Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 236/2021-T
Data da decisão: 2022-12-22  IRC  
Valor do pedido: € 126.302,62
Tema: Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas – Benefícios Fiscais no contexto do Regime Fiscal do Investimento - Decisão de Reenvio prejudicial (anexa à decisão).
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

Os Árbitros Conselheira Fernanda Maçãs (Árbitra-Presidente), Dr. Álvaro Caneira e Professora Doutora Clotilde Celorico Palma (Árbitros Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

I. Relatório

 

 

1. A... S.A. (doravante A... ou Requerente), com o número de pessoa colectiva..., com sede na ... ..., ..., ...-... ..., apresentou, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do artigo 10.° do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), em conjugação com o disposto na alínea a) do artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT), pedido de constituição de Tribunal Arbitral, solicitando a anulação das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) - IRC 2016-liquidação n.º2020 ... e IRC 2018-liquidação n.º2020 ... e das liquidações de juros compensatórios, resultantes das correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) à matéria tributável dos exercícios de 2016 e 2018, no montante de € 126.302,62 (cento e vinte seis mil, trezentos e dois euros e sessenta e dois cêntimos).

 

2. Fundamentando estes pedidos a Requerente alegou, em resumo, que se está perante uma ilegalidade das liquidações em apreço estando em causa uma errada apreensão e aplicação dos factos relevantes para a decisão, existindo uma violação de lei por ilegal interpretação dos artigos 2.º e 22.º do Regime Fiscal do Investimento (RFAI) e por ilegal interpretação do Regulamento Geral de Isenção por Categorias (RGIC) - Regulamento (EU) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de Junho de 2014 -, nomeadamente dos respectivos artigos 1.º, 2.º n.º11, e do Regulamento (EU) n.º 1379/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2013.

 

3. Nestes termos, vem estribar o seu pedido, em linhas gerais, nos seguintes factos e entendimentos:

 

 

a)    As liquidações em apreço resultam de correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável dos exercícios de 2016 e 2018, levadas a cabo em acção de inspecção.

b)    “A conclusão, errada, da AT é a de que (…) foi indevidamente auferido benefício fiscal (“RFAI”) nos períodos de tributação de 2016 e 2018, devido ao facto de a atividade exercida se encontrar excluída da sua aplicação (…), conforme consta do RIT, logo no ponto I.4-, pág.5 do DOC.3.”

c)    O erro resultou de uma errada interpretação das normas legais aplicáveis, nas quais se baseou, a saber, o Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro - Código Fiscal ao Investimento (CFI), conjugado com a Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro (artigos 1.º e 2.º), com o Regime Geral de Isenção por Categoria/RGIC, constante do Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de Junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de Junho de 2014, e com o Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

d)    “No ponto III do RIT (pág.19, último paragrafo) a AT afirma o seguinte facto:

“Tendo sido questionado por estes Serviços de Inspeção, sobre que atividade (CAE) foram efetuados os investimentos, relativos ao benefício fiscal “RFAI”, para os anos de 2016 e 2018 foi expressamente referido que: Os custos indicados foram para o CAE 10204-R3, correspondente a “SALGA, SECAGEM E OUT.ACT. TRANSF.PROD. PESCA E AQUICULTURA.”

e)    “Também no domínio dos factos a AT afirma e confirma que “O projeto de investimento em análise, tem em vista o “aumento da capacidade de um estabelecimento já existente”, e toda a informação relativa aos investimentos nos indica que foram efetuados para melhoria e ampliação dos processos de “salga, demolha e congelação de bacalhau” (cfr.pág.21 do RIT junto como doc. 3)”

f)    “E a pág.22 do RIT a AT afirma que “(…) conclui-se que a atividade concreta desenvolvida pela requerente compreendida no código CAE 10204, integram o conceito de “transformação de produtos agrícolas” em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no anexo I do Tratado”, termos em que conclui, no último parágrafo de pag.22 do RIT, que, (…) a transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado encontra-se excluído do âmbito do “RFAI”, por força do disposto no artigo 1º da Portaria nº 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao “RFAI” (…)

g)    “E, continua, (a pág.23): “Neste contexto a não consideração do benefício fiscal “RFAI” produzirá efeitos nos anos de 2016 e 2018, onde o mesmo foi utilizado nas suas modelos 22 de IRC, e a sua inviabilização em benefícios futuros relativamente ao valor da dotação de 2018 não utilizada nesse ano.”

h)    A Requerente defende que a sua actividade se encontra inserida no âmbito sectorial do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC), como também no âmbito sectorial das Orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (OAR) e que lhe é plenamente aplicável o CFI, não podendo ser excluída do âmbito do RFAI. Neste sentido invoca o seguinte:

 

“O normativo básico para a concessão do benefício fiscal é o artigo 2.º do CFI, que faz referência, como actividade económica elegível, à indústria transformadora. Como se observou no acórdão proferido pelo CAAD, no Processo n.º 545/2018-T, que abordou esta matéria, importa ter presente que o elenco de atividades constante daquele preceito legal não é exaustivo, visto que se limita a enunciar o conjunto de atividades económicas abrangidas pelos projetos de investimento a título meramente exemplificativo”.

 Contudo, tal como resulta do proémio desse artigo 2.º, a atividade económica elegível haverá de respeitar o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (OAR) e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC).

Por outro lado, a elegibilidade dos projetos fica ainda dependente, em concreto, da especificação dos códigos de atividade económica (CAE), que o legislador remeteu para diploma regulamentar, especificação essa que igualmente haverá de ter em conta as restrições enunciadas no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, entre as quais se conta a não elegibilidade dos projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas da produção agrícola primária e da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Face ao exposto, importa analisar o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, que declara as categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, e em especial o seu artigo 1.º, que define o âmbito de aplicação do Regulamento.

Enunciando um conjunto de categorias de auxílio a que o Regulamento é aplicável, aí se incluindo os auxílios com finalidade regional (alínea a), e os subsequentes n.ºs 2, 3 e 4 enumeram os auxílios que se encontram excluídos do seu âmbito de aplicação.

Para o presente caso importa analisar o conceito de “transformação de produtos agrícolas” em que o produto final continua a ser um “produto agrícola” enumerado no anexo I do Tratado.

Cabe, por isso, considerar as definições que constam do artigo 2.º do RGIC especialmente as das suas alíneas 9), 10) e 11):

9) «Produção agrícola primária», a produção de produtos da terra e da criação animal,

enumerados no anexo I do Tratado, sem qualquer outra operação que altere a natureza de tais produtos;

10) «Transformação de produtos agrícolas», qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda;

11) «Produto agrícola», um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os

produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013;

Tendo sido objetivo do legislador que aprovou o CFI assegurar a conformidade com as disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, nomeadamente, com as disposições constantes do Regulamento Geral de Isenção por Categoria, como ressalta do artigo 2.º, n.º 2, desse diploma, e tendo sido essa também a finalidade da Portaria n.º 282/2014, como se depreende da respetiva nota preambular, as suas disposições não podem deixar de ser interpretadas em conformidade com o direito europeu.

Com efeito, na medida em que dizem respeito à matéria europeia dos auxílios de Estado, o CFI (e a regulação que dele consta do RFAI) e a Portaria n.º 282/2014 devem ser entendidos como instrumentos de execução, efetivação e aplicação dos princípios e regras contidos nos artigos 107.º a 109.º do TFUE, no RGIC e nas OAR, e nesse sentido a Portaria não pode ser tida como um mero regulamento de complementação do n.º 2 do artigo 2.º do CFI, mas como um diploma de execução de disposições de direito europeu. Não há motivo, por conseguinte, para fazer prevalecer a regra que consta do artigo 1.º da Portaria sobre o artigo 2º, nº 11 do Regulamento (EU) 651/2014 nos termos do qual se entende por “Produto Agrícola”, um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos de pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (EU) nº1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013”.

Ora,

Do Anexo I ao Regulamento (EU) nº 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de dezembro de 2013, constam: Peixes frescos, secos, salgados ou em salmoura, peixes congelados, desperdícios de peixe, produtos de peixe, com os códigos 0302,0303,0305, 0511 91 10.

Pelo que

Se incluem na exceção da definição de produto agrícola que é dada pelo nº11 do artigo 2º do Regulamento (EU) 651/2014,

De onde resulta que,

Os produtos da atividade transformadora de bacalhau exercida pela Requerente, não são produtos agrícolas.

Como já referido a Requerente exerce uma atividade de indústria transformadora, compreendida no artigo 2º alínea b) da Portaria 282/2014 de 30 de dezembro:” b) Indústrias transformadoras -divisão 10 a 33)” que não é uma atividade de transformação de produto agrícola.”

i) Adita ainda a Requerente que, após ter verificado o crescimento do número de trabalhadores na Impugnante, a AT afirma que não foram apresentadas certidões de dívida ao Estado e à Segurança Social reportadas ao período de concessão do benefício, sendo as apresentadas referentes ao ano de 2020.

j) “Em 29 de junho de 2020 o Sr. Inspetor da AT, Sr. Dr. B..., solicitou por email, nesse dia, dirigido à Administradora da A... C..., precisamente o seguinte: - Certidões de inexistência de dívidas ao estado e à segurança social”, conforme Doc.4 que ora se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.”

k) Dado o pedido não fazer referência a qualquer ano, a Administradora da Requerente considerou que lhe estavam a ser pedidas certidões referentes ao ano então em curso (2020).

l) A Requerente não tinha dívidas à Autoridade Tributária ou à Segurança Social, nem em 2016, nem em 2018, conforme certidões que ora juntou sob Doc.5 e Doc.6.

m) “O investimento efetuado pela Requerente, tal como referem os SIT a pág.12 do RIT, “…enquadra-se no ponto 2 da alínea d) do nº2 do artigo 2º da Portaria 297/2015”, isto é, refere-se a “aumento da capacidade de um estabelecimento já existente.”

n) Não obstante as referências aos limites máximos dos benefícios fiscais, a verdade é que não são propostas quaisquer correcções com tal fundamento nem para o ano de 2016, nem para o ano de 2018, dado os SIT terem entendido considerar a Requerente excluída dos benefícios fiscais em causa em virtude da actividade económica exercida.

 

 

3. Juntou à petição diversos documentos.

 

 

4. Cumpridos os necessários e legais trâmites processuais, designadamente os previstos no aludido Decreto-Lei n.º 10/2011 e na Portaria n.° 112-A/2011, de 22 de Março, foi constituído Tribunal Arbitral Colectivo em 29 de Junho de 2021, formado pela Senhora Árbitra Presidente Conselheira Fernanda Maçãs e pelos Árbitros Vogais Dr. Álvaro Caneira e Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

5. Notificada nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, em 1 de Julho de 2021, veio a AT apresentar resposta a 17 de Setembro de 2021, alegando, sumariamente, que reiterava o entendimento veiculado no Relatório de Inspecção, a saber:

 

 

a) No Relatório de Inspecção Tributária (RIT) conclui-se que, “I.4-Descrição sucinta das conclusões da ação de inspeção

Benefícios Fiscais – “RFAI”

No decurso do procedimento interno conclui-se que foi indevidamente auferido benefício fiscal (“RFAI”), nos períodos de tributação de 2016 e 2018, devido ao facto de a atividade exercida se encontrar excluída da sua aplicação, nos termos do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31/10 – Código Fiscal ao Investimento (CFI), conjugado com a portaria n.º 282/2014, de 30/12 (artigos 1º e 2º), com o Regulamento (EU) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014 – Regulamento Geral de Isenção por Categoria – (RGIC), e com o Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

Nestes termos, o investimento nas aplicações relevantes indicadas pelo sujeito passivo, não é elegível para efeitos de dotações e deduções do benefício fiscal “RFAI”.

Assim, das ações inspetivas internas efetuadas ao sujeito passivo relativas aos períodos de tributação de 2016 e 2018, resultaram as seguintes correções em sede de IRC:

  1. – Exercício de 2016 – IRC – Dedução à colecta indevida de Benefícios fiscais (RFAI)

Item Rel.

Descrição

Valor

III.1 e III.2

IRC não liquidado

€ 72.775,36

 

1.4.2 – Exercício de 2018 – IRC - Dedução à colecta indevida de Benefícios Fiscais (RFAI)

Item Rel.

Descrição

Valor

III.1 e III.3

IRC não liquidado

€ 41.607,67

 

 

Pelos fundamentos descritos no Capítulo III – pontos III.1 e III.3, não será aceite, relativamente ao ano de 2018, a dotação do benefício fiscal “RFAI”, no valor de € 137.011,64, pelo que será este montante que se considerado como “correção ao imposto”, o qual constará no Quadro Resumo das Correções. No entanto, o valor deduzido à coleta no ano de 2018, e que será corrigido na liquidação adicional do mesmo ano, ascende apenas a € 41.607,67.

Deste modo, o valor restante (€95.403,97), referente à dotação do ano 2018, que seria passível de dedução nos 10 períodos de tributação seguintes, nos termos do n.º 3 do artigo 23º do CFI, não poderá ser considerado como benefício fiscal “RFAI” nesses exercícios seguintes.”

 

 

b) Em conformidade com o RIT, “a transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado encontra-se excluída do âmbito do RFAI por força do disposto no artigo 1º da Portaria nº 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do nº 1 do artigo 22 do CFI, e do próprio nº 1 do artigo 22º deste diploma, que na sua parte final exceciona do âmbito de aplicação do regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC.”

 

c) Termos em que se conclui que, “neste contexto a não consideração do benefício fiscal RFAI produzirá efeitos nos anos de 2016 e 2018, onde o mesmo foi utilizado nas suas modelos 22 de IRC, e a sua inviabilização em benefício futuro relativamente ao valor da dotação de 2018 não utilizada nesse ano.”

