Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 201/2022-T
Data da decisão: 2022-12-21  IRC  
Valor do pedido: € 124.971,19
Tema: IRC; mais-valias; perdas por imparidade; amortizações e depreciações – quotas perdidas.
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SUMÁRIO

I. As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição, deduzido das perdas por imparidade e das depreciações e amortizações aceites fiscalmente.

II. Ao valor de aquisição não são de deduzir as perdas por imparidade que não foram reconhecidas contabilisticamente e que não foram deduzidas como gasto no apuramento do IRC.

III. As amortizações e depreciações que não foram reconhecidas na contabilidade e que não foram deduzidas no apuramento do IRC como gasto, quando tal reconhecimento e dedução se impunha, constituem quotas perdidas e têm de ser deduzidas ao valor de aquisição para efeitos de cálculo das mais ou menos‑valias resultantes da alienação do activo.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Arlindo José Francisco e Miguel Luís Cortês Pinto de Melo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

1. A..., S.A., NIPC ..., com sede na Rua..., n.º ..., ..., Matosinhos, veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante (“RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria 112‑A/2011 de 22 de Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação n.º 2018 ..., no valor de € 5.886,19, do acto de liquidação n.º 2021..., no valor de € 104.153,90 e dos actos de liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ... e n.º 2021..., nos respectivos valores de € 13.696,95 e de € 754,72, o que perfaz um valor total liquidado de € 124.491,76 por referência ao IRC do período de tributação de 2017, cuja devolução é requerida, acrescida de juros indemnizatórios e de € 479,43 referentes a custas suportadas com o pagamento do imposto em sede de execução fiscal.

 

2. Na perspectiva da Requerente, os referidos actos de liquidação, que concretizaram a desconsideração de uma menos-valia fiscal no valor de € 1.365.565,73 com a consequente conversão numa mais-valia fiscal na importância de € 473.577,53, com base nas correcções feitas pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ... (“SIT”), ao abrigo da ordem de serviço com o n.º OI2019..., datada de 14 de Maio de 2019, são ilegais por violarem o disposto no artigo 30.º, n.º 5 (norma vigente entre 2010 e 2012, correspondendo ao actual n.º 3 do artigo 31.º-A), no artigo 38.º (artigo vigente em 2012, correspondente ao actual artigo 31.º-B), no artigo 46.º, n.º 2, todos do Código do IRC, no artigo 1.º, n.ºs 2 e 3 e no artigo 18.º, ambos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 23 de Março de 2022 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 13 de Maio de 2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

                      

5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 31 de Maio de 2022.

 

6. A Requerida, tendo sido devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta e juntou aos autos o processo administrativo (“PA”) em 5 de Setembro de 2022, tendo concluído pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, pela sua absolvição de todos os pedidos.

 

7. Na perspectiva da Requerida, os actos de liquidação impugnados devem mantar-se na ordem jurídica pelo facto de a Requerente, no apuramento das mais e menos-valias não ter considerado, por um lado, a falta de reconhecimento contabilístico e respectiva dedução fiscal de perdas por imparidade sofridas pelos activos em causa nos períodos de tributação de 2010 a 2012, no montante global de € 1.638.537,27 e, por outro lado, pelo facto de não ter depreciado contabilisticamente esses mesmos activos e reconhecido os respectivos gastos fiscais nos períodos de tributação de 2010, 2011 e 2012, no montante global de € 159.339,85.

Na sua resposta, alegou ainda a Requerida que os actos de liquidação impugnados no pedido arbitral incluem outras correcções feitas pelos SIT – algumas delas aceites pela Requerente –, para além da desconsideração da menos-valia fiscal apurada e consequente conversão numa mais-valias tributável. Por conseguinte, invocou a Requerida que o valor do pedido tinha de ser ajustado em função das correcções efectivamente contestadas, de tal forma que este teria de corresponder (i) ao valor da liquidação, a quantificar, decorrente das correcções contestadas ou (ii) ao valor das correcções contestadas.

 

8. Por despacho proferido em 20 de Setembro de 2022 foi a Requerente notificada para exercer o direito ao contraditório relativamente ao incidente de verificação do valor da causa suscitado pela Requerida na sua resposta. Em 29 de Setembro de 2022, mediante requerimento, veio a Requerente exercer aquele direito, invocando para o efeito que pese embora terem sido efectuadas outas correcções pelos SIT, a correcção referente à mais-valia apurada foi a única que contribuiu para a liquidação adicional de IRC objecto do pedido arbitral. Mais referiu a Requerente que o objecto da impugnação não é o acto de fixação da matéria tributável, mas sim o acto de liquidação, pelo que seria aplicável o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e não o disposto na alínea b) do mesmo normativo. Por fim, referiu ainda a Requerente que na eventualidade de se considerar que o valor da liquidação está influenciado, também, pelo valor das correcções não contestadas, o valor das correcções contestadas representa 98,88% (€ 1.839.143,26/€ 1.859.964,67) do valor total das correcções, pelo que uma alteração do valor da causa sempre teria de ser para menos e não para mais.

 

9. Por despacho proferido em 3 de Outubro de 2022, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais, previstos nos artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT. Foi ainda facultada às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas, direito que apenas foi exercido pela Requerida, mediante requerimento apresentado em 21 de Outubro de 2022, onde reiterou os argumentos anteriormente expressos na resposta ao pedido arbitral.

 

10. Em 30 de Novembro de 2022, atenta a tramitação do processo, e a impossibilidade de proferir decisão no prazo previsto no artigo 21.º do RJAT, foi prorrogado por dois meses o prazo de arbitragem nos termos daquele mesmo artigo.

 

II. SANEAMENTO

 

11. O tribunal arbitral foi regularmente constituído ao abrigo do disposto no artigo 10.º do RJAT. As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades.

 

12. O incidente de verificação do valor do processo será apreciado a final, aquando da fixação do valor da causa.

 

 

13. Ainda que não tenha sido suscitada pela Requerida, a eventual incompetência material do Tribunal para o conhecimento de algum dos pedidos consiste numa excepção dilatória de conhecimento oficioso, conforme disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2, do artigo 577.º, alínea a) e do artigo 578.º, todos do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. Por conseguinte, cumpre apreciar nesta sede se o presente Tribunal é ou não competente para conhecer do pedido formulado pela Requerente relativamente à devolução da quantia de € 479,43 a título de custas pagas no âmbito do processo de execução fiscal.

 

14. Como ponto de partida cabe mencionar que, em caso de procedência total ou parcial do pedido arbitral, a AT está obrigada, nos termos do artigo 100.º da LGT e do artigo 24.º do RJAT, a reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido emitido o acto tributário ilegal, nos termos e condições previstos na lei.

 

15. Sucede que a competência dos Tribunais Arbitrais se encontra limitada, por força do disposto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, à apreciação da legalidade dos actos de liquidação de impostos. Consequentemente, não se abrange na competência dos Tribunais Arbitrais a apreciação da legalidade e respectiva devolução de custas ou taxas suportadas em sede de processos de execução fiscal.

 

16. Neste preciso sentido, veja-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0374/09, em 1 de Julho de 2009, onde referiu que “a execução de um julgado anulatório de acto tributário não abrange a restituição das taxas de justiça que tenham sido pagas no processo de execução fiscal instaurado para pagamento coercivo do tributo em causa, antes a restituição do respectivo montante deve obedecer aos parâmetros normativos previstos no Código das Custas Judiciais e através do exercício dos respectivos instrumentos legais no âmbito do processo de execução fiscal”.

 

17. Em face do exposto, o presente Tribunal Arbitral é incompetente para conhecer do pedido formulado pela Requerente quanto à condenação da Requerida na devolução das custas pagas no âmbito do processo de execução fiscal, no montante de € 479,43, o que implica a absolvição da Requerida da instância quanto a esta parte do pedido.

