Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 213/2022-T
Data da decisão: 2023-02-13  IRS  
Valor do pedido: € 4.596,04
Tema: IRS; rendimentos de capitais; e opção pelo englobamento
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SUMÁRIO:

 

I – O titular - residente - de rendimentos de capitais sujeitos a uma tributação autónoma a taxa especial, pode optar pelo englobamento, como expressa e concretamente refere o artigo 72.º, n.º 13, do CIRS (72.º, n.º 8, do CIRS a 31 de dezembro de 2017).

 

II – A AT deveria, ao abrigo do regime legal (ainda que promovesse a correção), ter auscultado o sujeito passivo se desejava o englobamento, advertindo-o que, na falta de resposta, tencionava promover a tributação à taxa autónoma (artigo 72.º, n.º 1, alínea d) e n.º 13, do CIRS) – aquela que se aplica, na falta de manifestação em sentido contrário. 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I - RELATÓRIO

 

1.  A..., titular do número de identificação fiscal ..., com domicílio fiscal na Rua..., n.º ..., ... –... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral  respeitante à liquidação de IRS n.º 2021... e da liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., das quais resulta o  documento de acerto de contas  n.º 2021..., com o valor de 4596,04 euros, por estimar que padecem do vício na fundamentação legalmente exigida, por violação do artigo 268.º, n.º 3, da  Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (“LGT”); vício  de ilegalidade por falta de incidência subjetiva;  vício de ilegalidade por erro na  incidência objetiva, pois a tributação deveria incidir somente sobre metade do valor auferido; e vício de ilegalidade por englobamento dos rendimentos de capitais, sem exercício da opção pelo sujeito passivo (deveriam ter sido sujeitos a taxa de tributação autónoma, atenta a falta de manifestação de vontade do Requerente no sentido do englobamento).

 

2. No dia 06/06/2022 ficou constituído o Tribunal Arbitral.

 

3. Cumprindo a estatuição do artigo 17.º, números 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”) foi, a Requerida, em 06/06/2022, notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

4. A Requerida apresentou, em 01/07/2022, a sua resposta, na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, atenta a legalidade do ato de liquidação impugnado (e do ato de liquidação de juros compensatórios).

 

5.  O Tribunal Arbitral, por despacho de 29/09/2022, dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinou a notificação das partes para, querendo, apresentarem alegações finais escritas.

 

6. O Requerente e a Requerida apresentaram alegações finais escritas em 26/10/2022 e 27/10/2022, respetivamente, mantendo integralmente as posições processuais (inicialmente) assumidas.

 

7. Tendo em conta a interposição de períodos de férias judiciais, foi proferido despacho, em 05/12/2022 e 06/02/2023, no qual se prorrogou, sucessivamente, por dois meses, o prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT. 

POSIÇÃO DAS PARTES

8. O Requerente alega, em primeira linha, que a Administração Tributária não cumpre o ónus – a que se encontra obrigada – de prova dos factos em que alicerça o seu direito à liquidação, por aplicação do artigo 74.º, n.º 1, da LGT. As liquidações em crise padecem, assim, do vício na fundamentação legalmente exigida, violando, igualmente, o artigo 268.º, n.º 3, da CRP e o artigo 77.º da LGT.

            Advoga, em segundo lugar, que as liquidações são ilegais, pois, há falta de incidência subjetiva – o valor pecuniário que se encontra na conta é da exclusiva titularidade do seu filho, facto que alega que pode ser dado como assente a partir dos documentos bancários (com diversas transferências - documentos 11 e 12).

            Defende, em terceiro lugar, que se os montantes existentes na conta co-titulada se presumem da titularidade, em partes iguais, do Requerente e do filho (facto reconhecido pela Autoridade Tributária e Aduaneira – “AT”), nunca poderia realizar uma liquidação sobre a totalidade do valor dos juros creditados, pois ao Requerente somente cabia metade.

            Alega, em quarto lugar, que a AT, ao tributar os rendimentos de capitais – juros, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”), englobando esses rendimentos aos restantes que o Requerente auferiu, praticou um ato ilegal.