“Assim,

2-Ano de 2016

Face ao exposto no ponto anterior, conclui-se que foi indevidamente auferido benefício fiscal RFAI, devido ao facto de a atividade se encontrar excluída da sua aplicação, nos termos do Decreto-Lei nº 162/2014, de 31/10-Código Fiscal ao Investimento (CFI), conjugado com a Portaria nº 282/2014 de 30/12 (artigos 1º e 2º) com o Regulamento (EU) nº 651/2014, de 16 de junho de 2014-Regulamento Geral de Isenção por Categoria-(RGIC), e anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)”

E ainda

“3-Ano de 2018

Para este período de tributação de 2018, em consequência do referido no ponto III.1, conclui- se que foi indevidamente auferido beneficio fiscal RFAI, devido ao facto de a atividade se encontrar excluída da sua aplicação, nos termos do Decreto-Lei nº 162/2014, de 31/10-Código Fiscal ao Investimento (CFI), conjugado com a Portaria nº 282/2014 de 30/12 (artigos 1º e 2º) com o Regulamento (EU) nº 651/2014, de 16 de junho de 2014-Regulamento Geral de Isenção por Categoria-(RGIC), e anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)”

 

d) Sobre os limites máximos aplicáveis aos auxílios estatais, a fundamentação dos SIT, expressa no RIT a pp. 15 a 18 é a seguinte:

“3.3.3.1-Ano de 2016

(…)

Ora, nos termos do n.º 5 e n.º 6, ambos do artigo 23º do CFI, os benefícios fiscais inerentes ao “RFAI” devem respeitar os limites máximos aplicáveis aos auxílios com finalidade regional em vigor na região seja efetuado, nos termos do artigo 43º do mesmo diploma, e no caso de os mesmos investimentos beneficiarem de outros auxílios de Estado, o cálculo dos limites referidos no número anterior deve ter em consideração o montante total dos auxílios de Estado com finalidade regional concedidos ao investimento em questão, provenientes de todas as fontes.

Pela leitura dos n.º 1 e n.º 2, ambos do artigo 43º do CFI, conclui-se que o limite máximo de auxílio estatal que o sujeito passivo poderia beneficiar sobre o mesmo investimento relevante é de 35%.

Assim, estando as aplicações relevantes, referentes ao investimento efetuado no ano de 2016, integrado no Projeto indicado no Quadro supra, ao abrigo do “Programa Mar2020” (que reflete apenas o auxílio por parte do fundo comunitário – 75%), conclui-se que apenas como benefício financeiro o sujeito passivo usufrui de um auxílio estatal de 50% (€ 572.632,07 / € 1.145.264,13), a que seria de acrescer o benefício fiscal inerente ao “RFAI”, ou seja, 25% sobre as aplicações relevantes.

Considerando apenas os investimentos realizados no ano de 2016 conclui-se que, para um total de aplicações relevantes de € 258.568,49 (€ 291.101,42 - € 32.532,93), o sujeito passivo auferiu um incentivo financeiro de € 119.485,00, ou seja, 46%, e um benefício fiscal “RFAI” de €64.642,12, ou seja, 25%.

Em face do exposto, conclui-se que apenas o valor do benefício financeiro auferido pelo sujeito passivo relativamente às mesmas aplicações relevantes, supera o limite de 35% previsto no artigo 43º do CFI. Contudo esta situação será, ainda, suplantada pelo exposto nos pontos III.1 e III.2 deste relatório.”

(…)

“3.3.3.2-Ano de 2018

(…)

“Como sucedeu relativamente a 2016, o sujeito passivo, também apresenta um Quadro onde expressa os investimentos que, simultaneamente, auferiram do “RFAI” e do auxílio financeiro relativo a um projecto “MAR2020”, que se reproduz infra:

Conclui-se, que se mantêm-se a situação identificada para o ano de 2016, uma vez que o programa “MAR2020”, também inclui os investimentos efetuados no ano de 2018. No entanto, considerando apenas os investimentos realizados no ano de 2018, conclui- se que, para um total de aplicações relevantes de € 548.046,57, o sujeito passivo auferiu um incentivo financeiro de € 220.780,48, ou seja, 40,28%, e uma dotação de benefício fiscal “RFAI” de € 137.011,64, ou seja, 25%,

Em face do exposto, conclui-se que apenas o valor do benefício financeiro auferido pelo sujeito passivo relativamente às mesmas aplicações relevantes, ainda, suplantada pelo o exposto nos pontos III.1”

 

e) Relativamente ao período de tributação de 2016, o montante de €72.775,36, indevidamente deduzido, corresponde à dotação do RFAI calculada, nos termos definidos no n.º 1 do artigo 23.º do CFI, sobre as aplicações relevantes declaradas pela Requerente, mas, quanto ao período de tributação de 2018, a desconsideração do benefício fiscal manifesta-se na anulação quer da dedução à colecta de IRC, no montante de €41.607,67, quer do valor remanescente de €95.403,97 em reporte para os 10 períodos seguintes (cfr., n.º 3 do art.º 23.º), pois, a dotação do benefício fiscal relativo às aplicações relevantes é de €137.011,64. 19.

 

f) Como salienta a AT na sua resposta, impõe-se sublinhar que, tal como alega a Requerente, os fundamentos em que se estribam as correcções (cfr., Ponto III.2 e 3 RIT) reconduzem-se, no essencial, para a natureza das actividades exercidas pela Requerente, que compreendem a título principal a salga, secagem e outras actividades de transformação de produtos de pesca e aquicultura (código 10204 CAERev3) e a título secundário a congelação de produtos da pesca e da aquicultura (código 10202 CAE-Rev3) e o comércio por grosso de outros produtos alimentares (código 46382 CAERev3), não obstante, os SIT tenham concluído, em primeira linha (V. Ponto II RIT), que não foram respeitados os limites máximos aplicáveis aos auxílios com finalidade regional em vigor na região na qual o investimento seja efetuado, nos termos do art.º 43.º (cfr., n.ºs 5 e 6, do art.º 23.º do CFI).

 

 

g) “Com efeito, dado que os investimentos tinham beneficiado de apoios financeiros não reembolsáveis, ao abrigo do Programa MAR2020, procedeu-se ao cálculo da intensidade dos auxílios estatais com finalidade regional, em conformidade com o disposto no n.º 6 do art.º 23.º do CFI (Ponto II, 3.3.3.1 e 3.3.3.3 RIT) que demonstraram ter sido excedido, em 2016 e em 2018, o limite máximo (35%), previsto no art,º 43.º do CFI, assim, incumprindo frontalmente a exigência do n.º 5 do art.º 23.º.

 

 

h) Tal como a AT invoca na sua resposta, “As OAR, no Ponto 1.1 (âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional) referem que: “10. A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica (9), com exceção da pesca e da aquicultura(10), da agricultura(11) e dos transportes(12), que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações. A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícola;” (nosso destaque).”

32.       A nota de rodapé (10) remete para o Regulamento (CE) N.o 104/2000 do Conselho, de 17 de dezembro de 1999, que estabelece a organização comum de mercado no sector dos produtos da pesca e da aquicultura (JO L 17 de 21.1.2000, p. 22), entretanto, revogado pelo Regulamento (UE) N.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013. 32. Por seu lado, a nota de rodapé (11) apresenta o seguinte teor: “Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola”.

33.       Compulsado o referido Anexo I - Lista prevista no artigo 38.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), verifica-se que nela estão incluídos os produtos do Capítulo 3 da Nomenclatura de Bruxelas (Peixes, crustáceos e moluscos) e do Capítulo 16 (Preparados de carne, de peixe, de crustáceos e de moluscos), cujo conteúdo foi objecto de desagregação no RIT (Ponto III.1, págs. 21-22).

34.       Atente-se ainda que o n.º 1 do art.º 38.º do TFUE dispõe o seguinte: “1. A União define e executa uma política comum da agricultura e pescas. O mercado interno abrange a agricultura, as pescas e o comércio de produtos agrícolas. Por «produtos agrícolas» entendem-se os produtos do solo, da pecuária e da pesca, bem como os produtos do primeiro estádio de transformação que estejam em relação directa com estes produtos. As referências à política agrícola comum ou à agricultura e a utilização do termo «agrícola» entendem-se como abrangendo também as pescas, tendo em conta as características específicas deste sector.” (nosso destaque)

Ou seja, a denominação “produtos agrícolas” abrange também os produtos da pesca.

 

36.       O artigo 5.º do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, que estabelece a organização comum de mercado no sector dos produtos da pesca e da aquicultura define: -  «Produtos da pesca» (alínea a) como “os organismos aquáticos resultantes de qualquer atividade de pesca ou os produtos deles derivados, indicados no Anexo I”;  - «Produtos da aquicultura» (Alínea b) – “os organismos aquáticos resultantes de qualquer atividade de aquicultura, em qualquer estádio do seu ciclo de vida, ou os produtos deles derivados, indicados no Anexo I; e -  «Setor da pesca ou da aquicultura» (alínea d) – “o setor da economia que inclui todas as atividades de produção, transformação e comercialização dos produtos da pesca ou da aquicultura.”

37.       A lista do Anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 compreende, entre outros, os seguintes produtos do Capítulo 3 da Nomenclatura Combinada de Bruxelas (NC): 0302 - Peixes frescos ou refrigerados, exceto os filetes (filés) de peixes e outra carne de peixes da posição 0304; 0303 - Peixes congelados, exceto os filetes (filés) de peixes e outra carne de peixes da posição 0304 ; 0304 - Filetes (filés) de peixes e outra carne de peixes (mesmo picada), frescos, refrigerados ou congelados; 0305 - Peixes secos, salgados ou em salmoura; peixes fumados, mesmo cozidos antes ou durante a defumação; Farinhas, pós e pellets, de peixe, próprios para alimentação humana.

38.       Em suma, as OAR excluem expressamente do seu âmbito de aplicação quer os produtos da pesca e aquicultura que constam do Anexo I do Regulamento (UE) 1379/2013, quer os «produtos agrícolas» que figuram no Anexo I do TFUE e que também incluem os produtos da pesca - Capítulo 3 da Nomenclatura Combinada de Bruxelas.

39.       Por seu lado, o RGIC, no n.º 3 do art.º 1.º exclui do âmbito de aplicação deste Regulamento: “a) Auxílios concedidos no setor da pesca e da aquicultura, nos termos do Regulamento (UE)

N.o 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, que estabelece a organização comum de mercado no setor dos produtos da pesca e da aquicultura, altera os Regulamentos (CE) n.o 1184/2006 e (CE) n.o 1224/2009 do Conselho e revoga o Regulamento (CE) n.o 104/2000 do Conselho, (…); b) Auxílios concedidos no setor da produção agrícola primária, com exceção da compensação de custos adicionais que não custos de transporte nas regiões ultraperiféricas, tal como previsto no artigo 15.º, n.º 2, alínea b), (…); c) Auxílios concedidos no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas, nos seguintes casos: i) sempre que o montante do auxílio for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa; ou ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários;”

40.       No art.º 2.º do RGIC são apresentadas as seguintes definições: 9) «Produção agrícola primária», a produção de produtos da terra e da criação animal, enumerados no anexo I do Tratado, sem qualquer outra operação que altere a natureza de tais produtos; 10)

«Transformação de produtos agrícolas», qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda; 11) «Produto agrícola», um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) N.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013;” Ou seja, diferentemente das OAR, o RGIC, além de afastar expressamente os produtos da pesca e da aquicultura (no artigo 1.º) constantes da lista do Anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013, como também os retira da definição de «produto agrícola» (no n.º 11) do artigo 2.º), certamente, por se tornar desnecessária a duplicação dos referenciais.”

 

 

i) Como a AT adita, “Um alinhamento mais estrito com as OAR e o RGIC é revelado pelo art.º 1.º da Portaria que qualifica como não elegíveis para a concessão do benefício do RFAI os projectos de investimento que tenham por objecto as actividades económicas: (i) dos sectores da pesca e da aquicultura; e (ii) da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do TFUE.

Acresce que a lista das actividades económicas enumeradas nas alíneas do art.º 2.º da Portaria é delimitada negativamente pelas exclusões definidas no art.º 1.º, em conformidade com a parte inicial do proémio do art.º 2.º que refere “Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior

46.       Posto isto, não obstante, prima facie haver enquadramento para as actividades exercidas da Requerente, que compreendem, a título principal, a salga, secagem e outras actividades de transformação de produtos de pesca (in casu, o bacalhau) e, a título secundário, a congelação de produtos da pesca (in casu, o bacalhau) quer na alínea d) do n.º 2 do art.º 2.º do CFI, quer na alínea b) do art.º 2.º da Portaria n.º 282/2014, em definitivo, são excluídas pelas restrições sectoriais das OAR e do RGIC, para que remetem os art.ºs 2.º e 22.º, do CFI e os art.º 1.º e 2.º da Portaria.

47.       Ou seja, embora não subsistam dúvidas que a actividade desenvolvida pela Requerente, é uma actividade de transformação de produtos da pesca e da aquicultura, pelo facto de ser abrangida pelo Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, deve ser considerada como actividade económica não elegível para efeitos de RFAI.

48.       Sendo certo que as actividades de transformação de bacalhau em sentido estrito e literal não são consideradas como envolvendo a transformação de «produtos agrícolas» propriamente dita, a verdade é que o n.º 1 do artigo 38º do TFUE determina que “As referências à política agrícola comum ou à agricultura e a utilização do termo "agrícola" entendem-se como abrangendo também as pescas, tendo em conta as características específicas deste setor “ e, por isso, os produtos da pesca do Capítulo 3 da NC constam do anexo I do TFUE.