 

III. DO MÉRITO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

 

III.1.1. Factos provados

 

            18. Analisada a prova produzida no âmbito do presente processo, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade anónima enquadrada no regime geral de tributação com contabilidade organizada para efeitos de IRC e no regime normal para efeitos de IVA;
  2. No período de tributação de 2017, a Requerente encontrava-se enquadrada para o exercício da actividade de “compra e venda de bens imobiliários”, com o CAE 68100, embora também exercesse a actividade de construção, através de subcontratação, gestão e exploração de parques de estacionamento com escopo lucrativo;
  3. Em 24 de Novembro de 2006 a Requerente, ainda com a firma “G..., S.A.”, celebrou um contrato-promessa de concessão comercial com o B... (“B...”), no qual se vinculou a proceder à construção, por si ou por adjudicação a outro empreiteiro, de um parque de estacionamento de veículos subterrâneo, sito na ...– Porto, num prédio propriedade do B... (“parque de estacionamento”);
  4. Em 24 de Outubro de 2008, a Requerente celebrou com o B...  um contrato de concessão da obra de construção e de exploração do parque de estacionamento, no qual se vinculou perante esta a construir, por si ou por adjudicação a outro empreiteiro, e a explorar o parque de estacionamento;
  5. Nos termos da cláusula quarta, n.º 1, do contrato de concessão referido na alínea anterior, todo o empreendimento construído pela Requerente, por si ou por adjudicação a empreiteiro, ficaria automaticamente propriedade do B...;
  6. Nos termos da cláusula quinta, n.º 1, do contrato de concessão referido na alínea d), foi fixado um prazo de concessão de 50 anos, com termo inicial na data de assinatura do contrato;
  7. A Requerente apenas deu início à exploração do parque de estacionamento em Março de 2010;
  8. Em 2012 a Requerente intentou contra o B... um processo judicial que correu termos no juízo central cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sob o n.º .../12...TVPRT, tendo por base diversas vicissitudes na construção e exploração do parque de estacionamento a que alude os contratos referidos nas alíneas c) e d), designadamente a reclamação de prejuízos resultantes da não construção de um pavilhão desportivo na superfície do parque de estacionamento;
  9. Na sentença proferida em 26 de Fevereiro de 2016, no âmbito do processo judicial mencionado na alínea anterior, consta o seguinte quanto à matéria de facto dada como provada:

Tendo em conta a posição das partes, bem como o teor dos documentos juntos aos autos, com o acordo das partes, foram, desde logo, dados como provados, em sede de audiência prévia, os seguintes factos:

“(…) E) Por contrato de concessão da obra de construção e de exploração do parque de estacionamento da ... outorgado no dia 24 de Outubro de 2008, a A. obrigou-se perante o R. a construir, por si ou por adjudicação a um empreiteiro, e a explorar o parque de estacionamento a seguir identificado:

1. Um parque de estacionamento de veículos, subterrâneo, de dois pisos, com 221 (duzentos e vinte e um) lugares de aparcamento, com a área total de 6.599 m2, assim, distribuído:

Piso 0 (entrada pedonal do parque) -55 m2;

Piso -1 (acessos) -471 m2;

Piso -1 (gestão do parque) -55 m2;

Piso -1 (estacionamento) -2.758 m2;

Piso -2 (acessos) -401 m2;

Piso -2 (estacionamento) -2.858 m2, conforme consta de documento de fls. 48 e sgts., que aqui se dá por integralmente reproduzido;

F) O contrato, referido em E), foi precedido do contrato-promessa de concessão comercial celebrado no dia 24 de Novembro de 2006, conforme consta de documento de fls. 62 e sgts., que aqui se dá por integralmente reproduzido;

(…)

M) Como decorre da cláusula segunda, nºs 1 e 3, do contrato de concessão, referido em E), a A. obrigou-se a construir e a explorar o parque de estacionamento objecto desse contrato, “tudo em conformidade com o projecto apresentado, para licenciamento, à Câmara Municipal do Porto, de que se anexa um exemplar a este contrato, dele fazendo parte integrante, incluindo cópia da licença de construção.”

N) Preliminarmente à assinatura desse contrato, o R. B... já tinha apresentado à Câmara Municipal do Porto, para licenciamento, um pedido de obras de alteração, ampliação e reconstrução sem preservação de fachadas, de uma edificação existente, com vista à edificação de um volume destinado a estacionamento e equipamento desportivo, sito no ... da ..., nº 103, com a Rua ..., freguesia de ..., concelho do Porto.

O) O processo de obras correu seus termos pela referida Câmara Municipal sob o nº .../08/CMP, sendo titular desse processo o R. B... .

P) Tais obras consistiam na demolição, alteração e ampliação da edificação existente, de forma a construir um novo edifício destinado a estacionamento público na cave (2 pisos) e equipamento desportivo à superfície (3 pisos).

Q) No âmbito do aludido processo, o R. apresentou para aprovação o projecto de arquitectura cujos desenhos se juntam sob os documentos nºs 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13, conforme constam de fls. 147 a 156, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

R) Esse projecto de arquitectura contemplava a construção de um parque de estacionamento subterrâneo com dois pisos (-1 e -2) e capacidade para 221 (duzentos e vinte e um) lugares de estacionamento, e um equipamento desportivo à superfície.

S) O projecto de arquitectura foi acompanhado da memória descritiva e justificativa, conforme consta de fls. 69 e sgts, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

T) Nos termos desse documento (memória descritiva e justificativa), o objectivo geral do projecto era o de criar uma maior oferta de estacionamento e, ao mesmo tempo, gerar um edifício destinado à prática de desporto, conforme consta de documento de fls. 148, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

U) O parque de estacionamento subterrâneo serviria de apoio directo ao edifício desportivo, mas também à população em geral, aumentando a oferta de estacionamento na cidade do Porto, conforme consta de documento de fls. 148, e que aqui se lá por integralmente reproduzido.

            (…)

AX) Entre Janeiro de 2010 e Setembro de 2012 o prejuízo total acumulado pela A. foi de € 1.638.537,27 (um milhão, seiscentos e trinta e oito mil, quinhentos e trinta e sete euros e vinte e sete cêntimos), conforme consta de documento de fls. 134 e sgts., e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

AZ) Na presente data, o equipamento desportivo mantém-se por construir.

(…)

Produzida a prova, apurou-se, assim se dando como provado, com interesse para a decisão da causa, que:

(…)

- Assim, por contrato de empreitada celebrado no dia 25 de Novembro de 2008, a A. adjudicou à C..., S.A. a construção de um parque de estacionamento subterrâneo, com capacidade para duzentos e vinte e um lugares - cfr. documento de fls. 92, do p.p., aqui dado por integralmente reproduzido.

            (…)

- Esse contrato de empreitada foi celebrado tendo também em conta que à superfície do parque de estacionamento objecto da empreitada seria construído um edifício composto de três pisos, destinado a pavilhão desportivo, conforme constava do projecto.

(…)

            - Para a execução dessa obra, o empreiteiro devia adoptar as soluções e seleccionar os materiais que melhor garantissem o reforço e estabilidade da estrutura que, à superfície, seria implantada, e, assim, a estrutura de betão armado do parque de estacionamento, capaz de suportar o pavilhão desportivo que seria construído à superfície.

