Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 379/2022-T
Data da decisão: 2023-01-31  IRC  
Valor do pedido: € 90.650,02
Tema: IRC – Dedutibilidade de gastos.
Versão em PDF

 

SUMÁRIO:

 

  1. A consideração como gastos fiscais, nos termos do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, não depende de uma relação de causalidade entre gastos incorridos pelo sujeito passivo e a obtenção de rendimentos, bastando que aqueles sejam suportados pelo sujeito passivo no interesse da empresa.
  2. O artigo 23.º do Código do IRC não se reconduz a uma norma anti abuso, que possa ser utilizada em substituição do artigo 38.º, n.º 2 da LGT.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins (árbitro Presidente), Ana Rita do Livramento Chacim e Paulo Mendonça (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 31 de agosto de 2022, acordam no seguinte:

 

 

  1. RELATÓRIO
  1. Identificação das Partes

Requerente: A..., LDA., sociedade em liquidação, representada por B... UNIPESSOAL, LDA, com o número de identificação fiscal ... e com sede na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, doravante designado de “Requerente” ou “Sujeito Passivo”.

Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de “Requerida” ou “AT”.

A Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por “RJAT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 22.06.2022, e em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do
Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei
n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, tendo sido notificada nessa data a AT.

A Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico, designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram no prazo legalmente estipulado a aceitação dos respetivos encargos.

Em 28.06.2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído em 31.08.2022, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, tendo sido subsequentemente notificada a AT para, querendo, apresentar resposta, o que veio a fazer.

Por despacho de 03.11.2022, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi agendada para o dia 7 de dezembro de 2022, determinando-se a inquirição das testemunhas indicadas.

As partes compareceram no dia agendado, tendo sido ouvidas as testemunhas indicadas. As partes ficaram ainda notificadas para, de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias.

A Requerente apresentou as suas alegações finais a 05.01.2023, não tendo sido apresentadas alegações pela Requerida.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

  1. Pedido

A ora Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), peticionado a anulação dos atos de liquidação adicional n.º 2022..., relativo ao exercício de 2018, do qual resulta um prejuízo fiscal no montante de € 3.659,00, e n.º 2022..., relativo ao exercício de 2019, e respetivo ato de liquidação de juros compensatórios, dos quais resulta o valor a pagar de € 90.650,02, por serem manifestamente ilegais, com as necessárias consequências legais, nomeadamente o pagamento de juros indemnizatórios nos termos previstos no artigo 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 61.º, n.º 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

 

 

  1. Causa de Pedir

A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à declaração de anulação dos atos de liquidação, e em síntese, o seguinte:

É uma sociedade por quotas, que tem como objeto social o desenvolvimento de projetos de consultoria informática e plataformas tecnológicas, captando os recursos informáticos da zona do Porto, bem como, a comercialização e distribuição, suporte tecnológico, consultoria e formação, e licenciamento de plataformas tecnológicas, de soluções, conceitos, conteúdos e tecnologias multimédia, incluindo a aquisição, gestão e investimento em publicidade (vulgo, “Media”) que advém da E... .

Em cumprimento das ordens de serviço OI2020... e OI2021..., a Requerente foi sujeita a um procedimento de inspeção promovido pela AT, sobre os exercícios de 2018 e 2019, cujas conclusões estão vertidas no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), notificado à Requerente através do Ofício n.º 2021... .

Tendo sido apurado prejuízo fiscal relativo ao exercício de 2018, no montante de € 3.659,00 e, relativo ao exercício de 2019, e respetivo ato de liquidação de juros compensatórios, dos quais resulta o valor a pagar de € 90.650,02.

As liquidações impugnadas têm por base as correções à matéria coletável da Requerente que resultaram da referida inspeção aumentando o seu valor, por desconsideração de gastos com publicidade e de gastos com amortizações.

A Requerente fundamenta a sua discordância relativamente às correções efetuadas, começando por explicitar que a A... foi criada por um parceiro do Grupo C..., sendo que este Grupo detém uma participação de apenas 10% (pela D...) no respetivo capital, em virtude da relação de parceria mantida com o seu fundador.

No âmbito desta parceria, e tendo como objetivo a expansão do seu leque de clientes, a A... realizou, entre 2015 e 2017, projetos de consultoria informática para o desenvolvimento de plataformas e produtos do Grupo C... .

Em 2017 iniciou igualmente a operação de Media (através da E...) para colocação nas plataformas dos clientes das empresas daquele grupo.

Neste contexto, a Requerente adquiriu em 2015 uma licença informática (com prazo de utilização até agosto de 2018), que classificou contabilisticamente como ativo intangível e que amortizou por um período de 3 anos.

Perante as dificuldades sentidas na atividade de consultoria, alega que entre 2017 e 2019, a única atividade da empresa esteve associada à operação de Media, nomeadamente a que tinha por base os serviços da E... .