Por conseguinte, não assiste razão à argumentação desenvolvida pela Requerente, que visa defender que a sua actividade se encontra inserida no âmbito sectorial do RGIC e do âmbito sectorial das OAR para o período de 2014-2020 e que lhe é plenamente aplicável o CFI, não podendo ser excluída do âmbito do RFAI. Sintetizando e concluindo: i) A Requerente não pode beneficiar do RFAI em razão da exclusão sectorial das actividades exercidas, que consistem na transformação de bacalhau, em bacalhau salgado, congelado e demolhado, conquanto enquadradas no sector da transformação e comercialização de produtos de pesca, em resultado das exclusões do âmbito de aplicação das OAR e do RGIC a que está subordinado o RFAI, por força do disposto no n.º 2 do art.º 2.º e n.º 1 do art.º 22.º do CFI e art.ºs 1.º e 2.º da Portaria n.º 282/2014, portanto, a liquidação adicional de IRC não enferma de qualquer ilegalidade, pelo que deve ser mantida; ii) Embora os produtos da pesca e aquicultura seja objecto de exclusão expressa do âmbito de aplicação das OAR e do RGIC, bem como do RFAI, tanto as OAR como o art.º 1.º da Portaria n.º 28272014, afastam igualmente os “produtos agrícolas” constantes do Anexo I do TFUE, designação que, em conformidade com o disposto no art.º 38.º do TFUE e na lista do Anexo I do Tratado, abrange também as pescas i.e., peixes, moluscos e crustáceos” do capítulo 3 da Nomenclatura Combinada, portanto, a argumentação dos SIT baseada na qualificação de “produtos agrícolas” está em conformidade com o quadro legal aplicável; iii) Ainda que a exclusão das referidas actividades económicas não se verificasse, o que como se demonstrou não tem sustentação na regulamentação europeia e na legislação nacional, o aproveitamento do benefício do RFAI, em 2016 e em 2018, seria prejudicado por ter sido ultrapassado o limite máximo de intensidade (35%) dos auxílios estatais com finalidade regional aprovado pela Comissão Europeia (cfr., n.º 5 do art.º 23.º e 43.º do CFI); Por último, cumpre ainda assinalar que não foi provado que, nos períodos de imposto em que usufruiu do benefício, não existiam dívidas às finanças e à segurança social em harmonia com o disposto na alínea d) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, porquanto os Documentos 5 e 6 juntos ao pedido arbitral consistem em declarações de inexistência de dívidas emitidas pelo Serviço de Finanças de Ourem, desconhecendo-se a situação perante a Segurança Social.”

 

 

j) É neste contexto que a AT conclui que os normativos relevantes da legislação nacional - os n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º, bem como o n.º 1 do artigo 22.º, do CFI e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 282/2014 - estão em plena sintonia com o quadro europeu acima analisado, quanto à exclusão dos produtos da pesca e da aquacultura do âmbito de aplicação do RFAI.

 

k) Na sua resposta a AT conclui ainda que, “…em momento algum o Requerente prova o que cauciona ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral”, invocando que, “O princípio do ónus da prova consubstancia-se no princípio de que quem alega um determinado facto constitutivo de um direito, tem a necessidade de prová-lo. (cf. art.º 342.º do Código Civil – CC e n.º 1 do art.º 74.º da LGT).”

 

l) Finalmente, concluindo ainda a AT que se limitou a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes à correcção efectuada, retira a ilacção de que deverá ser, também, julgada improcedente a impugnação quanto aos juros peticionados.

 

6. A 23 de Setembro de 2021 foi proferido o seguinte Despacho pelo Tribunal Arbitral:

 

1. No Pedido Arbitral veio o SP solicitar ao Tribunal que seja ordenada a notificação da Segurança Social para vir entregar na secretaria as certidões de não dívida referentes aos anos de 2016 e 2018, uma vez que o sistema informático da Segurança Social não permite aceder às certidões daqueles anos.

2. Por se tratar de documento em poder de terceiro, não existe, no quadro do regime do CAAD, norma legal que habilite este tribunal a dar o despacho com o objecto solicitado.

3. Termos em que, ao abrigo do princípio da livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, segundo o disposto no artigo 16.º alínea e) do RJAT, concede-se ao SP o prazo de 20 dias para juntar aos autos as certidões em causa.

4. Mais fica o SP notificado para indicar os factos sobre os quais pretende fazer prova testemunhal que não seja susceptível de prova documental.

Deste despacho notifiquem-se ambas as partes.”

 

7. A 21 de Outubro de 2021 veio a Requerente anexar declaração de não dívida à Segurança Social relativamente aos anos de 2016 e 2018.

8. Por Despacho de 22 de Outubro de 2021 veio decidir-se o seguinte: “1.No Pedido Arbitral veio o SP solicitar a audição de uma testemunha sem fundamentar o pedido.

2. Notificado o SP para indicar os factos sobre os quais pretende fazer prova testemunhal, que não seja susceptível de prova documental, nada disse.

3. Por outro lado, a questão a dirimir, respeitante ao enquadramento jurídico e comunitário da atividade exercida pelo SP, reveste natureza essencialmente de direito.

4. Termos em que, por não estar fundamentado nem se revelar útil, indefere-se o pedido de prova testemunhal.”

8. Por Despacho de 22 de Outubro de 2021, não havendo lugar a produção de prova constituenda nem tendo sido suscitada matéria de excepção, o Tribunal veio dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste, tendo ambas as partes sido notificadas para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias a partir da notificação do presente despacho, sendo que se concedeu à Requerida a faculdade de, caso assim o entendesse, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo.

9. No aludido Despacho indicou-se até 29 de Dezembro de 2021 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

10. Em 10 de Novembro de 2021, veio a Requerente apresentar as suas alegações invocando, em linhas gerais, os mesmos fundamentos constantes do seu pedido, acrescentando que as referências aos limites máximos aplicáveis aos auxílios estatais não constituíram fundamento de facto e de direito às correções meramente aritméticas à matéria tributável, sendo proibida a fundamentação a “posteriori” no contencioso de mera anulação.

11. Em 23 de Novembro de 2021 veio a AT apresentar alegações, invocando, em linhas gerais, os mesmos fundamentos constantes da sua resposta, aditando os seguintes:

“Acresce, no entanto, fazer referência à decisão proferida no processo n.º 307/2021 – T CAAD, onde contundentemente se conclui que:

«I. O artigo 2.º, n.º 3, do CFI e o artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014 não padecem de inconstitucionalidade por violação dos princípios da legalidade da administração nas suas dimensões de reserva de lei, prevalência de lei e precedência de lei. II. O RFAI não se aplica a atividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE.» Destaques nossos

 

 

II - Saneamento do Processo

 

 

1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

 

 

2. O objecto principal do processo reporta-se a liquidações de IRC relativas à aplicação do RFAI e de juros compensatórios, cuja legalidade é questionada, nomeadamente face às regras do Direito da União Europeia, razão pela qual se verifica a competência deste tribunal arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

 

3. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

 

4. O processo não enferma de nulidades e não foram identificadas questões prévias relativas ao pedido principal, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

 

III – Fundamentação

 

 

  1. Questões decidendas

 

 

As questões cuja pronúncia se impõe ao Tribunal Arbitral consubstanciam-se, no essencial, em apurar se a AT procedeu adequadamente ao ter, nos termos indicados, procedido às correcções à matéria tributável de IRC e de juros compensatórios, tendo considerado que a actividade desenvolvida pela Requerente não era subsumível no RFAI, não sendo o investimento nas aplicações relevantes indicadas pelo sujeito passivo elegível para efeitos de dotações e deduções daquele benefício fiscal.

Tudo visto, a questão relevante consiste em apurar se a actividade exercida pela Requerente , que, como vimos, consiste na transformação de bacalhau, em bacalhau salgado, congelado e demolhado, se poderá qualificar como uma actividade da indústria transformadora, compreendida no artigo 2.º alínea b) da Portaria 282/2014, de 30 de Dezembro: “b) Indústrias transformadoras -divisão 10 a 33)”, sendo uma actividade de transformação de produto agrícola nos termos da legislação comunitária aplicável, nomeadamente, das OAR e do RGIC e demais legislação para a qual remetem.

 

 

  1. Matéria de facto

 

 

  1. Factos provados

 

 

Em face das posições das partes expressas nos articulados e dos documentos integrantes do processo administrativo anexo, julgam-se como provados os seguintes factos pertinentes para a decisão da causa:

 

 

a) A Requerente é uma sociedade anónima que se dedica a título principal à salga, secagem e outras actividades de transformação de produtos de pesca e aquicultura (código 10204 CAERev3) e a título secundário à congelação de produtos da pesca e da aquicultura (código 10202 CAE-Rev3) e ao comércio por grosso de outros produtos alimentares (código 46382 CAERev3), encontrando-se enquadrada no regime geral de IRC e no regime normal mensal de IVA.

b) A Requerente foi sujeita a uma acção inspectiva de âmbito parcial ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2020... e OI2020..., da Direcção de Finanças de ..., com o objectivo de inspeccionar a aplicação dos benefícios fiscais concedidos ao abrigo do RFAI, no contexto da qual foram promovidas correcções pelos SIT, concretizadas na desconsideração das deduções à colecta do IRC dos períodos de tributação de 2016 e de 2018, relativas ao benefício do RFAI, com fundamento na ilegibilidade da actividade exercida pela Requerente por não se enquadrar no âmbito de aplicação do RFAI, delimitado pelo disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 22.º, e n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º, do CFI, e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, e, bem assim, no âmbito sectorial de aplicação das Orientações Relativas aos Auxílios com Finalidade Regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de Julho de 2013 (OAR) e do Regulamento (UE) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de Junho 2014 (RGIC).

c) Os custos em causa são inerentes aos investimentos, relativos ao benefício fiscal “RFAI” para os anos de 2016 e 2018 reportando-se ao CAE 10204-R3, correspondente a “SALGA, SECAGEM E OUT.ACT. TRANSF.PROD. PESCA E AQUICULTURA.”

d) Tal como a AT conclui, “O projeto de investimento em análise, tem em vista o “aumento da capacidade de um estabelecimento já existente”, e toda a informação relativa aos investimentos nos indica que foram efetuados para melhoria e ampliação dos processos de “salga, demolha e congelação de bacalhau” (cfr.pág.21 do RIT junto como doc. 3)”

e) O fundamento das liquidações adicionais que ora se impugnam foi o de que “foi indevidamente auferido benefício fiscal (“RFAI”), nos períodos de tributação de 2016 e 2018, devido ao facto de a atividade exercida se encontrar excluída da sua aplicação, nos termos do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31/10 – Código Fiscal ao Investimento (CFI), conjugado com a portaria n.º 282/2014, de 30/12 (artigos 1º e 2º), com o Regulamento (EU) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014 – Regulamento Geral de Isenção por Categoria – (RGIC), e com o Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)”.

f) A Autoridade Tributária considerou que os produtos resultantes da actividade transformadora da Requerente, compreendida no CAE 10204: “bacalhau salgado”, “bacalhau congelado”, “bacalhau demolhado” e seu enquadramento nos capítulos da Nomenclatura de Bruxelas a que se refere o Anexo I do Tratado, integram o conceito de “transformação de produtos agrícolas” em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no anexo I do Tratado.

g) A Requerente não tinha dívidas à Autoridade Tributária ou à Segurança Social, nem em 2016, nem em 2018.

h) A Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado, relativamente a 2016, no montante de € 82.547,33, em 13 de Fevereiro de 2021,

i) A Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado, relativamente a 2018, no montante de € 43.755,29, igualmente em 13 de Fevereiro de 2021.

 

 

2.2 Factos não provados

 

 

Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

 

  1. Das questões de direito

 

 

Interessa, em especial, decidir quanto às principais questões suscitadas nos presentes autos, a saber, como referimos: se a AT actuou correctamente ao ter procedido, nos termos indicados, à liquidação do IRC e correspondentes juros compensatórios, concluindo que a Requerente exerce uma actividade de indústria transformadora, compreendida no artigo 2.º alínea b) da Portaria 282/2014, de 30 de Dezembro: “b) Indústrias transformadoras -divisão 10 a 33), que não é uma actividade de transformação de produto agrícola nos termos da legislação comunitária aplicável.”

A situação em análise tem inerente deduções à colecta de IRC, dos períodos de 2016 e 2018, nos montantes de € 72.775,36 e € 41 .607,67, referentes aos benefícios fiscais do RFAI, relativas a investimentos efectuados nesses períodos.

 A questão a dirimir é, pois, a de saber se os projectos de investimento realizados pela Requerente nos anos de 2016 e 2018, no âmbito da atividade transformadora de bacalhau, se encontram ou não abrangidos pelo Regime Fiscal de Apoio ao Investimento.

 

3.1 Primado do Direito da União Europeia

 

Como a AT começa por salientar e bem, neste contexto “Impõe-se recordar que, em conformidade com o n.º 1 do art.º 2.º do TFUE, as normas que disciplinam os auxílios de Estado são matérias que relevam da competência exclusiva da União Europeia, pelo que só esta Instituição pode legislar e adoptar atos juridicamente vinculativos, cabendo aos Estados- Membros apenas legislar quando habilitados pela UE ou a fim de dar execução a atos da União. 28. Tal significa que a regulamentação nacional – in casu, o CFI e a Portaria n.º 282/2014 – está subordinada à observância das normas europeias, como expresso no artigo 1.º do CFI, nomeadamente no atinente à delimitação do âmbito objectivo dos benefícios de natureza contratual e do RFAI, que deve respeitar o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (OAR) e do RGIC (cfr., proémio do n.º 2 do art.º 2.º e n.º 1 do art.º 22.º, do CFI e art.ºs 1.º e 2.º da Portaria n.º 282/2014). 29. Dada a supremacia do direito europeu sobre a legislação nacional (artigo 8.º n.º 4 CRP), comece-se por indagar se o RFAI, enquanto auxílio estatal com finalidade regional, contempla no seu âmbito de aplicação as actividades exercidas pela Requerente.

