Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 417/2022-T
Data da decisão: 2022-12-14  IRS  
Valor do pedido: € 438.454,08
Tema: IRS - Mais-valias mobiliárias. Exclusão da incidência de imposto. Aumento de capital. Aplicação da lei no tempo.
Versão em PDF

Sumário:

 

I - Nos termos do artigo 43.º, n.º 6, alínea a), do Código do IRS, para efeito do apuramento de mais-valias, a data de aquisição dos valores mobiliários por alteração do valor nominal corresponde à data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem;

II – Tendo sido constituída uma sociedade antes do começo de vigência do Código do IRS, a mais-valia gerada pela alienação de partes do capital ocorrida já na sua vigência encontra-se excluída da incidência do imposto por efeito do disposto na norma transitória do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 448-A/88, de 30 de novembro, ainda que tenha ocorrido reforço do capital social inicial através de novas entradas em dinheiro após a entrada em vigor do Código.

 

DECISÃO ARBITRAL

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

 

1. A..., doravante designada como Requerente, titular do Número de Identificação Fiscal..., com residência na Rua ..., ..., ...-... Marinha Grande, vem apresentar pedido de pronúncia arbitral ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante “RJAT), da decisão  de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2021..., sobre  o ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante, “IRS”) n.º 2021..., referente ao período de 2020, da autoria da Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante, “AT”), da qual resultou um valor a pagar de € 438.454,08 (quatrocentos e trinta e oito mil, quatrocentos e cinquenta e quatro euro e oito cêntimos), com fundamento em manifesta ilegalidade.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 20 de setembro de 2022.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado.

 

Por despacho de 20 de outubro de 2022 foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

 

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

2. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

 

  1. Em 20 de abril de 1982, foi constituída a sociedade B..., tendo a Requerente subscrito uma quota com o valor nominal de valor de 200.000$00 (€ 997,59).
  2. O capital social da sociedade era de 500.000$00 (€ 2.493,98), distribuído por 3 quotas pertencentes à Requerente, a C..., que subscreveu uma quota de 250.000$00 (€ 1.246,99) e a D...;
  3. Em 1998 foi deliberado entre todos os sócios, em reforço das suas quotas, um aumento do capital por entrada em dinheiro.
  4. A Requerente aumentou a sua quota em 1.300.000$00 (€ 6.484,37), passando, por conseguinte, a Requerente a deter uma quota no valor nominal de 1.500.000$00 (€ 7.481,96);
  5. Em 2013, foi deliberado entre todos os sócios da sociedade B..., em reforço das suas quotas, um aumento do capital por entrada em dinheiro.
  6. A Requerente aumentou a sua quota em € 24.518,03, passando, por conseguinte, a Requerente a deter uma quota no valor nominal de € 32.000,00;
  7. Por seu turno, o marido da Requerente, C... aumentou a sua quota no valor de € 49.036,06, passando, por isso, a deter uma quota no valor nominal € 64.000,00;
  8. O sócio e marido da Requerente faleceu em 19 de agosto de 2015, pelo que a Requerente passou, por força da herança aberta, a deter novas quotas:

 

 

