SUMÁRIO:
I – Esgotado o prazo o prazo geral previsto no artigo 45.º da LGT, o acto tributário ainda pode ser validamente praticado dentro do prazo para a execução espontânea do julgado, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, al. d), do RJAT e do artigo 175.º, nº 1, do CPTA, contado nos termos do artigo 87.º, al. c) do CPA.
II - Se a Administração Tributária não executar espontaneamente a decisão anulatória, praticando um novo ato de liquidação no prazo de execução espontânea, extinguir-se-á o poder de praticar um novo ato emanado da decisão anulatória, pelo que a prática de novos atos só será possível se não tiver transcorrido já a totalidade do prazo de caducidade do direito de liquidação.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Juiz Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha (árbitro presidente), Dr. Francisco Carvalho Furtado e Dr. A. Sérgio de Matos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 02 de Agosto de 2022, acordam no seguinte:
I. Relatório
A..., UNIPESSOAL, LDA., contribuinte n.º..., com sede na ..., n.º ..., ...-... Braga, doravante “Requerente”, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, Regime jurídico da arbitragem em matéria tributária (RJAT), com vista à declaração de ilegalidade do ato de liquidação n.º 2021..., datada de 2021.10.25, referente a IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS e correspondentes juros compensatórios, relativa ao período de 2016 e, nesse pressuposto, o pagamento de juros indemnizatórios, contabilizados sobre o valor do imposto pago (€ 90.674,96), desde a data do respetivo pagamento (16.03.2022), por força da aplicação do art. 43º, n° 1, da LGT.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Em 23 de Maio de 2022, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e, automaticamente, notificado à AT.
Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar (artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD).
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 02 de Agosto de 2022.
Em 29 de Setembro de 2022, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por excepção, alegando a incompetência do Tribunal (a vários títulos), e por impugnação, concluindo que devem proceder as excepções, com a consequente absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, ser o pedido de pronúncia arbitral julgado improcedente, com as legais consequências. Na mesma data juntou aos autos o Processo Administrativo.
Em 14 de Outubro de 2022, no exercício do direito ao contraditório, a Requerente respondeu às excepções, manifestando-se pela sua improcedência.
Por despacho de 26 de Outubro de 2022 relegou-se a apreciação das excepções invocadas pela AT para final e convocou-se a Requerente para dizer se mantinha o interesse na prova testemunhal, dado entender-se que a matéria para que tinha sido indicada era objecto de prova documental, conformava alegação conclusiva ou ainda respeitante a questões de direito.
Em requerimento de 07 de Novembro de 2022, a Requerente declarou não se opôr à dispensa da inquirição da testemunha por si indicada.
Por despacho de 09 de Novembro de 2022, determinou-se que o processo prosseguisse com alegações, pelo prazo sucessivo de dez dias.
A Requerente apresentou alegações, em 25 de Novembro de 2022, a que se seguiram as da Requerida, em 09 de Dezembro de 2022, tendo, em ambos os casos, reiterado as posições já expressas anteriormente.
***
A questão da competência do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (artigo 13.º do CPTA, aqui aplicável por força do disposto no artigo 2.º, al. c), do CPPT e no artigo 29.º, n.º 1, al. c) do RJAT), pelo que é prioritário apreciar as excepções invocadas pela Requerida a esse propósito.
II. DAS EXCEPÇÕES
a) Da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação de questões respeitantes à execução de julgados
Alega a Requerida, em síntese:
“A Requerente pretende, com a presente ação arbitral, submeter à apreciação do Tribunal arbitral uma liquidação meramente corretiva, a qual foi efetuada pela AT ao abrigo do disposto no artigo 100.º da LGT, com vista a concretizar a decisão proferida no âmbito do processo n.º 406/2020-T;
... a Requerente não colocou em causa naquela ação arbitral a legalidade da totalidade das correções efetuadas pelos SIT, mas, outrossim, apenas uma parte delas, mormente as relativas à desconsideração de gastos suportados em faturas cujos fornecedores, à data de aquisição dos bens, já se encontravam cessados oficiosamente pela AT, cf al. c) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC;
... de um total de correções efetuadas pelos SIT que ascendeu a EUR 2.409.486,21, o montante contestado pela Requerente restringiu-se a EUR 2.060.647,71;
A pretensão da Requerente prende-se com a apreciação, em sede arbitral, da execução duma decisão que determinou a procedência dum pedido de anulação duma liquidação, mas tal pretensão extrava a competência do Tribunal arbitral.”
Contrapõe a Requerente, em resumo:
- “No presente processo arbitral, a Requerente pede que seja apreciada a legalidade de um ato de liquidação oficiosa de imposto (IRC, no caso) – liquidação n.º 2021 ... - e correspondentes juros compensatórios, pelo que obviamente a sua pretensão e respetiva causa de pedir estão abrangidas no âmbito da competência atribuída à arbitragem tributária (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
... não constitui a causa de pedir da Requerente a violação de qualquer vinculação resultante de uma anterior decisão, arbitral ou judicial, ou qualquer incumprimento dessa tal decisão.
... os vícios que a Requerente imputa, no presente processo, à liquidação n.º 2021 ... são os seguintes: i) falta de fundamentação; ii) preterição do direito de audição prévia; iii) caducidade do direito de liquidação; iv) erro dos pressupostos de facto e de direito, por incorreta aplicação do art. 23.º do CIRC, decorrente da desconsideração dos custos titulados nas faturas descritas no art. 80.º do PPA e juntas sob os docs. n.ºs 13 a 18, como custos suportados no exercício da atividade comercial da Requerente, com a finalidade de obter rendimentos sujeitos a IRC.
... nenhum destes vícios aqui invocados está relacionado com o decidido no referido Acórdão Arbitral [P. 406/2020-T], pois nele não se tomou posição sobre qualquer das questões suscitadas, apenas se tendo considerado ilegal a posição que a AT adotou (titulada na liquidação adicional de IRC n.º 2020..., junta com o PPA, sob o doc. n.º 4), de considerar que a A... não tinha direito a deduzir, em sede de IRC, os gastos documentados com as entidades B..., LDA. e C..., UNIP., LDA., por aplicação do disposto na al. c), n.º 1 do art. 23.º-A do CIRC...
... parte substancial dos vícios apontados, no presente processo à liquidação 2021 ... são posteriores ao momento da prolação do Acórdão Arbitral proferido no proc. n.º 406/2020-T, pelo que existe uma objetiva impossibilidade de o referido Acórdão sobre eles se ter pronunciado.”
Apreciando e decidindo:
A Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (Orçamento de Estado para 2010), estabeleceu no seu artigo 124.º uma autorização legislativa, dedicada à arbitragem em matéria tributária, enquanto forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, antecipando que deverá constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo consagradas no CPPT.
