Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 680/2014-T
Data da decisão: 2015-03-23  IUC  
Valor do pedido: € 145.063,00
Tema: IUC - Incidência subjetiva, presunções legais
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Decisão Arbitral[1]

 

Requerente – A

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O Árbitro Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 28 de Novembro de 2014, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

1.             RELATÓRIO

 

1.1.    A (doravante designado por “Requerente”), contribuinte nº …, não residente fiscal com morada de representação fiscal em Portugal na …, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral singular, no dia 15 de Setembro de 2014, ao abrigo do disposto no artigo 4º e n.º 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.    O Requerente pretende, no referido pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal Arbitral declare “(…) a ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação do Imposto Único de Circulação (IUC) e respectivos actos de indeferimento das reclamações graciosas”:

 

1.2.1.     “Nº ...94, nº ...98, nº ...90, nº ...95, nº ...99 e nº ...91, referentes aos anos de 2009 e 2010, veículos ...-...-...,...-...-... e ...-...-..., num valor total de EUR 283,77 (duzentos e oitenta e três euros e setenta e sete cêntimos e do acto de indeferimento da reclamação graciosa”;

1.2.2.     “Nº ...92, nº ...00, nº ...96, nº ...93, nº ...01 e nº ...97, referentes aos anos de 2011 e 2012, veículos ...-...-..., ...-...-... e ...-...-..., num valor total de EUR 273,18 (duzentos e setenta e três euros e dezoito cêntimos) e do acto de indeferimento da reclamação graciosa”;

1.2.3.     “Nº ...49 e nº ...52, referentes aos anos de 2013 e 2014, veículo ...-...-..., num valor total de EUR 66,06 (sessenta e seis euros e seis cêntimos)” e;

1.2.4.     “Nº ...31, referente ao ano de 2013, veículo ...-...-..., num valor total de EUR 827,62 (oitocentos e vinte sete euros e sessenta e dois cêntimos”.

 

1.3.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida em 16 de Setembro de 2014.

 

1.4.    O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.    Em 31 de Outubro de 2014, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.    Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 28 de Novembro de 2014, tendo sido proferido despacho arbitral em 4 de Dezembro de 2014, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.7.    Em 16 de Janeiro de 2015, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se (…) a Requerida do pedido”.

 

1.8.       Do despacho arbitral de 19 de Janeiro de 2015, no sentido de se pronunciarem, no prazo de cinco dias, sobre a eventual possibilidade de dispensa da realização da primeira reunião arbitral (nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18º do RJAT), foram ambas as Partes notificadas naquela data.

 

1.9.       A Requerida apresentou requerimento, em 20 de Janeiro de 2015, no sentido de “prescindir da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT (…) mas já não da realização de alegações escritas, dado existirem aspectos sobre os quais (…) se pretende pronunciar e que são relevantes para a boa decisão da causa (…)”.

 

1.10.   O Requerente nada veio dizer, nesta matéria, no prazo dado para o fazer.

 

 

1.11.   Nestes termos, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 2 de Fevereiro de 2015, foram notificados o Requerente e a Requerida para “por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, sendo que o prazo para a Requerida começaria a contar com a notificação da junção das alegações do Requerente”.

 

1.12.   Foi ainda designado, no despacho referido no ponto anterior, o dia 23 de Março de 2015 para efeitos de prolação da decisão arbitral e foi o Requerente advertido que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD” (o que veio a efectuar com data de 5 de Março de 2015).

 

1.13.   Requerente e Requerida não apresentaram alegações, apesar de atempadamente notificados para o fazer (vide ponto 1.9., supra).

 

1.14.   Em 17 de Março de 2015, o Requerente veio solicitar a junção ao processo de certidões de cancelamento de matrícula, datadas de 6 de Março de 2015, relativas aos veículos sobre os quais incidem as liquidações de IUC objecto do pedido, requerimento esse que foi aceite por despacho arbitral de 17 de Março de 2015[2].

 

2.             CAUSA DE PEDIR

 

O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

2.1.    Dos actos impugnados – Liquidações nº ...94, nº ...98, nº ...90, nº ...95, nº ...99 e nº ...91

 

2.2.    “No dia 24 de Fevereiro de 2014, o ora Requerente apresentou reclamação graciosa contra a (…) AT, (…), com o intuito de anular as liquidações de Imposto Único de Circulação (…) nº ...94, nº ...98,nº ...90, nº ...95, nº ...99 e nº ...91” emitidas pelo Serviço de Finanças … 1.

 

2.3.    O Requerente alega que “não foi notificado de qualquer dos actos de liquidação supra descritos, para dessa forma poder exercer o seu direito de defesa e audição prévia (…)”, “só tomando conhecimento das mesmas aquando das citações em sede de processo executivo (…), datadas de 27 e 29 de Janeiro de 2014”.

 

 

2.4.    Tais liquidações, no montante total de EUR 283,77, “(…) composto pelo imposto acrescido de juros”, “(…) eram relativas aos anos de 2009 e 2010 e referentes aos veículos de matrícula ...-...-..., ...-...-... e ...-...-..., em tempo pertencentes ao Requerente”.

 

2.5.     Ainda segundo o Requerente, “no dia 16 de Maio de 2014, foi (…) notificado por ofício nº 0033946, da Direção de Finanças de Lisboa, para querendo, exercer o seu direito de participação na decisão, na modalidade de audição prévia, relativamente ao projeto de decisão de reclamação graciosa”, “direito que exerceu (…) no dia 30 de Maio (…), deduzindo ali novos argumentos para justificar a sua tributação indevida em sede de IUC”.

 

2.6.    “No dia 19 de Junho de 2014 foi o Requerente notificado por ofício n° 041795, da Direção de Finanças de Lisboa, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº 0...60 por parte da AT”.

 

2.7.    Dos actos impugnados – Liquidações nº ...92, nº ...00, nº ...96, nº ...93, nº ...01 e nº ...97

 

2.8.       Alega o Requerente que “apresentou igualmente reclamação graciosa no dia 28 de Fevereiro de 2014, contra a AT, (…), relativa às liquidações de IUC nº 0...92, nº ...00, nº ...96, nº ...93, nº ...01, nº ...97, (…) com o intuito da sua anulação”.

 

2.9.       Tais liquidações, “no montante total de EUR 273,18 (…), composto pelo imposto acrescido de juros, respeitavam ao período de tributação compreendido entre 2011 e 2012 sendo (…) relativas aos veículos de matrícula ...-...-..., ...-...-... e
...-...-...
”.

 

2.10.   “Em 30 de Maio de 2014, foi o Requerente notificado por ofício nº … da Direção de Finanças de Lisboa, para exercer direito de audição prévia relativo ao projeto de decisão de reclamação graciosa”, “direito que exerceu (…) no dia 12 de Junho de 2014, deduzindo assim neste articulado novos argumentos para sustentar a tese da sua indevida tributação em sede de IUC”.

 

2.11.   “No dia 14 de Julho de 2014, foi o Requerente notificado por ofício nº … da Direção de Finanças de Lisboa, da decisão de indeferimento de reclamação graciosa nº …-14/…. por parte da AT”.

 

2.12.   Dos actos impugandos – Demonstração de liquidação nº 2013 ...03 e nº 2014 ...03, relativa às liquidações n° ...49 e nº ...52

 

 

2.13.   Neste âmbito, refere o Requerente que “no dia 2 de Junho de 2014, foi (…) notificado (…) de demonstração de liquidação de IUC relativa às liquidações nº ...49 e nº ...52, com data limite de pagamento a 17 de Junho de 2014”, as quais “(…) eram atinentes aos anos de 2013 e 2014, sendo relativas ao veículo de matrícula ...-...-..., em tempos pertença do Requerente” e “perfazendo a quantia total de EUR 66,06 (…) correspondente ao imposto acrescido de juros”.

 

2.14.   Nesta matéria, alega o Requerente que não foi “(…) notificado para apresentar audição prévia relativamente a tais liquidações (…)”.

 

2.15.   Dos actos impugnados – Demonstração de liquidação nº 2013 ...03, relativa à liquidação nº ...31

 

2.16.   No que diz respeito a esta nota liquidação de IUC, alega o Requerente que foi notificado, no dia 22 de Julho de 2014, da respectiva demonstração de liquidação de IUC, referente ao ano 2013 e respeitante à viatura matrícula ...-...-..., no montante de EUR 827,62 (imposto e juros), cuja data limite para pagamento era 11 de Agosto de 2014.

 

2.17.   No entanto, “a dia 9 de Maio de 2014, já havia o Requerente sido notificado (…) do projeto de acto de liquidação de IUC relativo a esse mesmo veículo nesse mesmo ano”, tendo “a dia 2 de Junho (…) apresentado audição prévia dirigida ao mesmo Serviço de Finanças, relativa à referida liquidação de IUC”, “expressando (…) a sua linha argumentativa, defendendo (…) que a sua tributação em sede de IUC foi despropositada”, mas “não tendo sido (…) os argumentos ali deduzidos pelo Requerente devidamente considerados”.

 

2.18.   Da cumulação de pedidos

 

2.19.   Neste âmbito, segundo o Requerente, “são cumulados (…) vários pedidos distintos relativos a diversas liquidações de lUC, com vista à anulação das mesmas” dado que “nos termos do artigo 3º, nº 1 do RJAT permite-se a cumulação de pedidos mesmo que relativos a diferentes actos, quando a procedência desses pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto bem como da mesma interpretação e aplicação de princípios ou regras de direito”, situação que, segundo o Requerente, “(…) está inteiramente verificada

 

2.20.   Dos factos

 

2.21.   “O ora Requerente procedeu à venda e exportação de todos os veículos (…) identificados para Angola no ano de 2009”, “deixando nesse momento de deter o direito de propriedade, bem como a posse, sobre os aludidos automóveis”.

