Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 275/2022-T
Data da decisão: 2022-12-26  IRS  
Valor do pedido: € 16.044,53
Tema: IRS; Mais-valias-Não sujeição-Habitação própria e permanente-Reinvestimento- Artigo 10º, nº 5 do CIRS.
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REQUERENTE: A..., contribuinte fiscal nº..., residente na Rua ..., ...-... ... LRS.

REQUERIDA:  AUTORIDADE TRIBUTÁRIA e ADUANEIRA.

 

SUMÁRIO:

O nº 5 do artigo 10º do Código do IRS, contém uma norma de delimitação negativa da incidência sobre o valor de realização que venha a ser reinvestido, cumpridos cumulativamente, os seguintes pressupostos: (i) quer o imóvel “de partida” (alienado), quer o imóvel “de chegada” (adquirido com reinvestimento do produto da alienação do imóvel, situado em território português ou no território de outro Estado membro da EU ou EEE) tenham como destino a habitação própria e permanente ou do seu agregado familiar; (ii) que o reinvestimento do valor de realização do imóvel “de partida” seja efectuado entre os 24 meses anteriores e os 36 posteriores contados da data da realização e que, (iii) o reinvestimento (ou a intenção de reinvestir), ainda que parcial, seja comunicado pelo sujeito passivo na declaração de rendimentos respeitante ao ano da sua alienação.[1]

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

I-RELATÓRIO

1.O identificado peticionante (doravante designado por Requerente ou Sujeito Passivo) apresentou em 2022-04-19 pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 dos artigos 2º, 5º, nº 2, alínea a), 6º, nº 1 e10º, nºs 1 e 2, todos do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por RJAT), e dos artigos 1º e 2º  da Portaria nº 112-A, de 2 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2020... e do recurso hierárquico nº ...2021..., que se lhe seguiu, bem assim como a declaração de  nulidade do acto de liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, nº 2020..., no montante de 23.752,79 € referente ao ano de 2019.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral tributário foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do Presidente do CAAD em 2022-04-20 e notificado à Requerida nos termos legais, nessa mesma data.

 

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário, que comunicou àquele Conselho a aceitação do encargo, no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

4. Em 2022-06-08 foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 3, alíneas a) e b) do RJAT, na redacção que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

5. O tribunal arbitral singular ficou constituído em 2022-06-29 de acordo com a prescrição da alínea c) do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferido pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

6. Devidamente notificada para tanto, através de despacho de 2022-06-29 a Requerida apresentou em 2022-09-09 a sua resposta, tendo nessa mesma data procedido à junção do processo administrativo instrutor (PA).

 

7. Por despacho proferido em 2022-09-11 devidamente notificado às partes, que fundamentou, para além do mais, a dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, foram as partes convidadas a apresentar, querendo, alegações escritas, e designada data limite para a prolação da decisão e sua notificação às partes.

 

8. O Requerente apresentou em 2022-09-30 alegações escritas, onde, fundamentalmente reitera e reforça o constante das suas peças processuais, procedendo ainda à indicação de jurisprudência em abono da sua tese.

 

9. Por seu turno, a AT nas suas alegações escritas, juntas aos autos em 2022-09-27, reitera, fundamentalmente a posição já devidamente expressa em sede administrativa na reclamação graciosa e recurso hierárquico.

 

10. A fundamenar o seu pedido o Requerente, invoca em síntese, e com relevo para o que aqui importa, o que segue (que se menciona maioritariamente por transcrição);

 

10.1.O Requerente obteve uma mais valia imobiliária, em resultado da alienação, em 30 de Setembro de 2019, da “fracção autónoma designada pela letra “C” que corresponde ao Piso Um -Letra B, U-  para habitação, com box ..., no piso menos dois, sito em ..., Lote ..., união das freguesias de ... e ..., concelho de Loures, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Loures sob o número ... da freguesia de ...” (cfr., artigo 7º (i) do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 1, com o mesmo junto);

 

10.2. A alienação da quota parte pertencente ao Requerente (50%) do imóvel acima identificado, foi incluída no anexo G da declaração modelo 3, apresentada no dia 29 de Junho de 2020. (cfr., artigo 8º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 3 com o mesmo junto);

 

10.3. Até 1 de Setembro de 2018, o Requerente tinha na casa acima identificada, a sua habitação própria e permanente (cfr., artigo 9º do pedido de pronúncia arbitral);

 