Peticiona o reembolso da quantia de 4 596,04 euros, montante que resulta da demonstração de acerto de contas à liquidação de IRS n.º 2021..., do ano de 2017, bem como a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

9. A Requerida apresenta uma defesa com os seguintes fundamentos:

Sustenta, em primeiro lugar, que o Requerente não prova o que alega, desde logo, a circunstância de a conta bancária indicada pela autoridade tributária luxemburguesa (com o n.º ...), não corresponder àquela que indica ser co-titular (com o seu filho) – conta n.º LU... .

            Defende, assim, que não procede o argumento de que não foi beneficiário dos respetivos juros, pois tendo sido colocados à disposição dos titulares da conta bancária n.º ...-Eur do B... Luxemburgo devem ser objeto de tributação em Portugal – por via da residência fiscal do Requerente.

            Caso tivesse ficado demonstrado que o Requerente suportou imposto, em território luxemburguês, no tocante aos juros pagos pela instituição bancária, seria de conceder um crédito de imposto para eliminar a dupla tributação. Sucede, no entanto, que o documento apresentado foi emitido pela entidade pagadora e não pela autoridade tributária luxemburguesa, circunstância que “obsta à perceção do imposto efetivamente suportado a final” e, paralelamente, indica as retenções na fonte efetuadas sobre rendimentos pagos, não ao Requerente, mas ao seu filho, por intermédio, da conta bancária n.º LU... .

Em resumo, pugna pela improcedência total da pretensão do Requerente.

 

SANEAMENTO

 

 O processo não enferma de nulidades, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir os pedidos, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

QUESTÕES A DECIDIR

 

Nesta sequência, tendo em atenção as pretensões e posições do Requerente e da Requerida, constantes das suas peças processuais acima descritas, são as seguintes as questões que o Tribunal Arbitral deve apreciar [sem prejuízo de a solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões – cfr. artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT]:

  1. Se a liquidação de IRS n.º 2021... (e a liquidação de juros compensatórios n.º 2021...) é ilegal, por: (i) padecer do vício na fundamentação material legalmente exigida; (ii) a liquidação de IRS incidir sobre a totalidade dos rendimentos de juros auferidos em conta bancária com vários titulares; (iii) erro na incidência objetiva; e (iv) ter sido realizada por englobamento dos rendimentos de capitais auferidos;
  2. Se o Requerente tem direito ao reembolso de 4596,04 euros, montante que estima ter sido indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde o pagamento indevido até ao efetivo e integral pagamento.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

MATÉRIA DE FACTO

1. Factos com relevância para a apreciação da causa que se consideram provados

1.1. O Requerente, residente fiscal em Portugal, foi notificado pela AT, por carta de 09/06/2021, informando-o que: de “[a]cordo com os elementos disponibilizados por administrações fiscais de outros países/jurisdições, a AT teve conhecimento que no ano de 2017 auferiu rendimentos no estrangeiro que não foram declarados no anexo J da sua declaração de IRS respeitante a esse ano, pelo que foi criada uma divergência. (…) recomenda-se que, no prazo de 15 dias, proceda à regularização da situação entregando uma declaração de substituição de IRS…”.

(Documento 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

1.2.  No teor do documento recebido pela AT fornecido pela sua congénere do Luxemburgo consta que na conta n.º ...-EUR do “B... Luxembourg” foram recebidos 7630,35 euros, a título de juros.

 (Documento 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral e documento junto pela Requerida com a sua Resposta)

1.3. O Requerente apresentou, em 24/06/2021, no Portal das Finanças a seguinte justificação para a divergência: “[v]enho por este meio informar que já estive presencialmente no Serviço de Finanças da minha área de residência e informaram-me que deveria apresentar uma declaração de substituição, devido aos rendimentos obtidos no estrangeiro. Por isso aguardo documentação do Luxemburgo…”.

(Documento 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

1.4. Anexou, paralelamente, à referida justificação documentação emitida pelo B..., S.A. – Sucursal do Luxemburgo, na qual consta que foi pago um montante de 1040,07 euros, a título de juros, objeto de retenção na fonte de 208,01 euros e um segundo pagamento de juros, no valor de 6590,28 euros, objeto de retenção na fonte de 1318,06 euros. Os documentos reportam-se à conta n.º ..., titulada por C...- filho do Requerente. 