 

2.22.   Prossegue o Requerente referindo que, “aquando do embarque dos referidos veículos para se proceder à sua expedição para Angola, aos mesmos já havia sido retirada a matrícula portuguesa”, “adquirindo posteriormente matrícula Angolana”.

2.23.   Assim, defende o Requerente que “apenas por mero lapso (…) não cancelou instantaneamente as matrículas dos referidos veículos”, “fazendo-o de forma imediata assim que reparou em tal falha”.

 

2.24.   Do Direito – Dos vícios dos actos impugnados – Caducidade das liquidações de 2009

 

2.25.   Neste âmbito, alega o Requerente que “não foi notificado das (…) liquidações nº ...94, nº ...98 e nº ...90 (…)” “apenas tomando conhecimento das mesmas aquando da sua citação em sede de processo de execução fiscal”.

 

2.26.   Nesta matéria, entende o Requerente que “como como decorreu já o prazo de caducidade do direito de liquidação em que a notificação tem de ser efetuada (…), terá de concluir-se que as presentes liquidações enfermam desse mesmo vício”.

 

2.27.   “Ora as liquidações datadas de 2009 caducariam (…) no ano de 2013, volvidos portanto 4 anos”, “pelo que a AT já nada poderia vir exigir do Requerente depois de extrapolado tal prazo”, sendo que “deve (…) o presente requerimento determinar a caducidade de tais liquidações, por falta de notificação destas ao Requerente”.

 

2.28.   Vício de Forma – Preterição de formalidades essenciais

 

2.29.   “Relativamente às liquidações nº ...49 e ...52, do conhecimento do Requerente através de demonstração de liquidação nº 2013 ...03 e 2014 ...03”, alega o Requerente que só delas teve “conhecimento aquando da citação em processo executivo”, não tendo as mesmas sido “antecedidas de notificação para audição prévia”, “o que obstou ao princípio da participação (…)”.

 

2.30.   “Comprometendo (…) a defesa do Requerente”.

 

2.31.   Em conformidade, alega o Requerente que “os referidos actos de liquidação são passíveis de anulação por preterição de formalidades essenciais (…)”.

2.32.   Por outro lado, vem o Requerente alegar que no caso do veículo matrícula ...-...-..., apesar de ter sido exercido o direito de audição relativo à liquidação nº ...31, respeitante ao ano 2013, “os factos enunciados (…) não foram (…) considerados (…) ou incorporados na fundamentação da decisão”.

 

2.33.   Vício de Forma – Falta de fundamentação dos actos tributários

 

2.34.   Segundo o Requerente, “os actos de liquidação não estão fundamentados tal como legalmente e exigido”, “pelo que também de acordo com este fundamento, devem os actos em questão ser anulados”.

 

 

2.35.   Vício de violação de Lei – Da ilisão da presunção de propriedade contida na norma de incidência subjectiva

 

2.36.   Segundo o Requerente, “apesar de constar como proprietário em termos registais, (…) poderá mediante prova em contrário afastar a presunção de incidência de imposto que sobre si recai”, concluindo assim que, não sendo, “nos períodos liquidados, o proprietário dos veículos objecto do imposto”, “(…) foi violada a norma de incidência de imposto (…)”.

 

2.37.   Vício de violação da Lei – Da violação do princípio da igualdade e capacidade contributiva

 

2.38.   Neste âmbito, defende o Requerente que “o imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”, sendo que “a ratio do IUC pauta-se pela oneração do contribuinte segundo os custos e impacto que a utilização do veículo fomentou”, pelo que, “com a tributação dos referidos veículos, o que sucedeu foi uma oneração do Requerente completamente desprovida de justificação, que a ser paga se traduziria num verdadeiro enriquecimento sem causa por parte da AT”.

 

2.39.   Assim, prossegue o Requerente, “o entendimento de que o proprietário registral é sempre o sujeito passivo do é claramente violador dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva”.

 

2.40.   Ora no caso, segundo o Requerente, “(…) não há correspondência alguma entre a prestação pecuniária, o objecto do imposto e a realidade fáctica”, pelo que “não existe (…) uma tributação conforme a capacidade contributiva do ora Requerente uma vez que os veículos tributados já não eram sua pertença nem (…) se encontravam em território nacional”.

 

2.41.   Concluindo o Requerente que “será (…) de acolher a consagração da presunção implícita contante da norma relativa à incidência subjectiva” e, “em razão disso, o Requerente nada deve, não sendo admissível a aplicação do IUC aos automóveis identificados (…)”.

 

2.42.   Vício de violação da Lei – Da violação do princípio da legalidade

 

2.43.   Neste âmbito entende o Requerente que “(…) no caso em análise (…) a cobrança do imposto foi feita com prejuízo de princípios constitucionais basilares na tributação dos contribuintes”, “existindo assim uma violação crassa do princípio da legalidade”.

 

 

2.44.   E termina requerendo “a declaração de ilegalidade e consequentemente anulação dos actos de liquidação de IUC”:

 

2.44.1.       “Nº ...94, ...98, ...90, ...95, ...99 e ...91, referentes aos anos de 2009 e 2010, veículos ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., num valor total de EUR 283,77€ (…)”;

2.44.2.       “Nº ...92, ...00, ...96, ...93, ...01 e ...97, referentes aos anos de 2011 e 2012, veículos ...-...-..., ...-...-...,
...-...-..., num valor total de EUR 273,18 (…)”;

2.44.3.       “N° ...49 e ...52, referentes aos anos de 2013 e 2014, veículo
...-...-..., num valor total de EUR 66,06 (…)”;

2.44.4.       “Nº ...31, referente ao ano de 2013, veículo ...-...-..., num valor total de EUR 827,62€ (…)”.

 

3.             RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida respondeu sustentando improcedência do pedido de pronúncia arbitral, “mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados (…)”, invocando os argumentos que a seguir se reproduzem.

 

POR IMPUGNAÇÃO

 

3.2.       Quanto à caducidade do direito à liquidação do imposto referente a 2009

 

3.3.       Neste âmbito, segunda a Requerida, “vem o Requerente alegar que as liquidações nº ...94, nº ...98 e nº ...90 (objeto da Reclamação Graciosa nº ...) se mostram ilegais, porquanto as mesmas nunca lhe foram notificadas até ao termo do prazo para o efeito (i.e., 2013-12-31), sendo certo que só tomou conhecimento das mesmas por via da sua citação em sede de processo de execução fiscal”.

 

3.4.       A Requerida não aceita o facto descrito no ponto anterior porquanto, segundo a Requerida, “todas as liquidações aqui em causa foram emitidas pela Requerida e todas notificadas ao Requerente em 2013”, nos seguintes termos:

 

3.4.1.           “No que respeita à liquidação nº ...94, a mesma foi emitida pela Requerida a 2013-10-12, expedida pela Requerida a 2013-10-14, sob o registo postal nº RY…PT e recebida pelo Requerente a
2013-10-16”;

3.4.2.           “No que respeita à liquidação nº ...98, a mesma foi emitida pela Requerida a 2013-10-12; expedida pela Requerida a 2013-10-14, sob o registo postal n.º RY…PT e recebida pelo Requerente a
2013-10-16”;

 

3.4.3.           “No que respeita à liquidação nº ...90, a mesma foi emitida pela Requerida a 2013-10-12, expedida pela Requerida a 2013-10-14, sob o registo postal n.º RY…PT e recebida pelo Requerente a
2013-10-16
”.

 

3.5.       Quanto à preterição do direito de audição prévia

 

3.6.       Nesta matéria, segundo a Requerida, “vem o Requerente alegar que as liquidações nº ...94, nº ...98, nº ...90, nº ...95, nº ...99, nº ...91 (todas objeto da Reclamação Graciosa nº ...60), nº ...49 e nº ...52 (ambas referentes à Demonstração de liquidação nº 2013-...03) se mostram ilegais, porquanto as mesmas não foram antecedidas do direito de audição prévia”.

 

3.7.       A Requerida não aceita o facto descrito no ponto anterior porquanto, segundo a Requerida, “todas as liquidações aqui em causa foram emitidas pela Requerida após (…) atribuição do direito de audição prévia ao Requerente”, nos seguintes termos:

 

3.7.1.           “No que respeita à liquidação nº ...94, a mesma foi antecedida de notificação para audição prévia por via do ofício nº GIC-…, expedida com o registo postal nº RY…PT e recebida pelo Requerente a de 2013-06-22”;

3.7.2.           “No que respeita à liquidação nº ...98, a mesma foi antecedida de notificação para audição prévia por via do ofício nº GIC-…, expedida com o registo postal nº RY…PT e recebida pelo Requerente a 2013-06-21”;

3.7.3.           “No que respeita à liquidação nº ...90, a mesma foi antecedida de notificação para audição prévia por via do ofício nº GIC-...0, expedida com o registo postal nº RY…PT e recebida pelo Requerente a 2013-06-20”;

3.7.4.           “No que respeita à liquidação nº ...95, a mesma foi antecedida de notificação para audição prévia por via do ofício nº GIC-...86, expedida com o registo postal nº RY…PT e recebida pelo Requerente a 2013-06-22”;

3.7.5.           “No que respeita à liquidação nº ...99, a mesma foi antecedida de notificação para audição prévia por via do ofício nº GIC-...73, expedida com o registo postal nº RY…PT e recebida pelo Requerente a 2013-06-22”;

3.7.6.           “No que respeita à liquidação nº ...91, a mesma foi antecedida de notificação para audição prévia por via do ofício nº GIC-...70, expedida com o registo postal nº RY…PT e recebida pelo Requerente a 2013-06-22”;

3.7.7.           “No que respeita à liquidação nº ...49, a mesma foi antecedida de notificação para audição prévia por via do ofício nº GIC-...2, expedida com o registo postal nº RY…PT e recebido pelo Requerente a 2014-03-10”;

3.7.8.           “No que respeita à liquidação nº ...52, a mesma foi antecedida de notificação para audição prévia por via do ofício nº GIC-...3, expedida com o registo postal nº RY…PT e recebido pelo Requerente a 2014-03-10.

