SUMÁRIO:
1 - Nas faturas emitidas pelos prestadores de serviços afigura-se suficientemente cumprida exigência de indicação da “denominação usual” dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável, uma vez que de cada designação, resulta o tipo de serviço em causa.
2 - A tese da Requerida de que as formalidades das faturas têm natureza ad substanciam para efeito do direito à dedução do IVA, é contrária à jurisprudência do TJUE e à atual jurisprudência nacional.
3 - Tendo a Requerida assumido a irrelevância de eventuais elementos probatórios complementares das faturas prestadas pelo sujeito passivo, com base no entendimento da natureza ad substanciam das formalidades das faturas os atos tributários impugnados não se podem manter, quer à luz do erróneo entendimento em que se sustentam, quer à luz da demonstração dos requisitos substanciais do direito à dedução efetuada pela Requerente no presente processo.
DECISÃO ARBITRAL
A... LDA, pessoa coletiva nº..., com sede social na ..., ..., ...-... ..., de ora em diante designada por Requerente, veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a anulação das notas de liquidação adicionais de IVA, dos períodos de 202103 a 202106, a que correspondem os números ..., ..., ... e ..., num total de € 103 500,00 (cento e três mil e quinhentos euros).
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, de ora em diante também identificada por AT.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 16 de março de 2022.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral ficou constituído no dia 27 de maio de 2022.
A AT apresentou resposta no dia 4 de julho de 2022, defendendo a improcedência do pedido arbitral.
Por despacho, de 7 de outubro de 2022, foi convocada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT para o dia 24 de outubro de 2022, tendo sido inquiridas as testemunhas indicadas pela Requerente e fixado prazo para alegações sucessivas, em conformidade com o teor da respetiva Ata, que se dá por reproduzida. As partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
A matéria controvertida prende-se com o preenchimento dos requisitos legalmente exigidos nas faturas para que os sujeitos passivos possam exercer o Direito à dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços.
Matéria de facto
Factos provados
Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e de distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o n.º 2 do artigo 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e os números 3 e 4 do artigo 607.º, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. o artigo 596.º do CPC).
Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de pronúncia arbitral e alegações da Requerente, Resposta e contra-alegações da Requerida), o processo administrativo instrutor e a prova documental junta aos autos, assim como a prova testemunhal realizada em audiência de julgamento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Impugnante exerce a atividade de fabrico de calçado ortopédico e semi-ortopédico desde outubro de 2020.
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A Impugnante é detida pela sociedade “B... BV”, NIF ..., com sede na Holanda.
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A A... LDA, celebrou um acordo de parceria com a C..., S.A., por força do qual esta última sociedade lhe cedia instalações, equipamentos e mão de obra para a produção da Impugnante.
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Numa primeira fase, que decorreu desde novembro de 2020 a maio de 2021, o preço da cedência era de € 75.000,00 + IVA, pago com periodicidade mensal.
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Depois dessa fase inicial, as Partes estabeleceram que o preço da cedência iria variar consoante os custos efetivos incorridos pela C..., S.A.
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Os trabalhadores foram transferidos para a Impugnante a partir de setembro de 2021, assumindo esta a antiguidade, os vencimentos e as categorias dos trabalhadores.
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Em outubro de 2021, a Impugnante assumiu a posição de locatária do edifício onde se localizam as instalações de produção junto da senhoria “D... Unipessoal, Lda.”, iniciando o pagamento das rendas respetivas.
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O acordo de parceria deixou de vigorar entre as Partes a partir do momento em que se concluiu a compra dos ativos da C..., S.A. pela Impugnante.
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Entre novembro de 2020 e agosto de 2021, pela cedência de mão de obra, de espaço e de equipamentos, a C..., S.A., emitiu à Impugnante, entre outras, as seguintes faturas:
-fatura 1/00011, emitida em 12.03.2021, referente a dezembro de 2020, com o descritivo “cedência de mão de obra, espaço, equipamentos, gast. diversos inerentes ao fabrico de calçado conforme contrato entre as partes”;
-fatura 1/00012, emitida em 12.03.2021, referente a janeiro de 2021, com o mesmo descritivo da mencionada no parágrafo anterior;
-fatura 1/00013, emitida em 12.03.2021, referente a fevereiro de 2021, com o mesmo descritivo acima mencionado;
-fatura 1/00017, emitida em 14.04.2021, referente a março de 2021, com o mesmo descritivo acima mencionado;
-fatura 1/00023, emitida em 10.05.2021, referente a abril de 2021, com o mesmo acima mencionado; -fatura 1/00035, emitida em 14.06.2021, referente a maio de 2021, como o mesmo descritivo acima mencionado.
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A C..., S.A., cedeu instalações e equipamentos para a Impugnante produzir os seus produtos.