Tal aspecto impõe-se à partida como se conclui no Processo n.º 434/2020-T, de 30 de Junho de 2021, deste Tribunal Arbitral, salientando-se que:”I. Na medida em que dizem respeito à matéria europeia dos auxílios de Estado, o Código Fiscal de Investimento, e a regulação que dele consta do RFAI, e a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, devem ser entendidos como instrumentos de execução, efetivação e aplicação dos princípios e regras contidos nos artigos 107.º a 109.º do TFUE, no RGIC e nas OAR, e nesse sentido a Portaria apenas pode ser tida como um diploma de execução de disposições de direito europeu;

 

II – E, nesse sentido, não há motivo para fazer prevalecer a regra que consta do artigo 1.º da Portaria sobre a disposição do artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, para efeito de afastar a atribuição do benefício fiscal RFAI;”

Ou seja, importa desde logo neste processo aferir se as conclusões da AT quanto à exclusão da actividade desenvolvida pela Requerente se encontram ou não em conformidade com o Direito da União Europeia.

 

3.2 O regime do RFAI

 

O Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, que aprovou o novo Código Fiscal do Investimento (CFI) e procedeu à revisão global dos regimes de benefícios ao investimento e à capitalização, teve em vista, como ressalta da nota preambular, adaptar o regime legal ao novo quadro legislativo europeu aplicável aos auxílios estatais para o período 2014-2020 e, por outro lado, reforçar os diversos regimes de benefícios fiscais ao investimento, em particular no que se refere a investimentos que proporcionem a criação ou manutenção de postos de trabalho e se localizem em regiões menos favorecidas.

Referindo-se ao âmbito objectivo dos benefícios fiscais contratuais ao investimento público, o artigo 2.º, nos seus n.ºs 2 e 3, determina o seguinte:

2          - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito setorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:

a)        Indústria extrativa e indústria transformadora;

b)        Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;

c)         Atividades e serviços informáticos e conexos;

d)        Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;

e)         Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;

f)         Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;

g)        Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;

h)        Atividades de centros de serviços partilhados.

3          - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior.”

O CFI estabelece igualmente o Regime Fiscal do Investimento (RFAI), regulado nos artigos 22.º e seguintes, sendo que o aludido artigo 22.º, sob a epígrafe “Âmbito de aplicação e definições”, dispõe, no seu n.º 1, o seguinte:

1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.”

Por sua vez, a Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, em execução do disposto no n.º 3 do referido artigo 2.º do CFI, determina o seguinte:

“Artigo 1.º

Enquadramento comunitário

Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos sectores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.

Artigo 2.º Âmbito setorial

Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:

a)        Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;

b)        Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;

c)         Alojamento - divisão 55;

d)        Restauração e similares - divisão 56;

e)         Atividades de edição - divisão 58;

f)         Atividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão - grupo 591;

g)        Consultoria e programação informática e atividades relacionadas - divisão 62;

h)        Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas e portais Web - grupo 631;

i)         Atividades de investigação científica e de desenvolvimento - divisão 72;

j)         Atividades com interesse para o turismo - subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;

k)         Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas - classes 82110 e 82910.”

O regime definido através do diploma regulamentar encontra-se justificado, no respectivo preâmbulo, pela “necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014”, sendo em atenção ao direito europeu que “são também definidos na portaria os sectores de actividade excluídos da concessão de benefícios fiscais”.

O normativo básico para a concessão do benefício fiscal é o artigo 2.º do CFI, que faz referência, como actividade económica elegível, à indústria transformadora. Como vimos, a questão que se suscita é precisamente a de saber se estamos ou não no caso concreto perante uma actividade subsumível neste conceito parar efeitos da concessão dos benefícios fiscais em apreço, considerados como auxílios de estado em conformidade com as regras do Direito da União Europeia.

Tal como se salientou no Acórdão proferido pelo CAAD, no Processo n.º 545/2018-T, que abordou esta matéria, deve ter-se presente que o elenco de actividades constante daquele preceito legal não é exaustivo, uma vez que se limita a enunciar o conjunto de actividades económicas abrangidas pelos projectos de investimento a título meramente exemplificativo.

Contudo, tal como resulta do proémio do aludido artigo 2.º, a actividade económica elegível tem que respeitar o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria. Acresce que a elegibilidade dos projectos fica ainda dependente, em concreto, da especificação dos códigos de actividade económica (CAE), que o legislador remeteu para diploma regulamentar, especificação essa que igualmente haverá de ter em conta as restrições enunciadas no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, entre as quais se conta a não elegibilidade dos projectos de investimento que tenham por objecto as actividades económicas da produção agrícola primária e da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

 

IV. Reenvio prejudicial ao TJUE – Suspensão da instância

 

 

A questão a resolver afigura-se pertinente, permanecendo dúvidas sobre a exacta interpretação destas normas e princípios europeus, cujo esclarecimento é necessário para a aplicação de um direito nacional  em conformidade com o Direito da União Europeia.

Ora, como decorre do Caso Schwarze (Acórdão de 1 de Dezembro de 1965, Proc. 16/65), o reenvio prejudicial é "um instrumento de cooperação judiciária pelo qual um juiz nacional e o juiz comunitário são chamados, no âmbito das competências próprias, a contribuir para uma decisão que assegure a aplicação uniforme do Direito Comunitário no conjunto dos estados membros".

 

Como se refere nas Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais[4],:

“O reenvio prejudicial é um mecanismo fundamental do direito da União Europeia, que tem por finalidade fornecer aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros o meio de assegurar uma interpretação e uma aplicação uniformes deste direito em toda a União.”

 

Não se desconhece que é doutrina oficial do TJUE, a partir do Caso Cilfit (Acórdão de 6 de Outubro de 1982, Proc. 283/81), que a obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação possa ser dispensada quando:

i)         a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal;

ii)        o Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma;

iii)       o juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.

Ora não se verifica no caso sub judice o preenchimento destas condições. De facto, não se pode afirmar que o acto em questão seja claro ou esteja devidamente aclarado pela jurisprudência do TJUE de forma firme ou por meio de jurisprudência consolidada, permanecendo assim "dúvida razoável" sobre a questão de saber se nos termos da legislação nacional, mais concretamente dos n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, e os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, se poderá concluir que a Requerente exerce uma actividade de indústria transformadora, compreendida no artigo 2.º alínea b) da Portaria 282/2014, de 30 de Dezembro: “b) Indústrias transformadoras -divisão 10 a 33), que não é uma actividade de transformação de produto agrícola nos termos das normas do Direito da União Europeia aplicáveis.

Com efeito, atento o princípio comunitário da interpretação conforme, entende-se necessária a obtenção de pronúncia do TJUE, nos termos do disposto no artigo 267.º do TFUE, sendo o reenvio obrigatório, uma vez que da decisão deste Tribunal não cabe recurso, salvo no caso, que pode não se verificar, de oposição com Acórdão do Tribunal Central Administrativo ou do Supremo Tribunal Administrativo, quanto à mesma questão fundamental de direito ou devido a inconstitucionalidade.

 

Termos em que, em nosso entendimento, face à correcta intrerpretação das regras em apreço, se impõe a formulação da seguinte questão ao TJUE:

 

A correcta interpretação das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, conjugadas com o disposto no Regulamento (EU) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de Junho de 2014, nomeadamente nos respectivos artigos 1.º, 2.º n.º11, no Regulamento (EU) n.º 1379/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2013, e com o disposto no Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, permite a conclusão de que, nos termos do disposto nos n.º 2 do artigo 2.º e n.º 1 do artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, e os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, a actividade de transformação de produtos de pesca e aquicultura relativas a “bacalhau salgado”, “bacalhau congelado”, e “bacalhau demolhado”, compreendida no código CAE 10204Rev3:, não é uma actividade de transformação de produto agrícola para efeitos da concessão dos auxílios fiscais contemplados?

 

 

Termos em que acordam em suspender a instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões referidas, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à secretaria daquele Tribunal, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias do presente acórdão, do pedido de pronúncia arbitral, da resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira e das alegações das Partes, bem como cópia do processo administrativo e dos documentos juntos com as peças processuais.

 

Notifique-se.

 

 

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 27 de Dezembro de 2021

 

 

 

Os Árbitros

 

 

 

Fernanda Maçãs (Árbitra Presidente)

 

 

 

Álvaro Caneira

 

 

Clotilde Celorico Palma

 



[1] O bold é nosso.

[2] O bold é nosso.

[3] O bold é nosso.

[4]Recomendação 2012/C 338/01 in JO C 338/1, de 6.11.2012.

 

 

2.ª DECISÃO Versão em PDF

Sumário

I. A correcta interpretação das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, conjugadas com o disposto no Regulamento (EU) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de Junho de 2014, nomeadamente nos respectivos artigos 1.º, 2.º n.º11, no Regulamento (EU) n.º 1379/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2013, e com o disposto no Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, permite a conclusão de que, nos termos do disposto nos n.º 2 do artigo 2.º e n.º 1 do artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, e os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, a actividade de transformação de produtos de pesca e aquicultura relativas a “bacalhau salgado”, “bacalhau congelado”, e “bacalhau demolhado”, compreendida no código CAE 10204Rev3:, não é uma actividade de transformação de produto agrícola para efeitos da concessão dos auxílios fiscais contemplados.

 

II. A actividade de transformação de produtos de pesca e aquicultura relativas a “bacalhau salgado”, “bacalhau congelado”, e “bacalhau demolhado”, compreendida no código CAE 10204Rev3: não se encontra excluída da aplicação do RFAI, nos termos do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31/10 – Código Fiscal ao Investimento (CFI), conjugado com a Portaria n.º 282/2014, de 30/12 (artigos 1.º e 2.º), com o Regulamento (EU) n.º 651/2014, de 16 de Junho de 2014 – Regulamento Geral de Isenção por Categoria – (RGIC), e com o Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

III. No processo de impugnação judicial, contencioso de mera legalidade, rege o princípio da proibição de fundamentação a posteriori, devendo o Tribunal limitar-se à formulação de um juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a sua legalidade em face da fundamentação que o determinou.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Conselheira Fernanda Maçãs (Árbitra-Presidente), Dr. Álvaro Caneira e Professora Doutora Clotilde Celorico Palma (Árbitros Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. Relatório


1. A... S.A. (doravante A... ou Requerente), com o número de pessoa colectiva ..., com sede na ... ..., ..., ...-... ..., apresentou, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do artigo 10.° do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), em conjugação com o disposto na alínea a) do artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT), pedido de constituição de Tribunal Arbitral, solicitando a anulação das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) - IRC 2016-liquidação n.º2020 ... e IRC 2018-liquidação n.º2020 ... e das liquidações de juros compensatórios, resultantes das correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) à matéria tributável dos exercícios de 2016 e 2018, no montante de € 126.302,62 (cento e vinte seis mil, trezentos e dois euros e sessenta e dois cêntimos).

 

2. Fundamentando estes pedidos a Requerente alegou, em resumo, que se está perante uma ilegalidade das liquidações em apreço estando em causa uma errada apreensão e aplicação dos factos relevantes para a decisão, existindo uma violação de lei por ilegal interpretação dos artigos 2.º e 22.º do Regime Fiscal do Investimento (RFAI) e por ilegal interpretação do Regulamento Geral de Isenção por Categorias (RGIC) - Regulamento (EU) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de Junho de 2014 -, nomeadamente dos respectivos artigos 1.º, 2.º n.º11, e do Regulamento (EU) n.º 1379/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2013.

 

3. Nestes termos, vem estribar o seu pedido, em linhas gerais, nos seguintes factos e entendimentos:

 

  1. As liquidações em apreço resultam de correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável dos exercícios de 2016 e 2018, efectuadas em acção de inspecção.
  2. “A conclusão, errada, da AT é a de que (…) foi indevidamente auferido benefício fiscal (“RFAI”) nos períodos de tributação de 2016 e 2018, devido ao facto de a atividade exercida se encontrar excluída da sua aplicação (…), conforme consta do RIT, logo no ponto I.4-, pág.5 do DOC.3.”    
  3. O erro resultou de uma errada interpretação das normas legais aplicáveis, nas quais se baseou, a saber, o Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro- Código Fiscal ao Investimento (CFI), conjugado com a Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro (artigos 1.º e 2.º), com o RGIC e com o Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)
  4. No ponto III do RIT (pág.19, último paragrafo) a AT afirma o seguinte facto:

“Tendo sido questionado por estes Serviços de Inspeção, sobre que atividade (CAE) foram efetuados os investimentos, relativos ao benefício fiscal “RFAI”, para os anos de 2016 e 2018 foi expressamente referido que: Os custos indicados foram para o CAE 10204-R3, correspondente a “SALGA, SECAGEM E OUT.ACT. TRANSF.PROD. PESCA E AQUICULTURA.”

