Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 736/2014-T
Data da decisão: 2015-04-13  Selo  
Valor do pedido: € 5.740,07
Tema: IS - Ato impugnável; Conceito de ato de liquidação de tributo; Incompetência do Tribunal Arbitral
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Decisão Arbitral

 

I – Relatório

 

1. No dia 23.10.2014, o Requerente A, residente na …, contribuinte fiscal número …, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação do que designou por “liquidações para pagamento da segunda prestação de Imposto de Selo”, constantes dos seguintes documentos que lhe foram notificados pela Requerida:

 

-Nº 2014 ...73, de 17.03.2014, relativa ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo U-00... – S/LJ da freguesia de ..., relativa ao ano de 2013, no valor de 668,49€;

-Nº 2014 ...50, de 17.03.2014, relativa ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo U-00... –1º Esq. da freguesia de ..., relativa ao ano de 2013, no valor de 639,17 €;

-Nº 2014 ...47, de 17.03.2014, relativa ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo U-00... – 1º Dto da freguesia de ..., relativa ao ano de 2013, no valor de 666,49 €;

-Nº 2014 ...56, de 17.03.2014, relativa ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo U-00... – 2º esq. da freguesia de ..., relativa ao ano de 2013, no valor de 639,17 €;

-Nº 2014 ...53, de 17.03.2014, relativa ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo U-00... – 2º Dto da freguesia de ..., relativa ao ano de 2013, no valor de 666,49 €;

-Nº 2014 ...62, de 17.03.2014, relativa ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo U-00... – 3º esq. da freguesia de ..., relativa ao ano de 2013, no valor de 639,17 €;

-Nº 2014 ...59, de 17.03.2014, relativa ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo U-00... – 3º Dto da freguesia de ..., relativa ao ano de 2013, no valor de 666,49 €;

-Nº 2014 ...68, de 17.03.2014, relativa ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo U-00... – 4º Esq. da freguesia de ..., relativa ao ano de 2013, no valor de 529,99 €;

-Nº 2014 ...73, de 17.03.2014, relativa ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo U-00... – 4º Dto da freguesia de ..., relativa ao ano de 2013, no valor de 624,61 €;

 

O Requerente pede, ainda, o reembolso das prestações tributárias em causa que alega ter pago indevidamente e ainda juros indemnizatórios sobre essas quantias.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 6.º do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 26.12.2014.

 

3. Os fundamentos apresentados pelo Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

 

-O prédio em causa é composto por doze andares ou divisões com utilização economicamente independente.

-O Valor patrimonial tributário dos andares ou divisões foi determinado separadamente, de harmonia com as regras consagradas no Código de Imposto Municipal sobre Imóveis.

-O Valor patrimonial tributário atribuído a cada um dos andares ou divisões independentes, afetas a habitação, varia entre 158.996,88 € e 200.548,75 €.

-Apenas o somatório do valor patrimonial tributário das unidades independentes afetas a habitação perfaz o montante de 1.754.789,01 €.

-A lei é clara ao declarar expressamente que, nos prédios constituídos em regime de propriedade horizontal, cada fração autónoma é havida como um prédio, não havendo dúvidas de que o valor patrimonial tributário relevante para efeitos da aplicação da verba nº 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo será o que for atribuído a cada fração autónoma, havendo apenas sujeição ao imposto naquela em que aquele valor for igual ou superior a 1.000.000,00 €.

-Estando em causa um prédio em propriedade vertical com unidades independentes, recorrendo às orientações do art. 9º do Código Civil outra não poderá ser a solução, designadamente à luz dos artigos 103º e 104º da Constituição da Republica Portuguesa e do princípio da igualdade.

-A interpretação dada pela Requerida à verba 28 da TGIS, bem como a consequente emissão dos atos de liquidação de imposto de selo juntos sob os docs. 1 a 9 são ilegais.

- O Requerente pagou as quantias respeitantes às identificadas notificações, apesar de as considerar indevidas.

 

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão do Requerente, defendendo-se impugnação e por exceção.

Na defesa por exceção, alegou a Requerida, em síntese, o seguinte:

 

-O pedido de pronúncia arbitral é extemporâneo uma vez que a liquidação do imposto é de 17.03.2014, e o primeiro prazo de pagamento voluntário ocorreu em Abril de 2014, sendo que nos termos do disposto no art.º 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e do art.º 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, o prazo para a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é de 90 dias a contar do termo do prazo para o pagamento voluntário do imposto, pelo que, terminou no dia 29.07.2014,

-O pedido será ainda extemporâneo por o Requerente, como lhe competia, não ter feito a prova de ter procedido ao pagamento da 1.ª prestação do imposto, cuja data terminou a 30.04.2014 sendo que nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 120.º do CIMI[1], aqui aplicável, o não pagamento de uma prestação do imposto no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes prestações pelo que, naquela mesma data, se terão vencido as 2.ª e 3.ª prestações do imposto, terminando o respetivo prazo de pagamento em 30.04.2014, sendo, em consequência, claramente extemporâneo, o pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 20.10.2014, considerando os prazos e normas acima citados.