Explica que a referida atividade assenta no serviço de compra e colocação de produtos de publicidade digital (web Advertising/media), o qual consiste na seleção e compra de espaços digitais selecionados para a colocação de campanhas digitais de grande adesão, para divulgação de conteúdos comercializados pelas operadoras ou fornecedores de conteúdos que com elas trabalham. Posteriormente, há lugar à colocação, por pessoal especializado (IT) do espaço digital com o conteúdo que se pretende promover, e integração na plataforma eletrónica da operadora de telecomunicações dessa campanha, para que os usuários (i.e. os utilizadores dos serviços das operadoras, consumidores finais), sejam atraídos e participem das campanhas publicitárias, através de envio de SMS (Short Messaging System), ou através da compra de algum produto.

Nos anos de 2018 e 2019, a Requerente suportou gastos com a aquisição de conteúdos de publicidade, à entidade E... Limited, nos montantes globais de € 267.856,08 e
€ 272.275,93, respetivamente.

Estes gastos foram naturalmente incorridos com a expectativa de virem a ser faturados (e tributados).

No decurso daqueles períodos de tributação, a Requerente não conseguiu chegar a acordo sobre os valores a faturar aos seus clientes, pelo facto de os resultados obtidos pelas campanhas executadas pela A... apresentarem KPI’s (key performance indicators) muito inferiores a outras campanhas do Grupo C... .

Deste modo, a Requerente não apresentou volume de negócios/faturação nos referidos períodos de 2018 e 2019.

Refere, no entanto, que a não faturação não é sinónimo de inatividade, sendo igualmente irrelevante a circunstância de a Requerente não entregar declarações mensais de remunerações (DMR).

Perante a situação de divergência entre os sócios, a ausência de capacidade financeira da empresa (Requerente) e sendo prática de mercado que os serviços de media sejam pagos antecipadamente, acordou-se que os serviços faturados pela E... à Requerente seriam pagos pela D..., através de adiantamentos/suprimentos, no valor total de € 757.738,00 o que gerou na esfera da A... um resultado líquido do período de 2019, positivo em
€ 428.944,93. O referido perdão de dívida (€ 757.738,00) foi relevado enquanto proveito na esfera de Requerente, na declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC de 2019, gerando imposto a pagar no montante de € 34.655,43.

Por sua vez, na esfera da sócia D..., o custo foi igualmente tributado, donde resultou uma situação de dupla tributação em sede de IRC: na esfera da A... como proveito e na esfera da  D...como custo não aceite.

Para efeitos de enquadramento do seu entendimento, a Requerente expõe doutrina e jurisprudência que considerou relevante no que respeita à interpretação do artigo 23.º do Código do IRC. Salienta que o mesmo deve ser entendido no sentido de considerar para efeitos fiscais os gastos incorridos pelos sujeitos passivos, sempre que apresentem uma conexão fáctica ou económica com a empresa que os suportou, no sentido de lhes presidir uma causa societatis. Defende assim a necessidade de existir apenas uma relação de causalidade económica, tendo em vista a obtenção do lucro e com relação ao objeto social da empresa, mas sem que se exija um resultado positivo. Desta forma, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa.

 

 

Do entendimento exposto, refere que importa reter três ideias fundamentais: a primeira é que são de reputar como indispensáveis todos os gastos incorridos no interesse da empresa (entendendo-se como tal aqueles que tenham a potencialidade de, direta ou indiretamente, gerar proveitos); a segunda é que é irrelevante se, em concreto, esses gastos proporcionaram ou não algum proveito (não se exige, assim, nexo de causalidade entre gastos e proveitos); e a terceira é que não cumpre à AT tecer quaisquer juízos acerca da oportunidade e conveniência dos gastos, sob pena de intolerável intromissão na liberdade de gestão das empresas.

Nestes termos, à AT cumpre simplesmente averiguar se os gastos relevados fiscalmente pelos sujeitos passivos foram efetivamente suportados (circunstância que AT, no caso em apreço, não contesta) e se o foram no interesse da empresa, isto é, se apresentam uma relação causal e justificada com a atividade exercida, não lhe cabendo tecer quaisquer juízos acerca da oportunidade e conveniência dos gastos.

Com base no refere, a Requerente concretiza a respeito da declaração de ilegalidade dos gastos com publicidade, a não há dúvidas de que estes gastos tinham potencialidade para gerar proveitos, sendo irrelevante, para efeitos da aferição da sua dedutibilidade a circunstância de a operação se ter vindo a revelar economicamente infrutífera. Em conformidade, afigura-se absolutamente irrelevante a circunstância de a Requerente não ter declarado rendimentos derivados de serviços de media.

Defende ainda que não é verdade que a empresa tenha estado sem atividade desde 2017: a empresa esteve simplesmente sem faturar por desacordo com o seu cliente sobre valores a faturar, sendo que a não faturação não é sinónimo de inatividade.

De igual modo, reitera que não cumpre à AT realizar juízos acerca da bondade ou oportunidade das decisões de gestão da empresa.