  1. Também no domínio dos factos a AT afirma e confirma que “O projeto de investimento em análise, tem em vista o “aumento da capacidade de um estabelecimento já existente”, e toda a informação relativa aos investimentos nos indica que foram efetuados para melhoria e ampliação dos processos de “salga, demolha e congelação de bacalhau” (cfr.pág.21 do RIT junto como doc. 3)”
  2. “E a pág.22 do RIT a AT afirma que “(…) conclui-se que a atividade concreta desenvolvida pela requerente compreendida no código CAE 10204, integram o conceito de “transformação de produtos agrícolas” em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no anexo I do Tratado”, termos em que conclui, no último parágrafo de pag.22 do RIT, que, (…) a transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado encontra-se excluído do âmbito do “RFAI”, por força do disposto no artigo 1º da Portaria nº 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao “RFAI” (…)
  3. E, continua, (a pág.23):Neste contexto a não consideração do beneficio fiscal “RFAI”produzirá efeitos nos anos de 2016 e 2018 , onde o mesmo foi utilizado nas suas modelos 22 de IRC, e a sua inviabilização em benefícios futuros relativamente ao valor da dotação de 2018 não utilizada nesse ano.”
  4. A Requerente defende que a sua actividade se encontra inserida no âmbito sectorial do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC), como também no âmbito sectorial das Orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (OAR) e que lhe é plenamente aplicável o CFI, não podendo ser excluída do âmbito do RFAI. Neste sentido invoca o seguinte:

O normativo básico para a concessão do benefício fiscal é o artigo 2.º do CFI, que faz referência, como actividade económica elegível, à indústria transformadora.

Como se observou no acórdão proferido pelo CAAD, no Processo n.º 545/2018-T, que abordou esta matéria, importa ter presente que o elenco de atividades constante daquele preceito legal não é exaustivo, visto que se limita a enunciar o conjunto de atividades económicas abrangidas pelos projetos de investimento a título meramente exemplificativo.

Contudo, tal como resulta do proémio desse artigo 2.º, a atividade económica elegível haverá de respeitar o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (OAR) e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC).

Por outro lado, a elegibilidade dos projetos fica ainda dependente, em concreto, da especificação dos códigos de atividade económica (CAE), que o legislador remeteu para diploma regulamentar, especificação essa que igualmente haverá de ter em conta as restrições enunciadas no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, entre as quais se conta a não elegibilidade dos projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas da produção agrícola primária e da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Face ao exposto, importa analisar o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, que declara as categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, e em especial o seu artigo 1.º, que define o âmbito de aplicação do Regulamento.

Enunciando um conjunto de categorias de auxílio a que o Regulamento é aplicável, aí se incluindo os auxílios com finalidade regional (alínea a), e os subsequentes n.ºs 2, 3 e 4 enumeram os auxílios que se encontram excluídos do seu âmbito de aplicação.

 Para o presente caso importa analisar o conceito de “transformação de produtos agrícolas” em que o produto final continua a ser um “produto agrícola” enumerado no anexo I do Tratado.

Cabe, por isso, considerar as definições que constam do artigo 2.º do RGIC especialmente as das suas alíneas 9), 10) e 11):

9) «Produção agrícola primária», a produção de produtos da terra e da criação animal, enumerados no anexo I do Tratado, sem qualquer outra operação que altere a natureza de tais produtos;

 

10) «Transformação de produtos agrícolas», qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda;

 

11) «Produto agrícola», um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013;

 

 Tendo sido objetivo do legislador que aprovou o CFI assegurar a conformidade com as disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, nomeadamente, com as disposições constantes do Regulamento Geral de Isenção por Categoria, como ressalta do artigo 2.º, n.º 2, desse diploma, e tendo sido essa também a finalidade da Portaria n.º 282/2014, como se depreende da respetiva nota preambular, as suas disposições não podem deixar de ser interpretadas em conformidade com o direito europeu.

Com efeito, na medida em que dizem respeito à matéria europeia dos auxílios de Estado, o CFI (e a regulação que dele consta do RFAI) e a Portaria n.º 282/2014 devem ser entendidos como instrumentos de execução, efetivação e aplicação dos princípios e regras contidos nos artigos 107.º a 109.º do TFUE, no RGIC e nas OAR, e nesse sentido a Portaria não pode ser tida como um mero regulamento de complementação do n.º 2 do artigo 2.º do CFI, mas como um diploma de execução de disposições de direito europeu.

Não há motivo, por conseguinte, para fazer prevalecer a regra que consta do artigo 1.º da Portaria sobre o artigo 2º, nº 11 do Regulamento (EU) 651/2014 nos termos do qual se entende por “Produto Agrícola”, um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos de pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (EU) nº1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013”.

Ora,

Do Anexo I ao Regulamento (EU) nº 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de dezembro de 2013, constam: Peixes frescos, secos, salgados ou em salmoura, peixes congelados, desperdícios de peixe, produtos de peixe, com os códigos 0302,0303,0305, 0511 91 10.

Pelo que

Se incluem na exceção da definição de produto agrícola que é dada pelo nº11 do artigo 2º do Regulamento (EU) 651/2014,

De onde resulta que,

Os produtos da atividade transformadora de bacalhau exercida pela Requerente, não são produtos agrícolas.

Como já referido a Requerente exerce uma atividade de indústria transformadora, compreendida no artigo 2º alínea b) da Portaria 282/2014 de 30 de dezembro:” b) Indústrias transformadoras -divisão 10 a 33)” que não é uma atividade de transformação de produto agrícola.”

i) Adita ainda a Requerente que pós ter verificado o crescimento do número de trabalhadores na impugnante, a AT afirma que não foram apresentadas certidões de dívida ao Estado e à Segurança Social reportadas ao período de concessão do benefício, sendo as apresentadas referentes ao ano de 2020.

j) “Em 29 de junho de 2020 o Sr. Inspetor da AT, Sr. Dr. B..., solicitou por email, nesse dia, dirigido à Administradora da A... C..., precisamente o seguinte: - Certidões de inexistência de dívidas ao estado e à segurança social”, conforme Doc.4 que ora se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.”

  1. Dado o pedido não fazer referência a qualquer ano, a Administradora da Requerente considerou que lhe estavam a ser pedidas certidões referentes ao ano então em curso (2020).
  2. A Requerente não tinha dívidas à Autoridade Tributária ou à Segurança Social, nem em 2016, nem em 2018, conforme certidões que ora juntou sob Doc.5 e Doc.6.
  3. O investimento efetuado pela Requerente, tal como referem os SIT a pág.12 do RIT, “…enquadra-se no ponto 2 da alínea d) do nº2 do artigo 2º da Portaria 297/2015”, isto é, refere-se a “aumento da capacidade de um estabelecimento já existente.”
  4. Não obstante as referências aos limites máximos dos benefícios fiscais, a verdade é que não são propostas quaisquer correcções com tal fundamento nem para o ano de 2016, nem para o ano de 2018, dado os SIT terem entendido considerar a Requerente excluída dos benefícios fiscais em causa em virtude da actividade económica exercida.

 

3. Juntou à petição diversos documentos.

 

4. Cumpridos os necessários e legais trâmites processuais, designadamente os previstos no aludido Decreto-Lei n.º 10/2011 e na Portaria n.° 112-A/2011, de 22 de Março, foi constituído Tribunal Arbitral Colectivo em 29 de Junho de 2021, formado pela Senhora Árbitra Presidente Conselheira Fernanda Maçãs, e pelos Árbitros Vogais Dr. Álvaro Caneira e Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

5. Notificada nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, em 1 de Julho de 2021, veio a AT apresentar resposta a 17 de Setembro de 2021, alegando, sumariamente, que reiterava o entendimento veiculado no Relatório de Inspecção, a saber:

 

  1. No Relatório de Inspecção Tributária (RIT) conclui-se que, “I.4-Descrição sucinta das conclusões da ação de inspeção

Benefícios Fiscais – “RFAI”

No decurso do procedimento interno conclui-se que foi indevidamente auferido benefício fiscal (“RFAI”), nos períodos de tributação de 2016 e 2018, devido ao facto de a atividade exercida se encontrar excluída da sua aplicação, nos termos do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31/10 – Código Fiscal ao Investimento (CFI), conjugado com a portaria n.º 282/2014, de 30/12 (artigos 1º e 2º), com o Regulamento (EU) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014 – Regulamento Geral de Isenção por Categoria – (RGIC), e com o Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

Nestes termos, o investimento nas aplicações relevantes indicadas pelo sujeito passivo, não é elegível para efeitos de dotações e deduções do benefício fiscal “RFAI”.

Assim, das ações inspetivas internas efetuadas ao sujeito passivo relativas aos períodos de tributação de 2016 e 2018, resultaram as seguintes correções em sede de IRC:

 

1.4.1 – Exercicio de 2016 – IRC – Dedução à colecta indevida de Benefícios Fiscais (RFAI)

Item Rel.

Descrição

Valor

III.1 e III.2

IRC não liquidado

€ 72.775,36

 

1.4.2 – Exercicio de 2018 – IRC – Dedução à colecta indevida de Benefícios Fiscais (RFAI)

Item Rel.

Descrição

Valor

III.1 e III.3

IRC não liquidado

€ 41.607,67

 

Pelos fundamentos descritos no Capítulo III – pontos III.1 e III.3, não será aceite, relativamente ao ano de 2018, a dotação do benefício fiscal “RFAI”, no valor de € 137.011,64, pelo que será este montante que se considerado como “correção ao imposto”, o qual constará no Quadro Resumo das Correções. No entanto, o valor deduzido à coleta no ano de 2018, e que será corrigido na liquidação adicional do mesmo ano, ascende apenas apenas a  € 41.607,67.

Deste modo, o valor restante (€95.403,97), referente à dotação do ano 2018, que seria passível de dedução nos 10 períodos de tributação seguintes, nos termos do n.º 3 do artigo 23º do CFI, não poderá ser considerado como benefício fiscal “RFAI” nesses exercícios seguintes.”

 

b) Em conformidade com o RIT,a transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado encontra-se excluída do âmbito do RFAI por força do disposto no artigo 1º da Portaria nº 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do nº 1 do artigo 22 do CFI, e do próprio nº 1 do artigo 22º deste diploma, que na sua parte final exceciona do âmbito de aplicação do regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC”,

 

c) Termos em que se conclui que, “neste contexto a não consideração do benefício fiscal RFAI produzirá efeitos nos anos de 2016 e 2018, onde o mesmo foi utilizado nas suas modelos 22 de IRC, e a sua inviabilização em benefício futuro relativamente ao valor da dotação de 2018 não utilizada nesse ano.”

“Assim,

2-Ano de 2016

“Face ao exposto no ponto anterior, conclui-se que foi indevidamente auferido beneficio fiscal RFAI, devido ao facto de a atividade se encontrar excluída da sua aplicação, nos termos do Decreto-Lei nº 162/2014, de 31/10-Código Fiscal ao Investimento (CFI), conjugado com a Portaria nº 282/2014 de 30/12 (artigos 1º e 2º) com o Regulamento (EU) nº 651/2014, de 16 de junho de 2014-Regulamento Geral de Isenção por Categoria-(RGIC), e anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)”

E ainda

3-Ano de 2018

Para este período de tributação de 2018, em consequência do referido no ponto III.1, conclui-se que foi indevidamente auferido beneficio fiscal RFAI, devido ao facto de a atividade se encontrar excluída da sua aplicação, nos termos do Decreto-Lei nº 162/2014, de 31/10-Código Fiscal ao Investimento (CFI), conjugado com a Portaria nº 282/2014 de 30/12 (artigos 1º e 2º) com o Regulamento (EU) nº 651/2014, de 16 de junho de 2014-Regulamento Geral de Isenção por Categoria-(RGIC), e anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)”

 

d) Sobre os limites máximos aplicáveis aos auxílios estatais, a fundamentação dos SIT, expressa no RIT a págs. 15 a 18 é a seguinte:

“3.3.3.1-Ano de 2016

(…)

Ora, nos termos do n.º 5 e n.º 6, ambos do artigo 23º do CFI, os benefícios fiscais inerentes ao “RFAI” devem respeitar os limites máximos aplicáveis aos auxílios com finalidade regional em vigor na região seja efetuado, nos termos do artigo 43º do mesmo diploma, e no caso de os mesmos investimentos beneficiarem de outros auxílios de Estado, o cálculo dos limites referidos no número anterior deve ter em consideração o montante total dos auxílios de Estado com finalidade regional concedidos ao investimento em questão, provenientes de todas as fontes.

Pela leitura dos n.º 1 e n.º 2, ambos do artigo 43º do CFI, conclui-se que o limite máximo de auxílio estatal que o sujeito passivo poderia beneficiar sobre o mesmo investimento relevante é de 35%.

Assim, estando as aplicações relevantes, referentes ao investimento efetuado no ano de 2016, integrado no Projeto indicado no Quadro supra, ao abrigo do “Programa Mar2020” (que reflete apenas o auxílio por parte do fundo comunitário – 75%), conclui-se que apenas como benefício financeiro o sujeito passivo usufrui de um auxílio estatal de 50%  (€ 572.632,07 / € 1.145.264,13), a que seria de acrescer o benefício fiscal inerente ao “RFAI”, ou seja, 25% sobre as aplicações relevantes.

Considerando apenas os investimentos realizados no ano de 2016 conclui-se que, para um total de aplicações relevantes de € 258.568,49 (€ 291.101,42 - € 32.532,93), o sujeito passivo auferiu um incentivo financeiro de € 119.485,00, ou seja, 46%, e um benefício fiscal “RFAI” de €64.642,12, ou seja, 25%.

Em face do exposto, conclui-se que apenas o valor do benefício financeiro auferido pelo sujeito passivo relativamente às mesmas aplicações relevantes, supera o limite de 35% previsto no artigo 43º do CFI. Contudo esta situação será, ainda, suplantada pelo exposto nos pontos III.1 e III.2 deste relatório.”

(…)

“3.3.3.2-Ano de 2018

(…)

“Como sucedeu relativamente a 2016, o sujeito passivo, também apresenta um Quadro onde expressa os investimentos que, simultaneamente, auferiram do “RFAI” e do auxílio financeiro relativo a um projecto “MAR2020”, que se reproduz infra:

Conclui-se, que se mantêm-se a situação identificada para o ano de 2016, uma vez que o programa “MAR2020”, também inclui os investimentos efetuados no ano de 2018.

