SUMÁRIO:
Nos termos do art.º 18.º nº 2 do CIRC, e ao abrigo do princípio da justiça, sempre que um gasto imputável a período anterior seja efetivo e documentado, não fosse conhecido na data do encerramento do balanço do período a que alegadamente respeita, já não seja possível a correção simétrica, e a sua transferência para exercício posterior não revele intencionalidade prejudicial nem efetivamente cause qualquer prejuízo à Fazenda Pública, deve ser admitida a sua dedução, abstendo-se a AT de tributar o montante correspondente.
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
A..., S.A. (doravante designada por “Requerente”), com o número de identificação fiscal..., com sede na Rua ..., ..., ..., ...-... ..., apresentou, em 11-04-2022, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), 5.º, n.º 3 al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 10.º, n.º 1, al. a), todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”), nos artigos 97.º, 102.º, n.º1, al. e) do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e no art.º 137.º do Código do IRC (CIRC), pedido de pronúncia arbitral, com vista a:
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A declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o ato de autoliquidação de IRC constante da declaração de rendimentos Modelo 22 de substituição nº ..., referente ao período de tributação de 2017 (processo de reclamação graciosa nº ...2021...).
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A anulação parcial da autoliquidação de IRC do exercício de 2017, na parte em que, por erro, foi acrescido o montante de 3.400.000,00 euros ao campo 721.
É demandada a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “Demandada”, “Autoridade Tributária” ou simplesmente “AT”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 13-04-2022.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como membros do tribunal arbitral coletivo os árbitros Regina Monteiro (presidente) e os árbitros adjuntos Nina Aguiar (relatora) e Elísio Brandão.
Em 19-04-2022, foram as Partes devidamente notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 23-06-2022.
A Requerente baseia a sua pretensão nos seguintes factos e argumentos, em termos resumidos:
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No âmbito de uma operação de fusão por incorporação registada em 18.01.2021, a A..., S.A. sucedeu à. B..., Unipessoal, Lda.
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No período compreendido entre os anos de 2013 e 2017, a C..., Unipessoal, Lda. e a A..., S.A. eram entidades independentes ou não relacionadas para efeitos fiscais.
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A 28.06.2013 a A... intentou contra a C... ação declarativa de condenação por incumprimento de contratos e outras obrigações, relacionados com um contrato de arrendamento, em que peticionou que a ré C... fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 9.253.582,92 euros.
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A C... não considerou verificados os pressupostos para constituição de uma provisão que cobrisse o risco de perda associado à ação.
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No decorrer do processo, as duas partes chegaram a um acordo extrajudicial, o qual abrangeu não apenas a ação referida antes, mas também um outro processo a correr no Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo, nos termos da qual:
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A sociedade proprietária de 100% do capital da C... acordou pagar à D..., entidade que detinha 100% do capital da A..., o valor de 1.966.617,00, acrescido de juros.
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A C... aceitou pagar à A... o montante de 3.400.000,00 euros, num pagamento único, até ao dia 15.05.2017, quantia que foi paga em 10.05.2017.
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A C... contabilizou o pagamento, no exercício de 2017, no valor de 3.400.000,00 euros na conta 673101 – provisões do período por processos judiciais em curso, vindo a apurar nesse ano um prejuízo fiscal 4.898.381,76 euros.
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No âmbito de uma ação de inspeção externa, incidente sobre o IVA e o IRC de 2017, a Autoridade Tributária desconsiderou a referida provisão por violação do princípio da periodização do lucro tributável, vindo, numa autoliquidação de substituição, a ser reduzido o prejuízo fiscal do ano 2017 para 1.495.019,26 euros.
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Ainda que, contabilisticamente, possa ser questionável o enquadramento do valor em causa – 3.400.000,00 euros – como provisão, a Requerente entende ser inequívoca a sua dedutibilidade fiscal como gasto do período de 2017, o que inquina de ilegalidade a liquidação de IRC da C..., Unipessoal, Lda. referente a 2017.
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Nos termos do parágrafo 13 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 21 (Provisões, passivos contingentes e ativos contingentes), “uma provisão só deve ser reconhecida quando, cumulativamente:
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Uma entidade tenha uma obrigação presente (legal ou construtiva) como resultado de um acontecimento passado;
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Seja provável que um efluxo de recursos que incorporem benefícios económicos será necessário para liquidar a obrigação; e
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Possa ser feita uma estimativa fiável da quantia da obrigação.”
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Nos termos do parágrafo 22 da NCRF 21, para efeitos de registo da provisão, a probabilidade dessa obrigação presente vir a ocorrer existirá se o acontecimento for mais provável, do que não, de ocorrer, isto é, se a probabilidade do acontecimento ocorrer for maior do que a probabilidade de tal evento não acontecer.
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O que significa que, se existir uma probabilidade de mais de 50% da entidade ter de vir a pagar a quantia objeto do processo judicial em curso, então estará cumprido o critério de reconhecimento da provisão.
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Nos termos do parágrafo 37 da NCRF 21, a estimativa desse passivo (e gasto) relacionado com a provisão de um processo judicial em curso poderá ser efetuada tendo por base juízos e opiniões dos referidos peritos independentes, por norma do advogado envolvido no processo, a quem caberá pronunciar-se sobre a probabilidade de sucesso no caso concreto para efeitos de reconhecimento da provisão.
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Havendo uma probabilidade de decaimento inferior a 50%, não deverá ser reconhecida qualquer provisão, devendo apenas divulgar-se nas notas do anexo, a existência do passivo contingente, conforme previsto nos parágrafos 26 a 29 da NCRF 21.
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No caso em apreço, não foram constituídas quaisquer provisões, uma vez que da avaliação do risco efetuada pela C... nunca resultou como mais provável um risco de decaimento superior a 50%.
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A AT sustentou (relatório de inspeção) que a provisão, a ser constituída deveria ter sido concretizada no primeiro exercício em que se verificou o risco determinante da sua constituição, sem contudo, precisar qual era esse período.
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Contudo, se é de admitir que não haveria lugar ao reconhecimento de uma provisão, parece claro que estavam verificados os requisitos legais para se reconhecer o gasto, o que se invoca para os devidos efeitos legais.
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Desde logo, tendo presente que o gasto em causa resulta de um litígio, e que a indemnização efetivamente paga corresponde a cerca de 1/3 (37%) da indemnização inicialmente pedida, parece claro que não se mostra razoável admitir que deveria ter sido constituída uma provisão em 2016, pois nesse momento não era certo o acordo das partes, nem tão pouco o valor da indemnização a pagar, como se veio a confirmar.
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O princípio da especialização dos exercícios exige uma interpretação e conjugação hermenêutica do sistema tributário, em particular com o princípio da justiça.
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No caso sub judice e na decorrência do princípio de que o custo está associado ao momento em que o mesmo é incorrido e formalizado, é entendimento da Requerente que o gasto com a indemnização devida pela C... tem que ser registado no exercício de 2017, ano em que se formalizou o acordo extrajudicial que determinou a obrigação de pagamento do valor de 3.400.000,00 euros, pois o encargo emerge de um acordo extrajudicial cujos termos finais foram acordados e formalizados em 2017.
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Só não seria assim, se, no final do exercício de 2016, emergisse de forma clara a obrigação de pagamento, ainda que diferida a sua formalização para o ano seguinte, o que não é o caso, sendo que inexiste, aliás, qualquer indício dessa mesma circunstância, nem a reserva efetuada pelos auditores poderá ser invocada nesse sentido.
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O gasto em causa, uma indemnização, é enquadrável no art.º 23.º, n.º 2, al. m) do CIRC, o que significa que é um gasto dedutível.
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Uma determinada classificação contabilística, de acordo com a jurisprudência (STA, 17.06.2015, proc. 01426/14), não permite que se ignore a realidade material ou substancial subjacente, nem impede que se indague a efetiva materialidade e natureza da realidade subjacente e não apenas a sua veste contabilística.
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O gasto em causa é um gasto imputável ao exercício de 2017.
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Da jurisprudência resulta que, nos casos em que a violação do princípio da especialização dos exercícios decorra de erro ou omissão involuntária do sujeito passivo; não seja possível a correção do referido erro; e inexista prejuízo para a Fazenda, os atos tributários que vierem a ser praticados em desrespeito do princípio da justiça deverão ser anulados por vício de lei e do princípio da justiça.
A Requerente termina pedindo a anulação parcial da autoliquidação de IRC do exercício de 2017, na parte resultante da adição ao lucro tributável do montante de 3.400.000,00 euros e a condenação da Autoridade Tributária no pagamento das custas de arbitragem.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada para o efeito, apresentou resposta.
Na sua resposta suscitou a exceção de caducidade do direito de ação, com os seguintes fundamentos:
Por exceção
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O prazo para propor a presente ação administrativa, é, de acordo com o estatuído na al. b) do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA, de 3 meses.