  1. Em 8 de setembro de 2015, a Requerente adquiriu uma quota no valor nominal de € 1.000,00, que foi unida à anterior quota, passando, por isso, a deter uma quota no valor nominal de € 33.000,00;
  2. Em 20 de janeiro de 2020, a Requerente cedeu a sua quota total pelo preço de €  3.284,372 (três milhões, duzentos e oitenta e quatro mil, trezentos e setenta e dois euros);
  3. O valor de realização declarado pela Requerente com a alienação das quotas é superior ao seu valor de balanço;
  4. Em cumprimento da Ordem de Serviço com o número OI2020..., a Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção tributária relativa ao período de tributação de 2020 que verificou a alienação de quotas da sociedade B..., Lda. (doravante designada abreviadamente por “B...”), titular do NIPC... .
  5. A Requerente foi notificada do Projeto de Correções do Relatório de Inspeção através do Ofício DIT1-...- 2021/.../... nos termos do qual a Direção de Finanças de Leiria deu a conhecer à Requerente a sua intenção de corrigir o valor declarado na Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS respeitante à alienação das partes sociais (quotas), apurando-se, consequentemente, o imposto em falta no valor de € 438.454,08;
  6.  No dia 4 de outubro de 2021, foi a Requerente notificada do Relatório Final de Inspeção Individual (“RIT”), através do Ofício n.º ...-2021, de 4 de outubro de 2021, através do qual a AT concluiu que “pelo que não são de acolher os argumentos apresentados pelo SP”;
  7. Da notificação do referido RIT resultou a emissão de nota de liquidação n.º 2021 ..., demonstração de acerto de contas n.º 2021 ... e demonstração de liquidação de juros compensatórios;
  8. A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação acima identificada;
  9.  Por não concordar com a posição sufragada pela AT, a Requerente apresentou a respetiva reclamação graciosa, que foi objeto de indeferimento, a 22 de abril de 2022;
  10. O pedido arbitral foi apresentado em 11 de julho de 2022.

 

Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

Motivação da matéria de facto

 

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos aos autos.

 

Matéria de direito

 

3. No decurso do ano de 2020, a Requerente alienou a quota que detinha na sociedade B..., Lda. e inscreveu como valor de aquisição, na declaração de rendimentos relativa a esse período de tributação, para efeito do apuramento de mais-valias, não apenas o montante correspondente à entrada inicial realizada no momento da constituição da sociedade, em 1998, como também os montantes resultantes de aumentos de capital através de entradas em dinheiro  que foram realizados em 23 de outubro de 1998 e 2 de novembro de 2013.

 

Para cumprimento da obrigação declarativa, entendeu que os aumentos de capital realizados através de entradas em dinheiro não dão lugar à aquisição de novas quotas, mas apenas à alteração do valor nominal da quota de que já era proprietária, e, apesar de realizados já após a entrada em vigor do Código do IRS,  encontram-se cobertos pelo disposto no artigo 43.º, n.º 6, alínea a), desse diploma, pelo que a mais-valia resultante da quota alienada deverá ser excluída de tributação em sede de IRS no que se refere  a esses aumentos de capital por se considerar adquirida anteriormente à entrada em vigor do Código do IRS, e, portanto, sujeita ao regime transitório previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

Em contraposição, a Autoridade Tributária, no âmbito do procedimento inspetivo, sustenta que a referida disposição do artigo 43.º, n.º 6, alínea a), do Código do IRS apenas se reporta à aquisição dos valores mobiliários originários e, para efeitos de exclusão ou sujeição a tributação, os ganhos resultantes de alienação de quotas constituídas pelo sujeito passivo anteriormente à entrada em vigor do Código do IRS devem ser decompostos  segundo um critério de imputabilidade, distinguindo-se entre o valor das quotas constituídas antes de 1 de janeiro de 1989 e o das que tenham sido adquiridas já na vigência do Código do IRS.

 

A questão que está em debate é assim a de saber se os aumentos de capital realizados mediante entradas em dinheiro já na vigência do Código do IRS, mas relativamente a uma sociedade comercial constituída ainda antes da entrada em vigor desse diploma, devem encontrar-se excluídos de tributação em mais-valias sobre valores mobiliários por efeito do disposto na norma transitória do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, que aprovou o Código do IRS.

 

As normas com relevo para a apreciação da causa são, além da referida disposição do artigo 5.º do diploma preambular, as dos artigos 9.º, n.º 1, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea b), e 43.º, n.º 6, alínea a), do Código do IRS.

 

O artigo 3.º do diploma preambular aboliu o imposto de mais-valias que se era regulado pelo Decreto-Lei n.º 46 673, de 9 de junho de 1965, e que na sua vigência não sujeitava a tributação a transmissão onerosa de partes sociais.

