Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 340/2022-T
Data da decisão: 2023-02-06  IRS  
Valor do pedido: € 41.700,70
Tema: IRS - Aplicação do n.º 5 do artigo 43.º do CIRS
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SUMÁRIO:

  1. O saldo das mais valias obtidas em 2020 e em anos anteriores em jurisdições com regime fiscal claramente mais favorável são tributadas nos termos do disposto no artigo 72.º n.º 17 do CIRS com taxa liberatória agravada de 35% e consideração das menos valias ou integradas na declaração de rendimentos em sede de englobamento sem consideração das perdas apuradas nessa jurisdição.
  2. As «perdas apuradas» irrelevantes previstas no n.º 5 do artigo 43.º do CIRS são as verificadas na jurisdição com regime fiscal claramente mais favorável prevista no artigo 65.º-D da Lei Geral Tributária.
  3. A não consideração para efeitos da determinação das mais valias mobiliárias das perdas registadas em operações com diretos mobiliários na União Europeia e EEE e Suíça viola o artigo 63.º do TFUE porque não respeita a liberdade de circulação de capitais.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

            O árbitro Vasco António Branco Guimarães, árbitro singular designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 02-08-2022, decide o seguinte:

 

           

1. Relatório

A..., contribuinte fiscal n.º..., com domicílio fiscal na ..., ..., ..., ..., ...-... Sintra (doravante designado por “Requerente”), apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral tendo em vista:

a)         A declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2021... e, bem assim,

b)        A declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2021 ..., relativa ao ano de 2020.

c)         Seja a AT condenada a pagar ao Requerente o montante e os juros indemnizatórios sobre o imposto indevidamente pago nos termos legais até ao reembolso integral do montante referido.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 30-05-2022.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 15-07-2022 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 02-08-2022.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em 21-11-2022 em que por impugnação defendeu que os pedidos devem ser julgados improcedentes.

Por despacho de 06-12-2022, foi decidido dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e as Alegações das Partes.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados:

 Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:

 

A) O Requerente é, desde 2015, residente fiscal não habitual em território português, nos termos e para os efeitos do artigo 16.º, n.os 8 e 9, do CIRS – cfr. cópia de certificação do registo como residente não habitual, junta como documento n.º 1.

B) A 27 de Junho de 2019, o Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS n.º..., relativa ao ano de 2018 –cfr. cópia do comprovativo de entrega da referida declaração, junta como documento n.º 2.

C) No ano de 2018, o Requerente apurou perdas decorrentes da alienação de partes sociais e de outros valores mobiliários, no valor de EUR 1.660.522,48, que declarou.

D) Nenhuma destas perdas declaradas pelo Requerente teve origem em jurisdições fiscais descritas no artigo 63.º -D da Lei Geral Tributária.

E) A 11 de Junho de 2021, o Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS n.º..., relativa ao ano de 2020 – cfr. cópia do comprovativo de entrega da referida declaração, junta como Doc. 4.

F) No ano de 2020, o Requerente obteve mais-valias decorrentes da alienação onerosa de ações detidas na entidade B... AG, domiciliada na Suíça, e de unidades de participação do fundo de investimento C... LTD, domiciliado nas Ilhas Caimão que declarou.

G) O Requerente optou pelo englobamento dos incrementos patrimoniais declarados no Quadro 9.2A do Anexo J da sua declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS de 2020 – cfr. documentos n.os 4 e 5 juntos pelo Requerente.

H) Em resultado da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS apresentada pelo Requerente por referência ao ano de 2020, foi emitida a demonstração de liquidação de IRS n.º 2021..., da qual resultou um montante a pagar de EUR 41.700,70 (quarenta e um mil e setecentos Euro e setenta cêntimos) – cfr. cópia da demonstração de liquidação, junta como documento n.º 6.

I) As perdas identificadas em C) apenas foram deduzidas pela AT à mais-valia obtida com a alienação onerosa das ações detidas na entidade B... AG e não igualmente às mais-valias obtidas com a alienação das unidades de participação do fundo de investimento C... LTD.

J) Existe acordo para a troca de informações entre a Républica Portuguesa e as Ilhas Caimão.

L) O Requerente pagou o imposto apurado na data legalmente prevista.

M) O Requerente reclamou graciosamente da liquidação que foi indeferida.

 

  1. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto.

 

Os factos provados baseiam-se nos articulados e documentos juntos pela Requerente que não foram impugnados.