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Admitindo-se que a presente ação é o meio idóneo para reagir ao indeferimento expresso da reclamação graciosa, o prazo de 3 meses conta-se a partir da do indeferimento expresso da reclamação graciosa.
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As datas que relevam, no presente caso, para efetuar o cálculo do prazo expendido, são: I. O ofício da decisão final da reclamação graciosa interposta pela ora Requerente foi expedido a 04-01-2022; II. A decisão final de indeferimento expresso da reclamação graciosa foi notificada à ora Requerente a 06-01-2022 (cf. pesquisa seguir objeto CTT, cf. doc. 1 que aqui se dá por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.) III. O presente ppa, segundo consulta à plataforma CAAD, deu entrada a 11-04-2022.
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Assim, na esteira de tudo quanto atrás ficou dito, sendo o prazo para interpor o presente ppa, de 3 meses (cfr. al. d) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT ex vi art.º 3.º - A RJAT), é a partir da notificação do indeferimento expresso da reclamação graciosa que se conta o prazo de 3 meses para interposição da ação em análise, verificando-se assim, que a Requerente poderia ter submetido o presente pedido, no limite, até dia 06-04-2022.
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Em 11-04-2022 o direito de ação da Requerente já havia caducado.
Por impugnação
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Decorre dos autos, com toda a clareza e segurança, que a Requerente não logrou provar que o conhecimento da obrigação de pagamento ocorreu apenas no decurso do período tributável de 2017.
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Pelo contrário, a análise dos elementos disponibilizados à AT é claramente concludente de que, pelo menos em 2016, já era do pleno conhecimento do SP B.../C... a obrigação de pagamento, devendo, por isso, ter então constituído a necessária provisão.
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Para sustentar a sua tese, de que os factos que determinam a constituição da provisão ocorreram apenas no período tributável de 2017, a Requerente junta aos autos o documento n.º 3, que corresponde ao acordo ratificado judicialmente em 2017.
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De uma análise minuciosa ao documento em causa, conclui-se que no mesmo não se encontra evidenciada qualquer data que permita concluir, sem margem para dúvidas, que o acordo foi efetivamente celebrado entre as partes apenas no ano de 2017.
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Aliás, a única referência ao ano de 2017 que consta do acordo respeita, não à data da sua celebração mas, outrossim, à data limite para concretização do pagamento da indemnização nos termos acordados e, bem assim, a obrigação de solicitar junto das autoridades judiciais Portuguesas o sancionamento do mesmo e, consequentemente, o encerramento da ação, como é observável na cl.ª 2ª.
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Sucede, porém, que uma data limite estabelecida mutuamente para concretizar um pagamento não se pode confundir com a data de celebração do acordo no qual é assumido entre as partes a efetivação desse pagamento.
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E assim é, desde logo porque o ato de pagamento se traduz num movimento de natureza estritamente financeira.
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Ao invés, a celebração do acordo consubstancia a assunção de uma obrigação, sendo essa que economicamente determina o momento em que o gasto é incorrido e, por isso, é nessa ocasião que tem de ser reconhecido para efeitos contabilísticos e fiscais, por vigorar em matéria de direito fiscal e contabilístico o princípio económico para registo das operações, por força do disposto pelo n.º 1 do art.º 18.º do CIRC e, bem assim, por determinação das regras contabilísticas descritas na EC-SNC, mormente nos seus §§ 22, 23 e 90.
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Mais ainda, sem conceder ou prescindir, mas à cautela, ainda que do documento em análise se obtivesse, mas não se alcança, sem margem para quaisquer dúvidas, que efetivamente o acordo apenas foi celebrado no decurso do ano de 2017, atendendo à natureza dos gastos subjacentes às provisões – fornecido pelo conceito constante nos §§ 10 e 11 da NCRF 21, o que importa demonstrar, de forma clara, concreta e objectiva, é quando foram iniciadas as “conversações” entre as partes envolvidas que conduziram à celebração de tal acordo, pois é esse o momento determinante para se concluir sobre a existência de uma obrigação «no período presente, que com probabilidade poderá originar a saída de fluxos no futuro», cfr. o § 13 da NCRF 21, aliás, transcrito pela Requerente no ppa.
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Sendo certo que, estando em causa um ato de autoliquidação, observadas as regras gerais do ónus da prova prescritas pelo art.º 74.º da LGT impende sobre si – Requerente – o ónus da prova dos factos que alega, nos quais sustenta a ilegalidade do ato que pretende ver parcialmente anulado.
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Quanto a este dever de prova, que estamos em presença de documentos cujo conhecimento e acesso é exclusivo da Requerente pelo que apenas a ela é possível disponibilizá-los para serem objeto de análise por parte da AT.
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Do documento disponibilizado pela Requerente contendo a decisão arbitral proferida pelo Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo constata-se que esta decisão foi tomada em 2016-05-18.
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Verificando-se, igualmente, que o mesmo foi assinado eletronicamente, por advogado português em 2016-05-30, como é visível na última página do documento,
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Da leitura exaustiva desta decisão arbitral conclui-se, sem margem para dúvidas, que as matérias em causa reportam às que se encontram em discussão no processo que corria trâmites no tribunal português, como ali se faz referência, entre outras, as que ora transpomos (...).
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Sublinhe-se que a inequívoca correlação entre o acordo final e a decisão proferida pelo Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo a 2016-05-18, é a própria Requerente que a identifica quando no §12.º do ppa afirma: “No decorrer do processo, as partes chegaram a um acordo extrajudicial ("Acordo") que incluiu o processo acima identificado e um outro processo que correu termos no Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo, nos termos do qual a E... [Entidade que detinha 100% do capital da C...] acordou pagar à D... [Entidade que detinha 100% do capital da A...] o valor de € 1.966.617,00, acrescido de juros (cfr. resulta dos pressupostos do Acordo, que se junta como documento n.º 3).”
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Desconhece-se, porque a Requerente não disponibilizou elementos que permitam aferir com certeza, a data exata em que o acordo foi celebrado entre as partes.
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Sabe-se, com certeza e segurança, que pelo menos desde 2016 já era conhecida a existência de uma obrigação de pagamento, como se extrai da decisão pelo Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo em 2016-05-18, facto igualmente destacado pela UGC quando decidiu no sentido do indeferimento da RG.
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Posto tudo o que antecede, é inequívoco não assistir razão à Requerente quando afirma que só em 2017 teve conhecimento da obrigação porquanto, na realidade, o facto que ocorreu em 2017 foi um ato de natureza financeira, consubstanciado num pagamento e não a ocorrência de uma obrigação, sendo esta que releva para efeitos de constituição e reconhecimento contabilístico-fiscal do gasto subjacente à provisão para processos judiciais em curso.
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Como igualmente lhe não assiste razão quando advoga que no indeferimento da RG a AT não fundamenta a razão de a provisão-gasto dever ser reconhecido em 2016 e não em 2017, pois, como ficou demonstrado, no ponto 24 da informação elaborada pela UGC, acima transcrito, consta explicitamente essa fundamentação.
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Dos factos comprovados resulta, claro, que ao contrário do defendido pela Requerente, em 2016 era do perfeito conhecimento da ora Requerente a existência da obrigação – note-se que a decisão proferida pelo Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo data de 2016-05-18 –, sendo certo que igualmente era conhecido com elevado grau de certeza o montante do valor a pagar
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O ato de liquidação cuja legalidade a Requerente coloca em causa com o presente ppa, não resultou de qualquer correção efectuada posteriormente à ação de inspeção porquanto, em abono da verdade, a tal ato de liquidação estão subjacentes os valores declarados pelo próprio SP, ora Requerente, evidenciados na DR MOD 22 de substituição entregue voluntariamente no dia 2019-12-04.
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Significa, portanto, que não estamos em presença de uma qualquer liquidação adicional de IRC, emitida nos termos do n.º 12 do art.º 90.º do CIRC, como subliminarmente se poderá depreender das alegações aduzidas pela Requerente – mormente nos §§ 56.º a 58.º do ppa – mas, outrossim, trata-se de um ato de autoliquidação efetuado nos termos conjugados do disposto pela al. a) do art.º 89.º, pela al. a) do n.º 1 do art.º 90.º, e pelo n.º 1 do art.º 122.º, todos do CIRC.
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É certo que a Requerente B.../ C... foi objeto de uma ação de inspeção externa incidente sobre as operações por si realizadas relativamente ao período tributário de 2017, no âmbito da qual os SIT da DF Lisboa constataram a existência de diversas irregularidades em sede da determinação dos resultados fiscais e imposto autoliquidado.
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Contudo, quando das mesmas teve conhecimento, ainda no decurso da ação de inspeção, certamente por reconhecer que estavam em causa atos violadores do quadro jurídico-fiscal que regula a determinação dos resultados fiscais e imposto, de sua livre e espontânea vontade decidiu promover os necessários ajustamentos aos resultados fiscais e imposto inicialmente autoliquidados, regularizando, deste modo, voluntariamente as irregularidades observadas pelos SIT, diligenciando para esse efeito um novo ato de autoliquidação.
