SUMÁRIO
I – As liquidações de IMI efectuadas com base em valores patrimoniais que constem nas matrizes no ano a que se reportam, não enfermam de erro da Autoridade Tributária, pelo que um pedido de revisão oficiosa que coloque em causa esses valores, não pode ser deferido ao abrigo do nº 1 do artigo 78º da LGT;
II – A revisão da matéria colectável de IMI, com fundamento em injustiça grave ou notória prevista nos nºs 4 e 5º do artigo 78º da LGT, não no artigo 115º do CIMI que se reporta a actos de liquidação e não a valores patrimoniais, pode ser promovida oficiosamente pela AT ou pelo contribuinte, no prazo de 3 anos.
III – Da revisão da matéria colectável, prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT, decorre a anulação dos actos consequentes que a tenham como pressuposto, como o são os actos de liquidação de IMI.
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
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A... S.A., NIPC..., com sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa, doravante designado por “Requerente”, veio ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral(PPA), na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado pelo Requerente junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação parcial dos actos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre os Imóveis (“IMI”) nºs 2017..., 2017 ... e 2017..., com referência ao ano de 2017, no montante global de € 14.355,48.
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Termina o PPA referindo o seguinte:
“Sejam parcialmente anulados os actos tributários que constituem o seu objecto, relativos às liquidações de IMI supra identificadas, porque contrários à lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito;
Seja a AT condenada a reembolsar o Requerente do valor do imposto pago em excesso, no montante global de € 14.355,48, relativamente às liquidações sub judice, e, bem assim, condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido.
A título subsidiário, e sem prescindir, requer
Seja desaplicado, no caso concreto, a norma pretensamente se extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redacção vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais”.
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É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por Requerida ou AT.
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O Requerente fundamenta o pedido de pronúncia arbitral (PPA) nos seguintes termos:
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“No âmbito da sua actividade ... é proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção. Neste contexto ... foi notificado dos actos tributários de liquidação de IMI com as notas de cobrança nºs 2017 ..., 2017 ... e 2017..., referentes ao ano 2017, no montante total de € 7.033.778,23 e procedeu ao seu pagamento, integral e atempado”.
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No entanto “as liquidações ... tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula erroneamente adoptada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e / ou (iii) de qualidade e conforto”.
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Mas “... recentemente, face ao expressamente consagrado no artigo 45.º do Código do IMI e nos termos preconizados pela jurisprudência constante do STA quanto à errónea aplicação dos coeficientes acima mencionados na determinação dos valores patrimoniais de terrenos para construção, a AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes”.
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“Deste modo, no ano de 2017, relativamente aos terrenos para construção em apreço, a AT liquidou um montante de tributo superior ao montante legalmente devido face aos valores patrimoniais tributários que deveriam ter sido considerados para efeitos de cálculo da colecta de IMI referente a este ano”.
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“Porém, relativamente aos terrenos para construção detidos pela Requerente, a AT não rectificou as respectivas colectas de IMI, mantendo-se assim na ordem jurídica a existência de um montante de IMI superior ao montante legal e efectivamente devido”.
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Sendo que “... se expurgarmos os coeficientes de localização, de afectação e/ou de qualidade e conforto aplicáveis aos valores patrimoniais tributários destes terrenos que serviram de base para cálculo da colecta de IMI destas liquidações ..., resultam diferentes valores patrimoniais tributários de montantes inferiores àqueles que foram efectivamente utilizados para efeitos deste cálculo do imposto”.
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Face ao exposto o Requerente não se podendo conformar com a posição da AT, apresentou por carta registada de 30.03.2022 ao abrigo dos 115º e 129º, ambos do CIMI e do artigo 78.º da LGT, o correspondente Pedido de Revisão Oficiosa dos actos tributários aqui em discussão.
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Passados 4 meses contados desde 25.11.2021 a AT não proferiu qualquer decisão pelo que considera que o pedido de Revisão Oficiosa se presume tacitamente indeferido, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.