 

3.8.       Quanto à falta de análise dos elementos suscitados em audição prévia

 

3.9.       Prossegue a Requerida, invocando que “em sede deste capítulo vem o Requerente alegar que as liquidações nº ...92, nº ...93, nº ...96, nº ...97, nº ...00, nº ...01 e nº …1 se mostram ilegais, porquanto a Requerida não considerou os argumentos aduzidos em sede do exercício do direito de audição prévia”.

 

3.10.   Na verdade, segundo a Requerida, “o Requerente não se deu ao trabalho (…) de concretizar minimamente quais os argumentos que supostamente não foram analisadas pela Requerida”, “o que, em boa verdade, se compreende, (…) se o Requerente não trouxe quaisquer novos elementos em sede de direito de audição prévia?

 

3.11.   Com efeito, e de acordo com a Resposta apresentada pela Requerida, “o Requerente não suscitou qualquer novos argumentos traduzidos na submissão de prova tendente a ilidir a (pretensa) presunção legal (a favor da Requerida) da propriedade automóvel coincidir com o proprietário registado”, pelo que, “(…) a Requerida não tinha de se pronunciar sobre eles”.

 

3.12.   Ou seja, na opinião da Requerida, “os direitos do Requerente não foram prejudicados com a pretensa não apreciação do direito de audição”.

 

3.13.   Quanto à falta de fundamentação

 

3.14.   Neste âmbito, escreve a Requerida que “vem o Requerente alegar que todas as liquidações se mostram ilegais, porquanto não se encontram fundamentadas, uma vez que se limitam a enunciar artigos e a informação apresentada, além de escassa, peca por ser telegráfica”, interrogando-se se “o Requerente continua a não perceber a posição da Requerida quanto a esta matéria depois de ter deduzido (…) reclamações contra 12 das 15 liquidações aqui em causa?

 

3.15.   Nesta matéria, segundo a Requerida, “cabe em primeiro lugar começar por salientar a natureza de processo de massa que representa a liquidação de IUC”, “(…) que inevitavelmente se repercute na forma das notificações, nomeadamente na consagração de uma fundamentação padronizada e informatizada, mas que ainda assim não deixa de observar o disposto no artigo 77º da Lei Geral Tributária nem coloca em causa as finalidades (…) do direito à fundamentação”.

 

 

3.16.   Em segundo lugar, continua a Requerida, “a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação (…) cabia ao Requerente solicitar a emissão da certidão prevista no artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)”.

 

3.17.   Questão bem diferente para a Requerida “é, em terceiro lugar, a circunstância do Requerente não querer conformar-se com os actos notificados, como claramente transparece do seu pedido de pronúncia arbitral”, não sendo “possível afirmar que determinado acto se encontra infundamentado quando, no caso concreto, a motivação contextual permitiu ao seu destinatário ficar a saber as razões de facto e de direito que levaram a Requerida a tomar as decisões em causa, com aquele sentido e conteúdo”.

 

3.18.   Quanto ao erro sobre os pressupostos

 

3.19.   Em sede deste capítulo, segundo a Requerida, “vem o Requerente alegar que todas as liquidações assentam em erro sobre os seus pressupostos, na medida em já não era o proprietário dos veículos automóveis aqui em causa nos momentos em que se venceu a obrigação de liquidação dos respetivos IUC, apesar do registo automóvel indicar o Requerente como proprietário daqueles”, entendimento com o qual a Requerida não concorda, porquanto, “incorre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adopção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o Código do IUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o Código do IUC”.

 

3.20.   Da incidência subjectiva do IUC

 

3.21.   A este respeito, alega a Requerida que “o primeiro equívoco subjacente à interpretação defendida pelo Requerente prende-se com uma enviesada leitura da letra da lei” (…) porquanto esta estabelece que “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares (…) em nome das quais os mesmos se encontrem registados”.

 

3.22.   Nestes termos, prossegue a Requerida que “é imperativo concluir que (…) o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como (…) proprietários (…), as pessoas em nome das quais os (…) os veículos se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal”, defendendo assim o afastamento da consagração de uma presunção por entender que isso “seria inequivocamente efectuar uma interpretação contra legem”.

 

 

3.23.   Assim, defende a Requerida que “em face desta redacção não é manifestamente possível invocar que se trata de uma presunção, conforme defende o Requerente (…) tratando-se, sim, de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção (…) foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel”.

 

3.24.   Da interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime

 

3.25.   Neste ponto, entende a Requerida que “da articulação entre o âmbito da incidência subjectiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorre inequivocamente que só as situações jurídicas objecto de registo (…) geram o nascimento da obrigação de imposto (…)” sendo que este se “considera exigível no primeiro dia do período de tributação (…)”.

 

3.26.   Ou seja, “o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação direta com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo”.

 

3.27.   Assim, “na falta de tal registo (…) será o proprietário notificado para cumprir a correspondente obrigação fiscal, pois a Requerida (…) não terá que proceder à liquidação do imposto com base em elementos que não constem de registos e documentos públicos e, como tal, autênticos (…) pelo que a não actualização do registo será imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC e não na do Estado Português, enquanto sujeito activo deste Imposto”.

 

3.28.   Da interpretação que ignora o elemento teleológico de interpretação da lei

 

3.29.   Neste sentido, alega a Requerida que, tendo em consideração o teor dos debates parlamentares em torno da aprovação do Decreto-Lei nº 20/2008, de 31 de Janeiro, “dos quais resulta inequivocamente que o IUC é devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos”, “(…) de molde a evitar os problemas (…) relacionados com o facto de existirem muitos veículos não registados em nome do real proprietário”.

 

3.30.   Na verdade, de acordo com a posição defendida pela Requerida, “o novo regime de tributação do IUC veio alterar de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando a ser sujeitos passivos do imposto os proprietários constantes do registo de propriedade (…)”.

 

3.31.   Assim, segundo a Requerida, “(…) resulta claro que os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei, na medida em que à luz do disposto” na legislação aplicável, “era o Requerente, na qualidade de proprietário, o sujeito passivo do IUC”.

 

 

3.32.   Dos documentos probatórios juntos com vista à elisão da presunção

 

3.33.   Nesta matéria, entende a Requerida que “á luz de tudo quanto se expôs e por força do disposto no artigo 3º, nº 1 e 2 do Código do IUC e do artigo 6º do mesmo código, era o Requerente, na qualidade de proprietário constante da Conservatória do Registo Automóvel, o sujeito passivo do IUC”.

 

3.34.   Neste âmbito, segundo a Requerida, “aceitando-se ser admissível a elisão da presunção (…) importará ainda assim, apreciar os factos e os documentos juntos pelo Requerente e o seu valor probatório com vista a tal elisão”, porquanto “não é pela mera exportação de um bem que o Requerente deixa de deter o direito de propriedade sobre o mesmo”, “não sendo por via de um simples contrato de prestação de serviços de transporte internacional (…) que o Requerente deixa de ser proprietário do veículo, sendo, pois, necessário um negócio jurídico posterior (…)”.

 

3.35.   Em segundo lugar, ainda segundo a Requerida, “não é mera retirada da chapa de matrícula portuguesa aquando do embarque que o Requerente também deixa de deter o direito de propriedade sobre o veículo (…)” pois “(…) a matrícula constitui apenas um elemento referente ao registo do veículo“(…) não sendo pelo facto de um veículo não dispor de matrícula que ele se torna desprovido de proprietário”.

 

3.36.   Por outro lado, para a Requerida, “o IUC não constitui um imposto sobre matrícula como sucede em alguns países, mas sim um imposto sobre o património”, sendo “a incidência objetiva do IUC a propriedade automóvel, isto significando que aquele imposto incide sobre os veículos matriculados ou registados em Portugal (…)”.

 

3.37.   “Ora, revelando, por um lado, o registo automóvel que o Requerente é o proprietário dos veículos e, por outro lado, não tendo o Requerente procedido ao cancelamento das matrículas, então forçoso é concluir que (…) ele é sujeito passivo de imposto”.

 

3.38.   Continua a Requerida, referindo na sua Resposta que “no que tange aos documentos, verifica-se que o Requerente instruiu o seu pedido de pronúncia arbitral com a junção dos documentos (…) referentes às (pretensas) exportações e vendas dos veículos e com os documentos (…) referentes aos pedidos de cancelamento das matrículas dos veículos”, levantando a Requerida a questão de saber se aqueles documentos constituirão “prova suficiente para abalar a (suposta) presunção legal estabelecida” na lei.

 

3.39.   A resposta à questão colocada no ponto anterior é, no entender da Requerida, “claramente que não, pelo que se impugnam os Documentos 19 a 27 juntos (…) para todos os efeitos legais” porquanto “as declarações para exportação e declarações de venda não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda (…)”, “(…) encontrando-se agora precludida a possibilidade de o fazer em momento ulterior”.

 

3.40.   Concluindo a Requerida que “o Requerente não logrou provar a pretensa transmissão dos veículos aqui em causa

 

3.41.   Quanto à violação dos princípios constitucionais da igualdade, capacidade contributiva e da legalidade

 

3.42.   Neste âmbito, entende a Requerida que “(…) não assiste qualquer razão ao Requerente (…)” porquanto “(…) o seu entendimento se mostra, ele próprio desconforme aos não menos constitucionais princípios da confiança, da segurança jurídica, da eficiência do sistema tributário e da proporcionalidade (…)”.