Nestes termos, discorda da AT quando esta assume que a Requerente já sabia, no momento do dispêndio do gasto, que não conseguiria revender os conteúdos adquiridos.

 

 

Relativamente à correção incidente sobre a matéria coletável com «gastos com amortizações», refere que o entendimento da AT parece assentar no pressuposto (errado) de que a licença em causa não configura um ativo, por a Requerente supostamente não possuir «o controlo deste recurso».

O entendimento da AT parece assentar em primeira linha, no pressuposto – errado, diga-se, desde já – de que a licença em causa não configura um ativo, por a Requerente supostamente não possuir «o controlo deste recurso», nos termos constantes da NCRF 6.

Recorda que a NCRF 6 diz expressamente que «[q]uando o software não for uma parte integrante do hardware respectivo, o software de computador é tratado como um activo intangível», reconhecendo ademais, tratar-se de um ativo sujeito a perecimento («obsolescência tecnológica»).

Entende a Requerente que o software licenciado deve ser considerado um ativo, perecível e amortizável, pelo que procedeu à sua amortização no prazo de 3 anos.

No entanto, de acordo com o RIT, este «período que não se encontra de acordo com o período de licenciamento indicado na fatura». A este respeito, refere que a AT não invoca qualquer norma suscetível de pôr em causa o referido período de vida útil, fundamentando exclusivamente a correção em causa no artigo 23.º do Código do IRC.

Não há dúvida de que um gasto – despendido com uma plataforma que é utilizada nos serviços de informática prestados pela Requerente – foi suportado no interesse da empresa: sem a plataforma a Requerente não poderia ter prestado serviços informáticos (sendo irrelevante se, de facto, os prestou ou não).

Reitere-se que só no final de 2019 os sócios deliberaram dissolver e liquidar a empresa; até então, não foi deliberadamente que a empresa não faturou – não faturou porque não conseguiu (não cabendo à AT, pelas razões já descritas, fazer qualquer juízo a este propósito).

Conclui a Requerente pela ilegalidade das correções efetuadas pela AT, peticionando a anulação das liquidações em causa, com as necessárias consequências legais, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º e 100.º da LGT.

 

  1. Da resposta da Requerida

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese, alegou o seguinte:

As liquidações adicionais, ora impugnadas, resultaram de correções de natureza meramente aritméticas ao resultado tributável declarado, na sequência de dois procedimentos inspetivos realizados pela Direção de Finanças do Porto sob os nºs. OI2020... (de âmbito parcial em sede de IRC e IVA - 2018) e OI2021... (de âmbito parcial em sede de IRC e IVA – 2019).

Refere que a empresa A... iniciou a sua atividade em 07 de julho de 2015, com o CAE 62010 “Actividades de Programação Informática”, tendo cessado a atividade em sede de IVA desde 31 de dezembro de 2019, encontrando-se, para efeitos de IRC em fase de Liquidação (aqui representada pela sociedade B... UNIPESSOAL, LDA).

Mais refere que, a Requerente tem como sócia a D... SGPS, S.A, (doravante apenas “D...”), a qual é totalmente detida pela sociedade F... SGPS, S.A. que por sua vez é detida a 100% pela G... SARL (entidade com sede no Luxemburgo) e H... . Este último é gerente da Requerente sendo igualmente vogal, desde 2008, da N..., S.A. (entidade detida a 100% pela F..., SA.).

A Requerente estava vocacionada para o desenvolvimento de soluções tecnológicas especificamente na área dos dispositivos móveis, desenvolvendo e fornecendo soluções e plataformas que administram a distribuição de conteúdos, aplicativos (apps), produtos e serviços de entretenimento, constituindo o seu pessoal especializado uma parcela relevante dos gastos.

No que respeita às correções efetuadas salienta que, verificaram os SIT que a Requerente considerou como gastos, para efeitos de apuramento do resultado tributável de 2018 e 2019, diversas faturas emitidas pela entidade “E... Limited” relativas à aquisição de conteúdos de publicidade, no montante global de €267.856,08 e €272.375,93, respetivamente, registadas contabilisticamente nas contas 622212 e 622216 “Publicidade e Propaganda”.

Relativamente a estas aquisições, a AT constatou a inexistência, em 2018 e 2019, de quaisquer prestações de serviços declaradas pela A..., tendo igualmente comprovado a total ausência de colaboradores técnicos desde agosto de 2017 restando apenas o
sócio-gerente, não remunerado, H... .

No contexto do exercício do direito de audição prévia sobre o projeto de relatório de inspeção tributária lembra que a Requerente alegou, no entanto que, “entre 2017 e 2019, a única atividade da empresa esteve associada operação de Media”, e que “em relação a esta atividade, em 2018 a 2019, a A... não conseguiu chegar a acordo sobre os valores a faturar aos seus clientes.