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Em 23.09.2022 apresentou o presente PPA, alegando, em resumo as seguintes desconformidades com a lei das liquidações impugnadas:
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Errónea determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção resultante da aplicação ilegal dos coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto;
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Por outro lado, sempre será inconstitucional a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, quando interpretada no sentido dos coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio, terem aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, uma vez que a aplicação do artigo 38.º do Código do IMI – em concreto, a aplicação dos coeficientes de avaliação ali previstos – na determinação do VPT de terrenos para construção será manifestamente contrária ao princípio da legalidade tributária, conforme consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
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E conclui:
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“relativamente aos “terrenos para construção” detidos pelo Requerente no ano 2017 e objecto de tributação em sede de IMI com referência a este ano, os seus respectivos valores patrimoniais tributários estavam, pois, fixados através da aplicação ilegal dos coeficientes (i) de localização, (ii) de afectação e / ou (iii) de qualidade e conforto, aplicação esta que ... constitui uma aplicação que não respeita as regras legais de determinação dos valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” consagradas no artigo 45.º do Código do IMI na redacção vigente no ano 2017;
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Deste modo, em resultado da aplicação ilegal e indevida dos coeficientes acima elencados, os terrenos para construção objecto de tributação de IMI no ano in casu tinham, à data das liquidações sub judice, valores patrimoniais tributários estabelecidos em montante superior àqueles que lhes seriam fixados caso tais coeficientes não tivessem sido considerados na fórmula de cálculo destes valores;
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Assim, em regra, os valores patrimoniais tributários destes terrenos para construção encontravam-se “sobrevalorizados”, e, nesta sequência, as colectas de IMI relativamente a tais terrenos foram apuradas em montante superior ao que seria legalmente devido caso os valores desta matéria tributável tivessem sido fixados de acordo com o artigo 45.º do Código do IMI na redacção aplicável e não segundo a fórmula erroneamente aplicada aos terrenos in casu pela AT no ano de tributação em discussão;
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Por conseguinte, é de concluir que foi efectuada uma liquidação (e pagamento) em excesso de IMI com referência ao ano 2017, conforme detalhado na Tabela juntas como Documento 6, no montante total de € 14.355,48”.
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E “os valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” detidos pelo Requerente no ano 2017 ainda consideravam a aplicação (errónea, conforme supra demonstrado) dos coeficientes de localização, de afectação e / ou de qualidade e conforto, existindo um erro flagrante nos pressupostos de facto e de direito quanto à determinação dos valores patrimoniais tributários dos mesmos, erro este da responsabilidade exclusiva da AT, e que, conforme infra demonstrado, teve repercussões prejudiciais para o Requerente quanto ao IMI devido (e pago) no ano em apreço”.
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A Requerida, Autoridade Tributária (AT), apresentou resposta em 11.01.2023 referindo o seguinte:
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Considera que a pretensão do Requerente não pode proceder, porquanto:
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“O pedido de revisão oficiosa é intempestivo;
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Não está legalmente prevista a dedução de pedido de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores, pelo que a pretensão da Requerente carece de fundamento legal;
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O ato que fixou o VPT em vigor no período de tributação dos presentes autos está consolidado na ordem jurídica, tendo a força de caso julgado;
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Eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insuscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo, pelo que o ato de liquidação não enferma de qualquer ilegalidade.
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E, mesmo que assim não se entendesse, o que por hipótese se admite, o pedido de revisão oficiosa sempre seria intempestivo face aos prazos previstos no artigo 78.º da LGT;
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Sendo que a final sempre se concluiria no sentido de já ter decorrido o prazo de 5 anos em que seria possível a para anulação do ato”.
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Quanto à intempestividade da apresentação do pedido de revisão oficiosa refere que “mesmo que se considere ser aplicável à presente matéria atenta a especificidade do ato que fixa o valor patrimonial tributário o artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), o prazo para autorização da revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço, não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do ato tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária”.
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Concluindo que “tendo em conta a data de apresentação do pedido de revisão oficiosa das liquidações e de interposição da presente ação e a data da respetiva avaliação do presente imóvel ocorrida em 2012, portanto há mais de 5 anos”, pelo que “necessariamente que o pedido de revisão oficiosa é intempestivo”.