No uso de tal autorização legislativa, o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) materializou-se no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 2011-01-20, em cujo artigo 2.º se define, em primeiro plano, a competência dos tribunais arbitrais, nele se prevendo que
“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”
Além disso, é de considerar que se incluem também nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as necessárias para apreciar atos de segundo ou terceiro graus que tenham por objeto a apreciação da legalidade de actos do tipo dos previstos naquela norma (art. 2.º do RJAT), nomeadamente de actos que decidam reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos, como decorre das menções expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao artigo 102.º do CPPT, aos «actos susceptíveis de impugnação autónoma» e à «decisão do recurso hierárquico» - vide Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, in Guia da Arbitragem Tributária, Coord. de Nuno de Villa-Lobos e Tânia Carvalhais Pereira, Almedina, 2013, p. 122, 144 e 145.
No aludido processo n.º 406/2020-T, a Requerente concluiu o seu PPA com o seguinte pedido: “... deverá a presente impugnação ser julgada procedente, por provada, e determinar-se a ilegalidade e consequente anulação da liquidação n.º 2020..., datada de 22.01.2020, referente a IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS e correspondentes juros compensatórios, relativa ao período de 2016.“
A decisão arbitral nesse processo foi proferida em 26 de Julho de 2021, nela se tendo julgado procedente o pedido arbitral e anulado o acto tributário de liquidação de IRC e juros compensatórios n.º 2020 ... (v. Doc. n.º 5, junto com o presente PPA).
Nos presentes autos, a Requerente pugna pela procedência do pedido de pronúncia arbitral, pedindo que se declare a ilegalidade e consequente anulação da liquidação n.º 2021 ..., datada de 2021.10.25, referente a IRC e correspondentes juros compensatórios, relativa ao período de 2016 e respetiva nota de demonstração e acerto de contas (id. Documento 2022...), ao que adiciona o pedido de que a Requerida seja condenada a pagar-lhe juros indemnizatórios, contabilizados sobre o valor do imposto pago. Enquanto tal, temos como incontroverso que este pedido em nada se prende ou contende com a execução do julgado no anterior Proc. n.º 406/2020-T, sendo evidente que o pedido principal é o de declaração de ilegalidade de uma outra liquidação, diversa da que foi objecto daquele outro processo, a qual foi totalmente anulada, sem reserva de qualquer espécie. Ademais, são imputados à liquidação ora impugnada os vícios enumerados supra - falta de fundamentação, preterição do direito de audição prévia, caducidade do direito de liquidação, erro dos pressupostos de facto e de direito... – que não têm relação alguma com anterior decisão arbitral. Aliás, uma parte deles são até posteriores à data da prolação do acórdão que culminou o dito Proc. 406/2020-T.
De qualquer modo, nunca a apreciação destes novos vícios poderia ser objecto do processo executivo, antes devendo motivar um novo processo declarativo autónomo, como tem decidido a jurisprudência do CAAD, nomeadamente no Proc. n.º 494/2016-T, de 07-02-2017, segundo o qual “... não é vedada aos interessados na anulação de um ato administrativo, praticado a título de execução de julgado, a possibilidade de o impugnarem autonomamente, quando lhe pretendem imputar vícios próprios que não resultam de desconformidade com o julgado exequendo ou de insuficiência dos atos praticados em execução. Pelo contrário, a jurisprudência e doutrina dominantes até são no sentido de que, quando estão em causa vícios próprios do novo ato e o interessado não lhe imputa o intuito de obstar ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, o meio adequado é a impugnação autónoma.” No mesmo sentido, vão as decisões arbitrais de 21-06-2019, no P. 130/2019-T, e de 30-07-2022, no P. 810/2021.
Em conclusão, é nosso entendimento que o impetrado pela Requerente se enquadra no disposto no art. 2.º, n.º 1, a), do RJAT - declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos -, por isso sendo o Tribunal Arbitral competente para apreciar e decidir o presente PPA.
Consequentemente, improcede a excepção em título.
b) Do Caso Julgado da Decisão Proferida no Processo nº 406/2020-T
A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que se formou caso julgado sobre a decisão arbitral proferida no processo n.º 406/2020-T, invocando para tanto e em suma o seguinte:
As correções efetuadas pelos SIT, no âmbito de acção inspectiva ao ano de 2016, originaram a emissão da liquidação adicional n.º 2020..., que incorpora a alteração da matéria coletável inicialmente declarada, no montante de EUR 81.265,74, para o montante corrigido de EUR 2.490.751,95, cuja legalidade foi em parte contestada pela Requerente na acção arbitral n.º 406/2020-T.
Porque parte da matéria coletável corrigida pelos SIT não foi contestada pela Requerente a mesma firmou-se na ordem jurídica, constitui matéria decidida com força de caso julgado, não podendo o alegado erro sobre os pressupostos de facto, no qual teriam incorrido os SIT, ser novamente objeto de apreciação.
Na resposta, a Requerente aduz, em síntese:
A excepção do caso julgado ocorre quando se repete uma causa (idêntica a outra, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir), depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (artigos 580.º, n.º 1, e 582.º do CPC).
No processo arbitral que correu termos sob o n.º 406/2020-T, a Requerente pediu que fosse determinada a ilegalidade e consequente anulação da liquidação n.º 2020..., datada de 22.01.2020, e correspondentes juros compensatórios, enquanto que no presente processo, pede que seja determinada a ilegalidade e consequente anulação da liquidação n.º 2021..., datada de 2021.10.25, e correspondentes juros compensatórios, pelo que não se verifica identidade quanto aos pedidos formulados em ambos os processos.
Por outro lado, não há identidade da causa de pedir entre o processo n.º 406/2020-T e o presente processo: nenhum dos vícios aqui invocados determinantes da declaração de ilegalidade da liquidação n.º 2021 ... está relacionado com os termos, fundamentação e decisão do Acórdão Arbitral proferido naquele outro processo, não tendo essa decisão arbitral tomado posição sobre qualquer das questões suscitadas no presente processo, aliás nem tais questões foram sequer alegadas pela Requerente naquele processo.
Conforme já visto e ponderado na apreciação da excepção anterior, a argumentação esgrimida pela Requerente corresponde por inteiro à verdade, tornando-se notório que não se verificam dois dos pressupostos do caso julgado, a saber a identidade de pedido e de causa de pedir (arts. 580.º, n.º 1, e 581.º, n.ºs 3 e 4 do Cód. Proc. Civil).
Pelo que, e sem necessidade de outras considerações, improcede a excepção de caso julgado.
c) Da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o erro sobre os pressupostos de facto praticado na autoliquidação
Sob este título alega a Requerida, sinteticamente:
“....pretende a Requerente que lhe seja reconhecida a possibilidade de deduzir fiscalmente gastos relativos a alegadas compras juntando, a título de prova, um conjunto de faturas a que correspondem os documentos 13 a 18.