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A C..., S.A., cedeu recursos humanos para a Impugnante produzir os seus produtos.
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A Impugnante foi alvo de uma inspeção tributária, no âmbito da qual a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que as faturas emitidas pela C..., S.A. não permitiam a dedução do correspondente IVA.
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A Impugnante exerceu o seu direito de audição, defendendo a dedutibilidade do IVA suportado naquelas faturas.
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Na sequência daquele procedimento, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações adicionais:
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liquidação adicional n.º ... no montante de 51.750,00€, referente a março de 2021;
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liquidação adicional n.º ... no montante de 17.250,00€, referente a abril de 2021;
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liquidação adicional n.º ... no montante de 17.250,00€, referente a maio de 2021;
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liquidação adicional n.º ... no montante de 17.250,00€ referente a junho de 2021.
2.2 Factos não provados
Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.
Motivação da decisão sobre a matéria de facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, considerando as soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada do n.º 2 do artigo do CPPT, do n.º 1 do artigo 596.º e do n.º 3 do artigo 607.º CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada. No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, tendo em conta as posições consensuais assumidas pelas Partes em relação aos factos essenciais. Finalmente, em relação à prova testemunhal, o Tribunal teve em conta o facto de as testemunhas terem prestado depoimento com isenção e conhecimento direto dos factos que relataram.
Matéria de direito – Argumentos das Partes
Alega a Requerente que as liquidações impugnadas são ilegais, pois todas as faturas foram passadas da forma legal, e cumprem os requisitos do artigo 19.º e 35.º do CIVA.
Ainda que se considere que as faturas em causa não foram passadas da forma legal, por incumprimento dos requisitos formais, a verdade é que os atos impugnados são ilegais, tendo em conta a prevalência do direito essencial à dedução do imposto, em confronto com erros formais, à luz do entendimento diversas vezes manifestado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) em diversos acórdãos, nomeadamente no âmbito dos processos C-516/14, de 15/9/2016.
A Requerida AT, por seu lado, alega que, com base no disposto no artigo 19º do CIVA, só confere o direito à dedução o imposto mencionado em faturas e documentos que observem a forma legal, sendo que, conforme decorre do seu nº 6, para efeitos do exercício à dedução do IVA, consideram-se passados na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos no artigo 36.º do CIVA, acrescentando que as faturas em causa não cumprem os formalismos estabelecidos no n.º 5 do referido artigo 36º do CIVA.
Acrescenta a Requerida que o carácter formalista do IVA tem em vista, nomeadamente, evitar a evasão fiscal, assumindo as formalidades respeitantes às faturas uma natureza substantiva. A questão fundamental a decidir é fundamentalmente de Direito, sendo várias as decisões tomadas pelo CAAD no que diz respeito a esta matéria.
Seguiremos de perto o entendimento preconizado no acórdão nº 43/2020.
Em conformidade com o exposto no Acórdão do TJUE de 15 de setembro de 2016, proferido no proc. C-516/14 (Acórdão Barlis)[1], pode ler-se, designadamente, o seguinte:
“36 Com a segunda parte da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, determinar as consequências de uma violação do artigo 226.°, n.os 6 e 7, da Diretiva 2006/112 no exercício do direito a dedução do IVA.
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Cumpre recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito dos sujeitos passivos a deduzir do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago sobre os bens adquiridos e os serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União (acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C-18/13, EU:C:2014:69, n.° 23 e jurisprudência aí referida).
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O Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que o direito a dedução do IVA previsto nos artigos 167.° e seguintes da Diretiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Esse direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante (v., neste sentido, acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C-18/13, EU:C:2014:69, n.° 24 e jurisprudência aí referida).
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O regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (acórdão de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C277/14, EU:C:2015:719, n.° 27 e jurisprudência aí referida).
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No que se refere aos requisitos materiais exigidos para a constituição do direito a dedução do IVA, resulta do artigo 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112, que os bens e serviços invocados para fundamentar esse direito devem ser utilizados pelo sujeito passivo a jusante para os efeitos das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens ou serviços devem ser prestados por outro sujeito passivo (v., neste sentido, acórdão de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C277/14, EU:C:2015:719, n.° 28 e jurisprudência aí referida).
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No que respeita aos requisitos formais relativos ao exercício do referido direito, resulta do artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112, que o seu exercício está subordinado à posse de uma fatura emitida nos termos do artigo 226.° desta diretiva (v., neste sentido, acórdãos de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn .
P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C-280/10, EU:C:2012:107, n.° 41, e de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C-277/14, EU:C:2015:719, n.° 29).
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O Tribunal de Justiça declarou que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C-385/09, EU:C:2010:627, n.° 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C-280/10, EU:C:2012:107, n.° 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C-183/14, EU:C:2015:454, n.os 58, 59 e jurisprudência aí referida).