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A dependência da fiscalidade face à contabilidade decorre das regras vertidas no n.º 1 do art.º 17.º do CIRC, verificando-se, nesses termos, uma dependência parcial e não total, não sendo inócuo tal princípio, porquanto do mesmo decorre que, em tudo o que não se encontre expressamente regulamentado nas leis fiscais, têm de ser observadas as prescritas pelo direito contabilístico.
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A principal característica deste modelo é a existência de uma conexão formal que se reconduz ao princípio do balanço único.
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Para concretização desse princípio, e por exigência constante na al. a) do n.º 3 do art.º 17.º do CIRC, os sujeitos passivos devem organizar a sua contabilidade «de acordo com a normalização contabilística».
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Portanto, antecedentemente à verificação do cumprimento, ou não, do quadro jurídico-fiscal, importa que se afira e analise se efetivamente foram ou não observados os métodos e regras que, atentos os normativos contabilísticos, presidem à determinação dos resultados contabilísticos.
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Está em causa o problema relativo ao momento em que o sujeito passivo, ora Requerente, B.../C... teve conhecimento sobre a existência de um gasto de natureza cautelar, destinado a precaver uma saída de recursos – pagamento futuro –, pese embora nesse momento o mesmo fosse incerto quanto à tempestividade e quantitativo a despender.
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Ou seja, saber se foi em 2016 ou apenas em 2017 que os factos que determinam a constituição da provisão ocorreram.
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Segundo a correta interpretação defendida pela AT – de que tais factos ocorreram no período tributável de 2016 – cumpre aferir se efetivamente estamos perante uma situação em que a aplicação do princípio da periodização do lucro tributável – n.º 1 do art.º 18.º do CIRC – deve decair fazendo sobre ele prevalecer o princípio da justiça, avaliando também, se é possível aplicar o disposto pelo n.º 2 do art.º 18.º do CIRC
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Ou seja, repristinando, são duas as matérias sobre as quais importa decidir: 1. Analisar em primeiro lugar a matéria relativa aos factos que determinam a constituição da provisão, sustentando-nos em todos os elementos disponibilizados pela B.../C... à AT; 2. A título subsidiário, caso se venha a confirmar que os factos que determinam a constituição da provisão ocorreram no período tributável de 2016, mas que à data do encerramento de contas eram desconhecidos do sujeito passivo B.../C... sendo, por isso, passíveis de qualificação como gastos totalmente imprevisíveis e apenas cognoscíveis no período tributável subsequente, donde subsumíveis no n.º 2 do art.º 18.º do CIRC; 3. Mais, diversamente, aferir se efetivamente se pode concluir sobre a superação do princípio da periodização económica pelo princípio da justiça, comprovando-se que a Requerente não obtém qualquer vantagem fiscal com o diferimento do gasto do PT de 2016 para 2017, por forma a evitar que a não aceitação da provisão, em 2017, seja geradora de injustiça.
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Por força do princípio da periodização do lucro tributável (art.º 18º CIRC) em determinado período de tributação, devem ser contabilizados não só os rendimentos, mas também os gastos que nele efetivamente tenham ocorrido independentemente de se ter verificado o seu pagamento ou o seu recebimento, na medida em que o ciclo económico das operações prevalece sobre o ciclo financeiro.
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Neste sentido é despiciendo para a decisão a proferir, o argumento da Requerente no sentido de que o gasto incorreu em 2017, por ter sido apenas nesse PT que o pagamento foi efetuado.
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Segundo o n.º 2 do art.º 18 do CIRC, a imputação das componentes positivas ou negativas respeitantes a períodos de tributação anteriores apenas poderão ser reconhecidas se as mesmas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas na data do encerramento das contas do período de tributação a que respeitam, sempre que essa imprevisibilidade ou desconhecimento decorra de situações/factos externos os quais não são suscetíveis de controlo pelos próprios sujeitos passivos.
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O que manifestamente não ocorre no caso em apreço.
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Atendendo a que o primeiro ato de autoliquidação respeitante ao período de tributação de 2016 foi concretizado no dia 2017-05-25 com a entrega da necessária DR MOD 22, à data de conclusão da ação inspetiva, que ocorreu no dia 2019-12-18 com a notificação do RIT, a tempestividade relativa aos meios administrativos à sua disposição já havia precludido [uma vez que a data limite para apresentação da declaração de substituição seria 31.05.2018, e a data limite para apresentação de reclamação graciosa seria 25.05.2019].
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E quanto à possibilidade de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT, não estando em causa um erro imputável aos Serviços da AT, tal procedimento só seria possível nos termos da primeira parte do nº 1 do referido normativo, ie, no prazo fixado para a reclamação graciosa que, como já se viu, já havia precludido.
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Havendo, portanto, caso julgado administrativo, quer formal, quer materialmente.
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Finalmente, não se verificando, nos presentes autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer direito a juros indemnizatórios.
Por despacho do Tribunal Arbitral de 13-09-2022, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, considerando que não havia sido requerida a produção de prova adicional, para lá da prova documental incorporada nos autos; e que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis.
Pelo mesmo despacho foi facultada às Partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias.
As partes apresentaram alegações escritas.
Nas suas alegações, a Requerente argumenta, sobre a exceção de caducidade do direito de ação:
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A fundamentação legal apresentada pela Requerida é claramente desadequada à presente situação. Com efeito, o n.º 1 do artigo 10.º do RJAT prevê o seguinte: “1 – O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado: a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico; b) No prazo de 30 dias, contado a partir da notificação dos atos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 2.º, nos restantes casos.”
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Ora, deste artigo decorre que o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias contado a partir dos factos previstos no nº 1 e n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma.
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A Requerente deve considerar-se notificada da referida decisão de indeferimento expresso a 10.01.2022, por carta registada simples, enviada a 05.01.2022, conforme comprovativo retirado do site dos CTT.
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Considerando que a notificação foi efetuada por carta registada simples (sem aviso de receção), o disposto no n.º 1 do artigo 39.º do CPPT e no n.º 3 do artigo 39.º determina que a notificação se considera efetuada no 3.º dia posterior ao do registo (ou no 1.º dia útil seguinte).
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Portanto, datando o registo de 05.01.2022, a Requerente considerar-se-ia notificada no 3.º dia posterior (08.01.2022) que, por ser dia não útil (sábado), remete a perfeição da notificação para 10.01.2022 (segunda-feira).
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Portanto, os 90 dias para apresentação do pedido de pronúncia arbitral – previstos no artigo 10.º do RJAT – terminaram a 10.04.2022 que, por ser dia não útil, remete o término do prazo para 11.04.2022.
Por despacho de 21.12.2022, foi prorrogado por dois meses o prazo para prolação da decisão arbitral, em virtude da complexidade do processo.
II. Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é materialmente competente.
As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Foi suscitada exceção perentória (STA 2 Sec. ac. de 02-12-2020, proc. 02526/15.2BELRS, relator Joaquim Condesso) de caducidade do direito de ação, que cumpre desde já apreciar.
O presente pedido de pronúncia arbitral tem como objeto mediato o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa deduzida pela Requerente contra a liquidação de IRC impugnada (processo de reclamação graciosa nº ...2021...); e tem como objeto mediato a própria autoliquidação impugnada.
Constitui jurisprudência assente que a competência dos tribunais arbitrais tributários abrange a apreciação da legalidade dos atos tributários de segundo grau, como a decisão da reclamação graciosa.
Como diz o Tribunal Central Administrativo-Sul (TCAS-S CT, ac. de 27.04.2017, proc. 08599/15, relatora Cristina Flora), “[A] inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos atos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de atos de segundo grau, que são o objeto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes atos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objeto imediato do processo impugnatório é, em regra, o ato de segundo grau que aprecia a legalidade do ato de liquidação, ato aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do ato de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de atos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos atos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de atos de segundo grau.
O prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral encontra-se estipulado no art.º 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT que dispõe que o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma.
Não havendo dúvida de que a decisão do procedimento de reclamação é um ato suscetível de impugnação autónoma, o prazo de noventa dias contar-se-á a partir da notificação, nos termos da al. b) do nº 1 do art.º 102º do CPPT.
Quanto ao momento da perfeição da notificação, dispõe o nº 1 do art.º 39.º do CPPT que as notificações efetuadas nos termos do n.º 3 do artigo 38.º – ie as notificações efetuadas por correio registado – o que é o caso dos autos, presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
Quanto à data do registo da carta expedida pela AT contendo a notificação, a única prova existente no processo é a imagem de gravação de ecrã de uma página dos CTT da qual consta o registo informático do procedimento de registo, expedição e entrega da carta.