Alega que são compras efetuadas que não foram relevadas contabilisticamente, mas cujas vendas foram efetivamente consideradas no apuramento de resultados e que tendo os SIT tido conhecimento desse facto no decurso da inspeção, mas não tendo considerado aqueles gastos, estamos em presença de um erro que é imputável à AT.
... reitera-se que a factualidade vertida no RIT, a qual determinou a emissão da liquidação adicional que foi objeto de julgamento na ação arbitral n.º 406/2020-T, firmou-se na ordem jurídica por efeito do caso julgado, não podendo ser novamente apreciada ... não tendo a ora Requerente relevado contabilisticamente os valores que agora pretende lhe sejam reconhecidos como dedutíveis para efeitos fiscais, o que efetivamente pretende é ver corrigido o erro cometido no ato de autoliquidação.
Ora, estando em causa um erro na autoliquidação, decorre do n.º 1 do art.º 131.º do CPPT que sempre que os contribuintes pretendam ver corrigido um erro por si praticado na autoliquidação terão de solicitar essa correção junto da AT interpondo, para esse efeito, um procedimento de reclamação graciosa.
In casu, não foi apresentada reclamação necessária da autoliquidação, pelo que já não é possível a impugnação direta daquele ato de autoliquidação, tendo precludido o direito de a Requerente ver reconhecidos para efeitos fiscais gastos que alegadamente não se encontravam contabilizados e, portanto, não afetaram o resultado líquido do período.”
Responde a Requerente, em resumo:
“... a autoliquidação apresentada anteriormente pela Requerente ficou prejudicada, necessariamente, pela liquidação oficiosa de IRC n.º 2020..., emitida no seguimento do procedimento de inspeção tributária que correu em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2018..., a qual corrigiu a matéria coletável referente ao ano de 2016.
... esta liquidação n.º 2020 ... foi objeto de anulação no processo arbitral n.º 406/2020-T, tendo sequentemente a AT emitido uma segunda liquidação oficiosa: a liquidação n.º 2021..., aqui impugnada.
Assim, o que ocorreu no caso foi que, por força do processo inspetivo posterior, alterou-se a realidade declarada pelo sujeito passivo, tendo sido emitida nova liquidação, da iniciativa oficiosa, após correções determinadas na ação inspetiva.
A liquidação n.º 2021 ... substituiu todas as anteriores, sendo apenas esta a liquidação que pode ser impugnada e sindicada, já que só esta subsiste na ordem jurídica, além do que, quanto à impugnação da liquidação “por erro nos pressupostos de facto e de direito”, a Requerente não invocou como fundamento de impugnação o erro na autoliquidação, mas sim a errónea quantificação das correções técnicas introduzidas no procedimento de inspeção tributário efetuado à sua contabilidade.”
Confrontados os argumentos de ambas as partes, afigura-se que deve prevalecer a posição da Requerente, porquanto se torna manifesto, e até, em parte, já da apreciação feita no julgamento das anteriores excepções, que o objecto do presente processo arbitral incide no debate sobre a legalidade da liquidação n.º 2021..., como decorre expressamente do pedido formulado, e não em qualquer álea do que já tenha sido julgado no processo anterior. Aliás, resulta evidente não ser visada nestes autos a discussão de quaisquer eventuais erros cometidos na autoliquidação, ademais com o argumento de que esta já ficou ultrapassada e preterida pelas ulteriores correcções e liquidações oficiosas promovidas pela Requerida. Nessa medida, não se vislumbra que a presente impugnação devesse ter sido precedida de reclamação graciosa, porquanto a situação sub judice não é subsumível ao preceituado no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT.
Improcede, nestes termos, a invocada excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o erro sobre os pressupostos de facto praticado na autoliquidação.
d) Da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação de atos praticados em processo de execução fiscal
Partindo da asserção de que o presente tribunal não é competente para apreciar a legalidade de decisões proferidas em sede de processo de execução fiscal, à luz do estatuído no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT bem como da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ex vi artigo 4.º do RJAT, a AT argumenta sob esta epígrafe, sumariamente, o seguinte:
“... a Requerente vem suscitar questões atinentes à compensação efetuada em sede do processo de execução fiscal n.º ...2020..., instaurado por falta de pagamento da liquidação n.º 2021..., sustentando que o valor de € 90.674,96 que havia sido penhorado e depositado à ordem do mesmo processo «foi utilizado, não como garantia de pagamento da liquidação e quantia exequenda, mas como efetivo pagamento da liquidação».
... o Tribunal arbitral não tem competência para se pronunciar sobre a aplicação do montante de € 90.674,96 no processo de execução fiscal, nem para saber quanto daquele montante corresponde a concretamente a quantia exequenda, a juros de mora e a custas ... não pode decidir se tal montante foi utilizado como garantia de pagamento da liquidação e quantia exequenda ou como efetivo pagamento da liquidação.
... o Tribunal arbitral é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido de condenação da AT no pagamento à Requerente dos juros indemnizatórios contabilizados sobre o valor € 90.674,96, aplicado no processo de execução fiscal no âmbito do qual havia sido anteriormente penhorado”
A Requerente contesta este entendimento, dizendo abreviadamente:
“Resulta claro do PPA que a Requerente não impugnou qualquer ato praticado pela AT no PEF n.º ...2020..., limitando-se a referir que o imposto titulado na liquidação aqui discutido foi parcialmente pago no âmbito deste PEF, o qual foi contra si instaurado, para cobrança coerciva do respetivo imposto.
... a impugnação da liquidação não suspende, por si, a cobrança do imposto ... o pedido da Requerente não coloca o Tribunal na posição de decidir sobre a legalidade de qualquer ato praticado naquele PEF.”
Avançando para a decisão, impõe-se constatar que a Requerente referencia o processo de execução fiscal (PEF) para afirmar que por via de uma ordem de penhora viu ser transferido de uma sua conta bancária para os cofres do Estado o valor de € 90.487,36. Acrescenta que tal quantia foi aplicada no PEF, em 16-03-2022, como resulta de despacho por si parcialmente transcrito e documentado (item 91 do PPA). E, desta realidade, extrai a consequência óbvia de que, naquela data, pagou o valor titulado na nota de liquidação aqui discutida, acrescido de juros de mora, pagamento esse que, a proceder a anulação aqui peticionada, tem de haver-se como indevido, com a consequente contabilização de juros indemnizatórios, nos termos da lei.
Daqui resulta que, ao invés do alegado pela Requerida, o Tribunal não está convocado a pronunciar-se sobre a legalidade da aplicação do montante de € 90.674,96 no processo de execução fiscal, nem para saber quanto daquele montante corresponde concretamente a quantia exequenda, a juros de mora e a custas, nem para decidir se tal montante foi utilizado como garantia de pagamento da liquidação e quantia exequenda ou como efetivo pagamento da liquidação.