10.4. Após 1 de Setembro de 2018 e até final de 2019 o Requerente residiu na Holanda para onde se teve de deslocar por motivos profissionais, (cfr., artigo 10º do pedido de pronúncia arbitral);

 

10.5. Até à data da alienação do imóvel, os filhos e o cônjuge do requerente tinham na fração  acima identificada a sua habitação própria e permanente. (cfr., artigo 11º do pedido de pronúncia arbitral);

 

10.6. O Requerente declarou no quadro 5 do anexo G à declaração modelo 3 de IRS, a sua intenção de reinvestir o valor de realização, deduzido da amortização do empréstimo contraído para a aquisição do imóvel exclusivamente destinado à sua habitação própria e permanente situado em território português. (cfr., artigo 12º do pedido de pronuncia arbitral);
 

10.7. A liquidação efectuada com base na declaração modelo 3 apresentada não teve em conta esta declaração do requerente. (cfr., artigo13º do pedido de pronúncia arbitral e documentos nºs 4 e 5 com o mesmo juntos);

 

10.8. Também se verificou que a determinação da taxa aplicável aos rendimentos sujeitos a englobamento foi efectuada incluindo a adição das mais – valias mobiliárias obtidas pelo Requerente e incluídas no quadro G do anexo à declaração modelo 3. (cfr, artigo 14º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº5, com o mesmo junto.)

                                                

11. Como referido, a Autoridade Tributária e Aduaneira, procedeu à junção da sua resposta, donde se destaca, sinteticamente, e com relevância o seguinte (que de igual modo se menciona, maioritariamente por transcrição);

 

11.1. Na declaração de rendimentos referente ao ano de 2019, submetida em 2020/06/29, como “Não residente”, o Requerente declarou optar pela tributação às “taxas gerais do artº 68º do CIRS –Relativamente aos rendimentos não sujeitos a retenção liberatória artº 72º, nº 13 do CIRS”, tendo declarado no anexo G a alienação onerosa de 50 % da fração C do imóvel inscrito sob o nº ... da União das freguesias de ... e ... (...), os valores de

* Realização: 2019/09 - € 280.000.00

* Aquisição: 2010/05   - € 165.000,00

* Despesas e encargos: €  22. 745,06

 

Quadro Q5- A Reinvestimento do valor de realização

5005 Valor em dívida de empréstimo à data da alienação do bem- € 107 833,14

5006 Valor de realização que pretende investir- € 170 166,86

(cfr, artigo 3 da resposta);

 

11.2. Da declaração supra referida foi originada a liquidação nº 2020... de 2020/07/17, no valor a pagar de € 23 752,79, (cfr, artigo 4 da resposta);

 

11.3. Invoca o Requerente que à data da alienação do imóvel era casado com a mãe dos seus filhos, tendo o casamento sido dissolvido em 2019/12/19, sendo que, em seu entender, os filhos continuaram a fazer parte do seu agregado familiar. (cfr, artigo 6 da resposta);

 

11.4.(…) sendo o Requerente não residente em Portugal desde o ano de 2018, bem como à data da alienação do imóvel, não pode o mesmo ser considerado a sua habitação própria e permanente. (cfr, artigo 10 da resposta);

11.5. (…) em conclusão, não sendo o imóvel alienado habitação permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, não pode o Requerente beneficiar da exclusão de tributação prevista na alínea a) do nº 5 do artigo 10º do Código do IRS. (cfr, artigo 14 da resposta).

 

12. O tribunal arbitral singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído, nos termos do disposto nos artigos 2º, nº1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.

 

13. As partes têm personalidade e capacidade judiciária, e estão devida e legalmente representadas (artigos 3º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT).

 

14.A acção é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de noventa dias previsto no artigo 10º, nº 1 do RJAT, de acordo com a remissão para o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