Reitera ainda os argumentos invocados pelos SIT com referência ao período em questão, pelo que, a Requerente não indica quais os clientes a quem pretendida faturar; não possui pessoal próprio ou subcontratado para desenvolvimento de serviços de informática; registou na sua contabilidade compras de “media” que não contribuíram para a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC”.

Refere ainda que não foi a “D...” a destinatária da “Media” adquirida à “E...”, pelo que, não pode o ganho relativo ao perdão de dívida efetuado pela “participante no capital”, substituir a falta de registo de ganhos associados à eventual atividade exercida pela “A...” nestes períodos.” Assim, “não tendo o sujeito passivo declarado rendimentos derivados de serviços de “media” nos anos de 2018 e 2019, não são dedutíveis os gastos incorridos com a sua aquisição”.

Em suma, os montantes referentes à aquisição de conteúdos de publicidade à E... (€267.856,08 em 2018 e €272.375,93 em 2019) foram desconsiderados pelos SIT, para efeitos de apuramento do resultado tributável de 2018 e 2019, por não se mostrarem verificados os requisitos de dedutibilidade exigidos pelo n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC conforme fundamentos descritos no RIT.

 

 

No que respeita aos gastos no montante de €111.111,11 relativos à amortização do Ativo Intangível relativo ao Licenciamento de uma Plataforma informática, com referência ao período de tributação de 2018, a Requerida recorda que o este ativo intangível foi adquirido em 2015 à sociedade espanhola pertencente ao Grupo C..., a empresa “O..., SL”, pelo montante de €500.000,00. E conforme fatura do referido fornecedor, este Licenciamento foi concedido pelo período de setembro de 2015 a fevereiro de 2017, uma adenda ao contrato celebrado entre a Requerente e a “O... S. L.”, onde se refere que o período de licenciamento tem uma duração de 36 meses, iniciados a 1 de setembro de 2015.

Os SIT, além de constatarem que a referida adenda não se encontra datada, voltaram a salientar que, em 2018, a A... não dispunha de recursos humanos nem os subcontratou, pelo que, se a referida Plataforma informática foi utilizada, não o foi no âmbito da atividade da A... . E que esta, não declarou quaisquer rendimentos decorrentes da exploração da referida Infraestrutura informática.

Assim, concluíram os SIT que as amortizações do Licenciamento (que já tinha expirado) também não cumprem os requisitos de dedutibilidade exigidos pelo art.º 23.º, n.º 1 do Código do IRC conforme fundamentos descritos no RIT.

Ora, entende a Requerida que nas questões em apreço nos autos, a norma jurídica que está no epicentro destas questões é o art.º 23.º do Código do IRC com a epigrafe “Gastos e perdas”. Relativamente ao preceito em questão, afirma que os gastos têm de respeitar dois princípios: sejam incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC (nos termos do número 1) e sejam comprovados documentalmente nos termos expressamente exigidos pelos números 3, 4 e 6 do art.º 23.º do Código do IRC.

Os dois requisitos que a norma impõe dependem de verificação cumulativa pelo que bastará o não cumprimento de um deles para que os respetivos gastos já não possam ser aceites para efeitos de determinação dos resultados fiscais.

 

 

Sobre a temática da dedutibilidade fiscal dos gastos, enquanto necessária existência de uma relação de causalidade económica entre a assunção dos gastos e os interesses empresariais da entidade que os suporta, sempre se dirá que, sendo certo que a administração fiscal não se deve intrometer na autonomia e na liberdade de gestão dos contribuintes, conforme vem defendendo a Requerente, não se pode aceitar que esse princípio possa impedir a administração fiscal de questionar fundadamente a pertinência de um determinado custo/gasto, à luz do direito fiscal vigente, sindicando a observância dos critérios de razoabilidade, habitualidade, adequação e necessidade económica e comercial subjacentes à letra e ao espírito do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, tendo como pano de fundo a normalidade empresarial, a racionalidade económica e o escopo societário.

Para suporte ao seu entendimento, a Requerida recorre a jurisprudência diversa sobre a determinação legal necessária para aceitação do gasto em sede de IRC, salientando sempre a necessidade de demonstração de que os mesmos foram contraídos, comprovadamente, no interesse exclusivo da empresa (A...) e que se encontram verificadas as características de razoabilidade, habitualidade, adequação e necessidade económica e comercial implícitas na letra e espírito do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC.

Refere ainda que, do declarado pela própria Requerente, indubitavelmente, se conclui que a Requerente assume que aquelas aquisições tiveram outro interessado e destinatário que não a Requerente, tendo ainda sublinhado o facto de a A... não ter arcado com o ónus do pagamento daquelas faturas da E... nem as ter refaturado.

É ainda convicção da Requerida que já no âmbito do exercício do direito de audição prévia sobre o projeto de relatório de inspeção tributária, a Requerente pretendeu emendar o esclarecimento prestado, por escrito, anteriormente passando a alegar que afinal entre 2017 e 2019 a empresa teve atividade, insistindo que “a única atividade da empresa esteve associada operação de Media” (tentando justificar aquelas aquisições à E...) acrescentando que “em relação a esta atividade, em 2018 a 2019, a A... não conseguiu chegar a acordo sobre os valores a faturar aos seus clientes.”