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Daqui resulta que a Administração Fiscal não pode recusar o direito à dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.
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A este respeito, a Administração Fiscal não deve limitar-se ao exame da própria fatura. Deve igualmente ter em conta informações complementares prestadas pelo sujeito passivo. Esta constatação é confirmada pelo artigo 219.° da Diretiva 2006/112 que equipara a fatura qualquer documento ou mensagem que altere a fatura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca.
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No processo principal, cabe assim ao órgão jurisdicional de reenvio ter em conta todas as informações constantes das faturas em causa e dos documentos anexos apresentados pela Barlis com vista a verificar se os requisitos substantivos do seu direito a dedução do IVA se encontram satisfeitos.
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Neste contexto, há que sublinhar, em primeiro lugar, que é ao sujeito passivo que solicita a dedução do IVA que incumbe provar que preenche os requisitos para dela beneficiar (v., neste sentido, acórdão de 18 de julho de 2013, Evita-K, C-78/12, EU:C:2013:486, n.° 37). As autoridades fiscais podem assim exigir ao próprio contribuinte as provas que considerem necessárias para apreciar se há ou não que conceder a dedução solicitada (v., neste sentido, acórdão de 27 de setembro de 2007, Twoh International, C-184/05, EU:C:2007:550, n.° 35).
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Em segundo lugar, importa precisar que os Estados-Membros são competentes para prever sanções em caso de violação dos requisitos formais relativos ao exercício do direito a dedução do IVA. Nos termos do artigo 273.° da Diretiva 2006/112, os Estados-Membros têm a faculdade de adotar medidas para assegurar a cobrança exata do imposto e evitar a fraude, desde que tais medidas não vão além do que é necessário para atingir tais objetivos nem ponham em causa a neutralidade do IVA (v., neste sentido, acórdão de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C-183/14, EU:C:2015:454, n.° 62).
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Nomeadamente, o direito da União não impede os Estados-Membros de aplicarem, sendo caso disso, uma multa ou uma sanção pecuniária proporcionada à gravidade da infração, a fim de punir a violação das exigências formais (v., neste sentido, acórdão de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C-183/14, EU:C:2015:454, n.° 63 e jurisprudência aí referida).
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Decorre das considerações precedentes que há que responder à segunda parte da questão submetida que o artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos.”
Por outro lado, na decisão arbitral proferida no processo n.º: 3/2014-T, de 6 de Dezembro de 20162, refere-se além, do mais o seguinte:
“As medidas que os Estados-Membros têm a faculdade de adoptar para assegurar a cobrança exacta do imposto e evitar a fraude, ao abrigo do artigo 273.º da Directiva IVA, encontram-se condicionadas ao teste da proporcionalidade e, por essa razão, não podem ir além do que é necessário para atingir tais objectivos, nem pôr em causa a neutralidade do IVA, sem prejuízo de os Estados-Membros aplicarem uma multa ou sanção pecuniária proporcionada à gravidade da infracção a fim de punir a violação das exigências formais.”3
Pode, ainda, ler-se na decisão arbitral proferida no processo n.º: 765/2016-T que:
“(…) [O]entendimento4, que considera que a factura é uma formalidade ad substanciam do direito à dedução do IVA, deve considerar-se actualmente ultrapassada, face ao que tem sido a jurisprudência do TJUE na matéria, que entende “que o princípio fundamental da neutralidade do
IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais
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Processo em que foi efetuado o reenvio prejudicial de que resultou o Acórdão Barlis.
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Acrescenta-se, ainda, que “Na situação concreta, a restrição do direito à dedução da Requerente não constituiria um meio indispensável para assegurar a correcta aplicação do imposto e evitar a fraude, razão pela qual se afigura insusceptível de superar o referido teste.”
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O entendimento é do Acórdão do STA de 15-04-2009, proferido no processo 0951/08 cujo sumário é citado na douta Decisão Arbitral “I – A factura ou documento equivalente passado em forma legal exigida pelo artigo 19.º,
n.º 2 do CIVA para a dedução do imposto é a que respeite todas as exigências do artigo 35.º, n.º 5 do mesmo Código.
II – A exigência desse formalismo constitui um verdadeiro requisito substancial do direito à dedução do imposto, apesar de o sujeito passivo estar isento de IVA.”.
Observa-se ainda na decisão arbitral que “O próprio STA tem, já de algum tempo a esta parte, enveredado por entendimento diferente, afirmando, por exemplo, no Ac. de 22-04-2015, proferido no processo 0879/14, que “o facto de não terem sido estritamente cumpridos os formalismos legalmente previstos para a resolução da questão em discussão nos autos, na perspectiva da AT, isso não a autoriza a manter uma liquidação e a proceder à cobrança coerciva de um imposto que se sabe não ser devido”.”
estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais.”[2] (…).