-Mas, ainda que assim se não considere, o ato objeto de pedido de pronúncia arbitral extravasa a competência do Tribunal arbitral pois o Requerente não impugna um ato tributário, mas sim o pagamento de uma prestação de um ato tributário constante de um documento que é uma nota de cobrança, matéria esta que não consta, em absoluto, do conjunto da norma que delimita a competência dos tribunais arbitrais tributários, constante do art.º 2.º do RJAT.

 

 

Por impugnação, alegou a Requerida, ainda em síntese, o seguinte:

 

 

-O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2º, n.º 1 do CIMI, estando estatuído no seu n.º 4 que no regime de propriedade horizontal cada fração autónoma é havida como constituindo um prédio.

-Decorre da análise do preceito normativo que um «prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente» é diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por frações autónomas, ou seja, vários prédios.

-Encontrando-se o prédio em regime de propriedade total, não possuindo frações autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, porque da noção de prédio do artigo 2º do CIMI, só as frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios – n.º 4 do citado artigo 2º do CIMI, sendo aplicável ao prédio em causa a verba 28.1 da TGIS.

-A AT entende que a previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao princípio da igualdade, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, ou entre prédios com afetação habitacional e prédios com outras afetações.

-A propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados.

-A constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma avaliação, mas o legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regime de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária.

-Esta discriminação pode também ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal.

-As normas do CIMI sobre avaliação, inscrição matricial, e ainda as normas sobre a liquidação do imposto sobre as partes suscetíveis de utilização independente, não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical.

-Estando correta a liquidação e sendo devido o imposto apurado, não são devidos os juros indemnizatórios solicitados pelo Requerente que efetuou o pagamento, desde logo por não existir qualquer erro imputável aos Serviços, que se limitaram a atuar, como deviam, no estrito cumprimento da norma legal.

 

 

5. Notificada da resposta apresentada pela Requerida, veio o Requerente apresentar resposta por escrito à exceções suscitadas alegando, em síntese:

 

-O que consagra o artigo 10º, nº 1, al. a) do RJAT em conjugação com o art. 102º do CPPT é que a impugnação deve ser apresentada no prazo de três meses[2] contados do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas ao contribuinte.

-Uma coisa é a liquidação do imposto que, com toda a certeza, é feita anualmente outra coisa, completamente distinta, é a determinação do momento em que pode ser feita a impugnação da liquidação de cada prestação de per si, sendo a lei clara a tal respeito ao estabelecer que é no prazo de três meses contados do termo do prazo para pagamento voluntário de cada prestação do imposto liquidado anualmente, ou seja, nos três meses após o pagamento voluntário da primeira prestação quanto à primeira prestação, nos três meses após o pagamento voluntário da segunda prestação quanto à segunda prestação e, por fim, nos três meses após o pagamento voluntário da terceira prestação quanto à terceira prestação.

-Dúvidas não há de que o pedido de impugnação das liquidações referente à segunda prestação do Imposto de Selo, voluntária e atempadamente liquidadas pelo Requerente em 30-07-2014, foi atempadamente formulado.

Improcede a exceção de incompetência suscitada pela Requerida pois é indiscutível que os tribunais arbitrais são competentes para declarar a ilegalidade de atos de liquidação de tributos (art. 2º, nº 1 do RJAT), com as legais consequências.

-A Requerida litiga de má-fé pois deduziu oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, tendo intencionalmente feito uma interpretação incorreta da lei para tentar induzir o Requerente e o próprio Tribunal em erro (art. 542º, nº 2, al. a) do C.P.C.).

-Omitiu factos relevantes para a decisão da causa ao alegar que o pagamento da 2ª e 3ª prestação se venceu porque o Requerente não juntou comprovativo do pagamento da 1ª prestação do imposto de selo sendo certo que a Requerida bem sabe que a Requerente lhe liquidou a 1ª prestação do imposto de selo, obrigando desnecessária e injustificadamente o Requerente a obter provas do seu pagamento (art. 542, nº 2, al. b do CPC).

-Fez dos meios processuais ao seu dispor um uso manifestamente reprovável, com o fim de garantir um objetivo ilegal, de impedir a descoberta da verdade e de entorpecer a ação da justiça (art. 542º, nº 2, al. b do CPC).