 

 

Recorda o argumento da Requerente de que, apesar de com aquelas aquisições a A... ter executado campanhas de publicidade digital para um seu cliente e, portanto, ter prestado serviços, não os chegou a “faturar por desacordo com o seu cliente sobre valores a faturar.” Entende a AT que não existe nos autos qualquer prova do alegado (quer em sede de direito de audição, quer no PPA), na medida em que: a) a Requerente nunca identificou o referido cliente a quem terá prestado os serviços de publicidade digital; b) não identificou qual ou quais as campanhas alegadamente executadas pela A... para esse cliente; c) nem apresentou cópia do contrato de prestações de serviços celebrado entre as partes por forma comprovar o alegado desacordo entre as partes relativamente à faturação nomeadamente: -
- Quais os indicadores mínimos a atingir por cada uma das campanhas para efeitos de faturação?

Em suma, não apresentou qualquer prova de que os referidos gastos relativos à aquisição de valores elevados de conteúdos de publicidade digital à E..., foram realmente incorridos no interesse exclusivo da própria empresa A... e não no interesse de terceiros, nomeadamente do parceiro de negócios – o Grupo C..., pelo que, e tal como concluíram os SIT, estamos perante um gasto não aceite fiscalmente nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC.

No que respeita à Plataforma Informática, entende a Requerida que, considerando que em 2018 a A... não declarou quaisquer rendimentos decorrentes da exploração da referida Infraestrutura informática, cujo Licenciamento já estaria caducado pois havia sido concedido pelo período de setembro de 2015 a fevereiro de 2017, concluíram os SIT que aquelas amortizações também não cumprem os requisitos de dedutibilidade exigidos pelo art.º 23.º,
n.º 1 do Código do IRC.

A Requerente veio juntar uma adenda ao contrato celebrado entre a Requerente e a fornecedora do referido Licenciamento onde se refere que o período de licenciamento tem uma duração de 36 meses, iniciados a 1 de setembro de 2015 e não os 18 meses iniciais.

 

 

Esclarece a Requerida que os SIT não questionaram o facto de o Licenciamento da Plataforma Informática configurar um Ativo Intangível nos termos da NCRF 6 – Ativos Intangíveis. O que está em causa é o facto de a A..., quando já não controlava esse recurso tecnológico pois o período do referido Licenciamento (18 meses iniciados em 01-09-2015) já tinha terminado em 2017 continuou a amortizar o ativo intangível e a considerar tal gasto como fiscalmente dedutível. Refere ainda que, para além de se desconhecer a data em que terá sido realizada a adenda contratual, nela figura, em representação da sociedade “O..., SL”, P... (um dos administradores da empresa mãe F... SGPS, SA,) e em representação da Requerente aparece Q... igualmente administrador da empresa mãe F... SGPS, SA, e não, como seria expectável o gerente da A..., H... (em conformidade com a Certidão do Registo Comercial da A...), o que, na perspetiva da Requerida, suscita sérias dúvidas sobre a validade da “Adenda”.

Concluí a Requerida que deverão ser mantidas as correções de natureza meramente aritméticas ao resultado tributável declarado pela Requerente. Não se verificando erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer direito a juros indemnizatórios.

 

  1. Em resposta à notificação proferida pelo CAAD na sequência da reunião para inquirição de testemunhas realizada no dia 07.12.2022, a Requerente veio apresentar as suas alegações escritas no prazo concedido para o efeito, salientando que:

Mantém e reitera, atenta toda a factualidade provada, a argumentação jurídica aduzida no PPA incluindo, os principais aspetos de direito, ao que junta as referências à prova testemunhal relevante sobre o entendimento exposto.

 

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º, n.º 1 e artigo 5.º, nºs. 1 e 3 ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, nº 2, ambos do RJAT.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

Não foi suscitada matéria de exceção.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO

III. 1. Matéria de facto

  1. Factos provados

Para a decisão da causa submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar os factos relevantes que se julgam provados nos documentos juntos por estas ao presente Processo:

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas, constituída em 2015 e que tem por objeto social a prestação de serviços de investigação, desenvolvimento, programação, comercialização e distribuição, suporte tecnológico, consultoria e formação, e licenciamento de plataformas tecnológicas, de soluções, conceitos, conteúdos e tecnologias multimédia e telecomunicações, e de programas informáticos.

 

 

  1. Ordens de serviço OI2020... e OI2021..., pelas quais a Requerente foi sujeita a um procedimento de inspeção promovido pela AT, sobre os exercícios de 2018 e 2019, e cujas conclusões estão vertidas no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), notificado à Requerente através do Ofício n.º 2021... .