Embora os tribunais administrativos superiores tenham formada jurisprudência consolidada[1] no sentido de que os “prints” do sistema informático quer da AT quer dos CTT não são prova suficiente dos factos relativos ao procedimento do serviço de correios, no caso dos autos, por essa data constar dessas imagens gravadas e por não ser disputada entre as partes, dá-se como provado que a data do registo é o dia 05.01.2022.
O terceiro dia após esta data é o dia 08.01.2022, sábado, pelo que a data em que se forma a presunção de notificação se transfere para o primeiro dia útil seguinte, dia 10.01.2022.
O nonagésimo dia após o dia 10.01.2022 é o dia 10.04.2022, o qual foi um domingo, pelo que o último dia do prazo de caducidade se transfere para o dia 11.04.2022.
Tendo o pedido de pronúncia arbitral dado entrada no dia 11.04.2022, o mesmo foi apresentado antes de esgotado o prazo de caducidade do direito de ação.
Não se verifica procedente, portanto, a exceção de caducidade do direito de ação, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.
III. Questões a apreciar
A única questão a apreciar no presente processo é a de saber se a obrigação de pagamento da quantia de 3.400.000,00 euros, assumida pela C..., Unipessoal, Lda. em relação à A..., S.A. é dedutível no exercício fiscal de 2017.
IV. Fundamentação
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Matéria de facto
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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No âmbito de uma operação de fusão por incorporação, definitivamente registada a 18.01.2021, a A..., S.A. sucedeu à B..., Unipessoal, Lda., anteriormente designada como C..., Unipessoal, Lda.
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No exercício a que os presentes autos dizem respeito (2017) a A..., S.A. (“A...”) e a C..., Unipessoal, Lda. (“C...”) eram entidades distintas e independentes e a C... ainda não tinha adotado a nova firma “B..., Unipessoal, Lda.”
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À data dos factos, o capital social da sociedade C..., Unipessoal, Lda. era composto por uma única quota pertencente à sociedade de direito sueco E..., AB.
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À data dos factos o capital social da sociedade A..., S.A. era totalmente detido pela sociedade de direito sueco D... .
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Em 28-01-2003, a C... celebrou, na qualidade de subarrendatária, com a A..., na qualidade de sublocadora, um contrato de subarrendamento de parte de imóvel.
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Em maio de 2012, a C... (subarrendatária) comunicou à A... (sublocadora) a sua intenção de, após 6 meses, cessar o contrato de subarrendamento das instalações.
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Em 2013 a A..., S.A intentou uma ação declarativa de condenação, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, sob a forma de processo comum contra a C..., a título de incumprimento de contratos (de arrendamento) e outras obrigações, na qual peticionou que a C... fosse condenada ao pagamento de € 9.253.582,92 (doc. nº 1 junto ao ppa).
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A C... não constituiu, na pendência da ação, qualquer provisão para gastos relacionados com processos judiciais em curso, reconhecendo apenas o respetivo passivo contingente.
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Na certificação legal de contas do ano 2013, lê-se (doc. nº 2 junto ao ppa):
“Opinião
7. Em nossa opinião, as demonstrações financeiras referidas apresentam de forma verdadeira e apropriada, em todos os aspetos materialmente relevantes, a posição financeira de C..., Unipessoal, Lda., em 31 de dezembro de 2013, o resultado das suas operações, as alterações no seu capital próprio e os seus fluxos de caixa no exercício findo naquela data, em conformidade com os princípios contabilísticos geralmente aceites em Portugal”.
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Em 11.05.2015, a sociedade sueca D... iniciou um processo arbitral contra a sociedade sueca E..., junto do “Arbitration Institute of the Stockholm Chamber of Commerce (doc. a págs. 235 do pa).
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Neste processo arbitral foi proferido laudo arbitral em 18.05.2016, condenando a sociedade E... AB a pagar à sociedade D... a quantia de 1.966.617,00 euros (doc. a págs. 235 do pa).
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No decorrer do processo em curso no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, entre a A..., S.A e a C..., foi assinado um acordo, redigido em língua inglesa, entre: A..., S.A, a C..., a E... e D... (doc. nº 3 junto ao ppa).
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Este acordo não tem aposta qualquer data.
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Neste acordo lê-se:
“A… and D… are hereinafter referred to in an abbreviated form as Claimantes, and C… and E… are referred to in an abbreviated form as defendants, and the four companies are jointly referred to as Parties.
WHEREAS:
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The Parties brought the following legal actions against each other (hereinafter “Legal Actions”):
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Case no. …/13…TBOER, still pending before the Judicial Court of the Lisbon West Disctrict, pursuant to which A… brought an action against C… and C… brought a counterclaim against A… (herinafter “Portuguese Action”)
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Case no. V 2015, before the Arbitration Institute of the Stockholm Chamber of Commerce, pusuant to which E…, the holding company of C…, has ordered to pay to D…, the holding company of A…, € 1.966.617,00 together with interest (hereinafter “Swedish Action”).
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The Parties wish to bring an end to the still pending Legal Actions, under the terms and circumstances of this Out-Of-Court Settlement; The Parties wish to prevent future Legal Actions between themselves, under the terms and circumstances of this Out-Of-Court Settlement.
This Out-Of-Court Settlement (hereinafter the “Settlement”) is hereby entered into and signed between the Parties and it is governed by the following Clauses and the above Recitals, which form an integral part of it:
Clause 1
(Purpose of the Settlement)
This Settlement sets the terms and circumstances applicable to the dismissal, by settlement, of the Legal Actions as well as the avoidance of future Legal Actions between the Parties.
Clause 2
(Terms of the Settlement)
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The Parties withdraw all open Claims – main, alternative or counterclaims – made by them in the Legal Actions.
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The Parties agree that the Defendants shall pay to the Claimants a single payment of € 3.400.000,00 (three million four hundred thousand euros), exckuding applicable VAT, if any, in exchange for the withhdrawal of the Claims in the Legal Actions.
(...)”
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No dia 11.05.2017, foi submetido no processo nº .../13...TBOER um requerimento conjunto subscrito pela A..., SA. e pela C..., Unipessoal, Lda., dirigido ao Juízo Central Cível de Cascais (Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste), em que as partes comunicam um acordo extrajudicial a que chegaram e com o qual pretendem pôr fim ao processo judicial a correr naquele juízo, mediante o pagamento, pela C... à A... da quantia de 3.400.000,00 euros.
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A C... contabilizou o encargo, no exercício de 2017, no valor de € 3.400.000, na conta “673101 – provisões do período por processos judiciais em curso.”
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Em 28.06.2018 a C... submeteu a sua declaração Modelo 22 respeitante ao período de tributação de 2017 (n.º...), na qual não acresceu qualquer valor referente ao montante de € 3.400.000 pago no âmbito do Acordo, tendo sido apurado um prejuízo fiscal de € 4.898.381,76.
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Em 09.07.2019, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2019..., a AT iniciou ação de inspeção externa à C..., de âmbito parcial em sede de IRC e IVA respeitante ao período de tributação de 2017, em que concluiu que, “[s]ob pena de violação do princípio da periodização do lucro tributável, justifica-se a desconsideração fiscal da provisão para processos judiciais em curso, no montante de € 3.400.000” e que “uma vez que os encargos derivados do facto para o qual foi constituída reportarem a anos anteriores, pelo que não podem ser incluídos entre os gastos desde período de tributação, de acordo com o n.º 1 do art.º 39.º, conjugado com o n.º 2 do art. 18.º, ambos do CIRC.”
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No decurso do procedimento inspetivo, em 04.12.2019, a C... apresentou uma declaração Modelo 22 de substituição referente ao período de tributação de 2017 (n.º...) na qual acresceu, no campo 721 do quadro 07, o valor de € 3.400.000, eliminando assim a provisão anteriormente constituída.
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A Requerente apresentou reclamação do referido ato de autoliquidação em 16.08.2021, onde solicitou a anulação parcial do ato tributário e a dedutibilidade do referido valor como gasto do exercício – processo que correu termos na Unidade de Grandes Contribuintes da AT, sob o n.º ...2021... .
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Através de carta registada em 05.01.2022 foi a Requerente notificada da decisão final de indeferimento da reclamação, na qual a UGC entendeu que (i) o gasto não poderia ser reconhecido no exercício de 2017, que (ii) devia ter sido registado como provisão em 2016 e que (iii) por não ser já possível a revisão oficiosa da autoliquidação do exercício de 2016, estava inviabilizado o reconhecimento do gasto.
Consideram-se não provados os seguintes factos:
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Que no decorrer do processo judicial entre a A..., S.A e a C... Portugal, perante o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, as duas partes chegaram a um acordo extrajudicial, o qual abrangeu não apenas a ação referida antes, mas também um outro processo a correr no Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo.
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Que neste acordo a sociedade proprietária de 100% do capital da C... acordou pagar à D..., entidade que detinha 100% do capital da A..., o valor de 1.966.617,00, acrescido de juros.