-Deve a Requerida ser condenada em multa e indemnização cujo quantitativo deverá ser determinado ao abrigo do artigo 543º do CPC, mas que nunca deverá ser inferior a 5.000 € pelos prejuízos morais e patrimoniais sofridos pelo Requerente em consequência da má-fé da Requerida.

 

 

6. Com fundamento na sua desnecessidade foi dispensada a reunião prevista no artigo 18º do RJAT.

 

7. As partes apresentaram alegações escritas nas quais mantiveram as suas posições.

 

8. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

 

9. Cumpre solucionar as seguintes questões:

a) Incompetência do Tribunal Arbitral para apreciação da pretensão em causa.

b)Caducidade do pedido de pronúncia arbitral por extemporaneidade.

c) Ilegalidade e consequente anulação das prestações tributária em causa.

d) Direito ao reembolso dos impostos pagos.

e) Direito a juros indemnizatórios sobre as quantias em causa.

f) Litigância de má-fé por parte da Requerida.

 

 

II – A matéria de facto relevante

 

10. O tribunal considera provados os seguintes factos:

 

10.1. O Requerente foi notificado pela Requerida para pagar as segundas prestações de imposto de selo, até ao final do mês de Julho de 2014, correspondentes a liquidações datadas de 17.03.2014, efetuadas ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo, e correspondentes aos documentos, prédio e parte de utilização independente que a seguir se indicam:

-nº 2014 ...73, relativa ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo U-00... – S/LJ da freguesia de ..., relativa ao ano de 2013, no valor de 668,49€;

-nº 2014 ...50, relativa ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo U-00... –1º Esq. da freguesia de ..., relativa ao ano de 2013, no valor de 639,17 €;

-nº 2014 ...47, relativa ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo U-00... – 1º Dto da freguesia de ..., relativa ao ano de 2013, no valor de 666,49 €;

-nº 2014 ...56, relativa ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo U-00... – 2º esq. da freguesia de ..., relativa ao ano de 2013, no valor de 639,17 €;

-nº 2014 ...53, relativa ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo U-00... – 2º Dto da freguesia de ..., relativa ao ano de 2013, no valor de 666,49 €;

-nº 2014 ...62, relativa ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo U-00... – 3º esq., da freguesia de ..., relativa ao ano de 2013, no valor de 639,17 €;

-nº 2014 ...59, relativa ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo U-00... – 3º Dto da freguesia de ..., relativa ao ano de 2013, no valor de 666,49 €;

-nº 2014 ...68, relativa ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo U-00... – 4º Esq. da freguesia de ..., relativa ao ano de 2013, no valor de 529,99 €;

-nº 2014 ...73, relativa ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo U-00... – 4º Dto da freguesia de ..., relativa ao ano de 2013, no valor de 624,61 €;

10.2. O Requerente pagou as quantias em causa.

10.3. O Requerente havia anteriormente sido notificado da liquidação dos impostos em causa e para pagar a 1ª prestação dos mesmos, tendo efetuado o pagamento de tais quantias em 30.04.2014.

10.4. O prédio em causa é composto por doze andares ou divisões com utilização economicamente independente.

10.5. O Valor patrimonial tributário dos andares ou divisões do prédio em causa foi determinado separadamente, de harmonia com as regras consagradas no Código de Imposto Municipal sobre Imóveis.

10.6. O Valor patrimonial tributário atribuído a cada um dos andares ou divisões independentes afetas a habitação varia entre 158.996,88 € e 200.548,75 €.

10.7. Apenas o somatório do valor patrimonial tributário das unidades independentes afetas a habitação perfaz o montante de 1.754.789,01 €.

 

 

11. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como dos articulados apresentados, sendo de salientar não ter sido manifestada pelas partes qualquer divergência relativamente à matéria de facto alegada, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.

 

-III- O Direito aplicável

 

12. Cumpre, antes de mais, conhecer da questão da competência do Tribunal arbitral pois como se pode ler na decisão arbitral proferida no processo 17/2012-T “A infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (…).”[3] [4]

 

Vejamos.

 

Dispõe o nº 1 do Regime jurídico da arbitragem tributária que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;

 

Este preceito pode ser cotejado com o art. 97º do Código de Procedimento e Processo Tributário onde estão indicados as pretensões objeto do processo judicial tributário, prevendo-se na alínea a) do nº 1 que o processo judicial tributário compreende “A impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta”.

 

Por sua vez, determina o art. 95º da Lei Geral Tributária que:

1 - O interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei.

2 - Podem ser lesivos, nomeadamente:

a)      A liquidação de tributos, considerando-se também como tal para efeitos da presente lei os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta;

(…).

 

 

13. Do quadro normativo acima transcrito resulta, indubitavelmente, que a pretensão de declaração de ilegalidade de atos de liquidação poderá ser objeto, quer de impugnação judicial, quer de pedido de pronúncia arbitral.