15. Não foram suscitadas quaisquer excepções de que deva conhecer-se.

16. O processo não enferma de nulidades.

17. Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

II-FUNDAMENTAÇÃO

A.MATÉRIA DE FACTO

A.1.Factos dados como provados

Perante os documentos aportados ao processo, da factualidade aceite pelas partes, do processo administrativo anexo, e com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

a- O Requerente declarou em 29 de Junho de 2020, na Declaração Modelo 3, com referência ao ano de 2019, a alienação em 30 de Setembro de 2019 de metade do imóvel urbano artigo ... Fracção C, sito na Av. ..., Lote ... em ..., concelho de Loures,

b- O valor da supra referida venda foi de 280.000,00 €, correspondente a cinquenta por cento do preço referido na respectiva escritura de compra e venda realizada em trinta de Setembro de 2019,

c- Na declaração de IRS modelo 3 e no campo para tanto assinalado, o Requerente declarou a intenção de reinvestir, sem recurso a crédito, 170.166.86 €, contabilizando-se o valor do empréstimo  bancário ao tempo da alienação  em 107.833,14 €,

d- Na sequência da apresentação do modelo 3 do IRS veio a AT a promover contra o Requerente a liquidação adicional de IRS nº 2020..., no montante a pagar de 23.752,79 €,

e- Da liquidação em causa, o Requerente apresentou em 2020-12-16 reclamação graciosa a que veio a caber o nº ...2020...,

f- Através de ofício datado de 08/04/2021 foi o Requerente notificado do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças, ao abrigo de competência própria,

g- Do acto de indeferimento da reclamação graciosa, apresentou o Requerente em 02/06/2021, recurso hierárquico, indeferido por despacho de 2021-12-31, proferido pelo Director adjunto de Direcção de Finanças, ao abrigo de Subdelegação de competências, e notificado ao Requerente em

h- Com o pedido de pronúncia arbitral e com as alegações o Requerente procedeu à junção de onze documentos.

i- O Requerente em 2020-08-30 procedeu ao pagamento do valor da nota de liquidação no valor global de 23.752,79 €.

j-Em 2022-04-19 o Requerente apresentou junto do CAAD pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, inexistem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada.

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr., artº 123º, nº 2 do CPPT e artigo 670º, nº 3 do CPCivil, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de Direito (cfr., artigo 596º do CPCivil, ex vi artigo 29º, nº1, alínea e) do RJAT).

 

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima   convicção, formando a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr., artº 607º, nº 3 do CPCivil, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 43/2013, de 26 de Junho).

 

Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecida por lei (vg. Força probatória dos documentos autênticos (cfr., artigo 371º, nº 3 do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº7 do CPPT, a prova documental carreada para os autos e o processo administrativo anexo, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

 

Não se deram como provados, nem como não provados, as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto supra consolidada.

 

B. DO DIREITO

A questão central que é objecto do presente processo, e que importa apreciar, reconduz-se, fundamentalmente, ao seguinte:

(i) -preenchimento dos pressupostos de tributação dos rendimentos da categoria G, concretamente das mais valias previstas na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do CIRS, e aos,

(ii) – pressupostos de aplicação do nº 5 do artigo 10º do CIRS, que prevê a não sujeição a imposto das mais valias imobiliárias, no caso de reinvestimento.

 

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O CIRS configura os incrementos patrimoniais como uma categoria residual, tributando somente os ganhos que não estão abrangidos nas restantes categorias.

 

No artigo 9º do CIRS, respeitante aos rendimentos da categoria G, agregam-se várias categorias de incrementos desde que não considerados rendimentos de outra categoria, as mais valias, as indemnizações que ressarçam danos não patrimoniais, as quantias auferidas em virtude das obrigações de não concorrência, e, ainda os acréscimos patrimoniais não justificados estabelecidos nos termos dos artigos 87º, 88º e 89º A) da Lei Geral Tributária.

 

As mais valias encontram-se casuisticamente enumeradas no artigo 10º do CIRS, podendo dizer-se que se caracterizam pela sua natureza ocasional e fortuita, e, para o que aqui releva, no que concerne à fonte do “ganho obtido” as imobiliárias, provindas de acordo com a alínea a) do nº 1 do artigo 10º do CIRS da “alienação onerosa de direitos reais sobre os bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional e exercida em nome individual pelo seu proprietário”

 

Sendo que o código do imposto sobre e rendimento das pessoas singulares não nos fornece um conceito de mais-valias, poderemos assumir que constituindo os mesmos incrementos de natureza patrimonial “correspondem, essencialmente a ganhos resultantes de uma valorização de bens devida a circunstâncias exteriores, portanto independentemente de uma actividade produtiva do seu titular. São “ganhos trazidos pelo vento ”windfal gains”. [2]

 

Relativamente ao ganho efectivo para efeitos fiscais, dir-se-á que “a mais valia é um ganho que se materializa na diferença entre o valor por que o activo entrou no património individual e o valor por que dele saiu por força de um acto de disposição ou outro facto que, segundo a lei, constitua a realização da mais valia”[3].