No entanto, considerando apenas os investimentos realizados no ano de 2018, conclui-se que, para um total de aplicações relevantes de € 548.046,57, o sujeito passivo auferiu um incentivo financeiro de € 220.780,48, ou seja, 40,28%, e uma dotação de benefício fiscal “RFAI” de € 137.011,64, ou seja, 25%,

Em face do exposto, conclui-se que apenas o valor do benefício financeiro auferido pelo sujeito passivo relativamente às mesmas aplicações relevantes, ainda, suplantada pelo exposto nos pontos III.1”

 

e) Relativamente ao período de tributação de 2016, o montante de €72.775,36, indevidamente deduzido, corresponde à dotação do RFAI calculada, nos termos definidos no n.º 1 do artigo 23.º do CFI, sobre as aplicações relevantes declaradas pela Requerente, mas, quanto ao período de tributação de 2018, a desconsideração do benefício fiscal manifesta-se na anulação quer da dedução à colecta de IRC, no montante de €41.607,67, quer do valor remanescente de €95.403,97 em reporte para os 10 períodos seguintes (cfr., n.º 3 do art.º 23.º), pois, a dotação do benefício fiscal relativo às aplicações relevantes é de €137.011,64. 19.

 

f) Como salienta a AT na sua resposta, impõe-se sublinhar que, tal como alega a Requerente, os fundamentos em que se estribam as correcções (cfr., Ponto III.2 e 3 RIT) reconduzem-se, no essencial, para a natureza das actividades exercidas pela Requerente, que compreendem a título principal a salga, secagem e outras actividades de transformação de produtos de pesca e aquicultura (código 10204 CAERev3) e a título secundário a congelação de produtos da pesca e da aquicultura (código 10202 CAE-Rev3) e o comércio por grosso de outros produtos alimentares (código 46382 CAERev3), não obstante, os SIT tenham concluído, em primeira linha (V. Ponto II RIT), que não foram respeitados os limites máximos aplicáveis aos auxílios com finalidade regional em vigor na região na qual o investimento seja efetuado, nos termos do art.º 43.º (cfr., n.ºs 5 e 6, do art.º 23.º do CFI).

 

g) “Com efeito, dado que os investimentos tinham beneficiado de apoios financeiros não reembolsáveis, ao abrigo do Programa MAR2020, procedeu-se ao cálculo da intensidade dos auxílios estatais com finalidade regional, em conformidade com o disposto no n.º 6 do art.º 23.º do CFI (Ponto II, 3.3.3.1 e 3.3.3.3 RIT) que demonstraram ter sido excedido, em 2016 e em 2018, o limite máximo (35%), previsto no art.º 43.º do CFI, assim, incumprindo frontalmente a exigência do n.º 5 do art.º 23.º.

 

h) Tal como a AT invoca na sua resposta, “As OAR, no Ponto 1.1 (âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional) referem que: “10. A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica (9), com exceção da pesca e da aquicultura(10), da agricultura(11) e dos transportes(12), que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações. A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícola;” (nosso destaque).

32. A nota de rodapé (10) remete para o Regulamento (CE) N.o 104/2000 do Conselho, de 17 de dezembro de 1999, que estabelece a organização comum de mercado no sector dos produtos da pesca e da aquicultura (JO L 17 de 21.1.2000, p. 22), entretanto, revogado pelo Regulamento (UE) N.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013. 32. Por seu lado, a nota de rodapé (11) apresenta o seguinte teor: “Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola”.

33. Compulsado o referido Anexo I - Lista prevista no artigo 38.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), verifica-se que nela estão incluídos os produtos do Capítulo 3 da Nomenclatura de Bruxelas (Peixes, crustáceos e moluscos) e do Capítulo 16 (Preparados de carne, de peixe, de crustáceos e de moluscos), cujo conteúdo foi objecto de desagregação no RIT (Ponto III.1, págs. 21-22).

34. Atente-se ainda que o n.º 1 do art.º 38.º do TFUE dispõe o seguinte: “1. A União define e executa uma política comum da agricultura e pescas. O mercado interno abrange a agricultura, as pescas e o comércio de produtos agrícolas. Por «produtos agrícolas» entendem-se os produtos do solo, da pecuária e da pesca, bem como os produtos do primeiro estádio de transformação que estejam em relação directa com estes produtos. As referências à política agrícola comum ou à agricultura e a utilização do termo «agrícola» entendem-se como abrangendo também as pescas, tendo em conta as características específicas deste sector.” (nosso destaque)

Ou seja, a denominação “produtos agrícolas” abrange também os produtos da pesca.

36. O artigo 5.º do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, que estabelece a organização comum de mercado no sector dos produtos da pesca e da aquicultura define: Ø «Produtos da pesca» (alínea a) como “os organismos aquáticos resultantes de qualquer atividade de pesca ou os produtos deles derivados, indicados no Anexo I”; Ø «Produtos da aquicultura» (Alínea b) – “os organismos aquáticos resultantes de qualquer atividade de aquicultura, em qualquer estádio do seu ciclo de vida, ou os produtos deles derivados, indicados no Anexo I; e Ø «Setor da pesca ou da aquicultura» (alínea d) – “o setor da economia que inclui todas as atividades de produção, transformação e comercialização dos produtos da pesca ou da aquicultura.”

37. A lista do Anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 compreende, entre outros, os seguintes produtos do Capítulo 3 da Nomenclatura Combinada de Bruxelas (NC): 0302 - Peixes frescos ou refrigerados, exceto os filetes (filés) de peixes e outra carne de peixes da posição 0304; 0303 - Peixes congelados, exceto os filetes (filés) de peixes e outra carne de peixes da posição 0304 ; 0304 - Filetes (filés) de peixes e outra carne de peixes (mesmo picada), frescos, refrigerados ou congelados; 0305 - Peixes secos, salgados ou em salmoura; peixes fumados, mesmo cozidos antes ou durante a defumação; Farinhas, pós e pellets, de peixe, próprios para alimentação humana.

38. Em suma, as OAR excluem expressamente do seu âmbito de aplicação quer os produtos da pesca e aquicultura que constam do Anexo I do Regulamento (UE) 1379/2013, quer os «produtos agrícolas» que figuram no Anexo I do TFUE e que também incluem os produtos da pesca - Capítulo 3 da Nomenclatura Combinada de Bruxelas.

39. Por seu lado, o RGIC, no n.º 3 do art.º 1.º exclui do âmbito de aplicação deste Regulamento: “a) Auxílios concedidos no setor da pesca e da aquicultura, nos termos do Regulamento (UE) N.o 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, que estabelece a organização comum de mercado no setor dos produtos da pesca e da aquicultura, altera os Regulamentos (CE) n.º 1184/2006 e (CE) n.º 1224/2009 do Conselho e revoga o Regulamento (CE) n.º 104/2000 do Conselho, (…); b) Auxílios concedidos no setor da produção agrícola primária, com exceção da compensação de custos adicionais que não custos de transporte nas regiões ultraperiféricas, tal como previsto no artigo 15.º, n.º 2, alínea b), (…); c) Auxílios concedidos no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas, nos seguintes casos: i) sempre que o montante do auxílio for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa; ou ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários;”

40. No art.º 2.º do RGIC são apresentadas as seguintes definições: 9) «Produção agrícola primária», a produção de produtos da terra e da criação animal, enumerados no anexo I do Tratado, sem qualquer outra operação que altere a natureza de tais produtos; 10) «Transformação de produtos agrícolas», qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda; 11) «Produto agrícola», um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) N.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013;” Ou seja, diferentemente das OAR, o RGIC, além de afastar expressamente os produtos da pesca e da aquicultura (no artigo 1.º) constantes da lista do Anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013, como também os retira da definição de «produto agrícola» (no n.º 11) do artigo 2.º), certamente, por se tornar desnecessária a duplicação dos referenciais.”

 

i) Como a AT adita, “Um alinhamento mais estrito com as OAR e o RGIC é revelado pelo art.º 1.º da Portaria que qualifica como não elegíveis para a concessão do benefício do RFAI os projectos de investimento que tenham por objecto as actividades económicas: (i) dos sectores da pesca e da aquicultura; e (ii) da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do TFUE.

Acresce que a lista das actividades económicas enumeradas nas alíneas do art.º 2.º da Portaria é delimitada negativamente pelas exclusões definidas no art.º 1.º, em conformidade com a parte inicial do proémio do art.º 2.º que refere “Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior”

46. Posto isto, não obstante, prima facie haver enquadramento para as actividades exercidas da Requerente, que compreendem, a título principal, a salga, secagem e outras actividades de transformação de produtos de pesca (in casu, o bacalhau) e, a título secundário, a congelação de produtos da pesca (in casu, o bacalhau) quer na alínea d) do n.º 2 do art.º 2.º do CFI, quer na alínea b) do art.º 2.º da Portaria n.º 282/2014, em definitivo, são excluídas pelas restrições sectoriais das OAR e do RGIC, para que remetem os art.ºs 2.º e 22.º, do CFI e os art.º 1.º e 2.º da Portaria.

47. Ou seja, embora não subsistam dúvidas que a actividade desenvolvida pela Requerente, é uma actividade de transformação de produtos da pesca e da aquicultura, pelo facto de ser abrangida pelo Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, deve ser considerada como actividade económica não elegível para efeitos de RFAI.

48. Sendo certo que as actividades de transformação de bacalhau em sentido estrito e literal não são consideradas como envolvendo a transformação de «produtos agrícolas» propriamente dita, a verdade é que o n.º 1 do artigo 38º do TFUE determina que “As referências à política agrícola comum ou à agricultura e a utilização do termo "agrícola" entendem-se como abrangendo também as pescas, tendo em conta as características específicas deste setor “ e, por isso, os produtos da pesca do Capítulo 3 da NC constam do anexo I do TFUE.

Por conseguinte, não assiste razão à argumentação desenvolvida pela Requerente, que visa defender que a sua actividade se encontra inserida no âmbito sectorial do RGIC e do âmbito sectorial das OAR para o período de 2014-2020 e que lhe é plenamente aplicável o CFI, não podendo ser excluída do âmbito do RFAI. Sintetizando e concluindo: i) A Requerente não pode beneficiar do RFAI em razão da exclusão sectorial das actividades exercidas, que consistem na transformação de bacalhau, em bacalhau salgado, congelado e demolhado, conquanto enquadradas no sector da transformação e comercialização de produtos de pesca, em resultado das exclusões do âmbito de aplicação das OAR e do RGIC a que está subordinado o RFAI, por força do disposto no n.º 2 do art.º 2.º e n.º 1 do art.º 22.º do CFI e art.ºs 1.º e 2.º da Portaria n.º 282/2014, portanto, a liquidação adicional de IRC não enferma de qualquer ilegalidade, pelo que deve ser mantida; ii) Embora os produtos da pesca e aquicultura seja objecto de exclusão expressa do âmbito de aplicação das OAR e do RGIC, bem como do RFAI, tanto as OAR como o art.º 1.º da Portaria n.º 28272014, afastam igualmente os “produtos agrícolas” constantes do Anexo I do TFUE, designação que, em conformidade com o disposto no art.º 38.º do TFUE e na lista do Anexo I do Tratado, abrange também as pescas i.e., peixes, moluscos e crustáceos” do capítulo 3 da Nomenclatura Combinada, portanto, a argumentação dos SIT baseada na qualificação de “produtos agrícolas” está em conformidade com o quadro legal aplicável; iii) Ainda que a exclusão das referidas actividades económicas não se verificasse, o que como se demonstrou não tem sustentação na regulamentação europeia e na legislação nacional, o aproveitamento do benefício do RFAI, em 2016 e em 2018, seria prejudicado por ter sido ultrapassado o limite máximo de intensidade (35%) dos auxílios estatais com finalidade regional aprovado pela Comissão Europeia (cfr., n.º 5 do art.º 23.º e 43.º do CFI); Por último, cumpre ainda assinalar que não foi provado que, nos períodos de imposto em que usufruiu do benefício, não existiam dívidas às finanças e à segurança social em harmonia com o disposto na alínea d) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, porquanto os Documentos 5 e 6 juntos ao pedido arbitral consistem em declarações de inexistência de dívidas emitidas pelo Serviço de Finanças de Ourem, desconhecendo-se a situação perante a Segurança Social.”

 

j) É neste contexto que a AT conclui que os normativos relevantes da legislação nacional - os n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º, bem como o n.º 1 do artigo 22.º, do CFI e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 282/2014 - estão em plena sintonia com o quadro europeu acima analisado, quanto à exclusão dos produtos da pesca e da aquacultura do âmbito de aplicação do RFAI.

 

k) Na sua resposta a AT conclui ainda que, “…em momento algum o Requerente prova o que cauciona ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral”, invocando que, “O princípio do ónus da prova consubstancia-se no princípio de que quem alega um determinado facto constitutivo de um direito, tem a necessidade de prová-lo. (cf. art.º 342.º do Código Civil – CC e n.º 1 do art.º 74.º da LGT).”

 

l) Finalmente, concluindo ainda a AT que se limitou a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes à correcção efectuada, retira a ilacção de que deverá ser, também, julgada improcedente a impugnação quanto aos juros peticionados.

 

6. A 23 de Setembro de 2021 foi proferido o seguinte Despacho pelo Tribunal Arbitral:

1. No Pedido Arbitral veio o SP solicitar ao Tribunal que seja ordenada a notificação da Segurança Social para vir entregar na secretaria as certidões de não dívida referentes aos anos de 2016 e 2018, uma vez que o sistema informático da Segurança Social não permite aceder às certidões daqueles anos.

2.Por se tratar de documento em poder de terceiro, não existe, no quadro do regime do CAAD, norma legal que habilite este tribunal a dar o despacho com o objecto solicitado.

