Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 216/2022-T
Data da decisão: 2023-02-03  IRC  
Valor do pedido: € 4.000,00
Tema: IRC - Declaração de substituição.
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SUMÁRIO: I- Vigorando no nosso direito, o principio da tributação sobre o lucro real e da prevalência da substância sobre a forma, o Tribunal terá de analisar todos os pressupostos fundamentadores, incluindo os elementos não valorados, em sede própria, pela AT - porque constantes de Declaração cuja entrega entendeu extemporânea - em ordem ás exigências probatórias legalmente previstas, decidindo, se for o caso, pela ilegalidade da liquidação, quando tais pressupostos de tributação não se têm por demonstrados.

 

DECISÃO ARBITRAL

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi, em 29-03-2022, aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, sendo, nos termos legais, notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. O Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular, o signatário, notificando as partes dessa designação. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 06-06-2022.

 

I – RELATÓRIO

1- "A..., S.G.P.S., S.A"., contribuinte fiscal n.º..., com sede na ..., ..., ..., ...-..., apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira. 

 

1.1- A Requerente pede, neste processo, seja declarada a ilegalidade do indeferimento do recurso hierárquico deduzido e anulação do ato de liquidação de IRC que rejeita a dedução dos PECs no exercício de 2017, com os demais efeitos legais incluindo o pagamento de juros indemnizatórios devidos. 

 

2- Alega, entre o mais, que...


Está em causa, uma recusa, pela Autoridade tributária (AT), da dedução do montante de €4.000 ,00 à coleta de IRC de 2017 relativa a Pagamento Especial por Conta (PEC) que a Requerente pagou - e não utilizou – no apuramento do IRC de exercícios anteriores.

Tendo a AT negado essa dedução, ao longo do procedimento administrativo, tomando pretexto da primeira declaração Modelo 22, relativa ao IRC do ano de 2016, na qual constava a utilização desse valor de PECs pago nos anos de 2013 a 2016 e recusando-se a tomar conhecimento, nesse segmento, da declaração de substituição Modelo 22 apresentada da qual emerge que os PECs não foram utilizados em 2016.

Mais refere, que AT acolhe os elementos da declaração de substituição Modelo 22 de 2016, que transitaram para 2017, na parte em que eles determinam um aumento do resultado fiscal desse ano 2017, no montante de € 200.000 e, portanto, da respetiva coleta paga.

 

A declaração de substituição Modelo 22, relativa ao ano de 2016, foi apresentada em 2019 por força das alterações ocorridas na declaração modelo 22 relativa ao ano de 2014 e respetiva liquidação. Tal relatório foi notificado à Requerente, em dezembro de 2018, e foi com base no respetivo despacho e nos termos prescritos pelo artigo 122.º n.º 3 do Código do IRC que foi apresentada a declaração de substituição do ano de 2016, como aliás dos anos 2015 e 2017.

Assim, tendo este valor de acréscimo à matéria coletável sido desconsiderado em 2014, no âmbito de decisão da AT refletida no RIT, essa correção teve repercussões quer nos resultados fiscais dos anos seguintes quer no valor de Gastos de Financiamento Líquido que transitaram também para os anos seguintes.

 

2.1- Mais alega

que a Administração Tributária não se desonerou do ónus que sobre si impendia de fundamentar a legalidade da sua atuação conducente à liquidação sindicada. Isto porque como sabemos, o artigo 75.º, n.º 1 da LGT estabelece uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita.

não existindo uma fundamentação clara, suficiente e completa, de facto e de direito, os actos impugnados enfermam de vicio de forma, violando designadamente os artigos 77.º, n.º 1, da LGT e 268.º, n.º 3, CRP, devendo, por essa razão ser anulados.

 

3- Por seu turno, a AT… 

Apresentou a sua Resposta, pugnando pela manutenção na ordem jurídica da liquidação impugnada por entender que a mesma, consubstancia uma correta aplicação do direito aos factos.