Em boa verdade, a Requerente não impugnou qualquer ato praticado pela AT no PEF n.º ...2020..., tendo apenas mencionado que o imposto titulado na liquidação aqui discutida foi pago no âmbito daquele. E, em face do exposto, este é um facto objectivo que não suscita qualquer tipo de apreciação valorativa. Na realidade, tal menção nada acrescenta ao que resultaria da referência, por hipótese, a que havia pago o imposto por qualquer outro meio ou constituído garantia bancária para assegurar o pagamento do mesmo, assim evitando a penhora. Em qualquer destes casos, o Tribunal sempre estaria colocado, como está ante o pedido aqui apreciado, na situação de se pronunciar sobre a legalidade e eventual anulação da liquidação oficiosa questionada, daí extraindo as legais consequências, designadamente no que concerne a juros indemnizatórios.
Termos em que, por absoluta carência de fundamento, improcede a suscitada excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação de atos praticados em processo de execução fiscal.
III. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer da liquidação de IRC ora impugnada, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.
IV. Fundamentação de Facto
1. Matéria de Facto Provada
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
A) A Requerente é uma sociedade comercial que tem como objeto, entre outros, o comércio, assistência técnica e acessórios de telecomunicações, tais como, telemóveis, telefones e outros equipamentos de comunicações, assim como o comércio e assistência técnica de equipamentos informáticos e eletrodomésticos (RIT).
B) A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção tributária, de âmbito geral, reportado ao exercício de 2016, que correu em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2018... (RIT).
C) Este procedimento de inspeção tributária iniciou-se em 10.12.2018, com a assinatura pelo sujeito passivo, da notificação da respetiva ordem de serviço, foi ampliado por mais dois períodos de três meses, e terminou em 17.01.2020 com a notificação do relatório de inspeção (RIT, fls. 404-415).
D) A AT corrigiu oficiosamente a matéria coletável da Requerente, no período de 2016 de € 81.265,74 para € 2.490.751,95, de acordo com a seguinte tabela:
(RIT).
E) Consequentemente, foi emitida a liquidação adicional n.º 2020..., tendo sido apurado o valor a pagar de EUR 631.693,61 (Doc. n.º 4, junto com o PPA).
F) Em 11.08.2020, a Requerente requereu, junto do CAAD, a constituição do Tribunal Arbitral, para apreciar a legalidade da referida liquidação n.º 2020..., concluindo pela procedência da impugnação, declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação n.º 2020..., datada de 22.01.2020, referente a IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS e correspondentes juros compensatórios, relativa ao período de 2016.” (acordo das partes).
G) O respetivo processo arbitral correu os seus termos, no CAAD, sob o proc. n.º 406/20-T, no qual foi proferida decisão, em 26 de Julho de 2022, que julgou procedente o pedido formulado pela Requerente e, consequentemente, determinou a anulação da liquidação de IRC e juros compensatórios n.º 2020... .
H) O objeto do proc. n.º 406/20-T incidia na apreciação da (i)legalidade da liquidação n.º 2020..., por incorreta aplicação do art. 23.º-A., n.º 1, al. c) e n.º 4 do CIRC (Doc. n.º 5, junto com o PPA), concretamente por a AT ter considerado não serem dedutíveis, para efeitos da determinação do lucro tributável, os gastos assumidos pela Requerente, no período de 2016, decorrentes das compras efetuadas aos fornecedores B..., LDA. e C..., UNIP., LDA., entidades cuja atividade foi oficiosamente cessada, em 29.06.2016 e 16.09.2016, respectivamente, estando em causa os seguintes valores:
I) Requerente e AT foram notificadas da decisão arbitral, bem como da decisão de arquivamento do processo, em 16.08.2021 (Docs. n.ºs 7 a 10, juntos com o PPA).
J) Tal decisão arbitral transitou em julgado em 01.10.2021 (acordo das partes).
L) A Requerente foi notificada da liquidação n.º 2021 ... (aqui impugnada), da nota de demonstração e acerto de contas e da nota de demonstração de liquidação dos juros compensatórios, em 22.02.2022 (Doc. n.ºs 1, 2 e 3, juntos com o PPA, e acordo das partes).
M) A fundamentação da liquidação aqui discutida é a que consta da própria nota de liquidação, que refere o seguinte:
“Fundamentação
A liquidação efetuada corresponde à execução da decisão proferida no processo contencioso identificado, no âmbito do qual foi remetida a respetiva fundamentação.
Notificação
Fica notificado(a) da liquidação de IRC relativa ao ano a que respeitam os rendimentos acima identificados - conforme nota demonstrativa - resultante da execução da decisão proferida no processo de Decisão Arbitral com o n.º...2020... .”
N) Não existe o identificado processo arbitral n.º ...2020..., no qual nunca a Requerente foi parte ou teve intervenção, presumindo esta que a “decisão proferida no processo arbitral”, mencionada na fundamentação da liquidação, se reporta à sentença arbitral, já transitada em julgado, emitida no âmbito do proc. n.º 406/20-T (acordo das partes).
O) Não foi concedida à Requerente a possibilidade de se pronunciar, em fase prévia, à emissão da liquidação de IRC aqui impugnada n.º 2021 ... (acordo das partes).
P) Em 16.03.2022, a Requerente pagou o valor titulado na nota de liquidação aqui discutida, acrescida dos juros de mora e outros encargos, no montante de € 90.674,96, por via de penhora, no âmbito do PEF ...2020... .
Q) Em 21 de Maio de 2022 foi apresentado o presente PPA.
2. Factos não Provados
Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela
Requerente e pela Requerida e no acordo das partes.
3. Motivação da Decisão de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
A convicção dos árbitros fundou-se unicamente na análise crítica da prova documental junta aos autos, que está referenciada em relação a cada facto julgado assente.
V. Fundamentação Jurídica
1. Questões a Decidir
O presente pedido de pronuncia arbitral (PPA), de que seja determinada a ilegalidade e a consequente anulação da liquidação n.º 2021..., datada de 2021.10.25, referente a IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS e correspondentes juros compensatórios, relativa ao período de 2016, surge alicerçado nos seguintes vícios:
- Falta de fundamentação;
- Preterição do direito de audição prévia;
- Caducidade do direito de liquidação; e
- Erro dos pressupostos de facto e de direito.
2. Ordem de conhecimento dos vícios
O artigo 124.º do CPPT estabelece regras sobre a ordem de conhecimento dos vícios
em processo de impugnação judicial, as quais são subsidiariamente aplicáveis aos processos arbitrais tributários, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
No caso de vícios geradores de anulabilidade, da conjugação das als a) e b) do n.º 2 daquele artigo 124.º resulta que se deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos (salvo as excepções previstas, que não se verificam no caso em presença).