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Que neste acordo a C... aceitou pagar à A..., o montante de 3.400.000,00 euros.
Não existem outros factos alegados e não provados com relevância para a decisão do mérito da causa.
A fixação da matéria de facto baseia-se fundamentalmente nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo junto pela AT.
Foram ainda considerados provados factos relevantes que foram alegados por uma das Partes e não impugnados pela outra Parte, após serem avaliados segundo as regras da experiência comum.
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Discussão de direito
O art.º 17.º n.º1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) dispõe que o lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e “eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.
Nesta disposição, o CIRC estabelece o princípio da dependência parcial, segundo um setor da doutrina,[2] ou da conexão formal entre a determinação do lucro tributável e a contabilidade comercial. Em termos bastante simplificados, este princípio significa que o lucro tributável é determinado com base nas contas aprovadas pela assembleia geral ou outro órgão competente, para efeitos do art.º 62.º do Código Comercial.
Além da regra de conexão formal, o art.º 17.º, nº 1 contém uma segunda regra não menos importante, a da conexão material. De acordo com esta regra, a lei tributária aceita – mais do que aceita, ordena, até – que a contabilidade que serve de base ao apuramento do lucro tributável seja elaborada de acordo com a regulação contabilística do direito comercial. A observância da lei contabilística comercial na elaboração das contas submetidas e aprovadas pela assembleia geral é condição para que o lucro tributável possa ser determinado com base na contabilidade comercial.
O que significa que, no tratamento contabilístico do facto patrimonial em causa nos presentes autos, a empresa incorporada na Requerente (C..., Unipessoal, Lda.), para que o seu lucro tributável pudesse ser apurado com base nas suas contas comerciais, estava obrigada a aplicar nas normas contabilísticas do direito comercial, as quais são constituídas, basicamente, pelas normas contabilísticas de relato financeiro (NCRF).
O facto patrimonial em causa consiste numa obrigação, assumida pela C..., Unipessoal, Lda., de pagar à Requerente (que então ainda era uma entidade independente da primeira) o montante de 3.400.000,00 euros.
Esta obrigação foi assumida pela sociedade C..., Unipessoal, Lda. na sequência de um acordo extrajudicial relativo e extintivo do processo n.º .../13...TBOER, que corria termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste.
Como se pode ver do documento nº 1 junto pela Requerente com a petição inicial, nesse processo, em que a Requerente era autora e a C..., Unipessoal, Lda. era ré, estava em causa uma alegada dívida, da ré C..., Unipessoal, Lda. para com a Requerente, relativa a rendas respeitantes a um contrato de subarrendamento de imóvel e serviços conexos com esse contrato de subarrendamento.
Tratando-se de uma obrigação respeitante a rendas de um contrato de arrendamento e a serviços conexos, de um imóvel em que a C..., Unipessoal, Lda. tinha, ao tempo, as suas instalações, não há dúvida nem é debatido no presente processo arbitral que, do ponto de vista qualitativo, tais obrigações constituem gastos fiscalmente dedutíveis ao abrigo do art.º 23.º do CIRC.
Também o montante dos gastos – 3.400.000,00 euros – não é discutido.
O que, sim, é discutido, é a competência temporal de tal gasto, sustentando a Requerida AT que o gasto apenas poderia ser deduzido no exercício de 2016, e sustentando a Requerente que o gasto poderia ser deduzido no exercício de 2017. Trata-se, pois, de um problema de periodização do lucro.
O gasto foi contabilizado em 2017, na conta 673101, como provisões do período por processos judiciais em curso (documento nº 5 junto com o ppa).
Entretanto, importa dizer, a empresa foi sempre reconhecendo, desde 2013, passivos contingentes relativos a este processo judicial.
Vejamos os fundamentos das duas teses em confronto.
Na página 13, ponto III.1.1.1 do Relatório de Inspeção, lê-se:
“Conforme nota 0532-A-Outras Informações-Eventos subsequentes à Declaração Anual/Informação Empresarial Simplificada (IES) do ano de 2012, em maio desse ano a C... comunicou à A... SA, por carta registada, a sua intenção de cessar o contrato de arrendamento das suas instalações em 30 de novembro de 2012. Esta comunicação foi enviada com aviso prévio de 6 meses, em conformidade com a cláusula terceira do contrato de arrendamento.
Subsequentemente ao final do ano de 2012, a empresa foi notificada de uma Ação de Processo Ordinária, movida pela A..., SA no valor de €9.253.582,92, a título de incumprimento de contratos e outras obrigações.
Na certificação legal das contas do ano de 2012, o revisor refere que na sua opinião as demonstrações financeiras da C... apresentam de forma verdadeira e apropriada, em todos os aspetos materialmente relevantes, a posição financeira da empresa, em 31 de dezembro de 2012, em conformidade com os princípios geralmente aceites em Portugal, e chamam a atenção para a Ação de Processo Ordinária interposta, a 2 de julho de 2013, pela A..., SA contra a empresa no valor de €9.253.582,92, a título de incumprimento de contratos e outras obrigações. Referem ainda que, a gerência está convicta, com base na opinião dos assessores jurídicos, que a alegação da A..., SA não tem qualquer validade, pelo que não foi reconhecida qualquer provisão nas demonstrações financeiras relacionadas com este assunto.
Na nota 0532-A - Outra Informações-Eventos subsequentes à Declaração Anual/Informação Empresarial Simplificada (IES) dos anos 2013, 2014, 2015 e 2016 é referida a existência da Ação de Processo Ordinária, movida pela A..., SA no valor de €9.253.582,92 e de que esta não tem qualquer validade, na opinião da gerência, secundada pelos seus assessores jurídicos.
No ano de 2017, a empresa reconheceu como gasto, evidenciado na conta 673001 – Provisões do período processo judiciais em curso o valor de € 3.400.000,00 relativos ao acordo para resolução do litígio decorrente da Ação de Processo Ordinária, movida, em 2 de julho de 2013, pela A..., SA no valor de € 9.253.582,92.
No relatório de gestão do ano de 2017, sobre o litígio e a sua resolução foi referido, nomeadamente que:
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A ação interposta decorreu do facto da A..., SA não ter reconhecido o encontro de contas efetuado pela C... entre as rendas a serem liquidadas pela A..., SA e os outros valores devidos por esta, relativos aos serviços prestados pela C... .
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As partes chegaram a um acordo extrajudicial, tendo a C... pago, em 10 de maio de 2017, para resolução do litígio, à A... o montante de € 3.400.000,00. «Foi efetuada uma provisão deste valor, em 2017, na rubrica Processos Judiciais em curso. Este montante foi suportado pelo Grupo, através do incremento do capital social e prestações suplementares» no montante de € 6.000.000,00.
No caso em apreço, provisão contabilística, para fazer face a processo judicial em curso, não pode ser aceite como gasto fiscal do ano de 2017, uma vez que os encargos derivados do facto para a qual foi constituída reportarem a anos anteriores, pelo que não podem ser incluídos entre os gastos deste período de tributação, de acordo com o nº 1 do art.º 39.º, conjugado com o nº 2 do art.º 18.º, ambos do CIRC.
Ou seja, as provisões são registos contabilísticos de verbas destinadas a fazer face a encargos imputáveis ao exercício em que são constituídas, de comprovação futura ou já comprovados mas de montante incerto, o que manifestamente não é o caso.
Sob pena da violação do princípio da periodização do lucro tributável, justifica-se a desconsideração fiscal da provisão para processos judiciais em curso, no montante de € 3.400.000,00, que a ser constituída deveria ter sido concretizada no primeiro exercício em que se verificou o risco determinante da sua constituição, o que aliás nunca foi a convicção da gerência da empresa.
Esta é também a opinião do fiscal único da empresa, que consta das reservas à certificação legal das contas do ano de 2017.”
No ponto III.1.1.3 – “Total de gastos não dedutíveis – Ano 2017”, o Relatório de Inspeção diz:
“Conforme relatado nos pontos anteriores, não são fiscalmente dedutíveis os gastos contabilizados a título de provisão para processo judicial em curso no montante de € 3.400.000,00 e a título de honorários no valor de € 3.362,50, o que se traduz na diminuição do prejuízo fiscal declarado de € 3.403.362,50, conforme se demonstra no quadro resumo que se segue, (...)”.
Entretanto, na sequência da notificação que lhe foi efetuada do projeto de relatório de inspeção, a C... entregou uma declaração modelo 22 de substituição, em 04.12.2019, referente ao exercício de 2017 (declaração nº ...), na qual, acatando as conclusões do projeto, acresceu no campo 721 do quadro 07 o valor de € 3.400.000,00, eliminando dos gastos de 2017 o montante de 3.400.000,00 euros contabilizado a título de provisão (documento nº 8 junto com o ppa).
Na sequência dessa declaração, a qual consubstancia também uma autoliquidação, a C... apresentou reclamação graciosa contra a mesma autoliquidação, em 16.08.2021 (documento nº 9 junto com ao ppa).