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Quanto à inadmissibilidade da revisão oficiosa refere que “é comumente aceite que a letra da lei – artigo 78.º da LGT - não abrange os atos de avaliação patrimonial, que não são atos tributários, previstos no n.º 1, nem são atos de apuramento da matéria tributável previstos no n.º 4 daquela norma. Nem se verifica qualquer erro no ato de liquidação, o qual em cumprimento da lei foi calculado com base no VPT constante na matriz predial. Assim como também não é posta em causa a validade dos atos administrativos ou tributários de diversa natureza que para diferentes efeitos assumem como referencial o valor patrimonial tributário de um imóvel constante da matriz predial”.
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Quanto à consolidação do acto tributário que determinou o VPT refere que “o procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, que, se não for impugnado nos termos e prazo fixado, se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher. E cuja impugnação não abrange os erros ou vícios que eventualmente tenham ocorrido nessa avaliação. Não tendo o Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação. Ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação que não na posterior liquidação consequente”.
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Cita a seguinte jurisprudência que sustenta o seu ponto de vista: acórdão STA processo 633/14 de 15.02.2017; decisão singular CAAD P. 40/2021; e decisão colectiva CAAD P. 510/2021.
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Sobre a impugnabilidade dos atos de liquidação com fundamento em vícios próprios do ato de fixação do VPT, refere que “o Tribunal Arbitral está limitado pelo princípio do pedido, vide n.º 1 do art.º 609º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 29.º do RJAT. O pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, a quem incumbe dizer com precisão o que pretende do tribunal, que efeito jurídico quer obter com a ação. Assim, importa lugar delimitar com exatidão o âmbito do pedido de pronúncia arbitral e da causa de pedir tal como o Requerente o configura”.
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Mais refere que “constitui jurisprudência assente, quer dos Tribunais judiciais quer dos Tribunais arbitrais, bem como da mais abalizada doutrina, o entendimento que o ato de avaliação do valor patrimonial tributável é um ato destacável, autonomamente impugnável”.
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E conclui: “ora, os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação, são atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis”. “Aliás, o princípio da impugnação unitária é expressamente afastado neste caso pelo artigo 86.º da Lei Geral Tributária. (LGT)”, pelo que
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“Uma vez que os vícios da fixação do VPT, não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação”.
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Relativamente ao regime de anulação administrativa a AT cita o recente acórdão de 14.10.2021 do TCAS – processo 23/16.8BELRS, de onde extrai que “decorre do texto da lei que apenas são passíveis de anulação os atos de fixação dos VPT que contrariam o recente entendimento jurisprudencial nos casos em que não tenham decorrido cinco anos desde a respetiva emissão”.
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Pelo que “por força do artigo 168º, n.º 1, do CPA, ... as avaliações, em que foram considerados os coeficientes de localização e afetação na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, efetuadas há mais de cinco anos já não podem ser objeto de anulação administrativa por determinação legal”.
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Quanto ao caso deste processo conclui “que já se encontra precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixe valor patrimonial tributário o qual se encontra sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI. Se assim não fosse estar-se-ia a admitir que a liquidação de IMI pudesse ser calculada contralegem, i.e. com base no valor que não é o que consta na respetiva matriz predial”.
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Relativamente à alegada violação do princípio constitucional da legalidade tributária refere que “o que importa referir nesta sede não é a violação do princípio da legalidade tributária, mas sim a constitucionalidade do regime da consolidação dos atos administrativos tributários por falta da sua impugnação atempada. Sendo inatacável o ato que fixe o VPT a lei veda a possibilidade de se tornear a falta de impugnação contenciosa tempestiva reabrindo a usa impugnabilidade no sentido de vir a obter por esta via os efeitos típicos da impugnação que não foi efetuada no devido tempo”.