- A A. decidiu celebrar o contrato de concessão da obra de construção e de exploração do parque de estacionamento da ..., na cidade do Porto, com o R. B..., a pensar, também, que à superfície desse parque de estacionamento seria construído o referido pavilhão desportivo, atento o teor do projecto de arquitectura que o R. já tinha dado entrada junto da Câmara Municipal do Porto e, bem assim, nos desenhos e memória descritiva e justificativa que acompanhavam esse projecto, todos aprovados por essa câmara municipal, bem como nos pareceres favoráveis que o D..., do E... quanto à construção desse equipamento desportivo, emitidos em data anterior à outorga do contrato de concessão da obra de construção e de exploração do parque de estacionamento da ..., em 24 de Outubro de 2008.

- A construção desse equipamento desportivo (pavilhão) à superfície do parque de estacionamento objecto da concessão constituiria um novo polo de atracção na ..., na cidade do Porto.

- Esse pavilhão desportivo, equipado com ginásio e sala de massagens, iria potenciar um maior fluxo de pessoas.

- O estacionamento à superfície era pago.

Quem quisesse frequentar esse pavilhão ou o ginásio ou, simplesmente, a sala de massagens e o fizesse frequentemente poderia celebrar um contrato de avença com a concessionária do parque.

- Em dias de jogos, tendo o pavilhão desportivo capacidade para 200 (duzentas) pessoas sentadas, a utilização do parque de estacionamento, seria a solução mais cómoda para os utilizadores desse equipamento desportivo, que podiam aceder directamente do parque de estacionamento ao pavilhão desportivo, ao ginásio ou à sala de massagens (e vice-versa) pelos elevadores, sem que fosse necessário saírem do edifício.

- O parque de estacionamento reunia todas as condições para servir todos os utilizadores desse pavilhão.

- A projectada construção do equipamento desportivo à superfície foi ponderada pela A. na avaliação que fez dos riscos do negócio, previamente à assinatura do contrato.

- Se soubesse que o mesmo não seria construído, teria negociado condições e contrapartidas substancialmente diversas.

- Sem o equipamento desportivo construído à superfície, a exploração do parque de estacionamento pela A. revelou-se economicamente mais difícil.

- A A., aquando da celebração do contrato de concessão com o R., admitia, como possível, com o pavilhão desportivo à superfície, conseguir gerar uma receita diária de € 2,50 (dois euros e cinquenta cêntimos) por lugar de estacionamento, sendo actualmente a receita diária apurada, por lugar de estacionamento, inferior.

- A A. suporta mensalmente custos com a exploração e manutenção do parque de estacionamento.

- A esses custos acrescem os custos financeiros que a A. suporta com a amortização ao banco do financiamento a que recorreu.

- Segundo consta do documento junto a fls. 134, do p.p., a A. teve, no ano de 2010, um prejuízo acumulado de €371.648,87 (trezentos e setenta e um mil, seiscentos e quarenta e oito euros e oitenta e sete cêntimos), no período compreendido entre Janeiro de 2011 a Dezembro do mesmo ano, de € 400.804,16 (quatrocentos mil, oitocentos e quatro euros e dezasseis cêntimos) e, no período compreendido entre Janeiro a Setembro de 2012, de € 278.721,10 (duzentos e setenta e oito mil, setecentos e vinte e um euros e dez cêntimos), num total de € 1.638.537,27 (um milhão, seiscentos e trinta e oito mil, quinhentos e trinta e sete euros e vinte e sete cêntimos).

- A situação da A. poderia ser diferente, caso o R. tivesse construído o pavilhão.

- Na presente data, o equipamento desportivo mantém-se por construir, tendo o R. manifestado pretender desistir desse projecto.

(…)”;

  1. A sentença proferida no âmbito do processo judicial mencionado na alínea h) foi decidida nos seguintes termos:

Nos termos expostos, julgo, pois, a presente ação totalmente improcedente, por não provada, absolvendo, em consequência, o R. do pedido, e parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando, em consequência, a A./ Reconvinda a pagar ao R./Reconvinte a quantia de €300.000,00, acrescida dos correspondentes juros de mora calculados à taxa legal, desde a data do seu vencimento, a 24.5.2012, até efectivo e integral pagamento, bem como a quantia de 3.122,30€.

Custas pela autora, quanto à acção, e, quanto à reconvenção, na proporção do respectivo decaimento.

Registe e notifique.”;

  1. Relativamente ao parque de estacionamento, a Requerente não constituiu qualquer perda por imparidade quanto aos prejuízos referentes aos anos de 2010 e 2012, no montante de € 1.638.537,27, reclamados na acção judicial mencionada na alínea h);
  2. Em 16 de Outubro de 2017, a Requerente alienou a sua posição contratual de que era titular no contrato de concessão de exploração do parque de estacionamento à sociedade F... Lda. pelo montante de € 1.700.000,00, acrescido de IVA no valor de € 391.000,00, titulado pela factura n.º FA/001 …;
  3. Antes da cedência da posição contratual, o valor total da concessão de exploração encontrava-se escriturado ao custo de aquisição reflectido na conta 44413003 – Concessão do ..., pelo montante de € 3.389.001,67;
  4. Com a cedência da posição contratual a Requerente declarou, no período de tributação de 2017, uma menos-valia fiscal no montante de € 1.365.565,73;
  5. A Requerente foi objecto de um procedimento de inspecção tributária, efectuado em cumprimento da ordem de serviço n.º OI2019..., relativamente ao período de tributação de 2017, inicialmente com âmbito parcial e posteriormente com âmbito geral, em sede de IRC e de IVA;
  6. Entre outras correcções, os SIT reverteram a menos-valia fiscal declarada na alínea n) para uma mais-valia tributável no montante de € 473.577,53;
  7. Em resultado das diversas correcções efectuadas pelos SIT, foram emitidos os actos de liquidação adicional de IRC n.º 2018... e n.º 2021..., nos respectivos valores de € 5.886,19 e de € 104.153,90, bem como os actos de liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ... e n.º 2021..., nos respectivos valores de € 13.696,95 e de € 754,72, o que perfaz um valor total liquidado de € 124.491,76, por referência ao IRC do período de tributação de 2017;
  8. O montante total liquidado nos termos da alínea anterior foi pago pela Requerente, em 22 de Fevereiro de 2022, em sede de processo de execução fiscal;
  9. Pelo pagamento em sede de execução fiscal a Requerente suportou ainda a quantia de € 479,43 a título de custas;
  10.  Em 23 de Março de 2022 a Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem aos presentes autos.

 

III.1.2. Factos não provados

 

19. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

20. Ao Tribunal Arbitral cabe seleccionar a matéria de facto em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Nesta selecção o Tribunal não tem de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Considerando as posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados, a livre apreciação da falta de contestação especificada dos factos prevista no artigo 110.º, n.ºs 6 e 7, do CPPT, a prova documental junta aos autos pela Requerente e o processo administrativo junto aos autos pela Requerida, cuja realidade não foi por elas posta em causa, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

III.2.1. Perdas por Imparidade

 

21. A este respeito cumpre essencialmente aferir se, em virtude da apresentação da acção judicial descrita na alínea h) da matéria de facto dada como provada, na qual a Requerente reclamou prejuízos com o activo da concessão de exploração do parque de estacionamento, sofridos entre 2010 e 2012, no valor total de € 1.638.537,27, deveria ou não ter sido reconhecida uma perda por imparidade de igual montante, ao abrigo do disposto no artigo 38.º do Código do IRC (na redacção vigente em 2012, que corresponde ao actual artigo 31.º-B daquele código), que teria de ser deduzida ao valor de aquisição para efeitos do cálculo da mais ou menos-valia fiscal, por força dos artigos 46.º e 47.º do Código do IRC, aquando da alienação do activo em 2017.

Antes de se proceder a tal análise, cumpre fixar as posições das partes quanto a esta correcção.