 

3.43.   Da interpretação desconforme à Constituição

 

3.44.   Neste âmbito, entende a Requerida que “a interpretação veiculada pelo Requerente se mostra contrária à Constituição, na medida em que tal interpretação traduz-se na violação do princípio da confiança, do princípio da segurança jurídica, do princípio da eficiência do sistema tributário e do princípio da proporcionalidade”.

 

3.45.   Do pagamento dos juros indemnizatórios e da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

3.46.   A este respeito, alega a Requerida que “o registo automóvel constitui a pedra angular de todo o edifício em que assenta o IUC”, sendo que “(…) a competência para o registo automóvel não se encontra na esfera da Requerida, mas sim a várias entidades exteriores (…) a quem cabe transmitir à Requerida as alterações que se venham a verificar quanto à propriedade dos veículos automóveis”.

 

3.47.   Por outro lado, continua a Requerida, “a transmissão da propriedade de veículos automóveis não é susceptível de ser controlada pela Requerida, pois inexiste qualquer obrigação acessória declarativa quanto a esta matéria (…)”, significando isto “que o IUC é liquidado de acordo com a informação registal oportunamente transmitida pelo Instituto de Registos e Notariado”.

 

3.48.   Em resumo, alega a Requerida que “o IUC não é liquidado de acordo com informação gerada pela própria Requerida (…)” pelo que “não tendo o Requerente cuidado da actualização do registo automóvel (…) e só tendo mandado cancelar as matrículas a 2014-02-28, ou seja, muito depois de notificado para exercer o direito de audição prévia e da notificação das liquidações (…), forçoso é concluir que o Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível”.

 

3.49.   “Logo, não foi a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim o próprio Requerente”, pelo que “consequentemente, deverá o Requerente ser condenado ao pagamento das custas arbitrais (…)”.

 

3.50.   Concluindo a Requerida que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido

 

4.             SANEADOR

 

4.1.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

4.2.       A cumulação de pedidos efectuada pelo Requerente, relativos a diferentes actos de liquidação de IUC é válida, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT, dado que a procedência desses pedidos depende da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

4.3.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.4.    O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente para proceder à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.

 

4.5.    Foi suscitada a excepção da caducidade do direito à liquidação do imposto relativo ao ano 2009, a qual será analisada no ponto seguinte (ponto 5. Matéria de Facto), dado estar relacionada com a documentação de prova da notificação das respectivas liquidações de IUC.

 

4.6.    Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.

 

4.7.    Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

 

5.             MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.       Dos factos provados

 

5.2.       O Requerente foi notificado das seguintes liquidações de IUC (conforme prova efectuada por cada um dos documentos abaixo indicados, anexados com o pedido:

 

#

LIQUIDAÇÃO

DATA

ANO

VIATURA

MONTANTE (EUR)

DOC.

IUC

JUROS

TOTAL

1.

...90

12-10-2013

2009

...-...-...

48,00

7,57

55,57

5

2.

...94

12-10-2013

2009

...-...-...

29,00

4,38

33,38

6

3.

...98

12-10-2013

2009

...-...-...

48,00

7,43

55,43

7

4.

...91

12-10-2013

2010

...-...-...

48,00

5,65

53,65

2

5.

...95

12-10-2013

2010

...-...-...

29,00

3,23

32,23

3

6.

...99

12-10-2013

2010

...-...-...

48,00

5,51

53,51

4

7.

...92

12-10-2013

2011

...-...-...
...-...-...
...-...-...

273,18

273,18

1

8.

...93

12-10-2013

2012

9.

...96

12-10-2013

2011

10.

...97

12-10-2013

2012

11.

...00

12-10-2013

2011

12.

...01

12-10-2013

2012

13.

…31

16-07-2014

2013

...-...-...

787,00

40,62

827,62

16

14.

...49

21-05-2014

2013

...-...-...

32,00

1,67

33,67

15

15.

...52

21-05-2014

2014

...-...-...

32,00

0,39

32,39

15

TOTAL

1.450,63

 
 

 

5.3.       O Requerente praticou e foi notificado das diligências documentadas pelos seguintes documentos juntos aos autos:

 

5.3.1.           Reclamação graciosa (processo nº ...60), apresentada em 24 de Fevereiro de 2014, relativa às liquidações de IUC nºs ...90, ...91, ...94, ...95, ...98 e ...99, relativas aos anos de 2009 e 2010 e respeitantes aos veículos automóveis ...-...-..., ...-...-... e ...-...-... (documento nº 1 do pedido);

5.3.2.           Ofício nº …6 da Direção de Finanças (DF) de Lisboa, de 15 de Maio de 2014, relativo à notificação do Requerente quanto à possibilidade de exercer o direito de participação na decisão da reclamação graciosa identificada no ponto anterior, na modalidade de audição prévia, conforme despacho de 14 de Maio de 2014 (documento nº 8 do pedido);

5.3.3.           Audição prévia por escrito, em 19 de Junho de 2014, relativa ao projecto de indeferimento da reclamação graciosa acima identificada no ponto 5.3.1. (documento nº 9 do pedido);

 

5.3.4.           Ofício nº …5 da DF de Lisboa, de 18 de Junho de 2014, no sentido de o Requerente ser notificado da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa acima identificada no ponto 5.3.1., conforme despacho de 16 de Junho de 2014 (documento nº 10 do pedido).

5.3.5.           Reclamação graciosa (processo nº …-14/…), apresentada em 28 de Fevereiro de 2014, relativa às liquidações de IUC nºs ...92, ...93, ...96, ...97, ...00 e ...01, relativas aos anos de 2011 e 2012 e respeitantes aos veículos automóveis ...-...-..., ...-...-... e ...-...-... (documento nº 12 do pedido por ausência de junção de cópia do documento nº 11 do pedido);

5.3.6.           Ofício nº …03 da DF de Lisboa, de 30 de Maio de 2014, relativo à notificação do Requerente quanto à possibilidade de exercer o direito de audição respeitante ao projecto de indeferimento da reclamação graciosa identificada no ponto anterior, conforme despacho de 27 de Maio de 2014 (documento nº 12 do pedido);

5.3.7.           Audição prévia por escrito, em 12 de Junho de 2014, relativa ao projecto de indeferimento da reclamação graciosa acima identificada no ponto 5.3.5. (documento nº 13 do pedido);

5.3.8.           Ofício nº …43 da DF de Lisboa, de 3 de Julho de 2014, no sentido de o Requerente ser notificado da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa acima identificada no ponto 5.3.5., conforme despacho de 27 de Junho de 2014 (documento nº 14 do pedido);

5.3.9.           Notificação pelo Serviço de Finanças da … 1, em 9 de Maio de 2014, para audição prévia no âmbito da liquidação oficiosa de IUC relativa ao ano de 2013 da viatura ...-...-... (documento nº 17 do pedido);

5.3.10.       Audição prévia por escrito, em 2 de Junho de 2014, relativa à liquidação oficiosa de IUC referida no ponto anterior (documento nº 18 do pedido);

5.3.11.       Apresentação de Certidões emitidas pela Alfândega Marítima de Lisboa, datadas de 27 de Fevereiro de 2014, com o seguinte teor (documento nº 19, 20, 21 e 22):

q   “Certifica que as viaturas matrícula ...-...-... e ...-...-..., foram declaradas para exportação na Alfândega Marítima de Lisboa, através do DAU de Exportação nº 2009PT0000… de 2009-09-09 (…) e que a fotocópia solicitada de destina a confirmar a exportação da referida viatura, para cancelamento de matrícula”;

q   “Certifica que as viaturas matrícula ...-...-... e ...-...-..., foram declaradas para exportação na Alfândega Marítima de Lisboa, através do DAU de Exportação nº 2009PT0000… de
2009-09-04 (…) e que a fotocópia solicitada de destina a confirmar a exportação da referida viatura, para cancelamento de matrícula”;

q   Certifica que a viatura matrícula ...-...-... foi declarada para exportação na Alfândega Marítima de Lisboa, através do DAU de Exportação nº 2009PT0000… de 2009-09-02 (…) e que a fotocópia solicitada de destina a confirmar a exportação da referida viatura, para cancelamento de matrícula”.

 

5.3.12.       Apresentação de Certidões[3] emitidas Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (IMT), datadas de 6 de Março de 2015, com o seguinte teor:

q   “Certifica (…) que do registo informático consta que o veículo
...-...-... encontra-se cancelada desde 12 de Setembro de 2009
” (documento nº 2 do requerimento entregue pelo Requerente em 17 de Março de 2015);

q   “Certifica (…) que do registo informático consta que o veículo
...-...-... encontra-se cancelada desde 12 de Setembro de 2009
” (documento nº 3 do requerimento acima identificado);

q   “Certifica (…) que do registo informático consta que o veículo
...-...-... encontra-se cancelada desde 21 de Setembro de 2009
” (documento nº 4 do requerimento acima identificado);

q   “Certifica (…) que do registo informático consta que o veículo
...-...-... encontra-se cancelada desde 21 de Setembro de 2009
” (documento nº 5 do requerimento acima identificado);

q   “Certifica (…) que do registo informático consta que o veículo
...-...-... encontra-se cancelada desde 12 de Setembro de 2009
” (documento nº 6 do requerimento acima identificado).