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E conclui que: “... por um lado, ... não se verifica qualquer violação de princípios constitucionais, mas também que a prevalecer a argumentação do Requerente, essa sim, acarretaria uma violação do princípio da igualdade tributária privilegiando os contribuintes que em tempo não contestaram o VPT face àqueles que o fizeram tempestivamente. Na verdade, a não ser assim, haveria contribuintes que estariam sujeitos à caducidade processual, ao passo daqueles outros que, pelo contrário ficavam isentos das consequências processuais de preclusão do direito impugnatório. Situação em que resulta uma clara violação do princípio constitucional da igualdade”.
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E acrescenta: “... cumpre referir que a atual interpretação da forma de cálculo do VPT dos terrenos para construção já está alinhada com o mais recente entendimento do Supremo Tribunal Administrativo pelo que se afigura prejudicada a controvérsia sobre a aplicação do artigo 38º ou do 45º do Código do IMI na avaliação dos terrenos para construção”.
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Quanto à proibição de pronúncia arbitral conforme a equidade refere que “O pedido formulado pela Requerente ... nem está previsto ou fundamentado na lei. Ora, acontece que o Tribunal Arbitral está obrigado a julgar de acordo com o direito constituído, estando impedido de julgar o processo de acordo com critérios da equidade”, pelo que “a pretensão arbitral do Requerente não está sustentada nem na lei nem no direito constituído, devendo ser julgada improcedente”.
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Finalmente refere que a AT está vinculada ao princípio da legalidade previsto no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e concretizado nos artigos 55.º da Lei Geral Tributária e no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou em vigor no ordenamento jurídico, conforme se verificou no caso em apreço.
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Conclui a AT pela manutenção dos actos tributários impugnados e pela total improcedência do PPA.
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Por despacho do Tribunal Arbitral Singular (TAS) de 09.12.2022 foi a Requerida notificada para contestar, tendo respondido em 11.01.2023 e não juntou o PA. Face ao tipo de acto impugnado (tácito) e aos documentos juntos no PPA que não mereceram reparo da AT, constata-se que os documentos que o podiam integrar (o pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI impugnadas) foram juntos em anexo ao PPA, pelo que não se justificaria a junção de documentos que já constam do processo.
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Por despacho do TAS de 11.01.2023 foi dispensada a realização da reunião de partes a que se refere o artigo 18º do RJAT e foi dispensada ainda a apresentação de alegações, por também não se justificar.
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O pedido de constituição do tribunal arbitral (PPA) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228. ° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular (TAS) o signatário desta decisão, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas da designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6. ° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 07 de Dezembro de 2022, encontrando-se regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
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Os factos relevantes para a decisão da causa são os seguintes:
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O Requerente foi, em data não apurada de 2018, notificado dos actos tributários de liquidação de IMI com
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o nº 2017 ... de 08.03.2018, referente ao ano 2017, no montante de € 2 360 275,00;
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com o nº 2017 ... de 31.05.2018, referente ao ano 2017, no montante de € 2 350 203,32; e
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com o nº 2017 ... de 11.10.2018, referente a 2017, no montante de € 2 323 299,91,
totalizando € 7 033 778,23, tendo procedido ao seu pagamento - conforme artigos 31º e 32º do PPA e documentos nº 2 e 3 juntos com o PPA, dada a não impugnação da AT;
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As liquidações de IMI tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar, os valores patrimoniais tributários de terrenos para construção de que o Requerente era titular à data dos factos tributários, tendo os valores sido fixados segundo a fórmula que considerou a aplicação de coeficientes de localização, de afectação e/ou de qualidade e conforto – conforme artigo 33º do PPA e Documento nº 5 em anexo ao PPA, dada a não impugnação da AT;
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Perante jurisprudência do STA sobre a não aplicação dos coeficientes referidos na alínea anterior, para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, a AT corrigiu a fórmula de cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes, não o tendo feito relativamente ao ano de 2017 – conforme artigos 33º a 35º do PPA e artigos 9º e 10º e 56º a 64º da Resposta da AT;