 

  1. Apuramento de prejuízo fiscal no montante de € 3.659,00 com referência ao período de tributação de 2018 (cf. demonstração de liquidação de IRC n.º 2022...).

 

  1. Com referência ao período de tributação de 2019 (liquidação de IRC n.º 2022...), e respetivo ato de liquidação de juros compensatórios, dos quais resulta o valor a pagar de € 90.650,02 (cf. demonstração de acerto de contas).

 

  1. Celebração de um contrato para aquisição de licença de uma plataforma informática, pelo período de 18 meses (com início a 1 de setembro de 2015), não datado, pelo valor de € 500.000,00 (cf. condições contratuais e respetiva fatura).

 

 

 

 

  1. Adenda ao contrato identificado em v) acima, para efeitos de prorrogação temporal para 36 meses, com início a 1 de setembro de 2015.

 

  1. Determinação dos gastos com a aquisição de conteúdos de publicidade à E..., no montante global, € 267.856,08 em 2018 e € 272.375,93 em 2019, constam da faturação constante do processo administrativo anexo aos autos.

 

 

  1. Carta de Perdão de dívida no valor de € 757.738.

 

 

  1. Factos não provados e fundamentação e fixação da matéria de facto

Com relevo para a decisão não existem factos não provados.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.

 

 

 

III. 2. Matéria de Direito

Atenta a posição das partes, assente nos argumentos apresentados, a questão central que importa analisar reside no regime de dedutibilidade de gastos em sede de IRC, no que em concreto respeita a gastos com publicidade e com amortizações.

 

  1. Da natureza da regra de dedutibilidade dos gastos em sede de IRC

A análise jurídica em questão foi já objeto de várias decisões do CAAD, as quais naturalmente beneficiam a presente análise pela exposição técnica aportada.

Sem prejuízo do que acima se refere relativamente ao entendimento de ambas as Partes, para efeitos de pronúncia do presente Tribunal, importa saber se do contraditório realizado existe prova bastante de que os gastos em crise determinam a anulação das respetivas liquidações aqui identificadas, com referência à sua dedutibilidade em sede de IRC, respeitante aos períodos de tributação de 2018 e 2019 da Requerente.

Dispõe o art.º 23.º, n.º 1 do Código do IRC que "são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC".

Se até à introdução da redação do art.º 23.º do Código do IRC dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, a norma em causa referia expressamente o conceito de indispensabilidade do gasto para efeitos da sua dedução em sede de determinação do lucro tributável, tal conceito deixou de ter expressa previsão legal.

 

 

Tal não significa, contudo, que não se deva admitir atualmente o conceito de indispensabilidade para efeitos de apuramento de um gasto como dedutível para efeitos fiscais. Na verdade, volvidos cinco anos da introdução da nova redação do artigo 23.º do Código do IRC, a doutrina e jurisprudência (judicial e arbitral) continuam a defender a presença deste conceito, admitindo como gasto dedutível para efeitos de determinação da matéria coletável, «todo o gasto decorrente da gestão realizado na prossecução do objecto societário, excluindo-se assim todo o gasto que seja estranho a tal prossecução.» [nosso sublinhado]

Neste sentido, pode ler-se na Decisão prolatada no Processo n.º 398/2020-T que «A exclusão, propositada, da menção comprovadamente sejam indispensáveis", não significa uma alteração radical nas regras da dedutibilidade. A doutrina considera que é bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. De facto, não se eliminou toda a subjetividade que poderia existir com a anterior redação, pois a relevância fiscal de um gasto continuará a depender de uma ponderação de critérios, tais como, a prova da sua necessidade, adequação, ou da produção do resultado, sendo que a falta geral dessas características gera a dúvida sobre se é um gasto efetivamente incorrido no interesse da empresa e, como tal, se estamos perante um gasto aceite fiscalmente ou não.» Conclui assim que «Um dos objetivos destes limites à dedutibilidade dos gastos consiste em impedir eventuais situações de abuso fiscal, daí que o legislador tenha estabelecido uma lista exemplificativa de gastos dedutíveis por forma a limitar as reduções indevidas de impostos, ou estaria aberto o caminho à prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios em detrimento dos da empresa, resultando numa violação do princípio da tributação do lucro real.»

Assim, no seguimento do que se refere na Decisão prolatada no Processo n.º 33/2018-T deste Tribunal: «há que concluir que a relevância fiscal de um gasto depende unicamente da sua conexão com a atividade da empresa, independentemente do mérito da opção de gestão empresarial que tenha sido seguida na assunção desse encargo, havendo apenas de afastar-se os gastos que tenham sido determinados por outras motivações.» [nosso sublinhado].

Entendimento que se afigura em linha com o já propugnava o Supremo Tribunal Administrativo [Acórdão de 30 de novembro de 2011, prolatado no processo n.º 0107/11] quando refere, «Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. (…) O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa.»

No entendimento de MOURA PORTUGAL[1], «Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se “sempre que – por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas – as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata”». [nosso sublinhado].