 

Tais ganhos, e segundo a solução tradicional do nosso ordenamento jurídico tributário só serão tributados no momento da alienação do bem, de acordo com a previsão do nº 3 do artigo 10º do CIRS, consagrando-se como princípio geral da tributação das mais valias, o princípio da realização.

Os ganhos para além das excepções previstas nas alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 10º, consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no seu nº 3 :”os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no nº 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes”

 

Subjacente aos ganhos ocorridos com as mais valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (ou acto equiparado) está a diferença entre o valor de realização ou alienação do bem ou direito em causa, e o valor de aquisição.

 

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Traçado ainda de que forma sinóptica o regime legal das mais valias imobiliárias, e recentrando-nos na questão fulcral dos presentes autos, haverá que convocar o quadro normativo pertinente.

 

O nº 5 do artigo 10º do CIRS (redação em 2019) excluía “da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respectiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

 

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data de realização;

 

c)O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano de alienação.”

 

Por seu turno, a alínea a) do nº 6 do artigo 10º do CIRS (redação ao tempo) previa que:

“6. Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando;

a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses, após o reinvestimento”

 

Constituindo o nº 5 do artigo 10º do CIRS uma norma de delimitação negativa de incidência, é consabido que relativamente ao imóvel de partida (o alienado) e ao imóvel de chegada (o adquirido) se verifique a mesma finalidade, qual seja, a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

Neste sentido, refere PAULA ROSADO PEREIRA [4]

A exclusão de tributação da mais-valia passou, portanto, a ser aplicável apenas nos casos em que tanto o imóvel transmitido como o adquirido são imóveis para habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar. Caso algum dos imóveis em causa tenha outro destino, não se verificam todas as condições necessárias à aplicação do regime de reinvestimento e, consequentemente, a mais-valia obtida na venda do imóvel antigo é tributável”.

 

No mesmo sentido, além de outros, o Acórdão do STA de 14/11/2018, relatado no âmbito do processo nº 01077/11.9BESNT 01448/17:

I. Para que opere a exclusão tributária prevista no nº 5 do artº 10º do CIRS (exclusão da tributação do ganho obtido mediante a alienação onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo) a lei impõe que o respectivo ganho seja reinvestido, na prazo de 24 meses, na aquisição de um diferente imóvel e que este também tenha como destino a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar,

II-Para efeitos do disposto neste normativo, o conceito de habitação própria e permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal”.

 

 É sobre este segmento que as partes estão em dissenso: pugnando o Requerente que o imóvel alienado constituiu a habitação própria e permanente do seu agregado familiar e, a AT, por seu turno, reiterando o que defendeu em sede administrativa (vg., indeferimento da graciosa e recurso hierárquico) no sentido de que sendo o Requerente não residente em Portugal desde o ano de 2018, bem como à data da alienação do imóvel, não pode o mesmo ser considerado a sua habitação própria e permanente,

Valendo por dizer, na perspectiva da Requerida, que “não sendo o imóvel alienado habitação permanente do Requerente ou do seu agregado familiar, não pode o mesmo beneficiar da exclusão de tributação prevista na alínea a) do nº 5 do artigo 10º do Código do IRS”.

Ora

Conforme já supra se deu conta a natureza do prédio/fracção alienado como habitação própria e permanente é uma das condições a par de outras, cuja observância é necessária para efeitos do benefício previsto no nº 5 do artigo 10º do CIRS.

Dito de forma clara e simples, a exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias depende de tanto o imóvel alienado como o adquirido serem para habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

No caso em apreço nestes autos, e como já sinalizado, a AT recusou a aplicação do regime de não sujeição a imposto, por considerar que a fracção objecto de venda, ocorrida em 30 de Setembro de 2019 não correspondia à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

Antecipa-se que este tribunal não subscreve tal posição pelas razões infra densificadas.

Deste modo e,

Analisada e apreciada a prova documental junta pelo Requerente em sede de pedido de pronúncia arbitral e alegações escritas, parece poder concluir-se, que se à data da venda (30/9/2019) a fração aqui em causa, não constituía, efectivamente, a habitação própria e permanente do sujeito passivo, o mesmo não se verifica quanto ao seu agregado familiar.

Por outro lado, se em relação aos documentos, respeitantes aos consumos de água, electricidade, comunicações e serviços juntos aos autos, não podemos deixar de concordar com a AT, no sentido de que apenas confirmam consumos e não que o local dos mesmos coincidiu com a residência própria e permanente do Requerente ou do seu agregado familiar, tendo sido juntos outros documentos que se afiguram como consistentes para tal fim.