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Por carta registada em 30.03.2022 o Requerente apresentou à AT um pedido de revisão oficiosa parcial das liquidações referidas em A) “ao abrigo dos artigos 115º e 129º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI"), e do artigo 78º da Lei Geral Tributária (“LGT”)”, peticionando a “revisão oficiosa dos actos tributários de liquidação de IMI”... para que “... se proceda à anulação parcial dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice referentes a 2017, porque manifestamente ilegais em resultado de errónea colecta de imposto relativamente a valores patrimoniais tributários de terrenos para construção determinados com uma fórmula que, ao aplicar os coeficientes acima mencionados, não lhe era legalmente aplicável” – conforme parte inicial e final do Documento nº 1 em anexo ao PPA, artigo 25º e 28º do PPA e Documento nº 3 em anexo ao PPA;
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AT não se pronunciou sobre o pedido de revisão oficiosa no prazo de quatro meses – conforme artigos 27º e 28º do PPA;
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As diferenças entre os valores de IMI que foram liquidados e os que seriam liquidados se não tivessem sido considerados nas avaliações os coeficientes de localização, de afectação e/ou de qualidade e conforto totalizam € 14 355,48 – conforme artigo 36º e 40º do PPA e Documento nº 6 junto com o PPA que não mereceu reparo por parte da AT;
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O Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral em 23 de Setembro de 2022 – conforme registo no SGP do CAAD.
Factos não provados
Não há factos não provados que possam ser considerados relevantes para a decisão da causa.
Motivação da fixação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos factos articulados no PPA e na Resposta da AT que estão em conformidade com a posição assumida por ambas as partes (considerando ainda a não impugnação especificada dos factos articulados no PPA) e bem assim com base nos documentos juntos com o PPA que não mereceram reparo pela AT.
Matéria de direito
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Sobre a questão de fundo que se coloca neste dissídio existem várias decisões contraditórias proferidas no âmbito dos tribunais arbitrais constituídos no CAAD e existe, pelo menos, o acórdão do TCA Sul de 31.10.2019, prolactado no âmbito do Processo 2765/12.8BELRS.
Relativamente aos tribunais arbitrais constituídos no CAAD, existem várias decisões, nem todas com os mesmos fundamentos, que podem considerar-se que abordam a questão de fundo aqui em debate.
A pergunta que se coloca é se podem ser objecto de revisão as liquidações de IMI com fundamento em errada fixação do valor patrimonial tributário (VPT) de prédio urbano que se consolidou por falta de oportuna impugnação e de pedido de segunda avaliação.
Podem ser
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Não podem ser
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Processo
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Árbitros
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Voto vencido
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Processo
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Árbitros
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Voto de vencido
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487/2020-T
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3
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Não
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510/2021-T
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3
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Não
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760/2020-T
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1
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528/2021-T
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1
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254/2021-T
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3
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Não
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538/2021-T
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3
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Sim
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634/2021-T
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1
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667/2021-T
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1
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497/2021-T
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3
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Sim
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806/2021-T
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1
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Em termos gerais, poderá afirmar-se que pelo menos 12 árbitros (considerando os votos de vencido e o facto do mesmo árbitro ter integrado mais que um dos tribunais) que integraram tribunais no âmbito do CAAD, sufragaram, com diferentes fundamentações e diversos pontos de vista, o entendimento de que a revisão oficiosa em causa será possível no actual ordenamento jurídico-fiscal.
Mas, pelo menos 8 árbitros (considerando os votos de vencido e o facto do mesmo árbitro ter integrado mais que um dos tribunais) consideram que não é legalmente possível.
Trata-se, pois, de matéria controversa.
O signatário desta decisão integrou o colectivo de árbitros que formou o Tribunal Arbitral no âmbito do Processo nº 254/2021-T, presidido pelo Exmo. Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, onde se tratou uma situação em tudo idêntica àquela que se coloca neste processo.
Naturalmente, não poderá aqui adoptar-se uma decisão que não esteja em conformidade com o que aí se decidiu.
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Poderá afirmar-se que o Requerente estruturou o PPA (e o pedido de revisão oficiosa) de forma idêntica ao raciocínio expendido no acórdão do TCA Sul de 31.10.2019 prolactado no âmbito do Processo 2765/12.8BELRS.