A AT não apresentou quaisquer novos Factos.

Não se retiram outros factos relevantes dos articulados por serem citações de textos legais, acórdãos ou posições de parte sem conteúdo fáctico.

 

3. Matéria de direito

 

As questões de mérito que são objeto deste processo são saber se:

 

i)         Uma mais-valia mobiliária gerada nas ilhas Caimão é elegível para compensar perdas da mesma natureza obtidas em outras jurisdições.

Em caso da resposta ser negativa apreciar a Ilegalidade e consequente anulabilidade:

ii)        dos actos tributários em crise, por violação do artigo 55.º, n.º 1, alínea d), do CIRS;

iii)       dos actos tributários em crise, por violação do princípio da livre circulação de capitais, previsto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), e consequente violação do primado do Direito da União Europeia sobre o Direito interno, consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”);

iv)       Reconhecimento do direito do Requerente a juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços da Administração Tributária, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

 

3.1. Posições das Partes

 

O Requerente defende em resumo:

A liquidação de IRS em referência é ilegal, na medida em que, pese embora o Requerente tenha optado pelo englobamento dos rendimentos de incrementos patrimoniais auferidos no ano de 2020, as perdas reportáveis da categoria G de que dispunha não foram deduzidas à totalidade das mais-valias auferidas nesse período.

Assim, tendo optado pelo englobamento de tais rendimentos, o Requerente tem direito a deduzir ao resultado líquido positivo da categoria G desse período, o saldo negativo apurado na categoria G, nos cinco anos anteriores, resultante de operações com instrumentos financeiros, conforme se passa a evidenciar.

Nos termos do artigo 55.º, n.º 1, alínea d), do CIRS: «Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos:

[…]

d) O saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 10.º, pode ser reportado para os cinco anos seguintes quando o sujeito passivo opte pelo englobamento»

A norma constante do artigo 55.º, n.º 1, alínea d), do CIRS consubstancia, assim, um mecanismo de reporte de perdas apuradas na categoria G do IRS, definindo os termos em que tais perdas podem ser deduzidas ao resultado líquido positivo apurado na categoria G do IRS dos anos posteriores.

Conforme resulta da supracitada norma, a possibilidade de dedução de perdas apuradas na categoria G do IRS encontra-se sujeita às seguintes condições:

(i) O resultado líquido negativo apurado na categoria G só é dedutível aos resultados líquidos positivos dessa mesma categoria;

(ii) O saldo negativo apurado num determinado ano, relativo a operações com instrumentos financeiros, pode ser reportado para os cinco anos seguintes;

(iii) O sujeito passivo tem de optar pelo englobamento dos rendimentos da categoria G do IRS.

No que concretamente diz respeito ao presente caso, o Requerente optou pelo englobamento dos rendimentos de incrementos patrimoniais obtidos no ano de 2020, pelo que, em cumprimento do disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea d), do CIRS, o resultado líquido negativo apurado na categoria G nos cinco anos anteriores deveria ter sido deduzido ao resultado líquido. Deste modo, não existe qualquer fundamento para a Administração Tributária excluir a possibilidade de dedução das perdas reportáveis da categoria G às mais-valias obtidas pelo Requerente, no ano de 2020, com a alienação das unidades de participação do fundo de investimento C... LTD.

O n.º 5 do artigo 43.º do CIRS não é aplicável.

 

A AT defende por impugnação nos seguintes termos:

 

«[…] em relação aos incrementos patrimoniais decorrentes da alienação onerosa de unidades de participação do fundo de investimento C... LTD […], estes têm como fonte as Ilhas Caimão, país, território ou região identificado como detentor de um regime fiscal claramente mais favorável, integrando a lista a que se refere a Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, na redação que lhe é dada pela Portaria n.º 309-A/2020, de 31 de Dezembro. Os resultados destas operações em concreto não foram considerados no englobamento para efeitos de cálculo do rendimento coletável sujeito a IRS apesar de o Reclamante ter exercido essa opção.

[…]

Ou seja, os valores relevados para o apuramento dos rendimentos qualificados como mais-valias não são fiscalmente relevantes se a contraparte da operação (aqui o adquirente) for entidade domiciliada ou sediada em país, território ou região com um regime fiscal claramente mais favorável, usualmente designados por paraísos fiscais, in casu, Ilhas Caimão.