 

22. Posição da Requerente:

  1.  Começou a Requerente por mencionar que o reconhecimento da perda por imparidade teria forçosamente de ser feito no termo do período de tributação em que alegadamente se teria verificado (em 31 de Dezembro de 2012) e com base nas informações conhecidas a essa data;
  2.  De acordo com a Requerente, no momento da instauração do processo judicial mencionado na alínea h) da matéria de facto, “estava-se perante factos incertos, contingências que decorriam do sucesso ou do insucesso do referido processo, o que exigia sempre a formação por parte da administração da Requerente da convicção sobre a probabilidade de ganhar o processo judicial ou de o perder”;
  3. Significa isto que, para a Requerente, no termo do período de tributação o reconhecimento de uma imparidade era algo meramente “potencial e remoto que dependia da contingência de se vir a perder o processo judicial, sendo exigível, obviamente, que se estivesse em condições de se efectuar uma estimativa fiável”;
  4. Segundo afirma a Requerente, não era possível em qualquer caso mensurar o valor objectivo da perda por imparidade, sendo que os SIT não teriam apresentado prova de que o valor do activo, reportado à data da instauração do processo judicial, era inferior ao registado na contabilidade, aferição que seria indispensável para efeito de se considerar a existência de uma perda por imparidade;
  5. Na perspectiva da Requerente, os SIT não tinham “legitimidade para se substituir à administração da empresa, uma vez que cabe exclusivamente a esta definir o momento e o valor das imparidades que resulte de perda de valor pelo desgaste, uso ou obsolescência”;
  6. Tendo isto presente, afirmou a Requerente que o presente caso não constituía uma desvalorização excepcional decorrente de uma causa anormal devidamente comprovada para efeitos da alínea c), do n.º 1, do artigo 35.º e dos n.ºs 2 e 3, do artigo 38.º, ambos do Código do IRC, na redacção vigente em 2012;
  7. Até porque, na opinião da Requerente, não se verificava nenhum dos casos exemplificativos constante da norma nem nada que seja equiparável a estas ocorrências, designadamente “desastres, fenómenos naturais, inovações técnicas excepcionalmente rápidas ou alterações significativas, com efeito adverso, no contexto legal”, não existindo igualmente documento que suportasse e comprovasse a desvalorização excepcional nem o consequente “abate físico”, “desmantelamento”, “abandono” e/ou “inutilização” a que alude a norma;
  8. Referiu ainda a Requerente que nos termos do n.º 2, do artigo 46.º do Código do IRC apenas devem ser deduzidas ao valor de aquisição as perdas por imparidade aceites fiscalmente;
  9. Por conseguinte, concluiu a Requerente que se as perdas por imparidade não foram constituídas/contabilizadas e aceites fiscalmente, não influenciaram o lucro tributável do respectivo período, motivo pelo qual não podiam depois ser deduzidas ao valor de aquisição para efeitos de cálculo das mais-valias ou menos‑valias fiscais;
  10. Isto, no entender da Requerente, sob pena de o sujeito passivo não poder beneficiar de qualquer dedução fiscal, nem no momento da constituição da perda, nem, posteriormente, no momento da alienação do activo, sendo assim duplamente tributado.

 

23. Posição da Requerida:

  1. Por seu turno começou a Requerida por referir que a aquisição do direito de exploração se encontrava escriturada (i) com base num contrato promessa de concessão comercial, celebrado em 24.11.2006, (ii) com base num contrato de concessão da obra de construção e de exploração do parque de estacionamento celebrado em 24.10.2008 e (iii) com base na factura n.º 1, emitida pelo B... em 26.6.2012, no montante de € 2.815.034,73 (mais IVA de € 647.457,99), relativa ao valor de construção do parque;
  2. De acordo com a Requerida, dos elementos contratuais que suportam a construção e aquisição do direito de exploração do parque resulta, por um lado, que a Requerente assumiu todos os encargos com a construção e licenciamento da utilização e, por outro lado, que o B... ficou automaticamente com a propriedade sobre todo o empreendimento construído e demais bens e direitos que o integram;
  3. Por esta razão, entendeu a Requerida que a contabilidade da Requerente não se encontrava correctamente elaborada, já que entre 2010 e meados de 2012 esta reconheceu contabilisticamente o activo, na sua esmagadora maioria, numa conta de inventários em curso, tendo-o transitado para uma conta de activos intangíveis em Junho de 2012, quando o activo tem a natureza de intangível desde a assinatura do contrato-promessa;
  4. Prosseguiu a Requerida por invocar o princípio da dependência parcial da fiscalidade face à contabilidade e o princípio da prudência para sustentar que no momento em que o valor recuperável do activo (aferido pelo valor do uso) fosse inferior ao valor pelo qual este se encontrava escriturado, deveria a Requerente ter registado uma perda por imparidade em conformidade com a NCRF 6 e a NCRF 12;
  5. Para a Requerida, os SIT consideraram correctamente que no momento em que a Requerente intentou a acção contra o B... na qual revindicou o pagamento de uma indemnização por prejuízos sofridos, deveria ter registado contabilisticamente uma perda por imparidade. Isto na medida em que nesse momento estimou uma perda, a qual atenta a natureza das operações económicas em causa é subsumível a uma “desvalorização” do activo;
  6. Entende a Requerida que mesmo que a Requerente estimasse a perda como meramente potencial, devia ainda assim ter reconhecido a imparidade, já que estas também se reportam a situações de contingência que podem apenas vir a ocorrer no futuro;
  7. Com base na jurisprudência sustentou ainda a Requerida que as perdas por imparidade devem respeitar o princípio da periodização e ser reconhecidas no exercício em que se verificam, independentemente de quando vier a ocorrer o concreto facto gerador da perda;
  8. Caso tal facto não se venha a verificar, de acordo com a Requerida, incumbia à Requerente reverter a perda por imparidade anteriormente registada;
  9. Alegou também a Requerida que a prova de que o activo estava em imparidade resulta do facto de o seu valor de realização corresponder a cerca de 44% do seu valor de custo;
  10. Por estas razões, concluiu a Requerida que à data dos factos estavam verificadas as condições previstas nos artigos 35.º e 38.º do Código do IRC para que a perda por imparidade fosse dedutível para efeitos fiscais;
  11. Por conseguinte, esta perda por imparidade, que não foi reconhecida e relevada para efeitos fiscais em 2012, tinha no entender da Requerida de ser considerada no cálculo da mais ou menos-valia fiscal apurada em 2017 por força dos artigos 46.º e 47.º do Código do IRC que impõem a dedução do respectivo valor ao custo de aquisição;
  12. Por fim mencionou a Requerida que a Requerente logrou obter uma vantagem fiscal pelo não reconhecimento da perda por imparidade em 2012, designadamente pela gestão temporal da dedução de prejuízos fiscais apurados.

 

24. Cabendo decidir, e atendendo ao princípio da dependência parcial da fiscalidade face à contabilidade previsto no artigo 17.º, n.º 1 do Código do IRC, revela-se necessário determinar em primeiro lugar se deveria ou não ter a Requerente reconhecido contabilisticamente uma perda por imparidade, já que esse é o pressuposto de base para que a mesma seja fiscalmente dedutível.

 

25. Quanto à natureza do activo, resulta da matéria de facto dada como provada nas alíneas c), d), e) e i) acima indicadas, que na esfera da Requerente sempre e apenas existiu um direito de construção e exploração do parque, sem que em momento algum tivesse adquirido a propriedade do bem. Por conseguinte, o parque de estacionamento sempre teve a natureza de “activo intangível”, ainda que a Requerente o tenha errónea e temporariamente reconhecido na sua contabilidade numa conta de “inventários”. Assim sendo, a aferição de uma perda por imparidade terá de ser aferida por referência à “classe” de activos intangíveis.