Ou seja, (…), a consequência das faturas não preencherem todos os requisitos legais previstos no art.º 36.º do CIVA não é não serem suporte válido para a dedução de imposto, sendo o TJUE taxativo no sentido de que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a factura não preencher os requisitos.
A referida consequência apenas será legítima, portanto, se a AT não dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos, em termos de não lhe permitir a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA (…).”
A tese de que as formalidades das faturas têm natureza ad substanciam para efeito do direito à dedução do IVA, tem vindo a ser abandonada pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores. Como se pode ler no acórdão do STA de 02-12-2020, proferido no processo 01383/11.2BELRS 01022/17:
“o IVA repousa sobre o princípio da neutralidade – e para a sua efectividade é essencial a verificação dos requisitos substanciais do direito à dedução – mas a boa gestão e o controlo requerem o cumprimento de diversas obrigações formais – entre as quais se inclui a de emissão de factura com os dados expressamente determinados na lei. Porém, os primeiros (os requisitos substanciais) prevalecem sobre os segundos, o que significa que a Administração está impedida de rejeitar o direito à dedução do imposto sempre que os dados objectivos permitam determinar com segurança que ele existe, não obstante alguns aspectos formais não terem sido devidamente observados. É isso que resulta, expressamente, do disposto nos seguintes arestos do TJUE: «Ora, a dedução do IVA pago a montante deve ser concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (v., neste sentido, acórdão de 15 de Setembro de 2016, Senatex, C-518/14, EU:C:2016:691, n.° 38 e jurisprudência referida)» - in §§ 40 do já referido acórdão Geissel.” [3]
Em sintonia com este entendimento, estão os acórdãos do TCA-Sul de 21-05-2020, processo 439/09.6BESNT, de 25-06-2020, processo 309/13.3BELRA e de 19-11-2020, processo 208/04.0BESNT.[4]
Ora, a Requerida na ação inspetiva alicerçando-se na tese da natureza “ad substanciam” tomou a seguinte posição que expôs, desde logo, em sede de projeto de relatório:
“(…) a exigência do acatamento integral do formalismo legalmente imposto no que toca à emissão das faturas constitui um verdadeiro requisito substancial do direito à dedução.
Deste modo, tendo presente a jurisprudência do TJUE, a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.ºs 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.
Ou seja, ao contrário do que se entendeu no RIT, a consequência das facturas não preencherem todos os requisitos legais previstos no artigo 36.º do CIVA não é não serem suporte válido para a dedução de imposto, sendo o TJUE taxativo no sentido de que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto da fatura não preencher os requisitos.
Tendo em conta o quanto se expôs, relativamente ao IVA titulado pelos documentos a que se reportam as correções propostas no RIT, considera-se que as deficiências formais detetadas pela AT não são, em concreto, idóneas a, de per si, afastarem o direito da Requerente à dedução do imposto nelas mencionado, uma vez que, conforme resulta do próprio RIT, a AT dispõe de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos, em termos de lhe permitir a realização de controlos do pagamento do imposto devido e da existência do direito a dedução do IVA.
Deste modo, sem prejuízo das eventuais sanções que possam caber ao caso, pela violação dos normativos que regem o formalismo das faturas, está a AT na posse da informação necessária a assegurar o controle da verificação dos requisitos substanciais do direito à dedução da Requerente, não lhe sendo lícito, por isso, afastar tal direito com fundamento nas referidas deficiências formais.
Assim, os atos tributários impugnados não se podem manter, não podendo deixar de ser anulados, quer à luz do erróneo entendimento em que se sustentam, quer à luz da demonstração dos requisitos substanciais do direito à dedução efetuada pela Requerente no presente processo.
Decisão
Termos em que se julga procedente o pedido de pronuncia arbitral, declarando-se a ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários de liquidação impugnados, condenando-se a Requerida nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.
Valor do Processo
Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.ºA do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em € 103 500,00.
Custas
Custas a cargo da Requerida no montante de € 3 060,00, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 2 do RJAT e na Tabela I a que se refere o artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.
Lisboa, 19 de dezembro de 2022
Árbitra Presidente
Fernanda Maçãs
Árbitra Vogal
(Raquel Franco)
Árbitro Relator
(Paulo Lourenço)
[1] Disponível em “Curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=183364&doclang=PT”
[2] Em nota de rodapé é identificado o Ac. Barlis, processo C-516/14, disponível em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=183364&pageIndex=0&doclang=PT&mode=r eq&dir=&occ=first&part=1.
[3] Disponível em “www.dgsi.pt.”
[4] Disponíveis em “www.dgsi.pt.”