Ora, a opção pelo englobamento para efeitos de apuramento do imposto devido a final não afasta a aplicação do disposto no n.º 5 do art.º 43.º do CIRS.

Não existe nenhuma norma legal que tutele o afastamento desta disposição anti-abuso quando seja exercida a opção pelo englobamento, nem a sua aplicação é incompatível com essa opção ou com o regime da dedução de perdas a que se refere o art.º 55.º do CIRS.

À semelhança do regime dos prejuízos fiscais a que se refere o art.º 52.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), o regime das perdas que consta do art.º 55.º do CIRS constitui um benefício fiscal que permite ao contribuinte reportar e, de facto, fazer concorrer para o apuramento do rendimento coletável dum determinado ano as perdas geradas com as diferentes categorias de rendimentos nos anos anteriores.

Deste modo, o disposto no art.º 55.º do CIRS, nem sequer tem (ainda) aplicação ao caso.

Ao caso, porque estão em causa rendimentos apurados no próximo ano de tributação (2020), a apuramento do saldo de mais-valias (ou perdas) é apurado nos termos do art.º 43.º do CIRS, que como vimos através da disposição prevista no n.º 5, exclui os resultados, positivos ou negativos, de operações em que a contraparte se encontre domiciliada ou sediada num designado paraíso fiscal.

Assim, não obstante a opção pelo englobamento, os incrementos patrimoniais obtidos com as operações de alienação das unidades de participação do fundo de investimento C... LTD são excluídos do cômputo do saldo de mais-valias sujeitas a tributação por englobamento, sendo exclusivamente sujeitas a tributação autónoma/especial a que se refere a alínea b) do n.º 17 do art.º 72.º do CIRS, pela taxa de 35%.

 

3.2. Saneamento do processo:

 

Da leitura dos autos resultam como existentes dois incidentes.

i)         A AT solicitou a tradução dos documentos não apresentados em português.

ii)        O Requerente apresentou um articulado autónomo depois da Resposta da AT (que não alegou exceções) reafirmando a sua posição já largamente defendida e fundamentada nos articulados.

Decidindo: A AT compreendeu bem a posição do Requerente não identificando quais os documentos de que pretendia a tradução impossibilitando assim, a satisfação da sua pretensão pelo que vai indeferido o seu pedido.

Quanto ao articulado apresentado pelo Requerente em 20-12-2022 será o mesmo desconsiderado por não trazer quaisquer novos dados ao processo e não representar exercício legítimo do contraditório.

O processo não enferma de nulidades.

 

3.3. Apreciação da questão.

 

As mais-valias geradas por alienação de unidades de participação emitidas por entidade não residente sem estabelecimento estável em território português, que seja domiciliada em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças são tributáveis conforme dispunha o n.º 17 do artigo 72.º do CIRS em vigor à altura dos factos em análise.

O cálculo das mais valias é feito determinando o saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nos n.os 4) e 5) da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, quando respeitem a valores mobiliários cujo emitente seja entidade não residente sem estabelecimento estável em território português, que seja domiciliada em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

Isto mesmo é aceite pela AT no artigo 28 da Resposta dada ao PPA que transcrevemos por comodidade de leitura e base de fundamentação:

«No que respeita à tributação das mais-valias, o n.º 5 do artigo 43.º do Código do IRS, que desconsidera as menos-valias resultantes de operações realizadas com contraparte sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável, é acompanhado do n.º 17 do artigo 72.º que, na sua alínea b), sujeita a uma taxa de 35%, (na redacção em vigor à data dos factos) o “saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nos n.os 4) e 5) da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, quando respeitem a valores mobiliários cujo emitente seja entidade não residente sem estabelecimento estável em território português, que seja domiciliada em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças”.

 

Resulta da natureza das coisas que para existir saldo positivo entre as mais e menos-valias tem de ser consideradas as menos-valias.

Ora, se para aplicação das mais-valias se torna juridicamente indispensável considerar as menos-valias não é possível afirmar – como faz a AT na sua fundamentação – que:

«Os valores relevados para o apuramento dos rendimentos qualificados como mais-valias não são fiscalmente relevantes se a contraparte da operação (aqui o adquirente) for entidade domiciliada ou sediada em pais, território ou região com um regime fiscal claramente mais favorável, usualmente designados por paraísos fiscais, in casu, Ilhas Caimão». Cfr. Artigo 39 da resposta da AT.