5.3.13.       Notificação da liquidação nº ...94, emitida a 12 de Outubro de 2013, expedida a 14 de Outubro de 2013 sob o registo postal nº RY…PT e recebida pelo Requerente a 16 de Outubro de 2013 (documentos nº 10 e 11 da resposta)[4];

5.3.14.       Notificação da liquidação nº ...98, emitida a 12 de Outubro de 2013, expedida a 14 de Outubro de 2013 sob o registo postal nº RY…PT e recebida pelo Requerente a 16 de Outubro de 2013 (documentos nº 12 e 13 da resposta)[5];

5.3.15.       Notificação da liquidação nº ...90, emitida a 12 de Outubro de 2013, expedida a 14 de Outubro de 2013 sob o registo postal nº RY…PT e recebida pelo Requerente a 16 de Outubro de 2013 (documentos nº 14 e 15 da resposta)[6];

5.3.16.       Notificação para audição prévia relativa à liquidação nº ...49, através do ofício nº GIC-...2, expedido com o registo postal nº RY…PT e recebido pelo Requerente a 10 de Março de 2014 (documentos nº 7 e 8 da resposta)[7];

5.3.17.       Notificação para audição prévia relativa à liquidação nº ...52, através do ofício nº GIC-...3, expedido com o registo postal nº RY…PT e recebido pelo Requerente a 10 de Março de 2014 (documentos nº 8 e 9 da resposta)[8].

 

5.4.       Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito dos pedidos.

 

5.5.       Dos factos não provados

 

5.6.       Consideram-se como não provados os seguintes factos, com relevância para a decisão, com base na falta ou insuficiência da prova documental junta aos autos:

 

5.6.1.     Notificação para audição prévia relativa à liquidação nº ...94, através do ofício nº GIC-...85, alegadamente expedido com o registo postal nº RY602107947PT e alegadamente recebido pelo Requerente a 22 de Junho de 2013 (documento nº 1 da resposta)[9];

5.6.2.     Notificação para audição prévia relativa à liquidação nº ...98, através do ofício nº GIC-...37, alegadamente expedido com o registo postal nº RY…PT e alegadamente recebido pelo Requerente a 21 de Junho de 2013 (documento nº 2 da resposta)[10];

5.6.3.     Notificação para audição prévia relativa à liquidação nº ...90, através do ofício nº GIC-...0, alegadamente expedido com o registo postal nº RY…PT e alegadamente recebido pelo Requerente a 20 de Junho de 2013 (documento nº 3 da resposta)[11];

5.6.4.     Notificação para audição prévia relativa à liquidação nº ...95, através do ofício nº GIC-...86, alegadamente expedido com o registo postal nº RY…PT e alegadamente recebido pelo Requerente a 22 de Junho de 2013 (documento nº 4 da resposta)[12];

5.6.5.     Notificação para audição prévia relativa à liquidação nº ...99, através do ofício nº GIC-...73, alegadamente expedido com o registo postal nº RY…PT e alegadamente recebido pelo Requerente a 22 de Junho de 2013 (documento nº 5 da resposta)[13];

5.6.6.     Notificação para audição prévia relativa à liquidação nº ...91, através do ofício nº GIC-...70, alegadamente expedido com o registo postal nº RY…PT e alegadamente recebido pelo Requerente a 22 de Junho de 2013 (documento nº 6 da resposta)[14].

 

6.       FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

6.1.    A questão subjacente ao presente pedido de pronúncia arbitral será a da verificação da legalidade das liquidações de IUC notificadas ao Requerente.

 

6.2.    No pedido de pronúncia arbitral o Requerente invoca a circunstância de, à data a que se reportam os factos tributários que as originaram, não ser já o proprietário dos veículos e, consequentemente, não assumir a qualidade do sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado.

 

6.3.    Da caducidade do direito à liquidação do IUC referente a 2009

 

6.4.    Preliminarmente, e quanto à questão da caducidade do direito à liquidação do IUC referente a 2009, suscitada pelo Requerente, remete-se aqui para o ponto 5 (Matéria de Facto) desta decisão, no qual se deu como provada a notificação atempada das liquidações relativas ao ano 2009 (nº ...94, nº ...98 e nº ...90) (vide pontos 5.3.13. a 5.3.15) e, por isso, ficando prejudicada esta questão.

6.5.    Da preterição de formalidades essenciais

 

6.6.    Por outro lado, e no que diz respeito à questão da preterição da notificação para audição prévia relativa às liquidações de 2009 e 2010 (nº ...94, nº ...98, nº ...90, nº ...95, nº ...99, nº ...91), 2013 (nº ...49) e 2014 (nº ...52), suscitada pelo Requerente, remete-se também aqui para o ponto 5 (Matéria de Facto) desta decisão, no qual se deram:

 

6.6.1.     Como provadas as notificações, para audição prévia, relativas às liquidações nº ...49 (2013) e nº ...52 (2014), conforme pontos 5.3.16. e 5.3.17., supra, ficando prejudicada esta questão para estas duas liquidações;

6.6.2.     Como não provadas as notificações, para audição prévia, relativas às liquidações de 2009 e 2010 objecto do pedido, conforme ponto 5.6.1. a 5.6.6., supra.

Neste âmbito, refira-se que a preterição da formalidade de participação do Requerente na formação das decisões relativas às liquidações de IUC acima referidas [que seria possível através do direito de audição antes da liquidação, nos termos do disposto no artigo 267º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 60º da Lei Geral Tributária (LGT)], só pode ser considerada não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente.

            Contudo, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a sublinhar que a preterição do dever de audição, pode, em certos casos, degradar-se em formalidade não essencial e, portanto, ser omitida sem que daí resulte qualquer ilegalidade determinante da anulação do acto, não se justificando tal anulação nos casos “em que se apure no processo contencioso que, se ela tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem deixou de pronunciar-se sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final, ou acabou por ter oportunidade de pronunciar-se, em procedimento de segundo grau (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau”.[15]

Não obstante, como se consignou no acórdão do STA de 10 de Novembro de 2010 (rec. 671/10), e se reiterou no Acórdão de 11 de Maio de 2011 (rec. n.º 833/10), este último também referido pelo Requerente no seu pedido “a preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode considerar-se não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente”.

 

Ora, dado que no caso em análise, o Requerente apresentou reclamação graciosa (nº ...60), em 24 de Fevereiro de 2014, relativamente às liquidações nº ...90, …91, ...94, ...95, ...98 e ...99 (2009 e 2010), ou seja, teve oportunidade de se pronunciar em procedimento de segundo grau e nela não apresentou elementos novos, considera-se que a preterição da formalidade prevista no artigo 60º da LGT não determina, no caso em análise, a anulação das referidas liquidações[16].

 

6.7.    Da falta de fundamentação dos actos tributários

 

6.8.    No que diz respeito à alegada falta de fundamentação verificada em todas as liquidações efectuadas ao Requerente, importa referir que, de acordo com o disposto no artigo 36º, nº 2 do CPPT, “as notificações dos actos em matéria tributária conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências”.

 

6.9.    Na situação em que “a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento”, nos termos do disposto no artigo 37º, nº 1 do CPPT, sob pena de “o vício do acto de notificação ficar sanado ou, pelo menos deixar de ser relevante para afastar os efeitos normais da notificação (…)” (sublinhado nosso).[17]

 

6.10.  Ora, no caso em análise, e mesmo que se admita que as notas de liquidação não apresentavam toda a fundamentação necessária, o Requerente não utilizou a faculdade prevista no ponto anterior, tendo apresentado reclamações graciosas relativamente às referidas liquidações mas sem que em qualquer caso tivesse alegado este vício de falta de fundamentação.

 

6.11.  Nestes termos, concluiu-se que, a ter existido tal vício, o mesmo foi sanado nos termos do acima exposto no ponto 6.9., não tendo causado qualquer prejuízo ao Requerente, em matéria de procedimento tributário, não se vislumbrando qualquer razão para proceder, com este fundamento, à anulação das referidas liquidações.

 

 

6.12.  Da incidência subjectiva do IUC

 

6.13.  Nestes termos, serão as seguintes as questões a decidir:

 

6.13.1.   O artigo 3º do Código do IUC consagra ou não uma presunção ilidível quanto aos proprietários dos veículos automóveis, enquanto sujeitos passivos de imposto, de modo a afastar a presunção de que são considerados como tais as pessoas singulares em nome das quais os mesmos se encontrem registados?

6.13.2.   O Requerente conseguir demonstrar em matéria de procedimento arbitral que não era, à data das liquidações de IUC objecto deste processo, o proprietário das viaturas ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., …-…-… e
...-...-..., logrando ilidir a presunção?

6.13.3.   As liquidações de IUC efectuadas pela Requerida enfermam de ilegalidade, face ao disposto na legislação aplicável?

 

6.14.  Neste âmbito, considera o Requerente não ser o sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado, porquanto de acordo com o disposto no artigo 3º, nº 1, do Código do IUC, aí está consagrada uma presunção ilidível, ou seja, que admite prova em contrário, nomeadamente, através da demonstração de que os veículos matrícula ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-... e ...-...-... foram transmitidos a terceiros e expedidos para Angola em 2009 e, por isso, o IUC relativo aos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014 não lhe poderia ser exigível (sublinhado nosso).

 

6.15.  Em sentido contrário, a Requerida considerou que o disposto no artigo 3º, nº1, do Código do IUC, não comporta qualquer presunção legal e que, pelo contrário, estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como proprietários as pessoas em nome das quais os veículos estão registados.

 

6.16.  Ora, sendo esta a questão principal a decidir nos presentes autos, será necessário determinar a incidência subjectiva do IUC, de acordo com o disposto no respectivo Código e assumir uma posição sobre a referida norma de incidência subjectiva de modo a aferir se a mesma estabelece ou não uma presunção legal.

 

6.16.  Nesta contenda, se a referida presunção estiver aí consagrada, há que verificar se a mesma é susceptível de ser ilidida (conforme defende o Requerente) ou se, pelo contrário, se consagra de forma expressa e inilidível, que as pessoas em nome das quais os veículos estão registados são os proprietários, para efeitos de incidência subjectiva do IUC (conforme defende a Requerida).