(Documento 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

1.5. O Requerente foi notificado, a 21/09/2021, do seguinte: “[a] Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) tomou conhecimento, através da troca internacional de rendimentos financeiros a que se refere o Decreto-Lei n.º 64/2016, de 11 de outubro, que, para o ano de 2017, obteve rendimentos de capitais em Luxemburgo. Da análise desta informação consta em seu nome e para o ano de 2017:

Natureza do rendimento: Capitais (categoria E)

Valor do rendimento: Juros – 7630,35 Eur

Entidade pagadora: B... Luxembourg

Número de conta: ... – Eur”.

(Documento 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral e documento junto pela Requerida com a sua Resposta)

1.6. O Requerente exerceu, em 06/10/2021, o direito de audição prévia no qual defende:

Foi-me solicitado em considerar declarar rendimentos de capitais auferidos no Luxemburgo, ora eu não declarei rendimentos porque não auferi quaisquer rendimentos no Luxemburgo e por isso venho esclarecer o seguinte:

 

  1. - Conforme decorre do certificado emitido pelo B... Sucursal de Luxemburgo que junto aqui, os rendimentos de capitais de 2017 - juros - no montante de EUR 7 630.35 foram pagos ao meu filho,  C..., contribuinte fiscal 226 224 430, que é residente fiscal no Luxemburgo há vários anos.

 

  1. - É evidente pela coincidência da origem dos rendimentos no Luxemburgo, a coincidência da categoria de rendimentos, o número da conta bancária e instituição financeira, e o valor dos ditos rendimentos, que o certificado emitido B... Sucursal de Luxemburgo clarifica que os rendimentos que os vossos serviços identificaram não me pertencem. Com efeito é a própria entidade financeira em causa que pagou os rendimentos que, para efeitos fiscais, declara no documento que junto aqui que esses rendimentos não são pagos a mim, mas ao meu filho, residente no Luxemburgo.

 

3- Acresce que esses mesmos rendimentos que me imputam foram já sujeitos a tributação no Luxemburgo como também decorre do certificado emitido pelo B... Sucursal de Luxemburgo e junto.

 

  1. - Neste sentido eu não declarei os ditos rendimentos por não me pertencerem. O certificado emitido pelo próprio banco identifica a conta, o titular e o imposto já retido na fonte pelo banco no Luxemburgo.

 

  1. - Não seria correto declarar os rendimentos que por lapso me imputam e que presumo se deva ao reporte automático de informações e cego quanto às circunstâncias de o meu filho me ter associado à sua conta poupança apenas por questão prática que é comumente utilizada por todos nós. Gomo antes referi o facto de ser segundo titular da conta do meu filho decorre apenas de uma questão administrativa de o meu fillho querer ter o Pai com acesso a esta poupança caso ele estivesse incapacitado por qualquer razão.

 

  1. - Se a Autoridade Tributária entendesse, a meu ver incorretamente, que esses ditos rendimentos me pertencem então seria necessário ter em conta o respetivo crédito de imposto (EUR 1 526.07) nos termos da convenção para evitar a dupla tributação de rendimentos entre Luxemburgo e Portugal.

 

  1. - O meu filho poderá recolher mais informação junto do B... Sucursal de Luxemburgo se entenderem necessário.

 

Em anexo declaração de imposto 2017 do meu filho C... e vossa notificação para referência.

 

(Documento 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

1.7. A AT, por despacho da Diretora Adjunta da Direção de Finanças de Lisboa determinou a correção à declaração de rendimentos do Requerente com a seguinte fundamentação: “Da análise aos argumentos e documento anexo pelo sujeito passivo no âmbito do exercício do direito de audição prévia, verificamos que, o sujeito passivo em análise é, de facto um dos titulares da conta em causa e que o montante indicado, referente a juros lhe foi posto à disposição. O documento que junta emitido pelo B... encontra-se em nome do filho que, segundo refere, é um dos titulares da conta e reside no Luxemburgo. Sendo residente em Portugal, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 15.º do CIRS, está obrigado(a) a declarar todos os rendimentos obtidos no nosso país assim como os obtidos no estrangeiro. Os motivos pessoais que levaram o sujeito passivo a ser titular da conta não têm relevância fiscal pois o facto é que é titular da conta e aufere rendimento sujeito a imposto. Refere que se a Autoridade Tributária entendesse que estes rendimentos lhe pertencem, então teria de considerar o valor de € 1526,07 referente a crédito de imposto. Contudo não junta qualquer documento comprovativo e da análise aos elementos constantes do SITI também não consta qualquer informação acerca deste valor”.