A AT defende que os vícios dos actos de avaliação de valores patrimoniais não podem servir de fundamento à anulação de actos de IMI que os tenham como pressuposto (artigo 11º - B. da Resposta).
Este obstáculo à pretensão do Requerente não constitui uma excepção processual (obstáculo ao conhecimento do mérito) mas sim um fundamento de improcedência.
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Vamos seguir, como acima se notou, o que foi decidido no Processo CAAD nº 254/2021-T, onde se tratou um caso similar ao deste processo.
Vejamos o que aí se escreveu (intercalando-se alguns aspectos referentes a este caso concreto aqui em discussão):
“3.1. Questão da possibilidade de conhecer vícios de actos de avaliação em impugnação de actos de liquidação que neles se basearam.
São meios processuais diferentes, com efeitos distintos: a impugnabilidade directa de actos de liquidação, com os efeitos retroactivos próprios da declaração de anulabilidade e direito a juros indemnizatórios, e a possibilidade de revisão oficiosa, com os fundamentos previstos no artigo 78º da LGT, com efeitos mais limitados, designadamente a nível de direito a juros indemnizatórios, como resulta do disposto no artigo 43º, nºs 1 e 3 da LGT. (sobre os diferentes efeitos da impugnação judicial ou reclamação graciosa nos prazos respectivos e os efeitos da revisão oficiosa pedida para além desses prazos, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-07-2006, processo nº 0402/06.)
No caso em apreço, não foi apresentada reclamação graciosa ou impugnação judicial dos actos de liquidação de IMI nos prazos respectivos (previstos nos artigos 70º, nº 1, e 102º n.º 1, do CPPT), mas foi pedida a revisão oficiosa que, nos termos do artigo 78º da LGT, além de outros casos, pode ser pedida no prazo de quatro anos a contar dos actos de liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços nos termos do seu nº 1, ou no prazo de três anos com fundamento em injustiça grave e notória, nos termos dos seus nºs 4 e 5.
Da revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 78º LGT, decorre a anulação dos actos de liquidação que se tenham baseado nessa matéria tributável, pois são actos consequentes.
Em qualquer caso, a revisão ou iniciativa da administração tributária (dita oficiosa), tanto da liquidação (nº 1) como da matéria tributável (nºs 4 e 5), é admitida também a pedido do contribuinte, como se conclui do teor expresso do nº 7 do artigo 78º ao referir que «interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização».
Esta questão da invocação de vícios de actos de avaliação em procedimento de revisão oficiosa foi apreciada no acórdão proferido em 10-05-2021, no processo arbitral CAAD nº 487/2020T, cuja jurisprudência aqui se reafirma, no essencial.
Por força do preceituado no artigo 15º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é directa e, por isso, ela é «susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa» (artigo 86º, nº 1, da LGT).
Nos termos do nº 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».
Os termos da impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais constam do artigo 134º do CPPT, em que se estabelece que:
- «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (nº 1); e
- «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (nº 7).
Como decorre do nº 1 do artigo 134º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais, “com fundamento em qualquer ilegalidade”, e do nº 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação com fundamento em ilegalidade se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.
No âmbito do IMI e do AIMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76º, nº 1, do CIMI).
Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77º, nº 1 do CIMI).
Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.
Assim, o sujeito passivo de IMI ou de AIMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais ilegalidades dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos nºs 1 e 7 do artigo 134º do CPPT.
Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113º do CIMI).
Este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS (artigos 10º nº 6, alínea d), 31º nº 13, alínea d), 41º nº 4, 43º nº 2 alínea d), 46º nº 3, e 51º nº 2 do CIRS), IRC (artigos 56º nº 2, 64º nºs 2 e 3, alínea a) e b), 4 e 5, 139º nº 1, 2, do CIRC) e Imposto do Selo (artigos 13º nºs 1, 6 e 7, 31º nº 2 e 32º do CIS) , o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.
Por outro lado, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.