Invocado que está o vício de caducidade do direito à liquidação, cuja procedência inviabiliza a renovação do acto, afigura-se ser o conhecimento prioritário deste que garante a mais eficaz tutela do interesse da Requerente.
2.1 Posições das Partes
A Requerente começa por colocar em questão saber se estamos perante uma liquidação nova e autónoma em relação à liquidação n.º 2020..., ou se a liquidação n.º 2021 ... foi efetuada no âmbito de execução de julgado. Adiante, afirma que estamos perante uma liquidação autónoma, apesar de a AT invocar a execução do julgado no Proc. n.º 406/2020-T, porquanto não há naquela decisão arbitral qualquer referência, mesmo implícita, à possibilidade de emissão de uma posterior liquidação de IRC do exercício de 2016.
A questão assume relevo porque:
a) se estamos perante uma liquidação autónoma, o prazo de caducidade aplicável é o prazo geral de quatro anos previsto no artigo 45.º da LGT;
b) se estamos perante uma liquidação efetuada no âmbito de execução de julgado o prazo de caducidade será o prazo para execução espontânea de decisões judiciais, prevista no artigo 175.º do CPTA.
Analisa a questão nas duas vertentes e conclui que, independentemente da forma como prazo de caducidade seja contado, verifica-se que ocorreu a caducidade do direito à liquidação, o que constitui causa extintiva da obrigação tributária, determinante da anulação da liquidação.
Na resposta às excepções, acrescenta:
“48. Requerente e Requerida estão de acordo relativamente a parte substancial dos termos e pressupostos da contagem do prazo aqui discutido.
49. Assim, as partes concordam, designadamente, no seguinte:
a) O trânsito em julgado do acórdão arbitral proferido no proc. n.º 406/2000-T ocorreu em 01.10.2021 (...), data que marca o início da contagem do prazo de 90 dias previsto no n.º 1 do art.º 175.º do CPTA;
b) a prática de ato tributário, na sequência da decisão arbitral do processo n.º
n.º 406/2000-T, no âmbito de execução de julgado, deveria ocorrer no prazo máximo de 90 dias, nos termos do disposto no art. 175.º, n.º 1 do CPTA;
c) Sendo este um prazo procedimental, o mesmo é contado nos termos do artigo 87.º, alínea d), do CPA, a partir do termo do prazo previsto para recurso ou impugnação da decisão arbitral, conforme prevê o artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, traduzindo-se, assim, este prazo em 90 dias úteis;
d) A Requerente foi notificada do ato de liquidação n.º 2021 ... no dia 22.02.2022, sendo este o momento determinante para a interrupção do prazo de caducidade.
(...)
51. bastará efetuar a contagem do prazo para concluir que entre o início da sua contagem e a data da notificação da liquidação decorreram 145 dias, sendo 99 deles, dias úteis – cfr. informação retirada do sítio de internet com o link https://www.dias-uteis.pt, cujo print aqui se junta sob o doc. n.º 1.”
Por seu turno, a Requerida afirma que a liquidação controvertida tem natureza de liquidação corretiva, a qual foi efetuada pela AT ao abrigo do disposto nos artigos 24.º do RJAT e 100.º da LGT, com vista a concretizar a decisão proferida no âmbito do processo que correu termos no CAAD sob o n.º 406/2020-T, pelo que, não foi, de forma alguma, ultrapassado o prazo de caducidade do direito à liquidação. Alega que, não estando em causa a aplicação de um prazo fixado em mais de seis meses, mas, outrossim, fixado em 90 dias, não é aplicável o disposto pela al. d) do art.º 87.º do CPA, porque aquela norma se dirige expressamente à contagem de prazos «legalmente fixados em mais de seis meses». Acrescenta que o prazo de 90 dias previsto no n.º 1 do art.º 175.º do CPTA, por ser um prazo procedimental, conta-se em dias úteis, nos termos da al. c) do art.º 87.º do CPA e suspende-se em período de férias judicias (cfr. artigo 279.º do Código Civil).
Procede à contagem do prazo e remata a sua argumentação pela improcedência da argumentação quanto à caducidade do direito à liquidação nos seguintes termos:
“153. No dia 26-07-2021, foi proferida decisão de procedência do pedido na ação arbitral n.º 406/2020-T, a qual foi notificada às partes em 12-08-2021.
154. Tendo em conta o período de ferias judiciais e a norma contida no art.º 25.º do RJAT, o termo do prazo de 30 dias para interposição de recurso ocorreria no dia 30-09-2021.
155. Não tendo sido interposto recurso, a decisão arbitral transitou em julgado no dia 1-10-2021, data que marca o início da contagem do prazo de 90 dias previsto no n.º 1 do art.º 175.º do CPTA, o qual terminou no dia 22-02-2022.
156. Para efeitos de cumprimento da decisão arbitral e do disposto no art.º 100.º da LGT, a AT emitiu, em 2022-02-03, a liquidação n.º 2021... que corrigiu a matéria coletável em EUR 430.104,24, correspondente à diferença do montante fixado na liquidação adicional e o montante das correções impugnadas e julgadas ilegais (EUR 2.490.751,95 – EUR 2.060.647,71).
157. A Requerente foi notificada do ato de liquidação corretiva n.º 2021... no dia 22-02-2022, mediante notificação disponibilizada na caixa postal eletrónica do Via CTT no dia 04-02-2022.
(...)
159. Pelo que, a Requerente foi validamente notificada do ato de liquidação dentro do prazo de 90 dias concedido à AT para emissão da liquidação que executa a decisão arbitral.”
3. APRECIAÇÃO
3.1 - Da caducidade do direito de liquidação
Confrontados os posicionamentos das partes quanto à questão da caducidade do direito à liquidação, impõe-se apreciar e apurar se, in casu, é aplicável o prazo geral de quatro anos previsto no artigo 45.º da LGT, como pretende a Requerente, em primeira linha, ou se esse prazo geral é afastado quando se questiona liquidação efetuada no âmbito de execução de julgado, hipótese em que o prazo decisivo para a caducidade é o prazo para execução espontânea de decisões judiciais, previsto no artigo 175.º do CPTA, como pretende a Requerida.
O artigo 101.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRE), sob a epígrafe “Caducidade do direito à liquidação” preceitua que “A liquidação de IRC, ainda que adicional, só pode efectuar-se nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária.”
Por seu lado, o n.º 1 do artigo 45.º da LGT estabelece que “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”, prevendo o n.º 4 do mesmo que este prazo se conta, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.
No caso em apreço, o facto tributário é reportado ao exercício de 2016 e não é aplicável a suspensão da contagem do prazo de caducidade prevista no n.º 1 do art. 46.º da LGT, porquanto, como resulta da prova, o procedimento de inspeção tributária efetuado à Requerente, referente a tal exercício, teve duração superior a 6 meses (Factos Provados B e C). Donde, o prazo de caducidade, contado nos termos gerais, iniciou-se em 01.01.2017 e terminaria em 31.12.2020.