 

Ora, é do interesse do Fisco português e, de uma forma geral da tributação em geral que as mais-valias obtidas pelos residentes fiscais em Portugal sejam obtidas e declaradas porque isso aumenta o rendimento tributável independentemente da localização da fonte e é compatível com a obrigação legal de declarar todo o rendimento obtido pelos residentes.

No caso em análise a AT afirma ter aplicado o n.º 5 do artigo 43.º do CIRS que dispõe:

Para apuramento do saldo positivo ou negativo referido no n.º 1, respeitante às operações efetuadas por residentes previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, não relevam as perdas apuradas quando a contraparte da operação estiver sujeita a um regime fiscal a que se referem o n.º 1 ou 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária. (Redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro).

A norma, corretamente classificada como antielisiva visava quando foi instituída, responder à ausência de fornecimento de informações fiscais que caraterizavam os então designados «paraísos fiscais». Perante uma ausência de informação por parte da jurisdição fiscal do emitente das unidades de participação a solução legal portuguesa é aceitar as mais valias e desconsiderar as «perdas apuradas» quando a contraparte estiver sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável tal como definido no artigo 63,º -D da LGT.

Uma vez que, simultaneamente, se admite a tributação pelo saldo das mais e menos valias nas mesmas jurisdições com a taxa agravada de 35% resulta claro que o critério do n.º 5 do artigo 43.º do CIRS tem de ser restritivo por contradizer o disposto no artigo 10.º e o n.º 17 do artigo 72.º do CIRS que é norma de incidência geral e com taxa liberatória sobre o saldo entre mais e menos-valias.

A necessária restrição na irrelevância das «perdas apuradas» deverá ser limitada às perdas obtidas em sede de jurisdição claramente mais favorável. Para isto contribui a redação do preceito que fala em «perdas apuradas» (o que pressupõe contabilização) e a determinação da sua irrelevância para apuramento do saldo positivo ou negativo dos ganhos de mais-valias.

O invocado artigo 63.º do TFUE tem igualmente relevância porque impede o tratamento discriminatório de rendimentos positivos ou negativos que impeçam a liberdade de circulação dos capitais e o seu livre movimento no caso refletida com a impossibilidade de dedução de perdas verificadas em sede de jurisdições sem restrições como é o caso dos autos.

Aquilo que a AT fez foi desconsiderar os ganhos de mais valias obtidos na jurisdição com regime fiscal mais favorável e não as «perdas apuradas» que não podem deixar de ser consideradas porque geradas em jurisdições plenas não abrangidas pelo conceito definido no artigo 63.º-D da LGT.

 

A existência de norma restritiva – n.º 5 do artigo 43.º - e liberatória – n.º 17 do artigo 72.º ambos do CIRS obsta à aplicação do artigo 55.º do CIRS?

 

Entendemos que não respeitadas as limitações que introduzem nas componentes do rendimento tributável definidos na lei o que, no caso em concreto, significa que só as «perdas apuradas» nas jurisdições previstas no artigo 63.º -D da LGT são irrelevantes e só para o apuramento do saldo positivo ou negativo das mais-valias aí geradas.

Todas estas aparentes contradições e incoerências refletem uma dificuldade na decisão técnica nesta área conduzindo a soluções contraditórias ilegais com os inerentes custos de gestão e imagem do sistema fiscal.

 

4.         Decisão.

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, julgando como ilegal e anulada a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2021 ..., relativa ao ano de 2020 no valor de EUR 41.700,70 (quarenta e um mil e setecentos Euro e setenta cêntimos) por errada aplicação do n.º 5 do artigo 43.º do CIRS.

Sendo procedente a invocada ilegalidade ficam prejudicadas a apreciação das seguintes.

Mais condeno a Recorrida - por ser seu o erro que determinou a ilegalidade - a pagar à Requerente juros indemnizatórios à taxa legal desde o pagamento feito pelo Requerente até efetivo reembolso.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em EUR 41.700,70 (quarenta e um mil e setecentos Euro e setenta cêntimos).

 

Custas: Vai a AT condenada em custas nos termos do artigo 97.º -A, n.º 1, alínea a do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária por ser sua a responsabilidade da ilegalidade existente, sendo o seu montante fixado em 2142,00 Euro.

 

Registe e Notifique.

 

Lisboa, 06 de fevereiro de 2023

 

 

O Árbitro

 

 

 

(Vasco Branco Guimarães)