O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102º do CPPT).
A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134º, nºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos nºs 1 e 6 do artigo 155º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:
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De 30-06-1999, processo nº 023160 (publicado em https://dre.pt/web/guest/pesquisa/3997226/details/normal?q=23160)
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de 02-04-2003, processo nº 02007/02;
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de 06-02-201 1, processo nº 037/11;
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de 19-09-2012, processo n 0659/12 (Refere-se neste aresto: “Na verdade, em sede de IMI, a lei prevê um procedimento de determinação da matéria tributável — a avaliação do prédio (art. 14º do CIMI) — que termina com o acto de fixação do VPT que serve de base à liquidação do imposto. Este acto, como é sabido, é um acto destacável para efeitos de impugnação contenciosa, pelo que é autonomamente impugnável, numa excepção ao princípio da impugnação unitária que, em regra, vigora no processo tributário (conforme art. 134º do CPPT) e que se encontra «em sintonia com o preceituado no art. 86º, nº 1, da LGT, em que se estabelece que os actos da avaliação directa são directamente impugnáveis»
(...) tratando-se de actos destacáveis e inexistindo qualquer restrição relativa às ilegalidades que podem ser objecto de impugnação contenciosa, os vícios de que enferme o referido acto de avaliação apenas poderão ser arguidos em impugnação do acto de avaliação e não do acto de liquidação que seja praticado com base naquele, já que a atribuição da natureza de acto destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vícios deste acto para efeitos de impugnação contenciosa»)
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de 5-2-2015, processo nº 08/13;
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de 13-7-2016, processo n 0173/16;
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de 10-05-2017, processo nº 0885/16.
Pelo exposto, as ilegalidades dos actos de avaliação invocados pelo Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem considerar-se ilegalidades dos actos de liquidação de IMI, susceptíveis de serem invocadas em processo impugnatório destes actos.
Por outro lado, o pedido de revisão não foi efectuado no prazo da reclamação administrativa a que se refere a primeira parte do nº 1 do artigo 78.º da LGT, pelo que só poderia ser feita a revisão com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos da segunda parte daquele número.
Ora, os actos de liquidação de IMI, em si mesmos, não enfermam de qualquer erro imputável aos serviços, pois, por força do disposto no ... artigo 113º nº 1 do CIMI o “imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita”.
Assim, tendo as liquidações sido efectuadas com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes a 31 de Dezembro do ano a que respeita o IMI, não há erro da Administração Tributária ao efectuar as liquidações e, por isso, o pedido de revisão oficiosa não podia ser deferido ao abrigo do nº 1 do artigo 78º da LGT.
3.2. Questão da admissibilidade de revisão oficiosa dos actos com fundamento em injustiça grave ou notória
Diferente da questão da impugnabilidade dos actos de liquidação de IMI com fundamento em ilegalidade, ao abrigo do nº 1 do artigo 78º da LGT, é a da possibilidade da revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória, prevista no nº 4 do artigo 78º da LGT ...” que o Requerente de certa forma pediu ao reportar-se v.g. nos artigo 94º a 97º da revisão oficiosa ao acórdão do TCAS de 31.10.2019 Processo 2765/12.8BELRS e ao formular o pedido de revisão oficiosa ao abrigo “... do artigo 78º da Lei Geral Tributária ("LGT")”, não o restringindo apenas ao nº 1 do artigo 78º da LGT.
“Na verdade, a utilidade prática da revisão com fundamento em injustiça grave ou notória verifica-se apenas após o decurso do prazo da reclamação administrativa, precisamente quanto a actos que não podem ser impugnados com fundamento em qualquer ilegalidade ou em erro imputável aos serviços.
A possibilidade de revisão oficiosa de actos de avaliação de valores patrimoniais não está prevista no CIMI. Designadamente, o artigo 115º do CIMI reporta-se a actos de liquidação e não a actos de fixação de valores patrimoniais.
Assim, só à face do regime geral da revisão oficiosa, previsto no artigo 78º da LGT, se pode aventar a possibilidade de revisão, nos termos dos seus nºs 4 e 5, que estabelecem o seguinte:
“4-O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5-Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional”.