Porém, há que acrescentar-lhe o tempo da suspensão de prazos, incluindo os de prescrição e caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, determinada pela Pandemia Covid-19, que ocorreu entre 09/03/2020 e 03/06/2020, ou seja, durante 87 dias, de acordo com o estabelecido pelo art. 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, alterado pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e revogado pelo art. 8.º da Lei n.º 16/2020, de 20 de Maio. Os prazos voltaram a estar suspensos entre 22/01/2021 e 06/04/2021, ou seja, durante mais 74 dias, de acordo com o estabelecido no art. 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que alterou a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e nos arts. 6.º e 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril. Além do que, nos termos do art. 5.º desta última, “os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão“, o que significa que ao prazo de caducidade aqui considerado acrescem mais 74 dias. Tudo contabilizado, deverá considerar-se que ao prazo inicial que terminaria em 31.12.2020 se acrescentam 235 dias, assim se concluindo que a caducidade se consumou em 23.08.2021, tendo em consideração que a liquidação impugnada somente foi notificada à Requerente em 22.02.2022.
Assim, à luz do preceituado no art. 45.º da LGT, a verificação da caducidade já não oferece dúvidas.
Contudo, importa ver se a situação se mantém ou altera à vista do preceituado no artigo 175.º do CPTA, isto é, considerando a liquidação efetuada no âmbito de execução de julgado, hipótese em que o prazo decisivo para a caducidade é o prazo para execução espontânea de decisões judiciais, como defende a Requerida.
Para efeitos da delimitação do prazo de caducidade do direito a liquidação tributária, a Jurisprudência têm vindo a pronunciar-se no sentido de que deve distinguir-se entre liquidação corretiva, operada na sequência de anulação de anterior acto de liquidação, e liquidação inovadora, no sentido de uma “nova liquidação, autónoma e distinta da anterior”, isto é, uma liquidação que nada tem a ver com a que a tenha precedido, além da circunstância de o seu aparecimento ter sido motivado pela anulação/revogação da originária. No caso de liquidação corretiva, o entendimento jurisprudencial vai no sentido de que o momento relevante para efeitos de delimitação do prazo de caducidade é o da emissão da liquidação inicial, não podendo considerar-se excedido esse prazo ainda que a liquidação corretiva venha a ocorrer depois de ultrapassado o prazo geral de quatro anos contado, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. No caso da liquidação inovadora considera-se que esta constitui ato tributário autónomo diverso do anterior, verificando-se a caducidade se, no momento da emissão deste novo ato, tiver já decorrido aquele prazo geral – vide Acórdãos TCAN, P.00862/12.9BEAVR, 17-09-2015; TCAS, P.04076/10, 03-07-2012; STA, P.0113/07, 09-05-2007 e STA, P.0114/11, 08-10-2014, entre outros.
Acerca da caducidade do direito a liquidação em sede de execução de decisão arbitral, escreve o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa in Guia da Arbitragem Tributária, Coordenação de Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, Almedina Editora, 2013, pags. 216-220:
“Na alínea b) do n,º 1 do artigo 24.º do RJAT impõe-se à Administração Tributária o dever de “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessárias para o efeito”.
O artigo 173.º, n.º 1, do CPTA, que estabelece o princípio geral sobre execução de julgados anulatórios de atos administrativos, preceitua que “sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelo limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado”.
Comparando as duas fórmulas, constata-se que no RJAT não se inclui a parte inicial do artigo 173.º, n.º 1, do CPTA, em que se faz referência ao “eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado”.
No entanto, a omissão de referência à possibilidade de praticar um novo ato não significa que a Administração Tributária não possa renovar o ato, desde que tal seja compatível com o decidido pelo tribunal arbitral, o que resulta com clareza da alínea d) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, que refere o dever de “liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral”.
Porém, resultando dos atos de liquidação a imposição de deveres aos destinatários, eles não poderão ter efeito retroativo, pois tal é proibido pelo n.º 2 do artigo 173,º do CPTA. Por isso os efeitos dos atos que imponham deveres ao sujeito passivo, apenas produzem efeitos em relação a ele a partir do momento em que a sua renovação ocorre.
Nos casos em que o motivo de declaração de nulidade ou da anulação do ato impugnado foi um vício procedimental ou de forma (como falta de audição do contribuinte ou falta de fundamentação) ou incompetência, não haverá, em princípio, obstáculo, a que a
Administração Tributária pratique um novo ato de liquidação expurgado do vício que motivou a anulação.
Poderá, porém, colocar-se a questão de haver impedimento à prática de novo ato derivado dos prazos de caducidade da liquidação aplicáveis (artigo 45.º da LGT).
No entanto, o mais adequado entendimento do regime de execução de julgados será o de que, durante o período de execução espontânea, a Administração na sequência de anulação do ato, tem o referido «poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado» (artigo 173.º, nº 1, do CPTA), não tendo outras limitações que não sejam as derivadas da autoridade da decisão anulatória e as previstas no procedimento de execução de julgados.
Durante este período de execução espontânea de julgados, a Administração Tributária não está a exercer o seu poder autónomo de praticar atos tributários, no âmbito do procedimento tributário próprio para essa prática, estando, antes, por força do disposto no artigo 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, a exercer um poder/dever de executar o julgado criado pela decisão anulatória, poder esse a exercer no âmbito do procedimento especial de execução espontânea de julgados, regido, em primeira linha, pelas suas regras próprias, visando a «reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio» imposta por aquele artigo 100°, em que se inclui o restabelecimento da «situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
Pela mesma razão de o poder/dever de executar decisões anulatórias ser autónomo em relação ao poder/dever geral de liquidar tributos, a Administração Tributária não está condicionada pelas limitações temporais que a lei estabelece para exercício deste último poder/dever, mas sim pelos limites temporais próprios da execução de julgados. Isto significa que, na sequência de anulação contenciosa de um ato de liquidação, por vício que não obsta a renovação do ato, a Administração Tributária poderá e deverá praticar, dentro do prazo de execução espontânea, um novo ato de liquidação expurgado do vício que foi fundamento da anulação, independentemente do decurso ou não do prazo de caducidade que valia para o exercício do primitivo poder autónomo de praticar o ato de liquidação. Mas, apenas durante esse período legal de execução espontânea a Administração Tributária fica investida pela decisão anulatória no poder de praticar esse ato de liquidação, que não poderá ter eficácia retroativa, por ser desfavorável ao contribuinte (n.º 2 do referido artigo 173.º). Não há, aqui, expectativas do sujeito passivo que mereçam proteção derivadas do decurso do primitivo prazo de caducidade do direito de liquidação, pois esta execução é corolário legal da decisão do processo arbitral em que foi parte.