Com efeito no requerimento (cfr, documento nº 8) que instruiu o divórcio por mútuo consentimento, foi indicada como residência do Requerente (e igualmente do cônjuge mulher) a “Urbanização …, Loures,

Residência essa, coincidente com o local do imóvel alienado, conforme consta de certidão emitida pelo Município de Loures. (cfr., documento nº 7 junto pelo Requerente com o seu pedido de pronúncia arbitral).

Acresce que no âmbito do referido divórcio, e no que concerne ao acordo de regulação das responsabilidades parentais, pode ler-se sob o número sete do mesmo, que “os menores residem actualmente com a Mãe na casa de morada de família sita em …, Moscavide (…)”.                    

Percorrendo datas e factologia subsequente, renova-se como pertinentes:

30/09/2019 – venda

19/12/2019- dissolução do casamento do Requerente e regulação das responsabilidades parentais relativa aos filhos menores daquele.

29/06/2020 – apresentação do modelo 3 do IRS com declaração de investimento no anexo G.

Ora,

Salvo contrária e melhor opinião, da prova documental melhor sinalizada, poder-se-á concluir que ao tempo da alienação do imóvel aqui em causa (30/09/2019), constituía o mesmo a habitação própria e permanente do agregado familiar do Requerente, condição bastante para exclusão da tributação das mais valias apuradas, face ao disposto nº 5 ao artigo 10º do CIRS.

A que sempre se adiciona o facto incontroverso de o Requerente ter declarado a sua intenção de reinvestimento nos termos supra expostos. (cfr., Declaração Modelo 3 do IRS).

 

Pelo que, e sem necessidade de quaisquer outras considerações procede o pedido do Requerente.

 

Complementarmente. e como vem, de forma acertada, assinalada no âmbito do processo nº 85/2021- T, relatado em 2022-02-22, sob a égide do CAAD (cuja factualidade é similar à, que ocorre nos presentes autos)”no limite, suscitar-se-ia uma situação de fundada dúvida, que teria de decidir-se a favor dos Requerentes, nos termos estipulados no artigo 100º,nº 1 do CPPT”.

 

III.JUROS INDEMNIZATÓRIOS 

De conformidade ao disposto na alínea b) do artigo 24º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito “,o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT], que estabelece, que a “administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

 

Embora o artigo 2º, nº 1, alíneas a) e b) utilize a expressão “declaração de ilegalidade”, para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), não fazendo menção a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências, os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se harmoniza e conjuga com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT em que se proclama, como primeira directriz, que, “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”,

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Foram conhecidas e apreciadas as questões consideradas relevantes, tendo em vista a pretensão do Requerente, submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, cuja apreciação seria inútil. (cfr, artigo 608º do CPPT, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.

 

 

IV.DECISÃO

 

Em face do que vem de se expor, decide este Tribunal Arbitral Singular em;

(i) julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência,

(ii) julgar ilegal e consequente anulado o acto de indeferimento do recurso hierárquico número ...2021...,

(iii) julgar ilegal, e, consequente anulado, o acto de liquidação adicional de IRS nº 2020...,

(iv) condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira à restituição ao Requerente da quantia de 16.044,53 €, bem como ao pagamento dos juros indemnizatórios, no montante que se mostre devido.

(v) condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

 

V.VALOR DO PROCESSO

De conformidade ao estabelecido nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho, 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 16.044,53 € (dezasseis mil, quarenta e quatro euros e cinquenta e três cêntimos).

 

VI.CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 1,22º, nº 4 do RJAT, e artigos 3º e 4º do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante de custas em 1.224,00 € (mil duzentos e vinte e quatro euros)      

 

NOTIFIQUE

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo árbitro.

 

 

[A redacção da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas]

 

 

 

 

 Vinte e seis de Dezembro de dois mil e vinte e dois

 

O árbitro

 

j. coutinho pires

 

 

 

 



[1] Sumário em parte adoptado do que vem transcrito no âmbito do processo nº 311/2020-T, proferido sob a égide do CAAD.

[2] Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, 2006, página 109.

[3] José Guilherme Xavier de Basto, IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, páginas 431 e seguintes.

[4] Manual de IRS, Coimbra, Almedina, 2018, pp 202-206 e 208.