Da revisão da matéria tributável prevista no nº 4 do artigo 78.º decorrerá a anulação dos actos consequentes que a tenham como pressuposto, como são os actos de liquidação de IMI.
Apesar de neste nº 4 do artigo 78º da LGT se referir que «o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente» a «revisão da matéria tributável», trata-se de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controle jurisdicional, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo:
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«o facto de a lei determinar que "o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, "a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever»; trata-se de «um poder estritamente vinculado»; (acórdão do STA de 07.10.2009, processo nº 0476/09. No mesmo sentido os acórdãos do STA de 02.11.2011, processo nº 329/11 e de 14.12.2011, processo nº 366/11)
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«a previsão constante do dito artigo 78º nº 4, como excepcional, é de entender como correspondendo a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos». (Neste sentido o acórdão do STA de 17.02.2021, processo nº 39/14.9BEPDL de 0578/18)
Por outro lado, como decorre do nº 7 do artigo 78º das LGT, esta revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pode ser efectuada a pedido do contribuinte e, neste caso, pode ser efectuada após o prazo de três anos, pois o pedido do contribuinte interrompe o prazo inicial, contando-se um novo prazo a partir da apresentação do pedido. (como está ínsito no conceito de “interrupção”, explicitado no artigo 326º do Código Civil).
Nestas situações em que o erro está na fixação da matéria tributável e não propriamente nos subsequentes actos de liquidação, a revisão não depende da existência de erro imputável aos serviços ou de ilegalidade desses actos, mas apenas que se esteja perante «injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».
Por outro lado, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no citado acórdão de 17-02-2021, a previsão da autorização como excepcional, não afasta o «poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos».
3.2.1. Tempestividade do pedido de revisão oficiosa para efeitos do nº 4 do artigo 78º da LGT
O prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no nº 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do acto tributário», previsto no nº 4 do artigo 78º” da LGT.
“Os «três anos posteriores ao do acto tributário» terminam no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o acto tributário”.
Retomando o caso concreto aqui em apreciação, verifica-se que a liquidação nº 2017 ... foi emitida em 08.03.2018, a nº 2017 ... em 31.05.2018, e a nº 2017 ... em 11.10.2018.
O Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa em 30.03.2022, pelo que tem de se concluir que o pedido não foi apresentado tempestivamente, uma vez que foi formalizado após o dia 31.12.2021.
Em face do exposto, o PPA quanto à impugnação das liquidações de AIMI de 2017, não poderá proceder, uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado para lá do prazo legal.
Face ao resultado a que aqui se chegou, não se mostra útil verificar se os demais requisitos da revisão oficiosa previstos nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT se verificam.
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Outros pedidos subsidiários
Sendo de jugar improcedente o pedido principal, por intempestividade do pedido de revisão, fica prejudicado o conhecimento de outros pedidos subsidiários [artigos 554º, nº 1, e 608.º, nº 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e), do RJAT].
O pedido de desaplicação da norma do artigo 45º do CIMI na dimensão que o Requerente refere estar em desconformidade com as normas da alínea i) do nº 1 do artigo 165º e do nº 2 do artigo 103º, ambas da CRP, perde sentido prático, posto que a solução que se propugnava adoptar nesta decisão (que está vertida no Processo CAAD nº 254/2021-T), aplica a leitura da referida norma que resulta das recentes decisões do Supremo Tribunal Administrativo, em conformidade com o normativo constitucional.
III – Decisão
Termos em que, não sendo possível acolher a pretensão do Requerente, se decide julgar improcedente o PPA por intempestividade na apresentação do pedido de revisão oficiosa (nº 4 do artigo 78º da LGT).
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 14 355,48, que não foi contestado pela Requerida, pelo que nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT, fixa-se em € 14 355,48 o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 918,00, fica a cargo do Requerente em função do decaimento.
Notifique.
Lisboa, 26 de Janeiro de 2023
Tribunal Arbitral Singular,
Augusto Vieira