternativamente, em assessoria à entidade contratante, como se afigura.

 

Conforme decisão arbitral de 28-03-2022, no processo n.º 644-2021-T (acessível em www.caad.pt), “não se podendo negar que o trabalho de assessoria desenvolvido (…) possa ter pontos de contacto com a atividade de um consultor especializado (…), tal circunstância não é suficiente (…). Conforme se referiu, a distinção está clara, e não obstante a atividade de consultoria poder abarcar realidades muito diferentes, a aplicação dos coeficientes de tributação deve ser estabelecida de modo específico, sendo de concluir que as funções concreta e especificamente exercidas (…) não são subsumíveis à categoria de um “Consultor”, mas antes de um assessor”.

 

Dos presentes autos arbitrais nem sequer consta qualquer menção probatória expressa à alegada prestação de serviços de “consultoria” por parte do Requerido no âmbito do contrato de prestação de serviços, nem formalmente, nem materialmente.

 

Como exposto na decisão arbitral de 16-01-2019, no processo n.º 79/2018-T (acessível em www.caad.pt), tendo o legislador instituído uma categoria residual para “Outros prestadores de serviços”, o âmbito das atividades de “Consultor” não pode ser demasiado amplo.

 

Note-se, também, que a Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, que aprova a tabela de atividades do artigo 151.º do Código do IRS, não inclui qualquer definição de “Consultor” e, para efeitos interpretativos, o teor da CAE 70220 de “actividades de consultoria, orientação e assistência operacional” não se pode substituir ao código CIRS “1312 – Consultores”, mais restrito, cujas atividades, repita-se, não são expressamente definidas.

 

Como a atividade de “assessoria” exercida pelo Requerente não se encontra expressamente tipificada nas atividades profissionais previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º, o Requerente, enquanto sujeito passivo, adotou o código “1519 – Outros prestadores de serviços”, e corretamente, diga-se.

 

Conforme decisão arbitral de 19-09-2022, no processo n.º 12/2022-T (acessível em www.caad.pt), “Não estando especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS e não sendo possível, por mera interpretação extensiva, integrá-la em qualquer outra profissão nela especificamente prevista, a atividade exercida (…) tem, necessariamente, de considerar-se abrangida pelo código 1519 – Outros prestadores de serviços e, consequentemente, o coeficiente para determinação do rendimento líquido aplicável aos rendimentos auferidos no seu exercício é de 0,35”.

 

Reafirme-se que o elenco da tabela do artigo 151.º do Código do IRS não integra referência específica à atividade profissional de “assessoria” que é efetivamente exercida pelo Requerente, como resulta dos factos provados e respetiva apreciação.

 

Assim, a atividade de “assessoria” por prestação de serviços de apoio à atividade do Gabinete de Vereador da Câmara Municipal de Lisboa, atendendo às funções exercidas pelo Requerente, como resultam descritas no Contrato de Avença celebrado e na Declaração emitida pela Câmara Municipal de Lisboa, na pessoa do seu Diretor Municipal de Recursos Humanos, não é integrada pelo código “1320 – Consultores”, sendo apenas abrangida no código “1519 – Outros prestadores de serviços”, nos termos da tabela de atividades do artigo 151.º do Código do IRS, sujeitando-se os respetivos rendimentos a tributação de acordo com o coeficiente de 0,35, conforme alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS. 

 

Como tal, independentemente do correto ou incorreto preenchimento dos campos da declaração de IRS, não se pode concluir pela aplicação do coeficiente de 0,75 ao caso dos autos, sendo, ao invés, aplicado o coeficiente de 0,35, para atividades profissionais não especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS.

 

Em conformidade, atentos os factos provados, e a interpretação da legislação fiscal, o presente Tribunal Arbitral entende que o Requerente, exercendo atividades de assessoria, se enquadra na categoria residual prevista no código “1519 – Outros prestadores de serviços” e respetivo coeficiente de tributação.

 

À semelhança do exposto na decisão arbitral de 16-01-2019, no processo n.º 79/2018-T (acessível em www.caad.pt), considerando que, nos termos do artigo 75.º da LGT, se presumem como verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes, e que a AT não logrou contrariar eficazmente tais declarações e factos provados, não se poderá concordar com o enquadramento da AT.

 

Em face do exposto, não assiste razão à AT nas liquidações efetuadas relativamente aos rendimentos obtidos, concluindo-se pela procedência do pedido do Requerente.

 

  1. Da violação do princípio do contraditório e do princípio da igualdade

 

Face à procedência do pedido do Requente, considera-se prejudicada a análise da alegada violação do princípio do contraditório pela Requerida, mas, desde já, se esclareça que não se vislumbra que tal tenha ocorrido. Os documentos juntos pelo Requerente foram analisados pela Requerida, em fase administrativa e arbitral, que apenas discordou dos efeitos que o Requente pretendia retirar dos mesmos.

 

Considera-se, também, prejudicada a análise da alegada violação do princípio da igualdade, sendo que as situações em causa não são exatamente iguais, nem recorrentes, não existindo qualquer regra de imutável precedente administrativo, embora tais casos comparativos sejam demonstrativos da fundamentação subjacente à correta qualificação das atividades em causa.

 

  1. Da compensação de créditos

 

O presente Tribunal Arbitral entende que a concreta apreciação dos efeitos da alegada compensação de créditos não constitui matéria decidenda no presente processo arbitral, sem prejuízo dos evidentes efeitos da procedência do pedido.

 

  1. Dos juros indemnizatórios

 

Nos termos do artigo 43.º da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

Ora, a Requerida aplicou errado coeficiente aos rendimentos auferidos pelo Requerido, não tendo qualificado corretamente as atividades exercidas, o que constitui um erro imputável aos serviços da AT, nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

Ao abrigo dos artigos 43.º e 100.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT, verificado o erro imputável aos serviços da AT, e resultando daí o pagamento de tributo em montante superior ao legalmente exigível, o presente Tribunal Arbitral entende que o Requerente, além da devida restituição, tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, desde o pagamento do imposto em excesso até à sua integral e efetiva restituição.

 

 

  1. Decisão

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral em:

 

– Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;

– Anular os atos de indeferimento de recurso hierárquico autuado sob o n.º ...2021... e de recurso hierárquico autuado sob o n.º ...2021...;

– Anular os atos tributários impugnados, nomeadamente os atos de liquidação de IRS n.º 2019 ..., emitida em 05-11-2019, com acerto de contas em 12-11-2019, no valor a reembolsar de € 1.738,29, e de liquidação de IRS n.º 2017..., emitida em 04-05-2017, com acerto de contas em 08-05-2017, no valor a reembolsar de € 2.856,94, com todos os efeitos daí decorrentes;

– Condenar a AT a efetuar o reembolso das quantias pagas em excesso pelo Requerente;

– Condenar a AT a efetuar o pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde o pagamento do imposto em excesso até à sua integral e efetiva restituição.

 

  1. Valor

 

Fixa-se o valor do processo em € 5.749,35, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  1. Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 16 de fevereiro de 2023

 

 

A árbitra,

 

 

Adelaide Moura