3. Termos em que, ao abrigo do princípio da livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, segundo o disposto no artigo 16.º alínea e) do RJAT, concede-se ao SP o prazo de 20 dias para juntar aos autos as certidões em causa.  

4. Mais fica o SP notificado para indicar os factos sobre os quais pretende fazer prova testemunhal que não seja susceptível de prova documental.

Deste despacho notifiquem-se ambas as partes.” 

7. A 21 de Outubro de 2021 veio a Requerente anexar declaração de não dívida à Segurança Social relativamente aos anos de 2016 e 2018.

8. Por Despacho de 22 de Outubro de 2021 veio decidir-se o seguinte: “1.No Pedido Arbitral veio o SP solicitar a audição de uma testemunha sem fundamentar o pedido.  

2. Notificado o SP para indicar os factos sobre os quais pretende fazer prova testemunhal, que não seja susceptível de prova documental, nada disse.

3.Por outro lado, a questão a dirimir, respeitante ao enquadramento jurídico e comunitário da atividade exercida pelo SP, reveste natureza essencialmente de direito.

4. Termos em que, por não estar fundamentado nem se revelar útil, indefere-se o pedido de prova testemunhal.“

 

8. Por Despacho de 22 de Outubro de 2021, não havendo lugar a produção de prova constituenda nem tendo sido suscitada matéria de excepção, o Tribunal veio dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste, tendo ambas as partes sido notificadas para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias a partir da notificação do presente despacho, sendo que se concedeu à Requerida a faculdade de, caso assim o entendesse, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo.

 

9. No aludido Despacho indicou-se até 29 de Dezembro de 2021 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

 

10. Em 10 de Novembro de 2021 veio a Requerente apresentar as suas alegações invocando, em linhas gerais, os mesmos fundamentos constantes do seu pedido.

 

11. Em 23 de Novembro de 2021 veio a AT apresentar alegações, invocando, em linhas gerais, os mesmos fundamentos constantes da sua resposta, aditando os seguintes:

Acresce, no entanto, fazer referência à decisão proferida no processo n.º 307/2021 – T CAAD, onde contundentemente se conclui que:

«I. O artigo 2.º, n.º 3, do CFI e o artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014 não padecem de inconstitucionalidade por violação dos princípios da legalidade da administração nas suas dimensões de reserva de lei, prevalência de lei e precedência de lei. II. O RFAI não se aplica a atividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE.» Destaques nossos.

 

12. Em 5 de Janeiro de 2022 decidiu este Tribunal encontrarem-se reunidos os pressupostos para reenvio prejudicial, pelo que decidiu suspender a instância e suscitar a seguinte questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE):

 

A correcta interpretação das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, conjugadas com o disposto no Regulamento (EU) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de Junho de 2014, nomeadamente nos respectivos artigos 1.º, 2.º n.º11, no Regulamento (EU) n.º 1379/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2013, e com o disposto no Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, permite a conclusão de que, nos termos do disposto nos n.º 2 do artigo 2.º e n.º 1 do artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, e os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, a actividade de transformação de produtos de pesca e aquicultura relativas a “bacalhau salgado”, “bacalhau congelado”, e “bacalhau demolhado”, compreendida no código CAE 10204Rev3:, não é uma actividade de transformação de produto agrícola para efeitos da concessão dos auxílios fiscais contemplados?

 

13. Em 15 de Dezembro de 2022, foi notificado o Acórdão proferido pelo TJUE, com a seguinte conclusão:

O artigo 1.° e o artigo 2.°, pontos 10 e 11, do Regulamento (UE) n.° 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.° e 108.° [TFUE], bem como as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, lidos em conjugação com o artigo 2.° e com o artigo 5.°, alíneas a) e d), bem como com o anexo I do Regulamento (UE) n.° 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, que estabelece a organização comum dos mercados dos produtos da pesca e da aquicultura, altera os Regulamentos (CE) n.° 1184/2006 e (CE) n.° 1224/2009 do Conselho e revoga o Regulamento (CE) n.° 104/2000 do Conselho, devem ser interpretados no sentido de que: uma atividade de transformação de produtos da pesca e da aquicultura, como a produção de bacalhau salgado, de bacalhau congelado e de bacalhau demolhado, não constitui uma atividade de transformação de produtos agrícolas, que está excluída do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 651/2014 por força do artigo l.°, n.° 3, alínea c), deste regulamento, mas sim uma atividade pertencente ao setor da pesca e da aquicultura, que está excluída do âmbito de aplicação do referido regulamento por força do seu artigo l.°, n.° 3, alínea a).

 

II - Saneamento do Processo

 

1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

2. O objecto principal do processo reporta-se a liquidações de IRC relativas à aplicação do RFAI e de juros compensatórios, cuja legalidade é questionada, nomeadamente face às regras do Direito da União Europeia, razão pela qual se verifica a competência deste tribunal arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.  

3. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 12-A/2011, de 22 de Março). 

 

4. O processo não enferma de nulidades e não foram identificadas questões prévias relativas ao pedido principal, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

III – Fundamentação

 

1. Questões decidendas

 

As questões cuja pronúncia se impõe ao Tribunal Arbitral consubstanciam-se, no essencial, em apurar se a AT procedeu adequadamente ao ter, nos termos indicados, procedido às correcções à matéria tributável de IRC e de juros compensatórios, tendo considerado que a actividade desenvolvida pela Requerente não era subsumível no RFAI, não sendo o investimento nas aplicações relevantes indicadas pelo sujeito passivo elegível para efeitos de dotações e deduções daquele benefício fiscal.

Tudo visto, a questão relevante consiste em apurar se a actividade exercida pela Requerente , que, como vimos, consiste na transformação de bacalhau, em bacalhau salgado, congelado e demolhado, se poderá qualificar como uma actividade da indústria transformadora, compreendida no artigo 2.º alínea b) da Portaria 282/2014, de 30 de Dezembro: “b) Indústrias transformadoras -divisão 10 a 33)”, sendo uma actividade de transformação de produto agrícola nos termos da legislação comunitária aplicável, nomeadamente, das OAR e do RGIC e legislação para a qual remetem.

 

2. Matéria de facto

 

2.1 Factos provados

 

Em face das posições das partes expressas nos articulados e dos documentos integrantes do processo administrativo anexo, julgam-se como provados os seguintes factos pertinentes para a decisão da causa:

  1. A Requerente é uma sociedade anónima que se dedica a título principal à salga, secagem e outras actividades de transformação de produtos de pesca e aquicultura (código 10204 CAERev3) e a título secundário à congelação de produtos da pesca e da aquicultura (código 10202 CAE-Rev3) e ao comércio por grosso de outros produtos alimentares (código 46382 CAERev3), encontrando-se enquadrada no regime geral de IRC e no regime normal mensal de IVA.
  2. A Requerente foi sujeita a uma acção inspectiva de âmbito parcial ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2020... e OI2020..., da Direcção de Finanças de ..., com o objectivo de inspeccionar a aplicação dos benefícios fiscais concedidos ao abrigo do RFAI, no contexto da qual foram promovidas correcções pelos SIT, concretizadas na desconsideração das deduções à colecta do IRC dos períodos de tributação de 2016 e de 2018, relativas ao benefício do RFAI, com fundamento na ilegibilidade da actividade exercida pela Requerente por não se enquadrar no âmbito de aplicação do RFAI, delimitado pelo disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 22.º, e n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º, do CFI, e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, e, bem assim, no âmbito sectorial de aplicação das Orientações Relativas aos Auxílios com Finalidade Regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de Julho de 2013 (OAR) e do Regulamento (UE) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de Junho 2014 (RGIC).
  3. A actividade da Requerente encontra-se inserida no âmbito sectorial do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC), como também no âmbito sectorial das Orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (OAR).
  4. Os custos em causa são relativos aos investimentos, relativos ao benefício fiscal “RFAI” para os anos de 2016 e 2018 reportando-se ao CAE 10204-R3, correspondente a “SALGA, SECAGEM E OUT.ACT. TRANSF.PROD. PESCA E AQUICULTURA.”
  5. Tal como a AT conclui, “O projeto de investimento em análise, tem em vista o “aumento da capacidade de um estabelecimento já existente”, e toda a informação relativa aos investimentos nos indica que foram efetuados para melhoria e ampliação dos processos de “salga, demolha e congelação de bacalhau” (cfr.pág.21 do RIT junto como doc. 3)”
  6. O único fundamento das liquidações adicionais que ora se impugnam foi o de que “foi indevidamente auferido benefício fiscal (“RFAI”), nos períodos de tributação de 2016 e 2018, devido ao facto de a atividade exercida se encontrar excluída da sua aplicação, nos termos do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31/10 – Código Fiscal ao Investimento (CFI), conjugado com a portaria n.º 282/2014, de 30/12 (artigos 1º e 2º), com o Regulamento (EU) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014 – Regulamento Geral de Isenção por Categoria – (RGIC), e com o Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)”.
  7.  A Autoridade Tributária considerou que os produtos resultantes da actividade transformadora da Requerente, compreendida no CAE 10204: “bacalhau salgado”, “bacalhau congelado”, “bacalhau demolhado” e seu enquadramento nos capítulos da Nomenclatura de Bruxelas a que se refere o Anexo I do Tratado, integram o conceito de “transformação de produtos agrícolas” em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no anexo I do Tratado.”
  8. A Requerente não tinha dívidas à Autoridade Tributária ou à Segurança Social, nem em 2016, nem em 2018.
  9. A Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado, relativamente a 2016, no montante de € 82.547,33, em 13 de Fevereiro de 2021.
  10. A Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado, relativamente a 2018, no montante de € 43.755,29, igualmente em 13 de Fevereiro de 2021.
  11. A Requerente exerce uma actividade de indústria transformadora, compreendida no artigo 2.º alínea b) da Portaria 282/2014 de 30 de Dezembro: “b) Indústrias transformadoras -divisão 10 a 33)”, que não é uma actividade de transformação de produto agrícola nos termos da legislação comunitária aplicável.

 

Note-se que relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º7, do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

2.2 Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

3. Das questões de direito

 

Encontrando-se a aludida matéria de facto dada como provada, importa seguidamente determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões supra.

Interessa, em especial, decidir quanto às principais questões suscitadas nos presentes autos, a saber, como referimos: se a AT actuou correctamente ao ter procedido, nos termos indicados, à liquidação do IRC e correspondentes juros compensatórios, concluindo que a Requerente exerce uma actividade de indústria transformadora, compreendida no artigo 2.º alínea b) da Portaria 282/2014 de 30 de Dezembro: “b) Indústrias transformadoras -divisão 10 a 33)” que não é uma actividade de transformação de produto agrícola nos termos da legislação comunitária aplicável.

A questão a dirimir é, pois, a de saber se os projectos de investimento realizados pela Requerente nos anos de 2016 e 2018, no âmbito da atividade transformadora de bacalhau, se encontram abrangidos pelo Regime Fiscal de Apoio ao Investimento.

A situação em análise tem inerente deduções à colecta de IRC, dos períodos de 2016 e 2018, nos montantes de € 72.775,36 e € 41 .607,67, referentes aos benefícios fiscais do RFAI, relativas a investimentos efectuados nesses períodos.

 

3.1 Reenvio para o TJUE

Como a AT começa por salientar e bem, neste contexto “Impõe-se recordar que, em conformidade com o n.º 1 do art.º 2.º do TFUE, as normas que disciplinam os auxílios de Estado são matérias que relevam da competência exclusiva da União Europeia, pelo que só esta Instituição pode legislar e adoptar atos juridicamente vinculativos, cabendo aos Estados-Membros apenas legislar quando habilitados pela UE ou a fim de dar execução a atos da União. 28. Tal significa que a regulamentação nacional – in casu, o CFI e a Portaria n.º 282/2014 – está subordinada à observância das normas europeias, como expresso no artigo 1.º do CFI, nomeadamente no atinente à delimitação do âmbito objectivo dos benefícios de natureza contratual e do RFAI, que deve respeitar o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (OAR) e do RGIC (cfr., proémio do n.º 2 do art.º 2.º e n.º 1 do art.º 22.º, do CFI e art.ºs 1.º e 2.º da Portaria n.º 282/2014). 29. Dada a supremacia do direito europeu sobre a legislação nacional (artigo 8.º n.º 4 CRP), comece-se por indagar se o RFAI, enquanto auxílio estatal com finalidade regional, contempla no seu âmbito de aplicação as actividades exercidas pela Requerente.

Tal aspecto impõe-se à partida como se conclui no Processo nº 434/2020-T, de 30 de Junho de 2021, salientando-se que: “I. Na medida em que dizem respeito à matéria europeia dos auxílios de Estado, o Código Fiscal de Investimento, e a regulação que dele consta do RFAI, e a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, devem ser entendidos como instrumentos de execução, efetivação e aplicação dos princípios e regras contidos nos artigos 107.º a 109.º do TFUE, no RGIC e nas OAR, e nesse sentido a Portaria apenas pode ser tida como um diploma de execução de disposições de direito europeu;

II – E, nesse sentido, não há motivo para fazer prevalecer a regra que consta do artigo 1.º da Portaria sobre a disposição do artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, para efeito de afastar a atribuição do benefício fiscal RFAI;”

Ou seja, importava desde logo neste processo aferir se as conclusões da AT quanto à exclusão da actividade desenvolvida pela Requerente se encontram ou não em conformidade com o Direito da União Europeia, pelo que, neste contexto, tendo-se suscitado dúvidas a este Tribunal quanto à qualificação e enquadramento das operações em apreço e encontrando-se reunidos os pressupostos para efeitos de reenvio para o TJUE, decidiu este Tribunal suspender a instância e colocar a seguinte questão:

A correcta interpretação das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, conjugadas com o disposto no Regulamento (EU) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de Junho de 2014, nomeadamente nos respectivos artigos 1.º, 2.º n.º11, no Regulamento (EU) n.º 1379/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2013, e com o disposto no Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, permite a conclusão de que, nos termos do disposto nos n.º 2 do artigo 2.º e n.º 1 do artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, e os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, a actividade de transformação de produtos de pesca e aquicultura relativas a “bacalhau salgado”, “bacalhau congelado”, e “bacalhau demolhado”, compreendida no código CAE 10204Rev3:, não é uma actividade de transformação de produto agrícola para efeitos da concessão dos auxílios fiscais contemplados?