 

3.1- Porquanto

Está a Administração Tributária vinculada ao princípio da legalidade previsto no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e concretizado nos artigos 55.º da Lei Geral Tributária e no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou em vigor no ordenamento jurídico, conforme se verificou no caso em apreço.

Conforme fundamentação constante da informação de suporte à decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019..., como na informação de suporte à decisão de indeferimento do recurso hierárquico, a conclusão da Requerente de que os PEC ´s pagos entre 2013 e 2016 no montante total de €4.000,00 ainda se encontravam disponíveis para efeitos da dedução à coleta nos termos da al. d) do n.º 2 do art.º 90.º e n.º 1 do art.º 93.º ambos do CIRC, não corresponde à situação jurídico-tributária vigente da Requerente pois conforme se comprovou naqueles autos aquele montante encontra-se considerado pela Administração Tributária na liquidação de IRC vigente referente ao período de tributação de 2016: liquidação n.º 2017 ... de 2017-07-21. 

Nessa liquidação de IRC (autoliquidação de IRC de 2016) a Requerente apurou uma coleta total de €4.519,34, à qual foram deduzidos os PEC ´s pagos entre 2013 e 2016 e disponíveis no montante total de €4.000,00, em observância do disposto pela al. d) do n.º 2 do art.º 90.º e n.º 1 do art.º 93.º ambos do CIRC, tendo sido apurado IRC a pagar correspondente à diferença, €519,34 (valor pago pela Requerente ao Estado em 2017- 09-25), conforme se pode constar pelo print da respetiva Demonstração de liquidação n.º 2017... notificada à requerente em 2017-08-02:

Sendo que, tal liquidação de IRC referente a 2016, não se encontra impugnada pela Requerente. Ou seja, ...contrariamente ao alegado pela requerente, os PEC´s pagos pela Requerente entre 2013 e 2016 foram utilizados na liquidação de IRC vigente de 2016.

Comprovadamente, aqueles PEC´s já foram deduzidos à coleta de IRC de 2016, tendo a Requerente apurado menos imposto a pagar naquele período de tributação, pelo que, manifestamente, não se encontram disponíveis para dedução à coleta apurada na liquidação de IRC de 2017 ora controvertida. 

 

3.2- Da alegada falta ou insuficiência de fundamentação da decisão de indeferimento controvertida e da liquidação adicional de IRC de 2017, refere a Requerida, em síntese:

Pode dizer-se que “um ato está fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal de que fala o artigo 487º, n.º 2 do CC, fica devidamente esclarecido acerca das razões que o motivaram”.

Ora, a Requerente, tanto em sede procedimental, como nos presentes autos, que demonstrou compreender cabalmente as razões de facto e de direito que motivam o ato tributário em causa nos autos, tomando, de maneira fundada, decisão de não aceitar.

Assim, considerando as liquidações de IRC vigentes nesta data, concluíram os serviços pela inexistência de qualquer ilegalidade na liquidação de IRC n.º 2019 ... de 2019-05-15 emitida em 2019-05-20 relativa ao período de tributação de 2017 e ora contestada pois é irrefutável que os PEC' s em causa nos presentes autos pagos pela recorrente entre 2013 e 2016 no montante de €4.000,00 já foram utilizados na liquidação de IRC n.º 2017 ... de 2017-07-21 emitida pela AT em 2017-07-31 referente ao período de tributação de 2016. 


4- O Tribunal foi regularmente constituído (cf. 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT) e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas. 

 

5- A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado da notificação do despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico. 

 

 6- O Tribunal determinou a dispensa de reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por se afigurar desnecessária, e as Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas, advertindo-se a Requerente da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente até à data de prolação da decisão arbitral, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

II- PROVA

1 - Factos provados

1.1- Em 03 de julho de 2015, a ora Requerente procedeu à entrega da Declaração periódica de rendimentos de IRC a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º do Código do IRC, referente ao período de tributação de 2014, (identificada com o n.º ... 2015 ...) tendo apurado e declarado um resultado tributável negativo de -267.554,90 e imposto a recuperar no montante de €600,71.