Nessa reclamação graciosa, a Requerente sustenta que o montante de 3.400.000,00 euros não pode, efetivamente, ser qualificado como provisão no exercício de 2017, mas deve ser dedutível como gasto efetivo do período.
Na Informação nº 247-AIR3/2021, que serve de fundamentação à decisão de indeferimento da reclamação graciosa, lê-se:
“20. Portanto, a Reclamante defende o pagamento no montante acordado que pôs fim ao litígio entre a mesma e a então C... efetuado em 2017 deve ser considerado como o gasto do exercício de 2017, não podendo ser considerado como provisão nesse mesmo exercício.
21. Posição esta em desacordo com a posição adotada pela inspeção tributária no âmbito do procedimento inspetivo, que considerou que a provisão constituída no exercício de 2017 na contabilidade da então C... não poderia relevar para efeitos fiscais, pois diria respeito a encargos de anos anteriores nos termos dos artigos 18º nº dois e 39º nº 1 do CIRC.
22. Ora, devemos, em primeiro lugar, ter atenção a cronologia dos factos em causa, que mais interessam.
Assim,
23. O processo judicial em causa, relativo ao incumprimento do contrato de arrendamento vigente entre a Reclamante e a então C..., existiu desde 2013, não tendo sido constituída quaisquer provisões no que a isto diga respeito até 2017 na contabilidade da C..., conforme demonstrações de resultados e extratos contabilísticos, apresentados.
24. Em 2016, o processo arbitral que correu termos na Suécia, em que eram partes as empresas-mãe da Reclamante e da então C..., que tinha como objeto a mesma questão de fundo do processo judicial português acima referido, relativo ao incumprimento do referido contrato de arrendamento, condenou a segunda no pagamento de € 1.966.617,00 à primeira, relativo às rendas e despesas relacionadas em falta desde dezembro de 2012 a março de 2016 acrescido de juros.
25. Em data que não foi possível apurar, foi celebrado acordo entre a aqui Reclamante, juntamente com sua empresa-mãe, e a então C..., juntamente com a sua então empresa-mãe que terminava com os dois litígios referidos, judicial e arbitral, onde ficou consignado que a C... iria pagar à aqui Reclamante o montante de € 3.400.000,00, tendo sido o mesmo apresentado em juízo, pondo fim ao processo judicial português, em maio de 2017.
26. Em junho de 2017, foram elaboradas as demonstrações financeiras de 2016, devidamente assinadas pela gerência da então C... .
27. Portanto, torna-se claro que a C... tinha o devido conhecimento do desfecho do processo judicial relativo ao incumprimento do contrato de arrendamento (maio de 2017) antes da elaboração das demonstrações financeiras (junho de 2017), pese embora não tenha sido possível apurar a data concreta da assinatura do acordo, mas que teria necessariamente de ser anterior à sua apresentação em juízo.
28. Neste âmbito, as normas Contabilísticas aplicáveis são claras, constando mesmo como exemplo do tratamento que deve ser dado aos acontecimentos após o período de relato a situação em análise na alínea a) do parágrafo 9 da IAS 10, onde é referido que:
«[A] resolução, após o período de relato, de um caso judicial que confirma que a entidade tinha uma obrigação presente no fim do período de relato. A entidade ajusta qualquer provisão anteriormente reconhecida relacionada com este caso judicial de acordo com a IAS 37 Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes o reconhece uma nova provisão. A entidade não divulga meramente um passivo contingente porque a resolução proporciona provas adicionais que seriam consideradas de acordo com o parágrafo 16 da IAS 37».
29. Ora, refere o parágrafo sete da IAS 10 que deve ser considerado como acontecimento após o período de relato «todos os acontecimentos até à data em que as demonstrações financeiras são autorizadas para emissão».
30. Portanto, deveria ter sido constituída uma provisão para processos judiciais em curso no exercício de 2016, e não no exercício de 2017, posto que, aquando da autorização dada pela gerência para emissão das demonstrações financeiras em junho de 2017, a mesma tinha pleno conhecimento do acordo celebrado, dado ter sido assinado pela própria, onde se previa a resolução do litígio em curso.
31. Posição esta que foi adotada na certificação legal de contas do exercício de 2016, conforme explicação da sua opinião com reservas, a fls. 303 dos autos:
«A Empresa, tal como apresentado na nota 27 ao anexo, apresenta um passivo contingente relacionado com um litígio com uma entidade parceira, que foi solucionado subsequentemente ao final do exercício, em maio de 2017. O acordo entre as partes prevê o pagamento por parte do C..., Unipessoal Lda. de uma indemnização no valor de 3400 milhares de euros. Esta situação deveria, do nosso entender, levar ao registo de uma provisão para outros riscos e encargos levando aqui o passivo e o resultado do exercício estejam sobre avaliados em 3400 milhares de euros. Adicionalmente esta sobrevalorização leva aqui o capital próprio da empresa esteja também ele sobrevalorizado no montante referido, o que caso não acontecesse, levaria é que a 31 de Dezembro de 2016 o capital próprio fosse inferior a metade do capital social (1.862 milhares de euros negativos) pelo que a sociedade encontrar-se-ia abrangida pelo art.º 35.º do Código das Sociedades Comerciais devendo, em consequência a sócia única tomar as medidas nele previstas».
32. Por outro lado, determina o regime de periodização que «os rendimentos e os gastos, assim como outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento», de acordo com o nº 1 do art.º 18.º co CIRC.
33. Assim como a alínea a) do nº 1 do artigo 39º do CIRC prevê que podem ser deduzidas as provisões «que se destinem a fazer face a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os gastos do período de tributação».
34. Ora, de acordo com o normativo contabilístico, deveria ter sido reconhecida a provisão, ou seja o gasto, no período de 2016, independentemente do seu pagamento.
35. Também neste sentido dispõe o acórdão relativo ao processo número 0164/12, de 04-09-2013 do Supremo Tribunal de Justiça, acima referido, quando refere que «sob pena de violação do princípio da especialização dos exercícios, a justificar a desconsideração da provisão, impõe-se que esta seja constituída no primeiro exercício em que se verificou o risco determinante da sua constituição».
36. Por outro lado, seguimos também a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, proferida no acórdão relativo ao processo número 0716/13, de 14-03-2018, onde se conclui que o princípio da especialização dos exercícios «deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266º, nº 2 da CRP e 55º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios».
37. No caso em apreço, a gerência tinha pleno conhecimento do acordo por ela celebrado, na pessoa do seu Country General Manager, F..., constituindo, portanto, o não reconhecimento da provisão em questão no exercício de 2016, uma omissão voluntária.”
Dos trechos transcritos, vemos que, enquanto no projeto de relatório de inspeção e, subsequentemente, no relatório de inspeção, o órgão de inspeção sustentava que a empresa (a C...) não podia constituir uma provisão no ano de 2017, para fazer face ao gasto de 3.400.000,00 euros, já na decisão do procedimento de reclamação graciosa, o órgão decisor sustenta que a empresa estava obrigada a efetuar a provisão no ano de 2016, sendo o gasto apenas dedutível nesse ano.
São duas questões próximas, mas distintas.
A primeira questão – se a empresa podia constituir a provisão no ano de 2017 – deixou de ser relevante, a partir do momento em que a mesma, através da declaração de substituição apresentada em 04.12.2019, eliminou essa provisão.
Relevante nos presentes autos é apenas saber se a C... estava obrigada a constituir a provisão no ano de 2016, como sustenta a AT na decisão do procedimento de reclamação graciosa, ou mesmo a reconhecer o gasto a outro título, no exercício de 2016.
Em termos de regulação contabilística, é aplicável a Norma Contabilística de Relato Financeiro nº 21 (embora quer o relatório de inspeção, quer a decisão da reclamação graciosa façam referência aos International Financial Standards nºs 37 e 10, não justificam em lugar algum a aplicação direta destas normas, sendo certo que estas normas são de aplicação direta, a empresas portuguesas, apenas em casos muito restritos, em que a empresa em causa não se enquadra. A questão, contudo, não tem relevância prática, uma vez que a NCRF nº 21 é uma transposição da IAS 37).
A NCRF nº 21 diz:
Definições (parágrafos 8 e 9)
8 — Os termos que se seguem são usados nesta Norma com os significados especificados:
(...)
Provisão: é um passivo de tempestividade ou quantia incerta.
Reconhecimento (parágrafos 13 a 34)
Provisões (parágrafos 13 a 25)
13 — Uma provisão só deve ser reconhecida quando cumulativamente: (a) uma entidade tenha uma obrigação presente (legal ou construtiva) como resultado de um acontecimento passado; (b) seja provável que um exfluxo de recursos que incorporem benefícios económicos será necessário para liquidar a obrigação; e (c) possa ser feita uma estimativa fiável da quantia da obrigação.