 

6.17.  Com vista à apreciação desta matéria, deverá ter-se presente que os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com ou sem registo.

 

6.18.  Neste âmbito, são três os artigos do Código Civil que importa ter em consideração a propósito da aquisição da propriedade de um veículo automóvel, a saber:

 

6.18.1.   Artigo 874.º, que estabelece a noção de contrato de compra e venda, como sendo “(…) o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”;

6.18.2.   Artigo 879º, alínea a), nos termos da qual se prevê como como efeitos essenciais do contrato de compra e venda “a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito”;

6.18.3.   Artigo 408º, nº 1, que estabelece que “a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada se dá por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei”.

 

6.19.  Estamos, assim, no domínio dos contratos com eficácia real, o que significa que a sua celebração provoca a transmissão de direitos reais, o que no caso dos veículos automóveis, é determinada por mero efeito do contrato, como decorre expressamente da norma anteriormente mencionada.

 

6.20.  No âmbito dos contratos com eficácia real, cite-se Pires de Lima e Antunes Varela, em anotações ao artigo 408º do Código Civil, quando defendem que “(…) os contratos ditos reais por terem como efeito imediato a constituição, modificação ou extinção dum direito real (…) se distinguem-se dos chamados contratos reais, que exigem a entrega da coisa como elemento da sua formação”.[18]

 

6.21.  Estamos, assim, perante contratos em que a propriedade da coisa vendida se transfere, sem mais, do vendedor para o comprador, tendo, como causa, o próprio contrato.

 

6.22.  Também a jurisprudência têm defendido, face ao disposto no artigo 408º, nº 1 do Código Civil que "a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada se dá por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei".[19]

 

6.23.  Neste caso estará o contrato de compra e venda de veículo automóvel [vide artigo 874° e 879º alínea a) do Código Civil], o qual não depende de qualquer formalidade especial, sendo válido mesmo quando celebrado por forma verbal.[20]

 

6.24.  Tendo o contrato de compra e venda, face ao acima referido, natureza real, com as mencionadas consequências, haverá também que considerar o valor jurídico do registo automóvel (objecto desse contrato), na medida em que a transação do referido bem está sujeita a registo público.

 

6.25.  Com efeito, o artigo 1º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, considera que quanto ao registo de veículos aquele “tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor (…), tendo em vista a segurança do comércio jurídico”, sendo que, de acordo com o Código do Registo Predial (aplicável ex vi artigo 29º do RJAT “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo define”.

 

6.26.  Assim, parece, pois, segura a conclusão de que o registo definitivo é uma presunção ilidível da existência do direito, que pode ser afastada, ou seja, que admite prova em contrário.

 

6.27.  Não obstante, refira-se que, no Código do IUC não existe qualquer disposição que exija o registo, enquanto condição de validade dos contratos.

 

6.28.  Todavia, e antes de passar a interpretar o disposto no artigo 3º, nº 1, do Código do IUC, é relevante ter presente o disposto no artigo 11º da LGT, na medida em que as normas tributárias devem ser interpretadas de acordo com os princípios gerais de interpretação e, bem assim, o disposto no artigo 9º do Código Civil que estabelece as regras e elementos para a interpretação das normas.

 

6.29.  Com efeito, para que possamos concluir se o artigo 3º, nº 1, do Código do IUC consagra (i) uma presunção ilidível de quem deve ser considerado sujeito passivo do imposto com base no Registo Automóvel ou se (ii) o Legislador pretendeu expressa e intencionalmente determinar, com base no Registo Automóvel, quem deve ser considerado o sujeito passivo do IUC, é fundamental em primeiro lugar atentar na letra da Lei.

 

6.30.  Nestes termos, de acordo com o disposto no artigo 3º, nº 1, do Código do IUC, na redação dada pela Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho (diploma que aprova o Código deste imposto), “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados” (sublinhado nosso).

 

6.31.  Ora, de acordo com o elemento literal da norma referida, a problemática centra-se na expressão “considerando-se como tais” utilizada pelo legislador.

 

8.32.  De facto, a letra da Lei não refere a expressão “presumindo-se”, conforme constava nos diplomas antecedentes ao presente Código, sendo assim questionável se a natureza de presunção continua ou não a estar presente na norma em análise.

 

 

6.33.  Neste sentido, e a título de exemplo, verifica-se, que no artigo 243º, nº 3, do Código Civil e nos artigos 45º, nº 6, e 89º-A, nº 4, da LGT, também é utilizada a expressão “considera-se” e, no entanto, estamos perante presunções legais pelo que, de acordo com as normas gerais de interpretação, se considera que está assegurado o mínimo de correspondência verbal, para efeitos da determinação do pensamento legislativo que se encontra objectivado na norma em apreço – elemento literal.[21]

 

6.34.  Assim, e ainda no âmbito dos elementos da interpretação de acordo com o artigo 9º do Código Civil, importa atender também ao elemento histórico.

 

6.35.  Ora, o legislador, na definição da incidência subjectiva do Imposto Municipal sobre Veículos (IMV), do Imposto de Circulação (ICI) e do Imposto de Camionagem (ICA), impostos abolidos pelo IUC, estabelecia que "o imposto é devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas em nome de quem os mesmos se encontrem matriculados ou registados" (sublinhado nosso).

 

6.36.  Nestes termos, quanto a este elemento de interpretação fica demonstrado que os antecedentes do Código do IUC consagraram uma presunção de que são sujeitos passivos do imposto os proprietários registados na Conservatória do Registo Automóvel.

 

6.37.  No que diz respeito ao IUC, não obstante continuar a atribuir aos proprietários dos veículos a qualidade de sujeitos passivos, o legislador optou por utilizar uma formulação diversa da norma de incidência, abandonando a expressão
"(…) presumindo- se como tais, (…)” em favor da expressão "(…) considerando-se como tais (…)".

 

6.38.  Em consequência, fica claro que o entendimento subjacente naquele artigo do Código do IUC prevê uma presunção ilidível, relativamente à qual a questão semântica em nada altera o sentido interpretativo da norma.[22][23]

 

 

6.39.  Assim, e citando o entendimento perfilhado em anteriores decisões[24] sobre a mesma matéria, entendemos que deve ser concluído que, de facto, o artigo 3º, nº 1, do Código do IUC consagra uma presunção, pois não é a substituição da expressão “presumindo-se” pela expressão “considerando-se” que faz com que esta norma deixe de consagrar uma presunção.

 

6.40.  Na verdade, entendemos que se está perante uma mera questão semântica, que não altera minimamente o conteúdo da norma em questão, por duas ordens de razões:

 

6.40.1.   Para que se esteja perante uma presunção legal, é necessário que a norma que a estabelece se adapte ao respectivo conceito legal, vertido no artigo 349º do Código Civil, sendo para tal irrelevante que a mesma seja explícita, revelada pela utilização da expressão "presumem-se" ou apenas implícita.[25] [26]

6.40.2.   Por outro lado, a liberdade de conformação do legislador está limitada por princípios fundamentais consagrados na CRP, nomeadamente, o princípio igualdade, cuja relevância é pertinente no caso em análise.

 

6.41.  Com efeito, no plano tributário, o princípio da igualdade traduz-se na generalidade e abstracção da norma que cria os elementos essenciais do tributo, de acordo com a capacidade contributiva de cada um.

 

6.42.  Neste âmbito, “a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto, previstas na lei com o correspondente objecto do mesmo".[27]

 

6.43.  Assim, é no sentido do conceito legal de presunção e no respeito dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva que o legislador atribui plena eficácia à presunção derivada do registo automóvel acolhendo-a, como tal, na definição da incidência subjectiva deste tributo, estabelecida no nº 1 do artigo 3º do Código do IUC (sublinhado nosso).

 

6.44.  Com efeito, no que respeita à importância do registo automóvel, importa referir que o registo permite publicitar a situação jurídica dos bens e, bem assim, presumir que existe o direito sobre esses e que o mesmo pertence ao titular, conforme consta do registo.

 

6.45.  Com isto, podemos considerar que o registo não tem natureza constitutiva do direito, mas sim, natureza declarativa, pelo que se conclui que o registo não constitui condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.

 

6.46.  A propriedade é assim adquirida mediante a celebração de contrato de compra e venda, de acordo com o disposto no artigo 879º, alínea a), do Código Civil, nos termos do qual se prevê que um dos efeitos deste contrato assenta na transmissão da coisa ou da titularidade do direito.

 

6.47.  Por fim, no que se refere ao elemento racional e teleológico, importa fazer notar que o IUC tem subjacente o princípio da equivalência consagrado no artigo 1º, do respectivo Código.

 

6.48.  Este princípio veio corporizar as preocupações ambientais deste imposto ao estabelecer que o imposto deve onerar os contribuintes pelos custos ambientais e viários provocados pela circulação automóvel, ou seja, quem polui tem de pagar (princípio que também subjaz ao artigo 66º, nº 2, alínea h) da CRP e ao Direito Comunitário[28]).

 

6.49.  O que se pretende alcançar através da consagração do referido princípio é a possibilidade de internalizar as externalidades ambientais negativas, o que mais não significa do que fazer com que os prejuízos que advêm para a comunidade decorrentes da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários-utilizadores, como custos que só eles deverão suportar.

 

6.50.  Sendo conhecida a dimensão dos danos ambientais causados pelos veículos automóveis, fazendo sentir-se aos mais variados níveis, a lógica e coerência do sistema de tributação automóvel, em geral, e do regime inscrito no Código do IUC em particular, apontam no sentido de que quem polui deve pagar, associando assim, o imposto aos danos ambientalmente causados.