Sendo que, por lucro deverá entender-se «(…) o resultado ou produto líquido de uma actividade produtiva, que tem a natureza de uma compensação líquida, por se tratar de retribuição que já vem depurada de todos os custos correlativos.»[2] Nesta senda, e nas palavras de VÍTOR FAVEIRO, os custos assim apurados apenas poderão «ser objecto de correcção directa, (…) quando se trate de factos que, por natureza e univocidade se evidenciem objectivamente como estranhos ao objecto e ao fim económico e gestionário global da empresa.»[3]

 

 

Perante o exposto, é possível afirmar que o regime que decorre atualmente do artigo 23.º do Código do IRC norteia a dedutibilidade de gastos através de dois critérios: um de natureza formal, através do qual se exige que os gastos ou perdas tenham um suporte documental adequado, em conformidade com o disposto no n.º 3 do referido artigo; e outro de natureza material, nos termos do qual se exige que os gastos ou perdas tenham sido «incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC»
[cf. artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC].

A par das conclusões expendidas anteriormente, «só perante normas expressas e uma motivação intrínseca se poderá afastar a dedutibilidade de custos contabilísticos que preencham os requisitos legais do citado artigo 23.º do CIRC»[4] [nosso sublinhado]

Deste modo[5], a não dedutibilidade de um gasto para efeitos fiscais terá de «passar no teste da “motivação”», sendo que para efeitos de consideração da referida não dedutibilidade «tem de ser visível e identificável o interesse fiscal específico que se visa acautelar. Ora se esta exigência recai sobre o legislador, mais se justifica que na tarefa de aplicação do preceito ao facto concreto o julgador tenha presente que está a aplicar uma norma que constitui uma excepção à regra geral de identidade conceptual entre custos contabilísticos e custos fiscais.»

Neste sentido, cabe igualmente acolher o entendimento de acordo com o qual «Só respeitando estes requisitos e fazendo um uso restritivo da limitação à dedutibilidade dos custos para efeitos fiscais se respeitarão o princípio da tributação pelo lucro real e o princípio segundo o qual a conexão dos custos com a actividade do contribuinte justifica a respectiva dedutibilidade.»[6]

Desta forma, exposto o que se deve entender por gasto fiscal para efeitos de apuramento do lucro tributável, em sede de IRC, bem como das exigências que a aplicação do artigo 23.º-A do Código do IRC reclama em sede da própria construção e funcionamento do ordenamento jurídico-tributário, nomeadamente do respeito pelo princípio da tributação pelo rendimento real, importa analisar o caso concreto.

 

 

O art.º 23.º-A do Código do IRC tem funcionado como uma espécie de cláusula geral antiabuso invertida, na medida em que não se exige à Administração Tributária um concreto dever de fundamentação quanto à exclusão de dedutibilidade de um determinado gasto para efeitos de apuramento do lucro tributável, que de resto deve pautar toda a sua atuação.

Estão em causa os montantes referentes à aquisição de conteúdos de publicidade à E... (€267.856,08 em 2018 e €272.375,93 em 2019), os quais foram desconsiderados pelos SIT, para efeitos de apuramento do resultado tributável de 2018 e 2019, por não se mostrarem verificados os requisitos de dedutibilidade exigidos pelo n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC conforme fundamentos descritos no RIT. No que respeita aos gastos no montante de €111.111,11 relativos à amortização do Ativo Intangível relativo ao Licenciamento de uma Plataforma informática, com referência ao período de tributação de 2018.

Relativamente aos gastos com publicidade, não seria controvertida a suficiência e adequação do respetivo suporte documental, suscitando-se fundamentalmente a não relação de tais gastos com a obtenção de rendimento, atento o invocado nível de atividade da Requerente e ausência de massa salarial.

Pretendendo-se aferir da respetiva dedutibilidade, o mesmo é dizer que se se considera ou não que os referidos gastos foram incorridos no interesse da empresa e na prossecução da respetiva atividade.

Ora, da análise efetuada aos factos apresentados, e atentos os requisitos de aplicação do artigo 23.º do Código do IRC, não se revela possível o afastamento de que os mesmos foram incorridos no interesse da empresa, sendo manifesta a sua adequação atendendo à regular prossecução do objeto societário (e portante à atividade económica desenvolvida pela Requerente), não tendo ficado comprovada qualquer outra motivação.

No que respeita ao gasto com amortizações, questiona-se a aceitação do gasto pelo facto de o contrato de licenciamento ter caducado em 2017, sendo assim suscitadas dúvidas sobre a adenda contratual apresentada.

 

 

Atendendo à natureza da argumentação suscitada pela Requerida, entende este Tribunal, na senda do entendimento exposto na Decisão prolatada no Processo n.º 102/2020-T do CAAD, que «O artigo 23.º do CIRC não se reconduz a uma norma antiabuso, que pudesse ser utilizada em substituição do artigo 38.º, n.º 2, da LGT (…)» Na sequência da análise realizada ao caso, concluiu então o Tribunal, com o qual se concorda, que «Cada norma tem um conteúdo prescritivo diverso – e o art. 23.º do CIRC não funciona como uma norma anti abuso substitutiva daqueles outros preceitos.»