Por isso, a proibição de praticar atos dotados de eficácia retroativa, que consta do n.º
2 do artigo 173.º do CPTA, não é obstáculo à prática de um novo ato de liquidação em execução de julgado, com efeitos para o futuro.
Se a Administração Tributária não executar espontaneamente a decisão anulatória, praticando um novo ato de liquidação no prazo de execução espontânea, extinguir-se-á o poder de aquela praticar um novo ato que emana da decisão anulatória, pelo que a prática de novos atos só será possível se puder basear-se ainda no poder originário que é concedido à Administração Tributária para praticar atos de liquidação (...) se não tiver transcorrido já a totalidade do prazo de caducidade do direito de liquidação.
É esta a solução que, para além ser a que resulta linearmente dos textos legais, é a mais equilibrada, pois, encontrando a caducidade do direito de liquidação o seu fundamento específico na necessidade de certeza e segurança jurídica, não há obstáculo a que uma nova liquidação ocorra no período de execução de julgado, uma vez que, durante esse período, isso é algo com que o contribuinte deve contar. (...)
Por isso, é esta a solução mais acertada, que se tem de presumir ter sido legislativamente consagrada (artigo 9.º, n.º3, do CC).”.- Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Guia da Arbitragem Tributária, Coordenação de Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, Almedina Editora, 2013, pags. 216-220.
Esta linha doutrinária vem sendo pronunciada também nos tribunais, aqui exemplificda com Acórdão prolatado pelo TCANorte, em 17-09-2015, P.00862/12.9BEAVR, do qual se extracta:
“Nos termos do disposto no art.º 100.º da Lei Geral Tributária, “A administração está
obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”. (...)
Representa tal preceito um simples postulado do princípio constitucional que dispõe que as decisões dos tribunais transitadas em julgado são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades (art.º205 da Constituição) – vd. Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa “LGT – Anotada e Comentada”, Encontro de Escrita, 4ª ed. (2012), a págs. 868.
A reconstituição da ordem jurídica violada faz-se através da prática dos atos reintegradores tendentes a dar cumprimento ao julgado. Esses atos reintegradores, tratando-se da execução de um julgado parcialmente anulatório de um ato de liquidação passam pela prática de um outro ato de liquidação visando expurgar a parte do anterior afetada de ilegalidade. É o que se designa por liquidação corretiva.”
No mesmo rumo, encontra-se o Acórdão Arbitral proferido no P. 494/2016-T, do qual se colhe:
“Na verdade, resulta do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT que «até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários» a Autoridade Tributária e Aduaneira deve praticar os atos necessários para dar execução a uma decisão arbitral favorável ao sujeito passivo.
E, entre os atos que podem e devem ser praticados nesse período, incluem-se, por força do disposto nas alíneas b) e d) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito» e de «liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral».
Assim, durante o período de execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários, a Administração, na sequência de anulação do ato, tem um poder/dever de liquidar autónomo e diferente do que tinha antes de praticar a liquidação que foi jurisdicionalmente anulada, pois este poder surge ex novo com o trânsito em julgado da decisão arbitral, tem limitações derivadas da autoridade da decisão anulatória e tem um período de tempo próprio para ser exercido.
(...) o procedimento com vista à execução de uma decisão arbitral tem prazos e regras específicas de preclusão, que não são as que se aplicam à actividade autónoma da administração no âmbito de procedimentos tributários de liquidação de tributos.
(...)
Assim, na sequência de anulação contenciosa de um acto de liquidação, por vício que não obsta à renovação do acto, a Administração Tributária poderá e deverá praticar, dentro do prazo de execução espontânea, um novo acto de liquidação expurgado do vício que foi fundamento da anulação, independentemente do decurso ou não do prazo de caducidade que valia para o exercício do primitivo poder autónomo de praticar o acto de liquidação. Mas, apenas durante esse período legal de execução espontânea a Administração Tributária fica investida pela decisão anulatória no poder de praticar esse acto de liquidação.
(...)
O prazo de execução espontânea de decisões arbitrais que não se limitam ao dever de
pagamento de uma quantia em dinheiro, é de 90 dias, como resulta do preceituado no artigo 175.º, n.ºs 1 e 3, do CPTA, aplicável por força do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPPT.
Trata-se de um prazo procedimental, como esclarece actualmente o n.º 1 do artigo 175.º do CPTA, que se conta desde o «termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação», momento a partir do qual a Administração Tributária está vinculada pela decisão arbitral, como resulta do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT. Como à execução das decisões arbitrais se aplicam «normas sobre o processo nos tribunais administrativos» (artigo 146.º, n.º 1, do CPPT), aplicar-se-ão à contagem do prazo as regras que se aplicam à execução de julgados nos tribunais administrativos, em que há suspensão de prazos em sábados, domingos e feriados, nos termos do artigo 87.º, alínea c), do Código do Procedimento Administrativo.”
Em nota de rodapé deste Acórdão, revela-se o apoio desta tese em jurisprudência do STA, nos seguintes termos:
“É essencialmente neste sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre as liquidações correctivas ou liquidações corrigidas, que se destinam a corrigir erros parciais de liquidações anteriores assinalados em impugnações administrativas ou contenciosas.
Com efeito o Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que a caducidade do direito de liquidação a atender reporta-se ao acto inicial anulado, podendo as liquidações em que se efectua a correcção ser praticadas depois do termo do prazo de caducidade do direito de efectuar a liquidação inicial.
Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos:
– de 08-10-2014, processo n.º 0114/11, em que se entendeu que «relativamente a uma liquidação que resulta da revisão de anterior acto de liquidação por iniciativa da administração (revisão oficiosa) e a favor do sujeito passivo, efectuada ao abrigo do n.º 1 do art. 78.º da LGT, não pode falar-se de caducidade do direito à liquidação se, em relação àquele acto anterior não subsistem dúvidas quanto ao exercício do respectivo direito dentro do prazo da caducidade»;
– de 15-6-2016, processo n.º 01471/15, em que se entendeu que «a existência de uma "liquidação corrigida", ou seja, de uma liquidação em que os serviços competentes da AT procedem à correcção de anterior acto da mesma natureza, por exemplo, por efeito de deferimento parcial de reclamação graciosa, não releva para se assumir a eventual ultrapassagem do prazo de caducidade, porque o momento a atender deve ser o da emissão da liquidação inicial e não a data do acto que a corrija» e que «de outro modo ficaria a Administração tributária, uma vez reconhecida administrativamente a ilegalidade (parcial) daquela liquidação, impossibilitada de concretizar a revisão ou reforma do acto de liquidação anteriormente praticado e reconhecidamente ilegal, sendo essa revisão ou reforma favorável ao contribuinte».”