 

6.51.  Esta imputação do encargo fiscal aos sujeitos que, só aparentemente e em princípio, estão nessas condições, enquanto proprietários formais dos veículos, ou seja, enquanto pessoas que constam do registo, antes postula o conhecimento dos efectivos proprietários (que poderão ser os que constam do registo), dado serem estes que, enquanto reais poluidores ou, pelo menos, potenciais poluidores, devem sofrer o respectivo imposto.

 

6.52.  Tratam-se, pois, de preocupações com assinalável importância, na economia do IUC, e que não se poderão deixar de, coerentemente, ter em conta na interpretação do artigo 3º, relativo à incidência subjectiva daquele imposto.

 

6.53.  Assim, correspondendo a tributação dos reais poluidores a um importante fim visado pela lei, no caso pelo IUC, o qual, segundo Francesco Ferrara [29], deve estar sempre diante dos olhos do jurista, dado que “(…) a interpretação jurídica é de sua natureza essencialmente teleológica”, e à luz dos elementos de carácter racional e teleológicos  de interpretação, se impõe concluir que o nº 1 do artigo 3º do Código do IUC consagra uma presunção ilidível.

 

6.54.  Nestes termos, importa salientar que os referidos elementos de interpretação, sejam os relacionados com a interpretação literal, sejam os respeitantes aos elementos lógicos de interpretação, de natureza histórica ou de ordem racional, apontam, todos eles, no sentido de que a expressão “considerando-se como tais” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se como tais”, devendo, assim, entender-se que o disposto no nº 1 do art.º 3º do CIUC consagra uma presunção legal.

 

6.55.  Ora, de acordo com o disposto no artigo 349º do Código Civil, presunções são as ilações que a lei, ou o julgador, tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.

 

6.56.  Deste modo, as presunções constituem meios de prova, tendo esta por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341º do Código Civil), pelo que quem tem a seu favor a presunção legal fica dispensado de fazer prova do facto a que ela conduz (artigo 350º, nº1, do Código Civil).

 

6.57.  Todavia, as presunções, salvo nos casos em que a lei o proibir, podem ser ilididas, mediante prova em contrário (artigo 350º, nº 2, do Código Civil).

 

6.58.  Tratando-se de presunções de incidência tributária, estas são sempre ilidíveis, conforme expressamente previsto no artigo 73º da LGT.

 

6.59.  Na verdade, estas presunções de incidência tributária podem ser ilididas[30] através do procedimento contraditório próprio previsto no artigo 64º do CPPT ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial dos actos tributários que nelas se baseiem.

 

6.60.  Concluindo-se que o artigo 3º, nº 1, do Código do IUC consagra uma presunção ilidível, cumpre ainda analisar se esta presunção foi efectivamente ilidida por parte do Requerente, conforme resulta do disposto no artigo 73º da LGT.

 

 

6.61.  Assim, em geral, deve a pessoa que está inscrita no registo como proprietária do veículo e que, nesse sentido, é considerada pela Autoridade Tributária como sendo o sujeito passivo de IUC, demonstrar mediante elementos de prova disponíveis que não é o real proprietário do veículo e, bem assim, que a propriedade foi transferida para outrem.

 

6.62.  Ora, no caso em apreço, o Requerente juntou com o pedido de pronúncia arbitral (para efeitos de prova de que já não era o legítimo proprietário, à data das liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral, das viaturas matrícula ...-...-...,
...-...-..., ...-...-..., ...-...-... e ...-...-...):

 

6.62.1.   Cópia de 3 certidões emitidas pela Alfândega Marítima de Lisboa, na qual se referia que aquelas viaturas “foram declaradas para exportação (…)” através do respectivo DAU de Exportação, “do qual faz extrair fotocópia (…) conforme o original”;

6.62.2.   Cópia dos respectivos modelo 9-IMT, preenchidos mas sem evidência de carimbo do IMTT, alegadamente entregues junto das autoridades competentes a 26 de Fevereiro de 2014, no sentido de solicitar o cancelamento das matrículas acima referidas.

 

6.63.  Em momento posterior (17 de Março de 2015), o Requerente veio anexar ao processo cópia de certidões emitidas pelo IMT, datadas de 6 de Março de 2015, relativas ao cancelamento efectivo das matrículas ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-... e ...-...-..., com efeitos desde 21 de Setembro de 2009 para as duas primeiras e desde 12 de Setembro de 2009, para a três restantes.

 

6.64.  Da análise de todos os documentos apresentados pelo Requerente, se por um lado, não pode comprovar-se a transmissão da propriedade dos referidos veículos para terceiros, porquanto não foram juntos ao processo documentos que provem essa transmissão [nomeadamente, cópia do(s) contrato(s) de compra e venda (se formalizado(s) por escrito), cópia do documento comprovativo de pagamento do preço (cheque ou comprovativo de transferência do montante que recebeu pela venda de cada viatura), cópia do recibo de quitação da dívida (valor da venda)], pode contudo concluir-se que houve, em 2009, em consequência do envio das viaturas para Angola (vide certidões da Alfândega Marítima de Lisboa e respectivos D.A.U), um facto que determinou o cancelamento das matrículas referidas no ponto anterior, com efeitos a 12 e 21 de Setembro de 2009).

 

6.65.  Ou seja, com os documentos apresentados em 17 de Março de 2015, deixam de fazer sentido as liquidações de IUC objecto do pedido, tal como foram sendo liquidadas desde 2013, por referências aos anos de 2009 a 2014, porquanto, apesar de o Requerente não ter atempadamente solicitado a actualização cadastral, junto do IMT, quanto à titularidade das referidas viaturas, aquela entidade aceitou cancelar as respectivas matrículas, em momento posterior mas com efeitos a 12 de Setembro de 2009 (data anterior a todas as datas aniversário das viaturas a que respeitam as liquidações).

6.66.  E a data de produção dos efeitos do referido cancelamento das matrículas é, em todas as situações, anterior às datas aniversário de cada uma delas, como segue:

 

MATRÍCULA

DATA ANIVERSÁRIO

DATA CANCELAMENTO MATRÍCULA

DATA DA LIQUIDAÇÃO

...-...-...

12 de Outubro[31]

21 de Setembro de 2009

12 de Outubro de 2013

...-...-...

2 de Novembro[32]

21 de Setembro de 2009

12 de Outubro de 2013

...-...-...

11 de Dezembro[33]

12 de Setembro de 2009

12 de Outubro de 2013

...-...-...

27 de Janeiro[34]

12 de Setembro de 2009

21 de Maio de 2014

...-...-...

31 de Março[35]

12 de Setembro de 2009

16 de Julho de 2014

 

 

6.67.  Assim, entende-se que o Requerente conseguiu agora ilidir a presunção, de acordo com o disposto no artigo 73º da LGT, demonstrando que, à data das liquidações, não era o proprietário dos veículos matrícula ...-...-..., ...-...-..., ...-...-..., ...-...-... e ...-...-..., porquanto as mesmas foram canceladas, deixando de existir qualquer fundamentação para a liquidação de IUC efectuadas ao Requerente.

 

6.68.  Do pagamento de juros indemnizatórios e da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.69.  Quanto a esta matéria, trata-se de uma questão alegada pela Requerida na sua Resposta (e cujo fundamento assenta no facto de não estar no seu controlo o conhecimento da transmissão da propriedade de veículos e, por isso, o IUC é liquidado de acordo com a informação registral transmitida pelo IRN), tendo entendido que se limitou a cumprir com as obrigações legais a que está adstrita, não tendo dado “(…) azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral (…)”.

 

6.70.  No que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no CPPT”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.71.  De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação ou de autoliquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

 

6.72.  Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)[36][37]

 

6.73.  Assim, nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (sublinhado nosso).

 

6.74.  Conforme acima já referido, esta questão foi apenas suscitada pela Requerida, não existindo no pedido de pronúncia arbitral, qualquer referência feita pelo Requerente nesse sentido, nem sendo necessário que a haja pois, o seu pagamento, não depende da dedução do pedido dos mesmos na petição,[38] estando de acordo com os efeitos que decorrem da anulação do acto tributário.[39]

 

6.75.  Ainda que não tenha ficado claro, das peças processuais e dos documentos anexados, se o Requerente pagou algum dos valores relativos às liquidações de IUC objecto do pedido de pronúncia arbitral, o direito a juros indemnizatórios dependerá sempre da verificação de um erro imputável aos serviços da Requerida, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

6.76.  No caso em análise, ao promover a liquidação oficiosa do IUC, considerando o Requerente como sujeito passivo deste imposto, a Requerida limitou-se a dar cumprimento, à data das liquidações de IUC, do disposto no nº 1 do artigo 3º do Código do IUC, que, como acima já foi analisado, imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, não se vislumbrando, nesse data, qualquer erro que lhe fosse imputável.

 

6.77.  Dado que a referida norma tem a natureza de presunção legal, esta confere à Requerida o direito de liquidar o imposto e exigi-lo às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, sem necessidade de provar os factos que a elas conduzem, conforme expressamente prevê o nº 1 do artigo 350º do Código Civil.

 

 

6.78.  Por outro lado, e no que diz respeito à responsabilidade pelas custas, nos termos do artigo 527º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC) em vigor (ex vi 29º, nº 1, e) do RJAT), em matéria de custas, é estabelecido que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.79.  Com efeito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.80.  Em face do exposto, em teoria, qualquer uma das Partes ou mesmo ambas podem ser condenadas, se aplicável, tendo em consideração o princípio da proporcionalidade, ou seja, sendo-lhes atribuída a responsabilidade por custas, na proporção em que forem parte vencida.

 

6.81.  Assim, reserva-se para a fase seguinte (decisão do processo), a percentagem de imputação, às Partes, da sua responsabilidade em matéria de custas arbitrais.

 

7.       DECISÃO

 

7.1.    De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

7.2.    Neste âmbito, a regra básica relativa à responsabilidade por encargos dos processos é a de que deve ser condenada a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC em vigor).