Destas duas disposições pode retirar-se que:
-
Uma provisão deve ser constituída quando existe certeza sobre a existência da obrigação, sendo incertos, apenas, o tempo da sua exigibilidade ou a sua quantia;
-
A provisão deve ser constituída quando seja provável que se irá tornar necessário um exfluxo de recursos para cumprir a obrigação (ie., que o cumprimento da obrigação será exigido);
-
Quando possa ser efetuada uma estimativa fiável da quantia da obrigação.
A partir daqui, iremos colocar duas questões: a primeira, se, no caso, se prova que estavam verificados os requisitos para a constituição da provisão em 2016; a segunda, qual a consequência, no plano fiscal, de, estando verificados tais requisitos, não ter sido constituída a provisão nesse ano.
Quanto aos elementos de prova de que se encontravam verificados os requisitos para a constituição da provisão, interessa, em primeiro lugar, considerar o acordo extrajudicial em que é acordado o pagamento da quantia de 3.400.000,00 euros pela C... à A..., S.A.
Referentes a este acordo existem dois documentos:
-
Um documento redigido em língua inglesa, firmado entre a A..., SA., a D... (sociedade sueca), a C..., Unipessoal, Lda., e a E..., AB (sociedade sueca);
-
Um requerimento conjunto subscrito pela A..., SA. e pela C..., Unipessoal, Lda., dirigido ao Juízo Central Cível de Cascais (Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste), em que as partes comunicam o acordo extrajudicial a que chegaram e com o qual pretendem pôr fim ao processo judicial a correr termos naquele juízo (processo nº .../13...TBOER).
Quanto ao primeiro documento – o acordo propriamente dito – não contém a data da sua assinatura.
O segundo documento tem a data oficial de 11.05.2017.
O que significa que destes dois documentos não se consegue extrair prova de que o acordo já existia, e, portanto, a obrigação de pagamento da quantia de 3.400.000,00 euros por parte da C... já era conhecida (já era uma “obrigação presente”) à data do encerramento do balanço de 2016.
Um terceiro elemento de prova a ter em conta é o relatório de certificação legal de contas referente ao ano 2016, elaborado pela G... e assinado em 16.10.2017 pelo revisor oficial de contas H... (páginas 231 do processo administrativo).
Nesse relatório lê-se:
“Em nossa opinião, exceto quanto aos efeitos da matéria referida na secção «Bases para a opinião com reservas», as demonstrações financeiras anexas apresentam de forma verdadeira e apropriada, em todos os aspetos materiais, a posição financeira da C..., Unipessoal, Lda. em 31 de Dezembro de 2016, o seu desempenho financeiro e os seus fluxos de caixa relativos ao ano findo naquela data de acordo com as Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro adotadas em Portugal através do Sistema de Normalização Contabilística.
Bases para a opinião com reservas
A Empresa, tal como apresentado na nota 27 do anexo, apresenta um passivo contingente relacionado com um litígio com uma entidade parceira, que foi solucionado subsequentemente ao final do exercício, em maio de 2017. O acordo entre as partes prevê o pagamento por parte da C..., Unipessoal, Lda de uma indeminização no valor de 3.400 milhares de euros. Esta situação deveria, no nosso entender, levar ao registo de uma provisão para outros riscos e encargos, levando aqui o passivo e o resultado do exercício estejam sobreavaliados em 3.400 milhares de euros. (...)”
O que este trecho prova é que o revisor tinha, no momento da certificação legal das contas, em 16.10.2017, conhecimento da comunicação do acordo ao tribunal, efetuada em 11.05.2017.
Ou seja, o documento da certificação legal de contas também não prova que o acordo era conhecido da C... em 2016 e que a obrigação de pagamento da quantia de 3.400.000,00 euros era conhecida à data do encerramento do balanço.
Contudo, a Autoridade Tributária, na decisão da reclamação graciosa, chama à colação outra norma contabilística, a IAS 10, que tem correspondência na NCRF 24.
A NCRF 24 regula os casos em que as entidades devem ajustar as suas demonstrações financeiras devido a acontecimentos após a data do balanço.
Os parágrafos 5 e 6 dessa Norma dizem:
Reconhecimento e mensuração (parágrafos 5 a 10)
Acontecimentos após a data do balanço que dão lugar a ajustamentos (parágrafos 5 e 6)
5 — Uma entidade deve ajustar as quantias reconhecidas nas suas demonstrações financeiras para refletir os acontecimentos após a data do balanço que dão lugar a ajustamentos.
6 — Exemplos de acontecimentos ocorridos após a data do balanço que dão lugar a ajustamentos e que exigem que uma entidade ajuste as quantias reconhecidas nas suas demonstrações financeiras, ou que reconheça itens que não foram anteriormente reconhecidos, são:
-
A resolução, após a data do balanço, de um caso judicial que confirma que a entidade tinha uma obrigação presente à data do balanço. A entidade ajusta qualquer provisão anteriormente reconhecida relacionada com este caso judicial de acordo com a NCRF 21 — Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes ou reconhece uma nova provisão. A entidade não pode divulgar meramente um passivo contingente porque a resolução proporciona provas adicionais que seriam consideradas de acordo com da NCRF 21;
-
(...)
Ora, o que temos no caso presente, é um acordo que diz respeito não apenas ao litígio que opunha a C... e a A..., mas um conjunto de situações que extravasam esse litígio e que abrangem subjetivamente duas outras entidades, as sociedades suecas E... AB e a D... .
E nesse acordo, como se viu antes na matéria do probatório, o que é inicialmente acordados é que as duas sociedades denominadas “Defendants” – que são a C... e a E... AB – assumem, em conjunto, a obrigação de pagar às outras duas a quantia de 3.400.000,00 euros.
Portanto, além de não se saber qual a data deste acordo, também não se pode afirmar que é desse acordo que resulta a obrigação, para a C..., de pagamento da quantia de 3.400.000,00 euros.
O que mostra que o acordo, cuja única data conhecida é maio de 2017, é um acontecimento superveniente ao balanço, pelos elementos de prova que se conhecem, mas não é configurável como um facto que confirme que a entidade tinha uma obrigação à data do balanço, no montante de 3.400.000,00 euros.
Só poderíamos afirmar que o gasto é um gasto incorrido em 2016 se pudéssemos afirmar também com certeza que o acordo que fez nascer a obrigação para a C... foi assinado em 2016, o que não se verifica.
Acresce que, além da incerteza da situação e da subjetividade da norma dos parágrafos 5 e 6 da NCRF 24, a aplicar-se esta norma – ie, a considerar-se o acordo como um facto superveniente à data do balanço que obrigasse à modificação do mesmo – o gasto nunca poderia ser contabilizado em 2016 como uma provisão, como defende a AT, pois já nada haveria de incerto nesse gasto: existência, probabilidade de exfluxo, competência temporal e montante. A ser imputado ao ano de 2016, por “facto ocorrido após o balanço” deveria sê-lo com um gasto efetivo. O que mostra a complexidade da questão contabilística em causa.
Mas ainda que não fosse de concluir como concluímos - que não se provam factos que tornem o gasto indefetivelmente e unicamente imputável ao exercício de 2016 - haveria ainda que analisar a segunda subquestão assinalada: que consequências deve ter, no plano fiscal, a não contabilização de uma provisão (ou de um gasto efetivo) no ano 2016 e a sua contabilização como gasto efetivo do período no ano 2017, sendo este o período em que o gasto se torna comprovadamente conhecido.
O nº 2 do art.º 18.º do CIRC diz sobre esta questão: “As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.”
No caso vertente, tendo em conta que não temos nenhum elemento probatório que prove que o acordo transacional teve lugar no ano de 2016 ou antes da data do encerramento das contas, temos de concluir que quer a existência, quer o montante, quer o momento da exigibilidade da obrigação eram desconhecidos na data do balanço, sendo, portanto, mesmo na hipótese, já de si duvidosa, de obrigatória aplicação de um ajustamento por facto superveniente, ao abrigo dos parágrafos 5 e 6 da NCRF 24, o gasto dedutível em 2017.
Esta norma, como norma especial, e ao abrigo do nº1 do art.º 17.º do CIRC, prevalece sobre a NCRF 24.
A jurisprudência que a própria AT invoca na decisão da reclamação graciosa vai nesse mesmo sentido. Referimo-nos ao acórdão do STA de 14.03.2018 (proc. 0716/13, relator Pedro Delgado) (a doutrina emanada do acórdão também citado de 04.09.2013 do Supremo Tribunal Administrativo não é aplicável, por o quadro legal, quer contabilístico quer fiscal ter mudado drasticamente) em que se diz:
“Com vista a evitar práticas de manipulação do cálculo do lucro tributável, nomeadamente o adiamento da tributação ou a sua concentração em exercícios onde a tributação possa resultar mais favorável, a lei fiscal consagra com grande rigidez este princípio da especialização de exercícios (Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Ed. Almedina, pag. 69).