(Documento 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

1.8. A AT, por carta remetida a 18/11/2021, notificou o Requerente de que: “[p]rocedeu-se à alteração dos elementos constantes na Declaração de Rendimentos IRS, relativa ao ano de 2017, de acordo com o meu despacho de 08/11/2021, que anexamos. Assim, em resultado das alterações efetuadas aos rendimentos declarados, procederão estes Serviços à digitação da respetiva declaração de correção oficiosa de IRS/2017, de cuja liquidação será posteriormente notificado…”.

(Documento 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

1.9. O Requerente foi assim notificado da liquidação de IRS n.º 2021... e da liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., do ano de 2017, tendo resultado na Demonstração de Acerto de Contas n.º 2021..., o montante de 4596,04 euros a pagar, com prazo de pagamento voluntário até 29/12/2021.

(Documento 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

1.10. O Requerente juntou com o pedido de pronúncia arbitral dois extratos bancários de contas do B... com o n.º ... e o n.º 4..., nos quais consta: “Nome do contrato: C...” e “Nome do contrato: C...”.

(Documentos 10 e 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral)

1.11. O Requerente apresentou em 28/03/2022 o pedido de pronúncia arbitral.

(Sistema informático do CAAD)

2. Factos que não se consideram provados

2.1.  O Requerente pagou o montante de 4586,04 euros.

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos (documentos juntos pelo Requerente e pela Requerida, nos termos supra expostos). 

 

4. Fundamentação da matéria de facto que não se considera provada

 

O Requerente não juntou o comprovativo do pagamento do imposto emergente da correção efetuada.

 

MATÉRIA DE DIREITO

  1. Ordem de conhecimento dos vícios

O artigo 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), aplicável aos autos por via do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, determina que o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzem à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, aqueles (vícios) que conduzam à sua anulação, sendo o vício de violação de lei aquele que conduzirá à mais eficaz tutela dos interesses ofendidos.

            O Requerente defende que as liquidações em crise padecem do vício de falta de fundamentação substancial, pois a AT não logrou demonstrar os pressupostos da sua atuação.

            Defende a doutrina quanto ao vício de falta de fundamentação, apesar de não assegurar a mais eficaz tutela dos direitos da impugnante, “[o] seu conhecimento prioritário pode ser necessário, nas situações em que a falta de fundamentação afete a própria possibilidade de o tribunal se aperceber de qual o real conteúdo do ato impugnado, a nível dos seus pressupostos de facto ou de direito”[1].

            O Tribunal Arbitral apreciará, em primeiro lugar, se os atos em crise padecem do vício de falta de fundamentação legalmente exigida, pois, o Requerente alega que a AT não fundamenta as correções à declaração de rendimentos do Requerente do ano de 2017; subsequentemente apreciará se se verifica um vício que impeça, definitivamente, a renovação dos atos.

 

  1. Conhecimento dos vícios imputados aos atos em crise

 

O Requerente defende que os elementos invocados pela Administração Tributária não possuem adesão à realidade, nem idoneidade suficiente para lograr demonstrar os factos de que depende o direito a tributar (sendo o ónus, no seu juízo, da AT).  Sustenta, assim, que as liquidações em crise padecem do vício de falta de fundamentação substancial.

            Observa a jurisprudência[2] relativamente ao método para apurar se um ato tributário está, ou não, fundamentado: “[i]mpõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material ou substancial: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do ato; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do ato, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa…”.

A fundamentação material do ato reporta-se, assim, à real verificação dos pressupostos de facto e à correta interpretação e aplicação das normas como fundamento jurídico.