 

7.3.    No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a totalidade da responsabilidade por custas à Requerida.

 

7.4.    Nestes termos, tendo em consideração a análise efectuada, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

7.4.1.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente e condenar a Requerida quanto ao pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IUC, respeitantes aos anos de 2009, 2010, 2011, 2013, 2013 e 2014, referentes aos veículos identificados no processo, anulando-se, em consequência, os respectivos actos tributários;

7.4.2.     Condenar a Requerida no reembolso das quantias que indevidamente tenham sido pagas pelo Requerente, mas sem acréscimo de juros indemnizatórios, tendo em consideração que a Requerida se limitou, à data das liquidações, a dar cumprimento ao disposto no nº 1 do artigo 3º do Código do IUC, não se vislumbrando qualquer erro que lhe fosse imputável;

7.4.3.     Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

*****

 

Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor EUR 1.450.63.

 

Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 306,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.

 

*****

Notifique-se.

 

Lisboa, 23 de Março de 2015

 

O Árbitro

 

 

Sílvia Oliveira

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

[2] A admissão da junção destes documentos baseou-se na sua superveniência objectiva ou seja, no facto dos documentos terem sido produzido depois da data de entrada do pedido de pronúncia arbitral (15 de Setembro de 2014), tendo sido demonstrado a impossibilidade da junção dos documentos até àquela data, tendo em consideração a data de produção das certidões em causa (6 de Março de 2015).  Neste sentido, vide AC TRC nº 39/10.8TBMDA.C1, de 8 de Novembro de 2011.

[3] Das seis certidões que se juntaram, não foi considerada a relativa à matrícula 93-CE-12 (doc. nº 1 do requerimento), porquanto não se trata de viatura sobre a qual tenha recaído qualquer liquidação objecto do pedido, devendo por isso ser desentranhada dos autos.

[4] Por força do disposto no artigo 74º da LGT, cabe à Administração Tributária o ónus da prova de demonstrar a efectivação da notificação da liquidação, isto é, isto é, no caso de o notificando (Requerente) negar ter recebido a carta, cabe à Administração Tributária (Requerida) provar a remessa da mesma.

No caso em análise, a Requerida tendo efectuado o registo das notificações das liquidações nº …90,
nº …94 e nº …98 (como formalidade simplesmente probatória) através dos CTT, não anexou ao processo os recibos relativos àqueles registos.  Contudo, considera-se que a Requerida supriu a sua falta através da sua substituição por outros meios de prova legalmente admitidos (quer através dos prints dos dados constantes do seu sistema electrónico de citações e notificações, quer através dos prints dos dados dos registos constantes do site dos CTT), tendo em consideração a coincidência de informação constante dos mesmos.

Assim, e de acordo com o teor do AC STA nº 01181/11, de 16 de Maio de 2012, foi efectuada prova bastante de que as referidas liquidações foram notificadas ao Requerente dentro do prazo de caducidade (a relativa à liquidação nº…0, registada sob o nº RY249451479PT, de 14 de Outubro de 2013 e entregue em 16 de Outubro de 2013, a relativa à liquidação nº …94, registada sob o nº RY249452465PT, de 14 de Outubro de 2013 e entregue em 16 de Outubro de 2013 e a relativa à liquidação nº …98, registada sob o nº RY249452823PT, de 14 de Outubro de 2013, entregue em 16 de Outubro de 2013).

Neste âmbito, e nos termos do referido Acordão, “para efeito de resultado probatório, o registo informático dos mesmos dados de facto existente em entidades diferentes, o emissor e o distribuidor da carta, é uma circunstância concreta que, num sistema de livre apreciação das provas, ainda que limitado pelo principio da persuasão racional (…), justifica suficientemente que se dê como provado que o registo foi efectivamente realizado (…) o que faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo (…).  A partir daqui funciona a presunção do nº 1 do artigo 39º do CPPT, pertencendo ao destinatário o ónus de demonstrar que, apesar do registo, não chegou a receber as cartas”.

[5] Vide note de rodapé ao ponto 5.3.13.

[6] Vide nota de rodapé ao ponto 5.3.13.

[7] Neste âmbito, vide com as necessárias adaptações os comentários vertidos na nota de rodapé ao ponto 5.3.13.

[8] Neste âmbito, vide com as necessárias adaptações os comentários vertidos na nota de rodapé ao ponto 5.3.13.

[9] Neste âmbito, refira-se uma vez mais o disposto no artigo 74º da LGT, nos termos do qual, cabe à Administração Tributária o ónus da prova de demonstrar a efectivação da notificação da carta, isto é, no caso de o notificando (Requerente) negar ter recebido a mesma, cabe à Administração Tributária (Requerida) provar a sua remessa.

No caso em análise, a Requerida tendo efectuado o registo das notificações para audição prévia por via de diferentes ofícios (nº GIC-g...5, GIC-...37, GIC...60, GIC6...6, GIC...73,
GIC-...70), que alegadamente expediu com registo postal (RY602107947PT, RY602107964PT, RY602107920PT), através dos CTT, não anexou ao processo os recibos relativos àqueles registos, tendo apenas junto, como prova, prints internos “Detalhe Ação”, donde contam essas informações.

Ora, de acordo com o AC TCAN nº 0076/11.5BEPRT, de 27 de Fevereiro de 2014, o ónus da prova da notificação que cabe à Administração Tributária não se considera cumprindo com a mera junção de prints informativos extraídos do seu sistema informático porquanto “tais prints não podem deixar de ser considerados como documentos internos elaborados pela própria Administração Tributária, para efeitos internos, não oponíveis (…) e não provam nem a remessa (…) em causa para o domicílio da Recorrente, nem o seu recebimento (inexiste presunção de que os prints estejam em conformidade com os elementos com base nos quais foram, alegadamente, elaborados, esses sim, com valor probatório)”.

Neste âmbito, e no mesmo sentido, vide também AC TCAN nº 01727/07.1BEPRT, de 12 de Abril de 2013.

[10] Vide nota de rodapé ao ponto 5.6.1.

[11] Vide nota de rodapé ao ponto 5.6.1.

[12] Vide nota de rodapé ao ponto 5.6.1.

[13] Vide nota de rodapé ao ponto 5.6.1.

[14] Vide nota de rodapé ao ponto 5.6.1.

[15] Neste âmbito, cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in “Lei Geral Tributária Anotada”, 3.ª edição, pág. 290.

[16] Nesta matéria, vide também AC STA nº 0539/11, de 16 de Novembro de 2011.

[17] Neste sentido, vide AC TCAN nº 00062/06.7BECBR, de 8 de Abril de 2011.

[18] Vide Artigos 1129º, 1142º e 1185º do Código Civil.

[19] Neste sentido, vide AC STJ Processo 03B4369, de 19/02/2004.

[20] Neste sentido, vide AC STJ de 3/3/98, in CJSTJ, 1998, ano VI, Tomo I, página 117.

[21] Atente-se que no que se refere à segunda disposição legal referida, Jorge Lopes de Sousa considera estar em causa uma presunção ilidível de notificação, para efeitos de contagem do prazo de caducidade do direito de liquidação (vide Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, Vol. I, 6.ª Edição, Áreas Editora, S.A., Lisboa 2011, página 388).

 

[22] Neste sentido, Jorge Lopes de Sousa afirma que “em matéria de incidência tributária, as presunções podem ser reveladas pela expressão presume-se ou por expressão semelhante” (in CPPT, 6.ª Edição, Áreas Editora. Lisboa, 2011, página 589) (sublinhado nosso).

[23] Também no mesmo sentido, A. Brigas Afonso e Manuel Teixeira Fernandes (in “Imposto sobre veículos e imposto único de circulação”, Coimbra Editora, 2009, página 187) consideram que “não houve alterações relativamente à situação que vigorou no âmbito dos extintos IMV, ICI e ICA.

[24] Neste sentido vide, nomeadamente, as decisões arbitrais proferidas nos processos 14/2013-T, 26/2013-T, 27/2013-T, 34/2014-T e 42/2014-T.

[25] Neste sentido, vide Jorge Lopes de Sousa, CPPT, 6.ª Edição, Áreas Editora. Lisboa, 2011, página 586.

[26] Vide AC STA Processo 441/11, de 29 de Fevereiro de 2012 e AC STA Processo 381/12, de 2 de Maio de 2012.

[27] Vide AC TC Processo 343/97, de 29 de Abril de 97.

[28] Com a assinatura, em 7 de Fevereiro de 1992, em Maastrich, do Tratado da União Europeia, o aludido princípio passou a constar como suporte da política Comunitária no domínio ambiental (vide artigo 130º-R, nº 2).

[29] In Interpretação e Aplicação das Leis, 2ª Edição, Arménio Amado, Editor, Sucessor, Coimbra, 1963, página 130.

[30] Sobre a consagração no artigo 3º, nº 1, do Código do IUC de uma presunção ilidível pronunciaram-se já diversas decisões arbitrais nomeadamente as decisões arbitrais proferidas nos processos 14/2013-T,
26/2013-T, 27/2013-T, 73/2013-T e 170/2013-T.

[31] De 2009, 2010, 2011 e 2012.

[32] De 2009, 2010, 2011 e 2012.

[33] De 2009, 2010, 2011 e 2012.

[34] De 2013 e de 2014.

[35] De 2013.

[36] Vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Ed., 2012, página 116).

[37] Sobre os juros indemnizatórios pode ver-se do mesmo Sousa, Jorge Lopes, Juros nas relações tributárias, in “Problemas fundamentais do Direito Tributário”, Lisboa, 1999, página 155 e sgts).

[38] Vide AC STA Processo nº 1052/04, de 30 de Novembro de 2004.

[39] Vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Ed., 2012, página 869).