 

26. Do ponto de vista contabilístico, e tendo por base a NCRF 6 e a NCRF 12, a determinação de uma perda por imparidade terá de ser aferida por referência ao valor do uso do activo à data dos factos, calculado com base no valor realizável líquido ou nos fluxos de caixa estimados do activo, determinados com base nas “melhores informações disponíveis”, já que no presente caso não existe um mercado activo em que sejam transaccionados bens semelhantes que permita estabelecer o respectivo valor do uso.

 

            27. Apesar de o activo aqui em causa não integrar a lista específica dos activos intangíveis que devem ser anualmente objecto de teste de imparidade nos termos dos normativos NCRF e IFRS, no momento em que a Requerente intentou a acção contra o B... melhor identificada na alínea h) da matéria de facto dada como provada, na qual estimou e reclamou prejuízos no montante total de € 1.638.537,27, deveria ter ponderado a existência de uma perda imparidade e apurado o respectivo valor recuperável do activo.

 

28. Conforme se referiu, haveria essencialmente que atender neste apuramento ao critério do valor do uso do activo. À partida, o valor da exploração do parque de estacionamento não se iria alterar simplesmente pela não construção do pavilhão na superfície do parque, até porque essa construção não foi contratualmente estipulada entre a Requerente e o B..., nem consistia numa condição sine quo non para a celebração do contrato de construção e concessão de exploração do parque de estacionamento, tal como resulta da alínea i) da matéria de facto dada como provada, pelo que o valor contabilístico inicial do activo já tinha por base essa realidade. Não obstante, a verdade é que o valor acordado pela Requerente para a aquisição da concessão de construção e exploração do parque de estacionamento foi influenciado pela expectativa da construção do referido pavilhão. Tal conclusão encontra-se devidamente suportada e comprovada no âmbito do processo judicial que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto mencionado nas alíneas h) e i) da matéria de facto dada como provada supra, cuja realidade não foi directa e expressamente contestada pelas partes, e de onde resulta um valor de uso do activo inferior ao que existiria no caso de o pavilhão ter sido construído.

 

29. Tendo por base a mencionada factualidade, resulta evidente que a construção do pavilhão influenciou efectivamente o preço de aquisição do activo intangível, bem como os fluxos de caixa estimados pela Requerente. Por esta razão, ao reconhecer a Requerente com a interposição da referida acção judicial que suportou prejuízos com a não construção do pavilhão, resultantes da diminuição das receitas esperadas, impunha‑se naquele momento a constituição de uma perda por imparidade em cumprimento do princípio da prudência. Isto independentemente da procedência ou improcedência da acção, já que a eventual necessidade de reversão da perda por imparidade em resultado do desfecho da acção judicial não invalida a obrigatoriedade do seu prévio reconhecimento.

 

30. Apesar de a determinação do valor da perda por imparidade envolver um certo grau de subjectividade, uma vez que implicava o cálculo de previsões de receita futura do parque de estacionamento, nem por isso tem razão a Requerente quando procura sustentar que não seria possível calcular um valor sério e objectivo, apenas com base no pedido de indemnização. Convém sublinhar a este respeito que foi a Requerente que quantificou e reclamou judicialmente o montante dos prejuízos sofridos, tendo igualmente admitido por acordo no âmbito da audiência prévia daquele processo que os prejuízos em questão ascendiam a € 1.638.537,27. Por conseguinte, aquele era o valor objectivo que deveria ter sido contabilisticamente reconhecido a título de perda por imparidade.

 

31. Aqui chegados, cabe então apreciar se a perda por imparidade que deveria ter sido registada na contabilidade da Requerente em 2012 era ou não dedutível para efeitos fiscais, por forma a apurar o consequente impacto no cálculo da mais ou menos-valias fiscal aquando da alienação do activo. Para o efeito, cabe antes de mais fixar o enquadramento legal vigente à data dos factos. A este respeito, e ao que aqui importa, previa-se o seguinte no código do IRC:

Artigo 35.º

Perdas por imparidade fiscalmente dedutíveis

1 – Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

(…)

c) As que consistam em desvalorizações excepcionais verificadas em activos fixos tangíveis, activos intangíveis, activos biológicos não consumíveis e propriedades de investimento.

(…)

4 – As perdas por imparidade de activos depreciáveis ou amortizáveis que não sejam aceites fiscalmente como desvalorizações excepcionais são consideradas como gastos, em partes iguais, durante o período de vida útil restante desse ativo ou, sem prejuízo do disposto nos artigos 38.º e 46.º, até ao período de tributação anterior àquele em que se verificar o abate físico, o desmantelamento, o abandono, a inutilização ou a transmissão do mesmo.

 

Artigo 38.º

Desvalorizações excepcionais

1 – Podem ser aceites como perdas por imparidade as desvalorizações excepcionais referidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 35.º provenientes de causas anormais devidamente comprovadas, designadamente, desastres, fenómenos naturais, inovações técnicas excepcionalmente rápidas ou alterações significativas, com efeito adverso, no contexto legal.”.

 

32. Tendo em conta o disposto nos referidos artigos, para que a perda por imparidade contabilística fosse fiscalmente dedutível era necessário que a frustração da expectativa de construção do pavilhão fosse considera uma desvalorização excepcional resultante de uma causa anormal devidamente comprovada. Ora, apesar de o presente caso não se subsumir a nenhum dos tipos exemplificativos previstos no citado artigo 38.º do Código do IRC, é ainda assim possível configurar os prejuízos resultantes da não construção do pavilhão como uma desvalorização excepcional comprovada.

 

33. Ainda que a construção do pavilhão não constituísse uma obrigação contratual assumida pelo B... perante a Requerente, certo é que esta determinou o preço de aquisição a pagar pela concessão de exploração do parque de estacionamento tendo como assente o pavilhão que seria construído na sua superfície. A “normalidade” ditaria a sua construção tal como havia configurado a Requerente aquando da aquisição da concessão. Tanto assim é que o projecto de arquitectura referente ao pavilhão desportivo já tinha inclusive dado entrada na Câmara Municipal do Porto e obtido pareceres favoráveis à respectiva construção. Veja-se que a frustração desta expectativa surgiu como um evento inesperado para a Requerente, que tornou economicamente mais difícil a exploração do parque de estacionamento, conforme consta das alíneas h) e i) da matéria de facto dada como provada.

 

34. Sem prejuízo, mesmo que se considerasse que não estaria em causa uma desvalorização excepcional derivada de uma “causa anormal devidamente comprovada” que permitisse a dedutibilidade fiscal imediata e por inteiro desta perda por imparidade, sempre haveria que ter em consideração o disposto no citado n.º 4, do artigo 35.º do Código do IRC. De acordo com esta norma, a imparidade contabilística seria dedutível para efeitos fiscais enquanto gasto, em parte igual, pelo período de vida útil restante do activo ou até ao período de tributação anterior à sua transmissão, que veio a ocorrer em 2017.

 

35. Significa isto que, em qualquer caso, a imparidade contabilística iria ser dedutível como gasto para efeitos fiscais.

 

36. Aqui chegados, cumpre finalmente aferir qual o impacto que a falta de reconhecimento contabilístico e fiscal da perda por imparidade representa para efeitos da mais ou menos-valia fiscal apurada aquando da alienação do activo em 2017. A este respeito, e ao que aqui importa, dispunha-se o seguinte no artigo 46.º do Código do IRC na redacção vigente à data dos factos:

Artigo 46.º

Conceito de mais-valias e de menos-valias

1 – Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a:

a) Ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis, ativos biológicos não consumíveis e propriedades de investimento, ainda que qualquer destes ativos tenha sido reclassificado como ativo não corrente detido para venda;

(…)

2 – As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas nos artigos 28.º-A, 31.º-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 31.º-A.”.