Importa, antes de mais, apurar sobre quem impendia o ónus da prova relativamente à imputação ao Requerente da omissão na sua declaração (de IRS) de juros no montante de 7630,35 euros.

O artigo 74.º, n.º 1, da LGT determina que: “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. É da responsabilidade da AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua atuação e, paralelamente, cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte do direito que invoca.

Observa, neste sentido a jurisprudência[3] que: “[e]m princípio, à AT cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos, solução hoje fixada pelo artigo 74.º, n.º 1 («O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».), da LGT e que à data se devia já considerar aplicável porque correspondente à regra geral do artigo 342.º do Código Civil (CC), de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos.”

Deste modo, tendo a AT tomado conhecimento que o Requerente, ao abrigo de um mecanismo de cooperação, auferiu rendimentos de juros obtidos no estrangeiro, cabe, em contrapartida, ao Requerente provar que não auferiu os referidos rendimentos.

 As informações prestadas pelas Administrações Tributárias estrangeiras, ao abrigo de mecanismos legais de cooperação gozam da mesma força probatória que as informações da autoridade tributária portuguesa, presunção que admite prova em sentido contrário.

Sustenta, neste sentido, a doutrina[4]:”[p]ara contrariar a força probatória das informações oficiais fornecidas pela administração tributária portuguesa, não é necessário fazer a prova do contrário, pois a lei não lhes atribui força probatória plena, bastando gerar dúvidas sobre os factos nelas afirmados, como resulta do preceituado no artigo 346.º do CC. Sendo esta a força probatória atribuída às informações oficiais produzidas pela administração tributária portuguesa, será de reconhecer a mesma às informações das administrações tributárias estrangeiras, já que seria incompreensível que se atribuísse maior força probatória a estas que àquelas.

A informação prestada pela Administração Fiscal luxemburguesa, com factualidade objetiva, faz fé.

Todavia, o artigo 76.º, n.º 4, da LGT não consagra um regime que impeça a prova em sentido contrário ou gerar dúvidas sobre os factos afirmados nas informações[5]. Ou, dito de outro modo, o Requerente estava normativamente habilitado a, apesar de o documento fornecido pela Autoridade Fiscal luxemburguesa, fazer prova em sentido contrário ou, até, gerar fundadas dúvidas sobre o seu conteúdo.

Entende, no entanto, o Tribunal Arbitral que o Requerente não o conseguiu, com a junção dos extratos bancários respeitantes às transferências efetuadas pelo seu filho para a conta bancária n.º ..., pois os documentos não evidenciam se a referida conta tem alguma ligação com a conta n.º ... (aquela em que foram recebidos os juros objeto do presente processo) e, paralelamente, à luz das regras da experiência comum, nada impediria que as transferências constituíssem doações.

Assim, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova e do confronto de tal informação oficial com os documentos fornecidos pelo Requerente para os autos, entende-se que não é suscetível de abalar o teor da factualidade nela constante: a obtenção de rendimentos – juros, no Luxemburgo.

Não padecem, assim, os atos tributários do vício na fundamentação legalmente exigida. Vejamos, agora, se padecem de outro vício gerador de violação de lei.

O titular - residente - de rendimentos de capitais sujeitos a uma tributação autónoma a taxa especial, pode optar pelo englobamento como expressa e concretamente refere o artigo 72.º, n.º 13, do CIRS (72.º, n.º 8, do CIRS, a 31 de dezembro de 2017). Destaca-se, assim, que o englobamento é uma opção do sujeito passivo.

Se o sujeito passivo exercer a referida opção pelo englobamento, fica, nos termos do artigo 22.º, n.º 5, do CIRS obrigado a englobar a totalidade de rendimentos de capitais da mesma categoria. Ou seja, o legislador, com a Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, renunciou à regra que obrigava ao englobamento de todos os rendimentos sujeitos a tributação às taxas liberatórias ou especiais.

Revertendo o enquadramento normativo para o caso sub iudice, os autos não demonstram que o sujeito passivo tenha exercido essa opção, pelo que, não podia a AT, sem manifestação de vontade do sujeito passivo englobar o rendimento.