1.2- O resultado tributável negativo declarado pela Requerente foi reduzido pela AT na sequência de procedimento inspetivo externo realizado em 2018 pelos SIT da Direção de Finanças de Lisboa ao abrigo da ordem serviço n.º 012017... para um prejuízo fiscal corrigido de €-20.592,28 em resultado de correções de natureza meramente aritmética, tendo sido, consequentemente sido emitida pela AT a liquidação adicional de IRC n.º 2018 ... de 2018-12-03, respeitante ao período de tributação de 2014. 

 

1.3- Em 05 de abril de 2019, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra parte dessa liquidação adicional de IRC, nomeadamente contra a correção desfavorável à recorrente referente à desconsideração como gasto fiscal, para efeitos de apuramento do resultado tributável da sociedade A..., de gastos de financiamento líquidos no montante de €1.425.025,10 resultantes da obtenção de financiamentos que têm vindo a ser contraídos no decurso da atividade de gestão de participações sociais, por considerarem os SIT que não tinham enquadramento nas disposições do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC). Esta reclamação graciosa foi indeferida em 16 de setembro de 2019. 

 

1.4- Inconformada com a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, a Requerente apresentou e foi aceite, um pedido de constituição do tribunal arbitral, no CAAD, ao qual foi atribuído número de processo 880/2019-T, reiterando a ilegalidade da correção referida. No âmbito do no n.º 1 do art.º 13.º do RJAT, foi exarada informação que concluiu pela revogação parcial do acto relativo ao período de tributação de 2014.

 

1.5- Nos anos de 2013 a 2017, a Requerente procedeu ao pagamento dos PEC' s no montante total de€ 5.172,40.


1.6- Relativamente aos períodos de tributação de 2013 a 2015, não foram utilizados quaisquer valores a títulos de PEC'S, não tendo Recorrente apurado coleta. 


1.7- Relativamente ao período de tributação de 2016, houve lugar a uma liquidação de IRC (n.º 2017 ... de 2017-07-21) emitida pela AT em 2017-07-31 na sequência da entrega em 29 de maio de 2017 da declaração periódica de rendimentos de IRC (identificada com o n.º ... 2017...), em que foi apurado e declarado um resultado tributável de €71.735,56, matéria coletável de €21.520,67 e apurado imposto a pagar no montante de €519,34. 

Para efeitos de apuramento do lucro tributável, a Recorrente considerou uma dedução relativa ao reporte dos gastos de financiamento líquidos de períodos de tributação anteriores no montante de €131.223,96 (campo 795 do quadro 07 da DM22). Nesta liquidação de IRC referente ao período de tributação de 2016 foram deduzidos à coleta, PEC 's no montante de €4.000,00.

 

1.8- Relativamente ao período de tributação de 2017, na sequência da entrega pela Requerente, em 01-04-2019, da declaração de substituição nos termos do n.º 2 do art. 122.º do CIRC alterando o valor do resultado tributável de €208.925,68 para €408.925,68, foi emitida pela AT em 2019-05-20, a liquidação adicional de IRC n.0 2019 ... de 2019-05-15, (controvertida, nos autos). 

 

1.9- A declaração de substituição de 2016 entregue pela Requerente em 2019-03-30 em que é alterado o valor do resultado tributável do período do valor positivo de €71.735,56 para um prejuízo fiscal de - 769.340,57, traduzindo uma redução do resultado tributável de €841.076, 13, decorrente do aumento da dedução relativa ao reporte dos gastos de financiamento líquidos de períodos de tributação anteriores do montante anteriormente declarado de €131.223,96 para o valor de €972.300,0910 (campo 795 do quadro 07 da DM22), encontra-se em situação de "Doc. Não Liquidável". Nesta declaração, foi expurgado o valor de €4.000,00 na linha 356 do quadro 9. 

 

1.10- Em 27 de janeiro de 2020 a Requerente foi notificada do despacho da Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária do IR, exarado na informação n.º I2020 ... desta Direção de Serviços, que concluiu pela revogação parcial do ato relativo ao período de tributação de 2014.