 

37. A ratio desta norma está em assegurar que o valor de aquisição do activo utilizado no cálculo da mais-valia é conforme ao “valor fiscal”, real e efectivo, que o activo representa, bem como em impedir a múltipla dedução do mesmo gasto fiscal – num primeiro momento, na dedução da perda por imparidade e, num segundo momento, pela sobrevalorização do custo de aquisição que diminui consequentemente o valor de uma eventual mais-valia.

 

38. Ora, tendo presente a evidenciada ratio da norma, para efeitos de apuramento de mais ou menos-valias fiscais, só as perdas por imparidade que tenham sido deduzidas fiscalmente como gasto é que precisam de ser deduzidas ao valor de aquisição do activo alineado, já que só nesses casos é que se revela necessário impedir a “múltipla dedução”.

 

39. No presente caso, a Requerente não reconheceu contabilisticamente qualquer perda por imparidade relativamente ao parque de estacionamento, já que à data da alienação o activo continuava registado por € 3.389.001,67. Por conseguinte, se a Requerente não beneficiou anteriormente da dedução de um gasto – ainda que o devesse ter reconhecido –, não estava vinculada no momento da alienação a “neutralizar” o referido gasto por conta da sua dedução ao valor de aquisição do activo, já que nesse caso acabaria por suportar uma dupla penalização.

 

40. Em face do exposto, entende este Tribunal que os actos de liquidação contestados pela Requerente são parcialmente ilegais na concreta parte em que materializaram a dedução ao valor de realização de perdas por imparidade, impondo-se a sua anulação em conformidade.

 

III.2.2. Amortizações e Depreciações – Quotas Perdidas

 

            41. A este respeito cumpre essencialmente aferir qual o momento e de que forma deveria o parque de estacionamento ter começado a ser amortizado, aferindo para o efeito se existem ou não quotas perdidas a ser deduzidas ao valor de aquisição do activo para efeitos de apuramento de mais e menos-valias nos termos do artigo 46.º do Código do IRC na redacção vigente à data dos factos.

Antes de se proceder a tal análise, cumpre fixar as posições das partes quanto a esta correcção.

 

42. Posição da Requerente:

  1. Começou a Requerente por mencionar que quando iniciou a exploração do parque de estacionamento em Março/Abril de 2010 ainda não tinha sido facturado pelo B... a totalidade do preço pago pela aquisição da concessão, tendo uma parte do valor apenas sido facturada pelo B... em Junho de 2012;
  2. De acordo com a Requerente, até Junho de 2012, o activo estava em grande parte reconhecido na conta de inventários em curso (activos correntes), pelo que não se colocava em causa o reconhecimento de depreciações/amortizações, sendo que após aquela data o activo foi reconhecido como intangível, razão pela qual começou a ser feita a respectiva amortização pelo valor global e pelo período de 7 meses que era o tempo que restava até ao término do período de tributação;
  3. Prosseguiu a Requerente por referir que a contagem do período da concessão de 50 anos se iniciou em 2008 (data da assinatura do contrato de concessão), razão pela qual estipulou um período de vida útil remanescente de 46 anos, o que resultou na utilização de uma taxa de amortização de 2,17%;
  4. Para além do argumento contabilístico e de falta de documento de suporte do custo de aquisição, referiu também a Requerente que a alínea a), do n.º 2, e n.º 3, do artigo 1.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, não impunham o reconhecimento de amortizações em 2010, 2011 e 2012, já que aquela norma não é aplicável a activos intangíveis mas sim a activos fixos tangíveis e a propriedades de investimento;
  5. Segundo a Requerente, ao presente caso era aplicável a alínea b), do n.º 2, do artigo 1.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, que na redacção à data dos factos determinava que o activo era amortizável a partir da sua aquisição ou início de actividade se posterior;
  6. Para a Requerente, o regime desta última norma visa evitar a antecipação de gastos fiscalmente dedutíveis, que apenas podem ser deduzidos no período da respectiva contabilização ou em períodos posteriores;
  7. Por este motivo, considera a Requerente que daquela norma não resulta a perda de quaisquer quotas de amortização:
  8. Para além disto, referiu a Requerente que para haver lugar à penalização a título de “quotas perdidas” nos termos do Código do IRC e do já mencionado Decreto Regulamentar era necessário que estivessem em causa activos em que fosse fixada uma quota máxima, sob pena de não se poder fixar uma quota mínima, o que não seria o caso, uma vez que o activo intangível em questão tinha um período de concessão pelo prazo fixo de 50 anos;
  9. Referiu ainda a Requerente que os SIT utilizaram uma taxa de amortização de 2,17% quando esta é a taxa que resulta da vigência temporal restante do direito à concessão (46 anos) no momento em que a Requerente começou a amortizar o activo em 2012 e não quando iniciou a exploração em 2010 (48 anos);
  10. Por fim, mencionou a Requerente que, no limite, se se admitisse que a taxa aplicável seria a que foi considerada (2,17%), a mesma teria que ser aplicada apenas ao montante de € 573.966,9 que era o montante reconhecido como intangível nos períodos de 2010 e 2011.

 

43. Posição da Requerida:

  1. Começou a Requerida por referir que nos termos da NCRF 6 os activos intangíveis apenas devem ser reconhecidos quando seja provável que os benefícios económicos futuros relacionados directamente com esse activo intangível fluam para a entidade, e quando o custo desse activo possa ser fiavelmente mensurado;
  2. Tendo isto presente, e tendo por base o contrato promessa e o contrato de concessão assinados pela Requerente com o B..., considerou a Requerida que o custo de construção do parque de estacionamento podia ser mensurado com fiabilidade no momento em que a Requerente começou a explorar o parque de estacionamento;
  3. Assim sendo, concluiu a Requerida que o activo foi indevidamente registado na contabilidade, já que desde 2010 que devia ter sido reconhecido como activo intangível;
  4. Tendo isto presente, sublinhou a Requerida que por força do disposto nos § 95 e 97 a 99 da NCFR 6 a Requerente devia ter começado a amortizar o activo intangível quando este ficou disponível para uso, pelo respectivo período de vida útil que no caso correspondia ao período de concessão;
  5. Segundo a Requerida, nos termos dos artigos 23.º n.º 2 al. g) e 29.º a 34.º do Código do IRC e nos termos do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009 de 14 de Setembro, as amortizações contabilísticas daquele activo intangível eram aceites como gasto para efeitos fiscais;
  6. Quanto à taxa de amortização admissível, arguiu a Requerida que esta resultava directamente do período de exploração do parque;
  7. No entender da Requerida constitui um venire contra factum proprium o argumento da Requerente de que os SIT deveriam ter observado um período de vida útil de 48 anos (com uma taxa de amortização de 2,08%), que é superior ao período de 46 anos que foi fixado pela própria Requerente (com uma taxa de amortização de 2,17%);
  8. Isto na medida em que para a Requerida este argumento revela o reconhecimento da Requerente de que deduziu sistematicamente ao lucro tributável um valor superior ao que lhe era permitido, o que impunha na verdade uma correcção ainda mais desfavorável;
  9. De acordo com a Requerida, resulta do princípio da periodização das componentes negativas e positivas do lucro tributável consagrado no artigo 18.º, n.º 2, do Código do IRC que não podem ser imputados a períodos posteriores valores que deveriam ter sido anteriormente amortizados, porquanto os mesmos não eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos na data do encerramento das contas do período de tributação a que respeitavam;
  10. Por este conjunto de motivos, concluiu a Requerida que os valores não amortizados correspondem a “quotas perdidas” que têm de ser deduzidas ao valor de aquisição para efeitos de cálculo da mais ou menos-valia fiscal.