E a conclusão diferente não podemos chegar por via da correção oficiosa empreendida pela AT que, ao abrigo do regime legal (ainda que promovesse a correção), deveria ter auscultado o sujeito passivo se desejava o englobamento, advertindo-o que, na falta de resposta, tencionava promover a tributação à taxa autónoma (artigo 72.º, n.º 1, alínea d) e n.º 13, do CIRS) – aquela que se aplica, na falta de manifestação em sentido contrário. 

Em resumo, nem a AT na sua Resposta ou o PAT referem que o Requerente exerceu a opção pelo englobamento de quaisquer outros rendimentos de capitais, pois, se tivesse sido exercida a referida opção, existiria a obrigação de englobamento de todos os rendimentos da categoria.

A liquidação de IRS (bem como a dos juros compensatórios), no segmento em crise, vai assim anulada - inexistência da concessão da opção pelo englobamento ao sujeito passivo, quando por aplicação do artigo 72.º, n.º 1, alínea d) e n.º 13, do CIRS (artigo 72.º, n.º 8, do CIRS, em 2017) à mesma teria direito.

 

  1.  Reembolso do imposto pago e condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios

 

O Requerente peticiona, como decorrência da invocada anulabilidade (parcial) do ato de liquidação de IRS, a restituição da importância indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, uma vez que procedeu ao pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.

O que significa que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.

Uma vez que vai parcialmente anulada a liquidação n.º 2021... (inexistência da opção pelo englobamento) e a de juros compensatórios, caberia à Requerida, em observância do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, restituir as importâncias de imposto necessárias ao restabelecimento da situação que existiria se os atos tributários, no aludido fragmento, não tivessem sido praticados – desconsiderando-se os rendimentos da categoria E, emergentes da comunicação da autoridade fiscal luxemburguesa.

Sobre o direito a juros indemnizatórios rege o disposto no artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida.

Na situação vertente, está em causa a errada interpretação do artigo 72.º, n.º 1, alínea d) e n.º 13, do CIRS, tendo ficado demonstrado que a liquidação de IRS em discussão padece (segmento impugnado), de erro substantivo imputável à AT, para o qual o Requerente não contribuiu, verificando-se o pressuposto de erro imputável aos serviços.

A jurisprudência arbitral tem reiteradamente afirmado a competência destes tribunais para proferir pronúncias condenatórias emergentes do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5, do RJAT, 43.º e 100.º da LGT.

Deste modo, a anulação parcial da liquidação de IRS é passível de constituir, na esfera do Requerente, o direito ao recebimento de juros indemnizatórios que visam ressarcir da ilegal privação da quantia indevidamente paga pelo período (de tempo) que perdurar.

Todavia, o Requerente não juntou qualquer documento comprovativo do pagamento do montante da liquidação de IRS (e respetivos juros compensatórios), razão pela qual, improcede, neste segmento, a sua pretensão de reembolso e de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, sem prejuízo de, se necessário, em sede de execução do julgado, caso se provem todos os pressupostos, serem reconhecidos os referidos direitos.

 

III – DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar procedente o pedido arbitral, com a anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2021..., do ano de 2017 e, bem assim, a anulação da liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., com as legais consequências;

 

  1. Julgar improcedente o pedido de reembolso do montante de imposto pago em excesso e de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios;

 

  1.  Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

VALOR DO PROCESSO

 

 

Fixa-se o valor do processo em 4596,04 euros, nos termos do artigo 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

CUSTAS

Custas a suportar pela Requerida, no montante de 612,00 euros, cfr. artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

Notifique.

 

Lisboa, 13 de fevereiro de 2023

 

O árbitro,

 

 

 

                                                                                 

Francisco Nicolau Domingos      

 



[1] Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, volume II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, p. 341.

[2] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º   03014/11.1BEPRT, de 2 de fevereiro de 2022.

[3] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0951/11, de 26 de fevereiro de 2014.

[4] Diogo Leite de Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª edição, Encontro da Escrita, 2012, p. 672.

[5] Diogo Leite de Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª edição, Encontro da Escrita, 2012, p. 672.