SUMÁRIO:
I. A desistência da instância, apresentada pela Requerente depende da aceitação pela Requerida.
II. O artigo 285.º, n.º 2, do CPC, determina que a desistência da instância faz cessar o processo, extingue-se a presente instância nos termos do artigo 277.º, d), do CPC. e apenas faz cessar o processo que se instaurara.
III. Nos termos do artigo 287.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1 e) do RJAT, os representantes das sociedades só podem desistir nos precisos limites das suas atribuições ou precedente autorização especial.
IV. Como a desistência da instância é válida, pelo seu objeto, pela qualidade de quem desiste, vai a mesma homologada, por sentença, ao abrigo dos artigos 289.º, n.º 1, a contrario sensu, e 290.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, aplicáveis ex vi art.º 29.º n.º 1, e) do RJAT
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DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A..., UNIPESSOAL, LDA., sociedade com sede na ..., ..., ..., ..., ...-... Lisboa, com o número de identificação fiscal português ..., adiante designada por Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral após ter sido notificada da decisão de indeferimento que recaiu sobre o recurso hierárquico n.º ...2021..., proferida através de despacho de 01.02.2022, do Diretor de Serviços do IVA, o qual recaiu sobre a decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2020..., deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos exercícios de 2016, 2017 e 2018 no valor de € 111.699,50.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 10-05-2022.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, em 30-06-2022, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou as Signatárias como Árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, tendo as Signatárias comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável. Esta designação foi, na mesma data, notificada às partes, não tendo estas manifestado vontade de a recusar.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 19-07-2022.
Em 28-09-2022 a AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, defendendo-se por impugnação, e juntou o PA.
Por despacho de 29-09-2022 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e facultada às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, contados da notificação do mencionado despacho.
Em 24-10-2022 a Requerente apresentou um requerimento a desistir da instância:
“A... UNIPESSOAL LDA., Requerente nos autos à margem referenciados, vem, ao abrigo dos artigos 277.º e seguintes do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), declarar a sua desistência da instância arbitral, pelo que deverá ser extinta a presente instância e arquivado o presente processo arbitral.
Mais se requer, nos termos do artigo 537.º do CPC e dos artigos 12.º e 16.º do RJAT, a dispensa de pagamento do pagamento da taxa arbitral subsequente e de eventuais encargos administrativos.
Protesta juntar: Procuração forense com poderes especiais”.
Em 25-10-2022 a Requerida apresentou as suas alegações escritas, em que defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, requer a absolvição do pedido.
A 09-12-2022, foi proferido despacho arbitral determinando que a Requerente juntasse a procuração com poderes especiais.
Em 18-01-2023, por despacho arbitral, foi solicitado à Requerente que juntasse a procuração com poderes especiais e que informasse as razões por ainda não ter junto essa procuração. E decidiu-se a prorrogação por dois meses, do prazo para prolação da decisão arbitral, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.
No dia 23-01-2023 a Requerente veio juntar aos autos a procuração forense com poderes especiais para transigir e declaração de ratificação do propósito de desistência da instância.
No mesmo dia foi proferido despacho arbitral em que se determinou a notificação da Requerida para se pronunciar querendo, sobre o requerimento de desistência da instância.
A AT, no dia 24-01-2023, comunicou que: “notificada para se pronunciar sobre o Requerimento de desistência da instância apresentado pela Requerente vem pelo presente dizer nada ter a opor ao requerido”.
II. Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
III. Fundamentação
Considerando o exposto, conclui-se que as questões a decidir são a extinção da instância por desistência apresentada pela Requerente e o valor das custas devidas, considerando que a Requerente, no Requerimento de 24-10-2022, requer: “nos termos do artigo 537.º do CPC e dos artigos 12.º e 16.º do RJAT, a dispensa de pagamento do pagamento da taxa arbitral subsequente e de eventuais encargos administrativos”.
1. Do direito aplicável:
A desistência da instância está prevista no artigo 277.º e seguintes do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º n.º 1 do RJAT.
- O artigo 277.º do CPC determina que
“A instância extingue-se com: (...)
d) A desistência, confissão ou transação;”
- E o artigo 285.º n.º 2 do CPC dispõe que:
“A desistência da instância apenas faz cessar o processo que se instaurara.”.
- Determina ainda o artigo 286.º, n.º 1 do CPC:
“A desistência da instância depende da aceitação do réu desde que seja requerida depois do oferecimento da contestação.”
- o artigo 290.º do CPC dispõe que:
n.º 1 “A confissão, a desistência ou a transação podem fazer-se por documento autêntico ou particular, sem prejuízo das exigências de forma da lei substantiva, ou por termo no processo”.
n.º 3 “Lavrado o termo ou junto o documento, examina-se se, pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, a confissão, a desistência ou a transação é válida, e, no caso afirmativo, assim é declarado por sentença, condenando-se ou absolvendo-se nos seus precisos termos.”
É de mencionar ainda, o disposto nos artigos 287.º e 45.º do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 e) do RJAT.
- artigo 287.º do CPC:
“Os representantes das pessoas coletivas, sociedades, incapazes ou ausentes só podem desistir, confessar ou transigir nos precisos limites das suas atribuições ou precedendo autorização especial”.
- artigo 45.º CPC:
“Os mandatários judiciais só podem confessar a ação, transigir sobre o seu objeto e desistir do pedido ou da instância quando estejam munidos de procuração que os autorize expressamente a praticar qualquer desses atos”.
Nos presentes autos:
- não estão em causa direitos indisponíveis da Requerente;
- a desistência da instância foi apresentada por mandatário sem poderes especiais, mas tais poderes foram-lhe posteriormente conferidos e ratificada a respetiva declaração;
- a Requerida aceitou expressamente a desistência da instância.
Assim, a desistência da instância é válida, pelo seu objeto, pela qualidade de quem desiste, vai a mesma homologada, por sentença, ao abrigo dos artigos 289.º, n.º 1, a contrario sensu, e 290.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, aplicáveis ex vi art.º 29.º n.º 1, e) do RJAT.
Como o artigo 285.º, n.º 2, do CPC, determina que a desistência da instância faz cessar o processo, extingue-se a presente instância nos termos do artigo 277.º, d), do CPC.
2. Relativamente à dispensa do pagamento da taxa arbitral subsequente e de eventuais encargos administrativos, considera-se o disposto no artigo 537.º, n.º 1. do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 e) do RJAT, que prevê que quando a causa termine por desistência, as custas são pagas pela parte que desistir.
Assim, tendo havido lugar à desistência da instância a pedido da Requerente, esta é responsável pela totalidade das custas.
III. Decisão
Considerando as posições assumidas por ambas as partes e o disposto nos artigos 277.º, e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, do RJAT, decide-se:
i). Homologar a desistência da instância apresentada pela Requerente em relação à decisão de indeferimento que recaiu sobre o recurso hierárquico n.º ...2021..., proferida através de despacho de 01.02.2022, do Diretor de Serviços do IVA, o qual recaiu sobre a decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2020..., deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos exercícios de 2016, 2017 e 2018 no valor de € 111.699,50;
ii). Extinguir a presente instância;
iii). Condenar a Requerente nas custas do processo.
IV. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 111.699,50 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
V. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 2 de fevereiro de 2023
Os Árbitros
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(Regina de Almeida Monteiro - Árbitro Presidente e relator)
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(Elisabete Flora Louro Martins Cardoso- Árbitro Adjunto)
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(Raquel Montes Fernandes - Árbitro Adjunto)