Pelo que, «Continuando na mesma linha de raciocínio do Acórdão 4/2/2020, emitido no processo 191/2019, deste Centro “O art. 23.º do CIRC limita o seu raio de ação à não dedução fiscal dos gastos assim contabilizados, mas que, quando contraídos (ou os investimentos efetuados) não se inserem no interesse económico da Sociedade, mas servem interesses extra societários, dos administradores ou de terceiros. Suponhamos que uma Sociedade suporta os juros de um financiamento por si contraído para efetuar um investimento apenas em benefício privado de um sócio ou administrador (e isso não é reconduzido a um rendimento em espécie da pessoa singular). Ou que se financia na banca para entregar essa quantia financeira a terceiro, sem qualquer contrapartida, fora do grupo ou fora do seu objeto social. Nesses casos, os juros que vier a suportar com esses fundos não são fiscalmente dedutíveis porque não foram (ab initio e para sempre) aplicados na exploração da Sociedade.”

Sobre o caso dos autos, não há convicção deste Tribunal de que as operações económicas subjacentes se reconduziram a esquemas abusivos para obtenção de ganho fiscal. Sendo este o entendimento da Requerida, a fundamentação deveria recair no artigo 38.º, n.º 2 da LGT e não no art.º 23.º do Código do IRC.

Não se atribui ao insucesso financeiro assinalado, bem como aos restantes apresentados, prova suficiente para desconsiderar os gastos efetivamente incorridos em publicidade ou com a plataforma para utilização nos serviços de informática.

Assume uma natureza subjetiva o entendimento da Requerida quando expressa que a Requerente já sabia, no momento do dispêndio do gasto, que não conseguiria revender os conteúdos adquiridos.

No que concerne ao documento apresentado para comprovação da vigência dos gastos associados à Plataforma, refere-se ainda o entendimento exposto na Decisão prolatada no Processo n.º 793/2021-T: “(…) Como ficou consignado nas Decisões arbitrais proferidas nos processos 510/2020-Te 534/2021-T,“(…) para efeitos de dedutibilidade de um custo entendia a doutrina e a jurisprudência que aquele requisito se demonstra através de documentos que comprovem os custos realizados, sendo que esses documentos podem consistir em meros documentos, faturas, recibos ou até uma nota interna da empresa, conquanto se revelem credíveis e consistentes. (…).” Tendo sido apresentado um documento contendo os termos contratuais da extensão de vigência temporal referente à utilização da plataforma, não se extraí da argumentação apresentada pela a AT elementos suficientes que provem que não se trata de um documento válido.

Conclui-se assim do exposto que procede o pedido de anulação das respetivas liquidações de IRC aqui identificadas, com referência aos períodos de tributação de 2018 e 2019 da Requerente.

 

  1. Juros indemnizatórios

A Requerente pede ainda a condenação da AT no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Nos termos do artigo 24.º, n.º 5 do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, implicando o pagamento de juros indemnizatórios nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

Julgando-se procedente o pedido principal, procede o pedido de juros indemnizatórios.

 

 

  1. DECISÃO

Termos em que se decide:

  1. Julgar procedente o pedido arbitral, com a consequente anulação dos atos de liquidação adicional n.º 2022..., relativo ao exercício de 2018, do qual resulta um prejuízo fiscal no montante de € 3.659,00, e n.º 2022..., relativo ao exercício de 2019, e respetivo ato de liquidação de juros compensatórios, dos quais resultou o valor a pagar de € 90.650,02;
  2. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios;
  3. Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 90.650,02, que a AT não questionou e corresponde ao valor da liquidação de imposto a que se pretendia obstar, para efeitos do disposto no art.º 3.º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

 

 

 

  1. CUSTAS

Custas a cargo pela Requerida, no montante de € 2.754,00, nos termos do art.º 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de janeiro de 2023

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins

 

A Árbitra vogal

 

Ana Rita Chacim (relatora)

 

O Árbitro vogal

 

Paulo Mendonça

 



[1]       Cfr. MOURA PORTUGAL, ANTÓNIO, in «A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa», Coimbra Editora, 2004, p. 116.

[2]     Cfr. MOURA PORTUGAL, ANTÓNIO, in «A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa», Coimbra Editora, 2004, p. 63.

[3]     Cfr. VÍTOR FAVEIRO, in «O Estatuto do Contribuinte: A Pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito», Coimbra, 2002, pp. 847-848.

[4]     Cfr. MOURA PORTUGAL, ob.Cit., p. 104.

[5]     Cfr. MOURA PORTUGAL, ob.Cit., p. 302.

[6]     Cfr. MOURA PORTUGAL, ob.Cit., p. 350.