1.11- Em 05 de agosto de 2019 deu entrada no Serviço de Finanças de Cascais uma Reclamação relativamente á não liquidação respeitante á Declaração de substituição/2106, que tinha sido entregue. Não constam dos autos prova do procedimento subsequente. 


2 - Factos não provados

 Não existem factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

3- Fundamentação da matéria de facto provada:

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

III- DO DIREITO/MÉRITO

1- A questão controvertida no presente processo, que impõe apreciação, prende-se com a  suposta (e, alegada) ilegalidade praticada pela AT na liquidação de IRC, referente ao período de tributação de 2017, por falta de consideração da dedução à coleta do montante de €4.000,00 referente a PEC's pagos entre 2013 e 2016 e que a recorrente entende que ainda se encontravam disponíveis porque não foram utilizados, sendo que a AT entende que já o foram, em 2016, porque inscritos na primitiva Declaração desse ano.

1.1- Interessa, pois, apreciar qual o efeito e consequência para o caso, da entrega pela Requerente de uma Declaração de substituição onde já não consta esse valor, respeitante ao ano de 2016, mas que a AT considera "não liquidável", por a entender extemporânea, não a levando minimamente em conta no procedimento.

1.2- Interessa, no seguimento, apurar se tal comportamento da AT, impõe relevância processual a nível de fundamentação do acto tributário e decisões administrativas ou apreciação do ónus da prova a considerar, bem como dos pressupostos da liquidação.

 

Vejamos

2- Cumpre referir, antes de mais, que na impugnação/contestação final do acto tributário, podem e devem ser invocados e apreciados, todos os vicios verificados ao longo do procedimento, se, naturalmente, não consubstanciarem actos destacáveis, o que notoriamente, não é o caso.

2.1- Nessa razão, importa salientar que, em rigor, não pode dizer-se que a liquidação em causa, foi baseada nos dados fornecidos pela contribuinte, na medida em que foram desconsiderados aqueles que a mesma fez integrar na sua Declaração de substituição. 

Sendo certo que a informação, fornecida pelo sistema informático - que considera a Declaração "não liquidável" - serve de base para o procedimento, mas induz, naturalmente, em erro, os contribuintes, pois leva a que os mesmos considerem que os dados constantes da Declaração de substituição que apresentaram, seriam tidos em conta no apuramento do imposto, substituindo os que discriminaram na Declaração primitiva.

2.2- Ora, quando, como aconteceu no presente caso, não são os contribuintes, expressamente notificados desse facto, ressalta, a evidência de falta de fundamentação do acto de liquidação subsequente, já que deveria ter sido dito ao contribuinte que este acto, tinha, entre o mais, como legal fundamento a não consideração dos elementos constantes dessa Declaração de substituição apresentada.

2.3-O artº 77º, nº 1 e 2 da LGT impõe ao procedimento tributário em geral, onde se inclui o procedimento tributário dirigido ao apuramento de qualquer situação tributária, a exigência de contemporânea fundamentação de facto e de direito, ainda que por meio de sucinta exposição de uns e outros, afirmando, em matéria tributária o princípio constitucional da fundamentação dos actos administrativos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos - art. 268º nº3 Constituição da República Portuguesa - também plasmado nos art.º 124º e 125º CPA.

 

Acresce que

3- No caso sub judice, a AT, nas várias decisões tomadas ao longo do procedimento, entendeu não levar em conta os dados declarados na declaração substitutiva, (por considerar que a mesma era extemporânea), ou seja, absteve-se - por razões formais - de analisar informações especificas e sobremaneira importantes para a definição da situação tributaria e cálculo do imposto.


3.1- Ora, não podemos olvidar que se impunha à AT, efetuasse todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material (princípio da investigação ou do inquisitório, consagrado no artigo 58.º, da LGT), que lhe permitissem afirmar que os factos sobre que incidiu a liquidação impugnada se aproximavam o mais possível da realidade, devendo a mesma ser mantida na ordem jurídica.