 

44. Cabendo decidir, cumpre a título prévio fixar a base legal vigente à data dos factos relativamente à dedutibilidade das amortizações/depreciações aqui controvertidas.

 

45. Ao que aqui importa, previa-se o seguinte no código do IRC na redacção à data dos factos:

Artigo 18.º

Periodização do lucro tributável

1 – Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2 – As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

(…)

 

Artigo 30.º

1 – O cálculo das depreciações e amortizações faz-se, em regra, pelo método das quotas constantes.

(…)

4 – Salvo em situações devidamente justificadas aceites pela Direcção-Geral dos Impostos, em relação a cada elemento do activo deve ser aplicado o mesmo método de depreciação ou amortização desde a sua entrada em funcionamento ou utilização até 9à sua depreciação ou amortização total, transmissão ou inutilização.

5 – O disposto no número anterior não prejudica a variação das quotas de depreciação ou amortização de acordo com o regime mais ou menos intensivo ou com outras condições de utilização dos elementos a que respeitam, não podendo, no entanto, as quotas mínimas imputáveis ao período de tributação ser deduzidas para efeitos de determinação do lucro tributável de outros períodos de tributação.

6 – Para efeitos do número anterior, as quotas mínimas de depreciação ou amortização são as calculadas com base em taxas iguais a metade das fixadas segundo o método das quotas constantes, salvo quando a Direcção-Geral dos Impostos conceda previamente autorização para a utilização de quotas inferiores a estas, na sequência da apresentação de requerimento em que se indiquem as razões que as justificam.

 

Artigo 31.º

Quotas de depreciação ou amortização

1 – No método das quotas constantes, a quota anual de depreciação ou amortização que pode ser aceite como gasto do período de tributação determina-se aplicando as taxas de depreciação ou amortização definidas no decreto regulamentar que estabelece o respectivo regime aos seguintes valores:

a) Custo de aquisição ou de produção;

b) Valor resultante de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;

c) Valor de mercado, à data de abertura da escrita, para os bens objecto de avaliação para esse efeito, quando não seja conhecido o custo de aquisição ou de produção.

2 – Relativamente aos elementos para que não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou amortização, são aceites as que pela Direcção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.

(…)

5 – Tratando-se de bens adquiridos em estado de uso ou de grandes reparações e beneficiações de elementos do activo sujeitos a deperecimento, as correspondentes taxas de depreciação são calculadas com base no período de utilidade esperada de uns e outros.

6 – Os sujeitos passivos podem optar no ano de início de funcionamento ou utilização dos elementos por uma taxa de depreciação ou amortização deduzida da taxa anual, em conformidade com os números anteriores, e correspondente ao número de meses contados desde o mês de entrada em funcionamento ou utilização dos elementos.

7 – No caso referido no número anterior, no ano em que se verificar a transmissão, a inutilização ou o termo de vida útil dos mesmos elementos só são aceites depreciações e amortizações correspondentes ao número de meses decorridos até ao mês anterior ao da verificação desses eventos.

 

46. Ao que aqui importa, previa-se o seguinte no Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, na redacção vigente à data dos factos:

Artigo 1.º

Condições gerais de aceitação das depreciações e amortizações

1 – Podem ser objecto de depreciação ou amortização os elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando -se como tais os activos fixos tangíveis, os activos intangíveis e as propriedades de investimento contabilizadas ao custo histórico que, com carácter sistemático, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo.

2 – Salvo razões devidamente justificadas e aceites pela Direcção-Geral dos Impostos, as depreciações e amortizações só são consideradas:

a) Relativamente a activos fixos tangíveis e a propriedades de investimento, a partir da sua entrada em funcionamento ou utilização;

b) Relativamente aos activos intangíveis, a partir da sua aquisição ou do início de actividade, se for posterior, ou, ainda, quando se trate de elementos especificamente associados à obtenção de rendimentos, a partir da sua utilização com esse fim.

3 – As depreciações e amortizações só são aceites para efeitos fiscais desde que contabilizadas como gastos no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores.

 

Artigo 3.º

Período de vida útil

1 – A vida útil de um elemento do activo depreciável ou amortizável é, para efeitos fiscais, o período durante o qual se deprecia ou amortiza totalmente o seu valor, excluído,

quando for caso disso, o respectivo valor residual.

2 – Qualquer que seja o método de depreciação ou amortização aplicado, considera-se:

a) Período mínimo de vida útil de um elemento do activo, o que se deduz da quota de depreciação ou amortização que seja fiscalmente aceite nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 5.º;

b) Período máximo de vida útil de um elemento, o que se deduz de quota igual a metade da referida na alínea anterior.

3 – Exceptuam -se do disposto na alínea b) do número anterior as despesas com projectos de desenvolvimento, cujo período máximo de vida útil é de cinco anos.

4 – Os períodos mínimo e máximo de vida útil contam-se a partir da ocorrência dos factos mencionados no n.º 2 do artigo 1.º

5 – Não são aceites como gastos para efeitos fiscais as depreciações ou amortizações praticadas para além do período máximo de vida útil, ressalvando-se os casos devidamente justificados e aceites pela Direcção-Geral dos Impostos.

 

Artigo 7.º

Depreciações e amortizações por duodécimos

1 – No ano da entrada em funcionamento ou utilização dos activos, pode ser praticada a quota anual de depreciação ou amortização em conformidade com o disposto nos artigos anteriores, ou uma quota de depreciação ou amortização, determinada a partir dessa quota anual, correspondente ao número de meses contados desde o mês da entrada em funcionamento ou utilização desses activos.

 

Artigo 18.º

Quotas mínimas de depreciação ou amortização

1 – As quotas mínimas de depreciação ou amortização que não tiverem sido contabilizadas como gastos do período de tributação a que respeitam, não podem ser deduzidas dos rendimentos de qualquer outro período de tributação.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, as quotas mínimas de depreciação ou amortização são determinadas através da aplicação, aos valores mencionados no artigo 2.º das taxas iguais a metade das fixadas no artigo 5.º, salvo quando a Direcção-Geral dos Impostos conceda previamente autorização para a utilização de quotas inferiores, na sequência da apresentação de requerimento

em que se indiquem as razões que as justificam.

 

            47. Ainda a título prévio, sublinha-se que no âmbito da análise efectuada à correcção descrita em “III.2.1. Perdas por Imparidade”, fixou já o presente Tribunal que o direito de concessão de exploração do parque de estacionamento consistia num activo que devia ter sido reconhecido como intangível desde o início da sua utilização, sendo que o respectivo custo era de facto mensurável conforme evidenciou a Requerida nos respectivos articulados.

 

            48. Dito isto, e tendo presente a base legal que se fixou, o activo em questão devia ter começado a ser amortizado pela Requerente desde o início efectivo da exploração, que ocorreu em Março de 2010 conforme consta da alínea h) da matéria de facto dada como provada.

 

            49. Ao não ter o activo sido amortizado nos períodos de tributação de 2010 (9 meses), 2011 (12 meses) e 2012 (5 meses), as amortizações que não foram deduzidas ao lucro tributável daqueles períodos consideram se “quotas perdidas”. Isto na medida em que decorre dos artigos 18.º, n.º 2 e 30.º, n.º 5 do Código do IRC e 3.º, n.º 5 do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, acima citados, que não podem ser deduzidas quotas de amortização noutros períodos de tributação e para além do período máximo de vida útil do activo.