 

Nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea a), Código do IRS, as mais-valias passaram a constituir rendimentos da categoria G, aí se incluindo, tal como prevê o artigo 10.º, n.º 1, alínea b), os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de “alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários”

 

O artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, introduziu uma norma transitória, que, na parte que mais interessa considerar, é do seguinte teor:

 

Regime transitório da categoria G


1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afetos ao exercício de uma atividade agrícola ou da afetação destes a uma atividade comercial ou industrial, exercida pelo respetivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada depois da entrada em vigor deste Código.

  […]

            Por fim, o artigo 43.º do Código do IRS, na parte relevante, dispõe nos seguintes termos:

1- O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

[…]

5 - Para apuramento do saldo positivo ou negativo referido no n.º 1, respeitante às operações efetuadas por residentes previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, não relevam as perdas apuradas quando a contraparte da operação estiver sujeita a um regime fiscal a que se referem o n.º 1 ou 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária.

6- Para efeitos do número anterior, considera-se que:

     a)  A data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem;

[…].

 

O Código do IRS entrou em vigor em 1 de janeiro de 1989 (artigo 2.º do diploma preambular).

 

4. Como se depreende de todas as mencionadas disposições, a mais-valia corresponde a uma diferença positiva entre o valor da realização e o valor da aquisição do mesmo bem ou direito, contrapondo-se ao conceito de menos-valia, ou seja, às situações em que o valor da realização do bem ou direito é inferior ao valor da aquisição. Trata-se, por outro lado, de uma tributação de carácter residual, na medida em que só são considerados a esse título os incrementos patrimoniais que se não enquadrem em rendimentos de outras categorias. O fundamento para a sujeição a imposto radica na circunstância de ter ocorrido uma valorização ocasional dos bens na esfera jurídica do alienante e que revela uma capacidade contributiva não diretamente decorrente da sua atividade profissional ou empresarial. 

 

A norma transitória instituída pelo artigo 5.º do diploma que aprovou o Código do IRS, ao consignar, no seu n.º 1, que só ficam sujeitos a IRS a aquisição dos bens ou direitos que tiver sido efetuada depois da entrada em vigor do Código, destina-se a evitar a aplicação retroativa do novo regime de tributação de mais-valias incidente sobre a “alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários”, que não era contemplado no antigo Código do Imposto de Mais-Valias.

 

E importa ter presente que esse regime transitório não constitui uma isenção de imposto, mas uma exclusão do seu âmbito de incidência (neste sentido, Paula Rosado Pereira, Manual de IRS, Coimbra, 2.ª edição, pág. 224).

 

Por outro lado, a norma do artigo 43.º do Código do IRS, há pouco parcialmente transcrita, não é uma norma de incidência tributária, mas de determinação da matéria coletável.

 

O facto tributário gerador das mais-valia ocorre no momento da alienação, isto é, no momento em que se verifica o ganho resultante da diferença entre o valor de realização e o da aquisição do próprio bem, e que apenas pode ser avaliado em cada concreto ato de alienação, e que, assim, se traduz num facto tributário instantâneo que se esgota na transação e na consequente realização da mais-valia.

 

O que o artigo 43.º explicita é que, tal como os demais rendimentos sujeitos a IRS, o rendimento coletável anual do sujeito passivo qualificado como mais-valias corresponde ao saldo positivo apurado entre as mais-valias e as menos-valias que se tenham concretizado no mesmo ano (nº 1). Mas essa operação de agregação entre as mais-valias e as menos-valias não tem a virtualidade de alterar ou transmudar a natureza dos factos tributários subjacentes.

 

Esclarecendo este aspeto, o STA, no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 5/2017 (acórdão 7 de junho de 2017, Processo n.º 01471/14), refere o seguinte:

 

 Por outras palavras, a norma que prevê a agregação necessária ao apuramento do saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias em face de todos os atos de alienação ocorridos no ano, constitui uma norma sobre a determinação da base tributável para efeitos de IRS, isto é, uma norma sobre a determinação do rendimento coletável, e não uma norma sobre a incidência, como, de resto, ressalta da organização sistemática do Código do IRS, onde a referência a esse saldo se encontra inserida no capítulo que trata da determinação do rendimento coletável e não no capítulo que trata da incidência do imposto. E, como é óbvio, o facto tributário tem de ser localizado no tempo em face da respetiva norma de incidência, e não em face da norma de determinação do rendimento coletável.