3.2- Como é bom de ver, tal actuação remete-nos para a questão do ónus probatório, porquanto a AT não cumpriu com os seus deveres/ónus, fundamentantes, acabando, inclusive, por obviar os elementos declarados pelo contribuinte, levando a que um ato tributário liquidado oficiosamente não tivesse, devidamente, em conta, todos e cada um dos fatores globalmente envolvidos, importando numa tributação que não será a realmente devida.

É sabido que desconsideração ou consideração inexacta dum pressuposto ou circunstância, acarreta, necessariamente, uma falha em toda a cadeia lógico-dedutiva, a inquinar a validade do raciocínio/resultado, pois só por meio de um procedimento verdadeiro e lógico, uma cadeia sem falhas, é possível chegar a uma válida conclusão e decisão.

3.3- Sabemos, como muito bem refere a Requerida, que, em matéria de direito fiscal vigoram, os princípios da legalidade e da tipicidade – art.º 103.º da CRP, decorrendo desses princípios que só podem ser praticados os atos que tenham enquadramento num qualquer quadro jurídico-fiscal. Sendo perentórios os prazos previstos para a correção voluntária de erros praticados no âmbito do procedimento de autoliquidação, através da entrega da DR MOD 22 de substituição, fixados no art.º 122.º do CIRC, seriam ineficazes quaisquer actos praticados fora de prazo.

3.4- Contudo, mesmo que tal extemporaneidade fosse tida como verificada, não podemos deixar de considerar que, vigorando no nosso direito, o principio da tributação sobre o lucro real e o deste recorrente, da prevalência da substância sobre a forma, o Tribunal terá de analisar todos os pressupostos fundamentadores, incluindo os elementos não valorados, em sede própria, pela AT, em ordem ás exigências probatórias legalmente previstas, decidindo, se for o caso, pela ilegalidade da liquidação, quando tais pressupostos de tributação não se têm por demonstrados.

3.5- Seguimos, por adaptação, com a devida vénia, o Acórdão do STA, proferido no âmbito do processo nº 0220/11.2: 

(...) Nestas condições, salvo o devido respeito por opinião diversa, devia ter sido considerada a declaração, (de substituição) ...do contribuinte em toda a extensão do seu conteúdo como mais um elemento a considerar para uma eventual reforma/correção da liquidação oficiosa em...ordem ao apuramento da verdade fiscal. Neste sentido segundo cremos a lição de J. Lopes de Sousa no seu CPPT comentado e Anotado 6ª edição vol. I página 507 a 509.”

...Destarte, a superveniência dos novos elementos constantes na declaração impunham a sua ponderação, pelo que nunca tendo ocorrido essa valoração, dimana inequívoco que a liquidação oficiosa não pode manter-se por padecer de vício de violação de lei por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito e excesso de quantificação, devendo ser cominada com a correspondente anulabilidade.(...)

3.6- No caso, é matéria assente que houve lugar á entrega da Declaração de 2016, recebida pela AT, onde foram corrigidos, (deixando de constar) os valores relativos a Pecs pagos nos anos anteriores, podendo ser utilizados, porque ainda estavam em tempo, no ano seguinte. Pelo que falecem os pressupostos de facto e direito para que a liquidação, nessa parte, se considere validamente efetuada.

4- Procedem, assim, tais fundamentos da Requerente, ficando prejudicados os outros segmentos do pedido, face á decisão que se profere.

 

Juros compensatórios

5- Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

5.1- Sendo que, no que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte: 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

5.2- No caso em apreço, conclui-se pelo erro na liquidação imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que há direito a juros indemnizatórios contados desde a data em que a Requerente efetuou o pagamento da quantia liquidada, até ao integral reembolso do montante pago em excesso.

 

IV- DECISÃO

Em face do exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral:

a- Julgar procedente o pedido de anulação despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico e acto de liquidação IRC/2017.

c- Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios,

d- Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

V- VALOR DO PROCESSO  

Não tendo sido impugnado o valor indicado pela Requerente, em ordem ao disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da causa em €4.000,00

 

VI- CUSTAS  

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT e Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em €612,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 03 de fevereiro 2023

 

O Árbitro

 

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(Fernando Miranda Ferreira)