 

50. Nestes termos, o valor das quotas perdidas apuradas teria de ser deduzido ao valor de aquisição para efeitos de cálculo da mais ou menos-valia resultante da alienação do activo, conforme exige o artigo 46.º do Código IRC, sob pena de se violarem aquelas normas. Veja-se o disposto no n.º 2 daquele artigo na redacção vigente à data da alienação (cujo efeito prático já vigorava em 2012 por força da aplicação dos artigos 46.º, n.º 2 e 30.º, n.º 5 daquele código):

 

Artigo 46.º

Conceito de mais-valias e de menos-valias

(…)

2 – As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas nos artigos 28.º-A, 31.º-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 31.º-A.

Quanto à formulação de “quotas perdidas” pronunciou-se já de forma peremptória o STA no acórdão proferido em 12 de Novembro de 2014, no âmbito do processo n.º 01571/13, onde referiu o seguinte:

“a aceitação das menos valias relativamente às amortizações que não foram contabilizadas nos anos de 2001, 2002 e 2003 pela recorrente correspondia a efectuar no ano de 2006, ano da transmissão, custos que deveriam ter sido inscritos naqueles exercícios.

Mas a aceitar-se a tese da recorrente não podemos deixar de concordar com a Administração Fiscal quando afirma que – não admitir o valor das quotas perdidas no cálculo da menos valia fiscal, enquanto reintegrações para efeitos fiscais, está-se a agravar a menos valia fiscal e desse modo a deduzir implicitamente essas reintegrações ao lucro tributável de exercício diferente dos exercícios em que deveriam ter sido praticadas o que contraria os preceitos anteriormente referidos e viola também manifestamente o princípio da especialização dos exercícios consagrado no artigo 18 do CIRC.

Consideramos também com o mº juiz “a quo” face aos normativos citados, que as quotas mínimas imputáveis ao exercício não podem ser deduzidas para efeitos de determinação do lucro tributável de outros exercícios pelo que haverá sempre lugar à consideração das amortizações correspondentes às quotas mínimas de amortização permitidas pelo Decreto Regulamentar nº 2/90 de 12 de Janeiro.”

 

51. Quanto à concreta taxa, entendemos que a amortização deveria ter sido feita com base num período de vida útil restante de 48 anos (à data do início da exploração do parque em 2010) e não com base no período de vida útil de 46 anos calculado pela Requerente e assumido pelos SIT no relatório de inspecção tributária. Assim sendo, o cálculo das quotas perdidas não deveria ter sido feito com base numa taxa de 2,17%, mas sim de 2,08%, sem contar que dos artigos 2.º, 5.º e 18.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro resulta que o valor das quotas perdidas seria metade do valor resultante da taxa aplicável, o que no presente caso correspondia a 1,04%.

 

52. Significa isto que quer a Requerente quer os SIT calcularam indevidamente a taxa de amortização do activo e o montante de quotas perdidas, pelo que a utilização de uma taxa de 2,17% resulta na dedução pela Requerente de um gasto que não era dedutível ao abrigo da alínea g), do n.º 2, do artigo 23.º do Código do IRC. Tal facto é de certo modo assumido pela Requerida na sua resposta quando refere o seguinte:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                       

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

53. Em suma, o montante de quotas efectivamente perdidas quanto aos períodos de tributação de 2010 (9 meses), 2011 (12 meses) e 2012 (5 meses) que foram objecto de correcção era de € 76.365,51 e não de € 159.339,86.

 

54. Uma vez que estamos perante um contencioso de mera anulação entende este Tribunal que não se insere no âmbito das suas competências – que se encontram delimitadas nos termos do artigo 2.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT –, determinar o concreto apuramento do lucro tributável de cada um dos períodos de tributação que não foram objecto de correcção com o consequente reflexo no cálculo da mais-valia, ainda para mais quando a legalidade das amortizações deduzidas pela Requerente nos períodos de 2012 a 2017 não foi objecto de correcção pelos SIT nem constitui o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

55. Em face do exposto, considera este Tribunal que os actos de liquidação contestados são parcialmente ilegais na concreta medida em que no cálculo da mais-valia determinaram uma dedução ao valor de aquisição, de um montante de quotas perdidas superior ao determinado por lei, impondo-se a consequente anulação em conformidade.

 

III.2.3. Juros compensatórios e juros indemnizatórios

 

56. Os juros compensatórios são devidos, nos termos do artigo 102.º, n.º 1 do Código do IRC “[s]empre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega do imposto a pagar antecipadamente ou a reter no âmbito da substituição tributária ou obtido reembolso indevido”.

 

57. Portanto, a liquidação de juros compensatórios está estritamente dependente da legalidade dos actos de liquidação emitidos pela AT, o que significa que tais juros não são devidos nos casos em que os actos de liquidação venham a ser declarado ilegais. Assim sendo, impõe-se a anulação dos actos de liquidação de juros compensatórios impugnados nos presentes autos, na concreta parte que incidiram sobre os actos de liquidação de IRC julgados ilegais.

 

58. No pedido arbitral a Requerente peticionou ainda a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto indevidamente pago, até ao reembolso integral da quantia devida.

 

59. Nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1 da LGT e no artigo 61.º, n.º 5 do CPPT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

60. Ora, conforme anteriormente se determinou, os actos de liquidação aqui contestados são parcialmente ilegais, o que significa que foram liquidados pela AT com base em erro que, no presente caso, lhe é unicamente imputável. Nestes termos são devidos juros indemnizatórios calculados sobre o concreto montante declarado ilegal, que vier a ser apurado em sede de execução da presente decisão, desde a data do pagamento indevido, à taxa legal supletiva prevista nos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

IV – DECISÃO

 

Termos em que se decide julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência:

  1. Absolver a Requerida da instância quanto ao pedido de devolução do montante de € 479,43 pago pela Requerente, a título de custas, no âmbito do processo de execução fiscal;
  2. Anular parcialmente, nos termos acima evidenciados, os actos de liquidação de IRC e de juros compensatórios objecto de impugnação;
  3. Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos acima evidenciados;
  4. Condenar a Requerente e a Requerida nas custas do processo na proporção do respectivo decaimento.

 

V – VALOR DA CAUSA

           

            A este respeito invocou a Requerida que o valor do processo teria de ser ajustado em função das correcções contestadas, que são inferiores ao montante de imposto e juros apurados no acto de liquidação de IRC. Por seu turno alegou a Requerente que o valor do processo é determinado com base na importância cuja anulação se pretende, que no caso seria a totalidade do acto de liquidação no valor de € 124.491,76. Mais referiu a Requerente que se o valor do pedido tivesse de ser alterado sempre seria para menos de forma a não incluir as correcções não contestadas e que também integram aquele acto.

            Na fixação do valor do processo cumpre ter em consideração o disposto no artigo 97.º‑A do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT, no qual se determina, ao que aqui importa, o seguinte:

Artigo 97.º-A

Valor da causa

1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:

a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;”

Deste artigo resulta que o valor da causa corresponderá ao montante cuja anulação é pretendida. Nos presentes autos, a Requerente conformou o pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da totalidade do acto de liquidação adicional de IRC, estorno, juros compensatórios e custas liquidadas no âmbito da execução fiscal, tudo no montante global de € 124.971,19. Por conseguinte, e tendo em conta que a eventual anulação total ou parcial dos actos de liquidação contestados respeita à procedência do mérito e à divisibilidade dos referidos actos e já não à apreciação do valor do pedido tal como conformado pela Requerente, fixa-se ao processo o valor de € 124.971,19.

 

VI - CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 3.060,00, fixando-se o montante de € 183,6 a cargo da Requerente, e de € 2.876,4 a cargo da Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de Dezembro de 2022

 

A Árbitra Presidente,

 

 

Carla Castelo Trindade

(Relatora)

O Árbitro Adjunto,

 

 

Miguel Luís Cortês Pinto de Melo

 

O Árbitro Adjunto,

 

Arlindo José Francisco