Em 15 de Dezembro de 2022, foi notificado o Acórdão proferido pelo TJUE, com a seguinte conclusão:

O artigo 1.° e o artigo 2.°, pontos 10 e 11, do Regulamento (UE) n.° 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.° e 108.° [TFUE], bem como as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, lidos em conjugação com o artigo 2.° e com o artigo 5.°, alíneas a) e d), bem como com o anexo I do Regulamento (UE) n.° 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, que estabelece a organização comum dos mercados dos produtos da pesca e da aquicultura, altera os Regulamentos (CE) n.° 1184/2006 e (CE) n.° 1224/2009 do Conselho e revoga o Regulamento (CE) n.° 104/2000 do Conselho, devem ser interpretados no sentido de que: uma atividade de transformação de produtos da pesca e da aquicultura, como a produção de bacalhau salgado, de bacalhau congelado e de bacalhau demolhado, não constitui uma atividade de transformação de produtos agrícolas, que está excluída do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 651/2014 por força do artigo l.°, n.° 3, alínea c), deste regulamento, mas sim uma atividade pertencente ao setor da pesca e da aquicultura, que está excluída do âmbito de aplicação do referido regulamento por força do seu artigo l.°, n.° 3, alínea a).

 

 

3.2 O regime do RFAI

 

O Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, que aprovou o novo Código Fiscal do Investimento (CFI) e procedeu à revisão global dos regimes de benefícios ao investimento e à capitalização, teve em vista, como ressalta da nota preambular, adaptar o regime legal ao novo quadro legislativo europeu aplicável aos auxílios estatais para o período 2014-2020 e, por outro lado, reforçar os diversos regimes de benefícios fiscais ao investimento, em particular no que se refere a investimentos que proporcionem a criação ou manutenção de postos de trabalho e se localizem em regiões menos favorecidas.

Referindo-se ao âmbito objectivo dos benefícios fiscais contratuais ao investimento público, o artigo 2.º, nos seus n.ºs 2 e 3, determina o seguinte:

2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito setorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:

a) Indústria extrativa e indústria transformadora;

b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;

c) Atividades e serviços informáticos e conexos;

d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;

e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;

f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;

g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;

h) Atividades de centros de serviços partilhados.

3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior.”[1]

O CFI estabelece igualmente o Regime Fiscal do Investimento (RFAI), regulado nos artigos 22.º e seguintes, sendo que esse artigo 22.º, sob a epígrafe “Âmbito de aplicação e definições”, dispõe, no seu n.º 1, nos seguintes termos:

1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.” [2]

Por seu lado, a Portaria n.º 282/2014, em execução do disposto no n.º 3 do referido artigo 2.º do CFI, determina o seguinte:

“Artigo 1.º

Enquadramento comunitário

Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos sectores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.

Artigo 2.º

Âmbito setorial

Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:

a) Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;

b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;

c) Alojamento - divisão 55;

d) Restauração e similares - divisão 56;

e) Atividades de edição - divisão 58;

f) Atividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão - grupo 591;

g) Consultoria e programação informática e atividades relacionadas - divisão 62;

h) Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas e portais Web - grupo 631;

i) Atividades de investigação científica e de desenvolvimento - divisão 72;

j) Atividades com interesse para o turismo - subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;

k) Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas - classes 82110 e 82910.” [3]

O regime definido através do diploma regulamentar encontra-se justificado, no respetivo preâmbulo, pela “necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014”, sendo em atenção ao direito europeu que “são também definidos na portaria os sectores de actividade excluídos da concessão de benefícios fiscais”.

O normativo básico para a concessão do benefício fiscal é o artigo 2.º do CFI, que faz referência, como actividade económica elegível, à indústria transformadora. Como vimos, a questão que se suscita é precisamente a de saber se estamos ou não no caso concreto perante uma actividade subsumível neste conceito.

Como se observou no acórdão proferido pelo CAAD, no Processo n.º 545/2018-T, que abordou esta matéria, importa ter presente que o elenco de actividades constante daquele preceito legal não é exaustivo, visto que se limita a enunciar o conjunto de actividades económicas abrangidas pelos projectos de investimento a título meramente exemplificativo.

Contudo, tal como resulta do proémio desse artigo 2.º, a actividade económica elegível haverá de respeitar o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (OAR) e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC).

Por outro lado, a elegibilidade dos projectos fica ainda dependente, em concreto, da especificação dos códigos de actividade económica (CAE), que o legislador remeteu para diploma regulamentar, especificação essa que igualmente haverá de ter em conta as restrições enunciadas no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, entre as quais se conta a não elegibilidade dos projectos de investimento que tenham por objecto as actividades económicas da produção agrícola primária e da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Face ao exposto, importa analisar o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, que declara as categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, e em especial o seu artigo 1.º, que define o âmbito de aplicação do Regulamento.

Enunciando um conjunto de categorias de auxílio a que o Regulamento é aplicável, aí se incluindo os auxílios com finalidade regional (alínea a), e os subsequentes n.ºs 2, 3 e 4 enumeram os auxílios que se encontram excluídos do seu âmbito de aplicação.

 Para o presente caso importa analisar o conceito de “transformação de produtos agrícolas” em que o produto final continua a ser um “produto agrícola” enumerado no anexo I do Tratado.

Cabe, por isso, considerar as definições que constam do artigo 2.º do RGIC especialmente as das suas alíneas 9), 10) e 11):

9) «Produção agrícola primária», a produção de produtos da terra e da criação animal, enumerados no anexo I do Tratado, sem qualquer outra operação que altere a natureza de tais produtos;

 

10) «Transformação de produtos agrícolas», qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda;

 

11) «Produto agrícola», um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013;

 

Tendo sido objectivo do legislador que aprovou o CFI assegurar a conformidade com as disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, nomeadamente, com as disposições constantes do Regulamento Geral de Isenção por Categoria, como ressalta do artigo 2.º, n.º 2, desse diploma, e tendo sido essa também a finalidade da Portaria n.º 282/2014, como se depreende da respectiva nota preambular, as suas disposições não podem deixar de ser interpretadas em conformidade com o direito europeu.

Com efeito, na medida em que dizem respeito à matéria europeia dos auxílios de Estado, o CFI (e a regulação que dele consta do RFAI) e a Portaria n.º 282/2014 devem ser entendidos como instrumentos de execução, efectivação e aplicação dos princípios e regras contidos nos artigos 107.º a 109.º do TFUE, no RGIC e nas OAR, e nesse sentido a Portaria não pode ser tida como um mero regulamento de complementação do n.º 2 do artigo 2.º do CFI, mas como um diploma de execução de disposições do Direito da União Europeia.

Não há motivo, por conseguinte, para fazer prevalecer a regra que consta do artigo 1.º da Portaria sobre o artigo 2.º, n.º 11, do Regulamento (EU) 651/2014, nos termos do qual se entende por “Produto Agrícola”, um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos de pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (EU) nº1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013”.

Ora, do Anexo I ao Regulamento (EU) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Dezembro de 2013, constam: Peixes frescos, secos, salgados ou em salmoura, peixes congelados, desperdícios de peixe, produtos de peixe, com os códigos 0302,0303,0305, 0511 91 10, pelo que se incluem na excepção da definição de produto agrícola que é dada pelo n.º11 do artigo 2.º do Regulamento (EU) 651/2014,

De onde resulta que os produtos da actividade transformadora de bacalhau exercida pela Requerente, não são produtos agrícolas.

Esta foi a conclusão a que, clara e inequivocamente, chegou o TJUE face à questão suscitada.

Como já referido, a Requerente exerce uma actividade de indústria transformadora, compreendida no artigo 2.º, alínea b), da Portaria 282/2014, de 30 de Dezembro:” b) Indústrias transformadoras -divisão 10 a 33)” que não é uma actividade de transformação de produto agrícola.

 A Autoridade Tributária considerou que os produtos resultantes da actividade transformadora da Requerente, compreendida no CAE 10204: “bacalhau salgado”, “bacalhau congelado”, “bacalhau demolhado” e seu enquadramento nos capítulos da Nomenclatura de Bruxelas a que se refere o Anexo I do Tratado, integram o conceito de “transformação de produtos agrícolas” em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no anexo I do Tratado.”

Tendo a AT desconsiderado o benefício fiscal com o fundamento no facto de que a actividade da Requerente consiste na transformação de produtos agrícolas de que resulta um produto agrícola, fundamento esse que lhe não é aplicável, concluímos assim que são ilegais as liquidações adicionais de imposto baseadas no errado pressuposto de facto de que “a atividade exercida se encontrar excluída da sua (RFAI) aplicação, nos termos do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31/10 – Código Fiscal ao Investimento (CFI), conjugado com a portaria n.º 282/2014, de 30/12 (artigos 1º e 2º), com o Regulamento (EU) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014 – Regulamento Geral de Isenção por Categoria – (RGIC), e com o Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)”

Invoca ainda agora a AT na sua Resposta que, ainda que a exclusão das referidas actividades económicas não se verificasse, o aproveitamento do benefício do RFAI, em 2016 e em 2018, seria prejudicado por ter sido ultrapassado o limite máximo de intensidade (35%) dos auxílios estatais com finalidade regional aprovado pela Comissão Europeia (cfr., n.º 5 dos artigos 23.º e 43.º do CFI).

Sucede que, como vimos, as referências aos limites máximos aplicáveis aos auxílios estatais não constituíram fundamento de facto e de direito às correcções meramente aritméticas à matéria tributável, respeitando exclusivamente à exclusão em virtude da natureza da actividade desenvolvida.

Ora, tal como a Requerente invoca, no processo de impugnação judicial, contencioso de mera legalidade, rege o princípio da proibição de fundamentação a posteriori, devendo o Tribunal limitar-se à formulação de um juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a sua legalidade em face da fundamentação que o determinou.

Isto é, a fundamentação deve ser contemporânea.

Como determina o n.º1 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária, “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

Tal como o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, a fundamentação sucessiva ou a posteriori não é admissível em regra, não tendo no caso concreto ocorrido factos novos.

Ora, como salientam Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa in Lei Geral Tributária Anotada e comentada, encontro da escrita, 4.ªEdição, 2012, p. 678, “Por isso, a fundamentação ou remissão parar documentos que a contenham têm de integrar-se no próprio acto e serem contemporâneas dele não relevando para apreciação da validade formal do acto fundamentos invocados posteriormente.

Da mesma forma, não pode o autor do acto, após a sua prática, justificá-lo por razões diferentes das que constem da sua fundamentação expressa.”

Termos em que este Tribunal entende que igualmente neste contexto não colhe a argumentação apresentada pela AT na sua Resposta e alegações.

 

3.3 Pagamento de juros indemnizatórios

 

No que concerne ao pagamento de juros indemnizatórios, preconiza a jurisprudência dos nossos tribunais superiores que deve encontrar-se preenchido o pressuposto do “erro imputável aos serviços” que o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, reclama para o nascimento da obrigação de juros indemnizatórios.

Como se refere no Acórdão do STA, no Processo n.º 049/16, de 10 de Maio, que acompanhamos, “Foi esta a solução sustentada pelo citado acórdão de 02-12-2015, do Pleno desta Seção, Proc. 01524. Como se escreveu no acórdão deste STA, de 30-05-2012, proc. 410:b“Diz o n.º 1 do art. 43.º da LGT, ao abrigo da qual foi proferida a condenação ora recorrida: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Ou seja, quando um acto de liquidação de um tributo for declarado em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial viciado por erro imputável aos serviços e do qual tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, há direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «[a] utilização da expressão «erro» e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito.

Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» tem um âmbito mais restrito do que a expressão «vício».

Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão «vícios» quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença) ambos do CPTT.

Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro» tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 5 ao art. 61.º, pág. 531..)

O mesmo Autor explica as razões por que a LGT restringiu o direito a juros indemnizatórios aos casos de anulação por vício substancial e já não o reconheceu relativamente aos vícios de forma ou incompetência que determinem a anulação do acto: o reconhecimento de um vício destes últimos tipos «não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.

Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.

Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele.”

Termos em que entendemos igualmente que deve proceder o pedido de pagamento de juros indemnizatórios por se encontrarem verificados os respectivos requisitos.

 

 

IV. Dispositivo

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IRC 2016-liquidação n.º 2020 ... e IRC 2018-liquidação n.º 2020 ... e das liquidações de juros compensatórios respectivamente, na quantia total de € 126.302,62 (cento e vinte seis mil, trezentos e dois euros e sessenta e dois cêntimos);

 

b) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, contados a partir da data pagamento ocorrido em 13 de Fevereiro de 2021;

 

c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do processo.

 

 

* * *

 

Fixa-se o valor do processo em € 126.302,62 (cento e vinte seis mil, trezentos e dois euros e sessenta e dois cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060.00 (três mil e sessenta euros) a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, conforme Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

Notifique -se

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 22 de Dezembro de 2022

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. A redacção do presente acórdão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.

Os Árbitros

 

 

Fernanda Maçãs

(Árbitra Presidente)

 

Álvaro Caneira

 

 

Clotilde Celorico Palma

(Relatora)

 



[1] O bold é nosso.

[2] O bold é nosso.

[3] O bold é nosso.