Testemunho dessa rigidez é, como sublinha Rui Duarte Morais (Ob. citada, pag. 70), o nº 2 do artº 18º do CIRC que dispõe que as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.
Constitui no entanto jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que a rigidez deste princípio tem de ser colmatada ou temperada com a invocação do princípio da justiça, nas situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do acto tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa injustiça não justificada para o administrado – vide, neste sentido, acórdãos da Secção de Contencioso Tributário de 19.11.2008, recurso 325/08, de 02.04.2008, recurso 807/07, de 19.05.2010, recurso 214/07, de 25.06.2008, recurso 291/08, de 09.052012, recurso 269/12 e de 02.03.2016, recurso 1204/13.”
Muitas outras decisões poderão ser citadas no mesmo sentido.
Por exemplo, no acórdão do TCA-S de 25-11-2021 (proc. 410/04.4BELSB, relatora Ana Cristina Carvalho), diz-se:
“O artigo 18.° do CIRC consagra o princípio da especialização dos exercícios ou autonomia dos exercícios, para efeitos de tributação, segundo o qual, todos os proveitos e os custos devem ser contabilizados no período (ano) em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou do seu pagamento.
Também designado por princípio da periodização do lucro tributável, impõe tal princípio que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado.
Tal princípio comporta exceções que se encontram previstas expressamente na lei. Com interesse para o caso que nos ocupa, constituem exceções previstas no n.º 2 do artigo 18.° do CIRC (...), os casos em que haja imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento das componentes positivas ou negativas respeitantes a períodos anteriores, permitindo-se a sua imputação ao período de tributação.
(...)
A imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento quanto a um gasto respeitante a um período anterior, e sendo ao sujeito passivo que aproveita a sua dedutibilidade fiscal (artigo 23.º), faz impender sobre este o ónus probatório quanto a tais circunstâncias excecionais (artigo74º, nº 1 da LGT). Não colhendo um erro contabilístico ou outro do próprio contribuinte, por lhe ser imputável (…) quando não se enquadrem neste n.º 2, ao resultado líquido do período devem ser deduzidos os rendimentos e acrescidos os gastos relativos a períodos de tributação anteriores. Concretamente pela substituição da declaração modelo 22 do período a que respeita o erro (artigo 122º) (…)»
Na petição inicial não foi invocada uma razão enquadrável no conceito de imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento. Na verdade, a Impugnante, ora recorrida, invocou que poderia ter contabilizado a fatura em causa, no exercício de 1998, contudo, afirma que a mesma deu entrada já em 1999, quando já se encontravam encerradas as contas, razão pela qual não lhe restava outra solução que não fosse contabilizar como custo no exercício de 1999.
A fatura em causa data de 31/12/1998, a ação inspetiva teve início em 18/07/2001 e a notificação do relatório final em 27/11/2002 momento em que ainda era possível a correção repondo o custo no exercício a que dizia respeito, o que não sucedeu.
Assim sendo, o raciocínio expendido na sentença, não merece censura por fazer apelo ao princípio da justiça.”
Ou ainda o acórdão do TCA-S de 13-05-2021 (proc. 1528/07.7BELSB, relatora Patrícia Manuel Pires), em que se diz:
“In casu, não há dúvida que os custos no valor de €547.844,01, assentam em faturas datadas de 2001, porquanto face a todo o supra expendido a sua imputação deveria ter sido realizada nesse mesmo ano.
Aliás, a Recorrente assume tal circunstância, no entanto advoga que tal prática tem vindo a ser implementada desde a sua transformação em sociedade anónima, e que a mesma não constituiu qualquer omissão voluntária e intenção deliberada de transferir resultados entre os exercícios com o intuito de diminuir a carga fiscal e tributação.
De facto, há um erro contabilístico reconhecido e o mesmo assume um carácter recorrente, não procedendo a esteira de razão invocada no sentido de que esta prática é adotada face a critérios de gestão interna cujo encerramento de contas do exercício ocorria no termo do mês de janeiro, desde logo, porque é desconforme com o artigo 115.º, nº4 do CIRC, descurando, outrossim, o teor do artigo 114.º, nº2, do CIRC.
No entanto, conforme já evidenciado anteriormente e, como propugna, a Recorrente o princípio da especialização dos exercícios deve ser sopesado com o princípio da justiça, sendo que numa situação em que não é colocada em causa a efetividade dos custos e a sua documentabilidade, e já não é possível fazer-se a correção simétrica, designadamente, por já não ser possível apresentar reclamação de autoliquidação, requerer a revisão do ato tributário, ou mesmo diligenciar a AT nessa correção por estar caducado o direito à liquidação, então a AT deve abster-se de tributar, ressalvadas, claro, as situações em que tenha existido uma intenção deliberada de transferência de custos com o intuito de lesar o Estado.”
No caso vertente, não é colocada a efetividade dos gastos ou a sua dedutibilidade.
Em nenhum momento a Autoridade Tributária suscitou a questão da intencionalidade fraudulenta da empresa reclamante, pelo que esta questão não foi respondida.
Seria de referir neste tocante – da intencionalidade – que a opinião do revisor oficial de contas sobre o exercício de 2016 não é uma opinião adversa, mas apenas uma opinião com reservas.
De acordo com o ponto 7 da Norma Internacional de Auditoria 705, “[O] auditor deve expressar uma opinião com reservas quanto: a) Tendo obtido prova de auditoria suficiente e apropriada, concluir que as distorções, individualmente ou em agregado, são materiais, mas não profundas, para as demonstrações financeiras; ou b) Não for capaz de obter prova de auditoria suficiente e apropriada para basear a sua opinião, mas concluir que os possíveis efeitos sobre as demonstrações financeiras das distorções por detetar, se existirem, podem ser materiais, mas não profundos.
Em contrapartida, de acordo com o ponto 8, “[O] auditor deve expressar uma opinião adversa quando, tendo obtido prova de auditora suficiente e apropriada, concluir que as distorções, individualmente ou em agregado, são não só materiais como profundas para as demonstrações financeiras”.
Também não se provou que qualquer prejuízo venha a resultar para a Autoridade Tributária do facto de o gasto ser deduzido no exercício de 2017.
E, como se diz no último acórdão citado, estando afastada a possibilidade de correção simétrica, designadamente, por já não ser possível apresentar reclamação da autoliquidação, requerer a revisão do ato tributário, ou mesmo diligenciar a AT nessa correção por estar caducado o direito à liquidação, então a AT deve abster-se de tributar.
Concluímos, assim:
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Não existem dados factuais que sem margem para dúvidas determinem o ano de 2016 como o ano de competência do gasto em causa;
-
A obrigatoriedade de proceder a um ajustamento, de acordo com os parágrafos 5 e 6 da NCRF 24, é de aplicação dúbia ao caso concreto, pois o facto que ocorre em maio de 2017 não revela sem margem para dúvida que a obrigação de pagamento já existia na data de encerramento do balanço;
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À luz da jurisprudência dos tribunais administrativos superiores, que considera ser de permitir a dedução de gastos competentes a períodos anteriores, ao abrigo do princípio da justiça, sempre que o gasto seja efetivo e documentado, não fosse conhecido na data do encerramento do balanço do período a que alegadamente respeita, já não seja possível a correção simétrica, e a sua transferência para exercício posterior não revele intencionalidade prejudicial nem efetivamente cause qualquer prejuízo à Fazenda Pública, a AT deve abster-se de tributar, admitindo a dedução do gasto.
V. Decisão
Por tudo o que ficou exposto julga-se:
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Procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2021... .
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Procedente o pedido de anulação parcial da autoliquidação de IRC do ano 2017, efetuada através da declaração modelo 22 n.º..., na parte em que foi acrescido, e consequentemente não foi deduzido, o gasto no montante de 3.400.000,00 euros em discussão nos presentes autos.
VI. Valor do processo
Nos termos do art. 97.º-A nº 1, al. a) do CPPT do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em 714.000,00 euros.
VII. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 10.404,00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida.
Notifiquem-se as Partes.
Lisboa, 15 de fevereiro de 2023.
O Árbitro Presidente
(Regina de Almeida Monteiro)
O Árbitro vogal
(Nina Aguiar - Relatora)
O Árbitro vogal
(Elísio Brandão)
[1] TCA-S CT, ac. de 10.11.2022, proc. 892/11.8 BESNTA, relatora Maria Cardoso; TCA-S CT, ac. de 09.06.2022, proc. 622/10.BESNT, relatora H. Gameiro da Silva; TCA-S CT, ac. de 30.09.2019, proc. 1325/10.2BESNT, relator Vital Lopes; TCA-N 2 Sec., ac. de 03.02.2022, proc. 01171/12.9BEPRT, relatora Ana Patrocínio.
[2] Castro Tavares, T.C. Da Relação da Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, C.T.F. n.º 396,1999.