 

14. A questão que cumpre apreciar será a de saber se poderão ser objeto de pronúncia arbitral a “impugnação da liquidação de cada prestação de per si[5], conforme é sustentado pelo Requerente.

O Requerente sustenta que no caso de tributos pagos em mais do que uma prestação, cada uma destas pode ser objeto de impugnação cujo prazo começa a correr após o pagamento de cada uma delas.

 

15.  A fim de darmos resposta à questão que nos ocupa é pertinente ter presente o conceito de “liquidação de tributos” (art. 97º, nº 1, al. a) do CPPT)  ou “atos de liquidação de tributos”  (art. 2º, nº 1, al. a) do RJAT).

Na lição de José Casalta Nabais “A liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) O lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, 2) O lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) A liquidação stricto sensu traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais) deduções à colecta.[6].

 

16. Como decorre da noção de liquidação que nos é dada pelo ilustre Professor, para cada facto tributário haverá, em princípio, uma única liquidação, pela qual se determinará a coleta a pagar. Tal é, aliás, o que decorre do art. 23º, nº 7, do Código do Imposto de Selo ao dispor que  “Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba nº 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente (…)” aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”.

Por sua vez, dispõe o art. 113º, nº 2 do CIMI, aplicável por remissão daquela norma do Código do Imposto de Selo, que “a liquidação (…) é efetuada nos meses de fevereiro e março do ano seguinte”.

Da circunstância de, por força da lei, a mesma poder ser paga em várias prestações, não decorre que tenham ocorrido várias liquidações. A liquidação é só uma e só ela constitui ato lesivo, suscetível de ser impugnado que só pode, evidentemente, ser objeto de uma única impugnação.

Naturalmente, quando a lei prevê o pagamento do valor da liquidação em várias prestações, escalonadas no tempo, a anulação do ato tributário terá consequências relativamente a todas elas, fazendo cessar a obrigação de pagar ou impondo a obrigação de restituição e de juros a cargo da ATA, em caso de pagamento pelo sujeito passivo.

 

17. O que a lei não prevê, nem em sede arbitral, nem em sede de processo de impugnação judicial é a pretensão anulatória de pagamento de prestações  de per si uma vez que tal efeito  decorrerá apenas da anulação do ato tributário de liquidação, que, como vimos, consiste na quantificação do montante total a pagar e que é apenas e tão só um único ato tributário.

 

18. Verifica-se, assim, que os atos objeto do presente pedido de pronuncia arbitral não estão incluídos no art. 2º, nº 1, al.a), do RJAT, por não serem “actos de liquidação de tributos” pelo que, procede a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, que é absoluta, nos termos do art. 16º, nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, aplicável por força do art. 29º do RJAT determinando a absolvição da instância da Requerida, nos termos do art. 99º, nº 1, e 576º, nº 2, do Código de Processo Civil, também aplicável ex vi  daquela disposição do RJAT.

Ademais, sempre se verificaria, com idêntica consequência, a exceção dilatória inominada decorrente dos atos ajuizados  não constituírem atos de liquidação de tributos e estarmos, na realidade,  em presença de atos inimpugnáveis à luz  dos arts. 97º, nº 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário e 95º da Lei Geral Tributária, aplicáveis por força do art. 29º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

 

19. Procedendo a exceção dilatória em causa fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no processo.

 

 

-IV- Decisão

 

                       

Assim, decide o Tribunal arbitral:

 

Julgar procedente a exceção de incompetência absoluta do Tribunal e, em consequência, absolver a Requerida da Instância.

 

 

Valor da ação: 5.740,07 € (cinco mil setecentos e quarenta euros e sete cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

 

Custas pelo Requerente, no valor de 612,00 € (seiscentos e doze euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, CAAD, 13.04.2015

 

 

O Árbitro

 

(Marcolino Pisão Pedreiro)



[1] Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.

[2] Tratar-se-á de lapso. O  nº 1 do art. 102º do CPPT é  que estabelece um prazo de 3 meses, mas a al. a) do  nº 1, do art. 10º do RJAT estabelece um prazo de 90 dias.

[3] Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=17%2F2012-T&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=49

[4] Nas palavras de Mário Aroso de Almeida – Carlos Alberto Fernandes Cadilha “(…) a única questão para que em tribunal incompetente é competente é para apreciar a sua incompetência.

Verificada essa incompetência, ele fica naturalmente impedido de entrar na apreciação quer dos restantes pressupostos processuais, quer, obviamente, do mérito da causa.” (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª Edição revista – 2007, Almedina, pág. 117).

 

[5] Expressão  utilizada  pelo Requerente na Resposta  às exceções suscitadas pela Requerida.

[6] DIREITO FISCAL, 3ª Edição, Almedina, 2005, pág. 318.