Em suma, o saldo positivo que será tributado não se confunde com o facto tributário em si. Tal saldo tem relevo apenas para o acerto do rendimento coletável e determinação da obrigação de pagamento de imposto que emerge (ou não) para o sujeito passivo em sede de IRS, carecendo de relevo para a formação do facto tributário em si, já que este, como se viu, surge isolado no tempo, ocorrendo por mero efeito da obtenção do ganho no momento de cada ato de alienação dos bens mobiliários em questão.

 

Como é possível concluir, o que o n.º 6, alínea a), do artigo 43.º pretende precisar, ainda para efeito da determinação da matéria coletável, é que a data de aquisição dos valores mobiliários, nas situações aí referidas, e, designadamente, por alteração do valor nominal, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem. Sendo certo que o inciso “para efeitos do número anterior”, que consta do segmento inicial do proémio desse n.º 6, não se refere à situação específica descrita no antecedente n.º 5, mas ao apuramento do saldo positivo ou negativo dos rendimentos qualificados como mais-valias para efeito do apuramento do valor tributável.

 

Defende a Autoridade Tributária, na sua resposta, que apenas o aumento de capital efetuado por incorporação de reservas se encontra excluído de tributação porquanto, nesse caso, o valor patrimonial da sociedade mantém-se, não havendo incremento patrimonial que justifique a mais-valia, ao contrário do que sucede com os aumentos de capital.

 

Mas não é assim.

 

Como explicita o acórdão do STA de 7 de março de 2018 (Processo n.º 0149/17), a norma refere-se aos aumentos do valor da quota realizados através da incorporação de reservas, mas também aos aumentos resultantes da substituição dos valores mobiliários, designadamente por alteração do valor nominal, isto é, através do aumento do valor das quotas já existentes, o que não pode entender-se como correspondendo à criação de novas quotas mas ao reforço da quota inicial.

 

Ou seja, o aumento de capital pode assumir a forma de incorporação de reservas, implicando uma mera operação contabilística, na qual as reservas (ou seja, nos lucros obtidos no passado e ainda detidos) se transferem para o capital social da organização, sem mudança da situação líquida da empresa, ou de novas entradas em dinheiro ou em bens, caso em que se não verifica a criação de novas quotas mas o aumento do valor nominal das quotas já existentes em reforço do capital social (no mesmo sentido, as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 526/2020-T e 689/2019-T).

 

E, sendo assim, não há nenhum motivo para efetuar uma diferenciação, para efeito do apuramento das mais-valias, entre os diversos momentos em que ocorreu um reforço do capital social relativamente à entrada inicial, quando a lei estipula, para esse efeito, que o aumento de capital através do aumento do valor nominal das quotas pré-existentes é tido como sendo realizado no momento em que foram adquiridos os valores mobiliários originários.

 

Uma vez que a sociedade em causa foi constituída em 1982, ainda antes do começo de vigência do Código do IRS, a mais-valia gerada pela alienação de partes do capital ocorrida em 2020, encontra-se excluída da incidência do imposto por efeito do disposto na norma transitória do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 448-A/88, ainda que tenha ocorrido já na vigência do Código de IRS o reforço do capital social inicial através de entradas em dinheiro.

 

Por todo o exposto, o pedido arbitral mostra-se ser procedente.

 

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

7. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

 

III – Decisão

Termos em que se decide

  1. Julgar procedente o pedido arbitral e anular o ato tributário de liquidação de IRS n.º 2021..., referente ao período de tributação de 2020, e, bem assim, do despacho de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzido;
  2. Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Valor da causa

 

 A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 438.454,08, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 7.038,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 14 de dezembro de 2022,

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

 

 

Paulo Quinas Raposeiro

 

 

A Árbitro vogal

 

Magda Feliciano