No caso em apreço, não é claro que se esteja perante uma situação de execução de julgado pois, embora tal possa achar-se implícito na matéria assente nos Factos Provados D, H, L, M e N (que aqui se dá por reproduzida), dada escassez da fundamentação do acto de liquidação e da inexistência do processo arbitral com o número indicado para que remete, se bem que a Requerente presuma querer referir-se ao P. 406/20-T, assim dando a entender que sabe do que a Requerida está a falar, a verdade é que não existe nesta decisão o mínimo vislumbre da possibilidade de emissão de uma posterior liquidação de IRC do exercício de 2016, porquanto anulou na totalidade a liquidação impugnada naquele processo. Em suma, não é líquido que se trate de uma liquidação correctiva ou antes perante uma liquidação inovadora autónoma.
Sucede que tal obscuridade acaba por revelar-se inócua porquanto, mesmo contando o prazo da caducidade no enquadramento da execução de julgado, pelo método do art. 175.º do CPTA, a conclusão não se altera.
Vejamos:
A decisão do acórdão arbitral proferido no proc. n.º 406/2000-T transitou em julgado no dia 01.10.2021 (Facto Provado J), sendo esta a data que marca o início da contagem do prazo de 90 dias previsto no n.º 1 do art.º 175.º do CPTA. Como resulta da corrente jurisprudencial e doutrinal antes exposta, à qual aderimos sem reservas, este é um prazo procedimental que se conta nos termos do art. 87.º, al. c), do CPA, isto é, suspende-se nos sábados, domingos e feriados, conforme se extrai expressamente do texto legal, traduzindo-se, pois, em 90 dias úteis. Aliás, como prazo procedimental que é (e não processual), não se suspende em férias judiciais – vide Acórdão do STA, de 02.02.2006, no P. n.º 048017A, no qual, separando a natureza dos prazos previstos nos arts. 175.º e 176.º do CPTA, se sumariou:
“I - O prazo previsto no n.º 1, do artigo 175.º do CPTA tem natureza administrativa (procedimental) contando-se, por isso, nos termos do artigo 72.º [actual art. 87.º] do CPA .
II – O prazo fixado no n.º 2, do artigo 176.º do CPTA é um prazo de caducidade, que terá de ser contado nos termos do artigo 279.º do C. Civil.”
A Requerente foi notificada do ato de liquidação n.º 2021... no dia 22.02.2022, sendo este - o momento da válida notificação ao contribuinte - o determinante para interromper o prazo de caducidade, nos termos dos arts. 45.º, n.º1, da LGT e 36.º do CPPT.
Ora, contando 90 dias úteis a partir de 01-10-2021, constata-se que o prazo para a execução espontânea do julgado (art. 24.º do RJAT) findou em 09-02-2022. De facto, até ao dia 22-02-2022 (data da notificação da liquidação) transcorreram, efectivamente, 99 dias úteis. Pelo que se verifica, também neste enquadramento, ter ocorrido a caducidade do direito à liquição do imposto.
A caducidade do direito de liquidação, que constitui vício de violação de lei, justifica a anulação da liquidação n.º 2021... (aqui impugnada), datada de 2021.10.25, referente a IRC, procedendo nesta parte o pedido arbitral sub judice.
3.2 - Juros compensatórios e demonstrações de acerto de contas
As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto as respectivas liquidações de IRC (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que enfermam dos mesmos vícios que afectam estas, justificando-se também a sua anulação.
4. Questões de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação n.º 2021..., que é objecto do presente processo, por vício que impede a sua renovação, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados pela Requerente.
Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto
no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente à liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida.
5 - Juros indemnizatórios
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» - cfr. nº 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril. O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso concreto, a anulação da liquidação impugnada suporta-se em vício decorrente da verificação de caducidade do direito à liquidação, por falta de notificação seja dentro do prazo geral de caducidade, seja dentro do prazo procedimental de execução espontânea do julgado.
Constitui jurisprudência consolidada, da Secção de Contencioso Tributário do STA que, quando o ato de liquidação impugnado é anulado apenas por vício de forma, não há suporte, ao abrigo do disposto no art. 43.º da LGT, para atribuir juros indemnizatórios ao impugnante – v. acórdão 30.5.2012, no P. 0410/12, versando, precisamente, hipótese em que ocorreu caducidade do direito à liquidação, no qual se expendeu: «(…), a declaração de caducidade não implica a existência de um erro – vício sobre os pressupostos de facto ou de direito – que permita a constituição a favor do contribuinte do direito a juros indemnizatórios ao abrigo do n.º 1 do art. 43.º da LGT”. No mesmo encalço, e entre outros, podem ver-se os Acs. STA de 8.6.2011, rec. 876/09 e de 7.9.2011, rec. 416/11.
Pela mesma vereda, andou o Acórdão do TCAS, no P. 04076/10, de 03-07-2017, onde se exarou: “… se é certo que a falta de notificação no prazo de caducidade extinguiu o direito à liquidação do tributo (…), a declaração dessa caducidade não significa nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente. Como é sabido, a caducidade, juridicamente, é mero facto jurídico que releva do tempo e que determina a impossibilidade do exercício de um direito num caso concreto (Prescrição e caducidade têm em comum o facto de serem figuras jurídicas relacionadas com a aquisição ou perda de situações subjectivas pelo mero decurso do tempo: a primeira anda associada aos direitos ou situações jurídicas consolidadas, sendo o seu campo de eleição os direitos subjectivos a se; a segunda reporta-se a situações jurídicas em formação e aos direitos potestativos, cujo exercício está sujeito a prazos curtos).
Na esteira do aresto que se transcreve, parcialmente, e a que se adere, o direito aos juros indemnizatórios previsto no art. 43.º da LGT exige que haja erro imputável aos serviços do qual tenha resultado (à luz de um nexo de causalidade) o pagamento de imposto indevido. É a existência desse erro que consideramos não poder dar-se como verificada em face da declaração da caducidade do direito à liquidação.
Por isso se conclui, também aqui, que nos casos em que a anulação da liquidação impugnada tenha por fundamento a caducidade do direito de liquidar por falta de notificação da liquidação dentro do prazo da caducidade, carece de suporte legal a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do art. 43.º da LGT.
Portanto, tem que improceder o PPA quanto a juros indemnizatórios.
VI. Decisão
De harmonia com o supra exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar improcedentes as excepções;
b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação n.º 2021..., datada de 2021.10.25, referente a IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS e correspondentes juros compensatórios, relativa ao período de 2016, e respetiva nota de demonstração e acerto de contas, no valor global de 86.744,69 €.
c) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios;
d) Condenar a Requerida na totalidade das custas do processo arbitral.
VII. Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em 86.744,69 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VIII. Custas
Custas no montante de 2 754,00 €, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5, do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 2 de Fevereiro de 2023
Os Árbitros,
(Carlos Alberto Fernandes Cadilha)
(Francisco Carvalho Furtado)
(A. Sérgio de Matos, relator)