Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 774/2021-T
Data da decisão: 2023-01-31  IRC  
Valor do pedido: € 16.350,65
Tema: Liquidação do IRC – tributação autónoma - art. 88.º/1 do CIRC
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SUMÁRIO

A AT não deve bastar-se com uma pretensa insuficiência de suporte documental ou contabilístico para considerar indocumentada uma despesa – e sujeitá-la a tributação autónoma nos termos do art. 88.º/1 do CIRC – devendo, para o efeito, usar dos meios disponíveis para aferir a verdade material e conferir a existência efectiva de despesa.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

1.A..., L.da, doravante designada como Requerente, NIPC ..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...-... Coimbra, veio requerer, ao abrigo do disposto no art. 10.º do DL 10/2011, de 20.1 (Regime da Arbitragem em Matéria Tributária) e dos art.os 1.º e 2.º da Portaria 112-A/2011, de 22.3 a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir o respectivo pedido de pronúncia sobre a legalidade do acto tributário de liquidação do IRC referente ao ano de 2018.

2.É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por AT ou Requerida.

3.Em 25 de Novembro de 2021 o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT.

4.De acordo com o preceituado nos artigos 5.º/3 a), 6.º/2 a) e 11.º/1 a) do RJAT, o Ex.mo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

5.O Tribunal Arbitral ficou constituído em 1 de Fevereiro de 2022.

6.Em 9 de Março de 2022 a Requerida apresentou Resposta, com defesa por impugnação, juntando o processo administrativo.

7.Em 27 de Julho e 26 de Setembro de 2022 foram proferidos despachos de prorrogação, por dois meses, do prazo para emissão e notificação da decisão nos termos do art. 21.º/2 do RJAT.

8.Em 20 de Outubro de 2022 foi proferido despacho dispensando a reunião prevista no art. 18.º do mesmo diploma, facultando às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas, sendo, para o efeito, concedido um prazo de 10 dias simultâneos.

9.A Requerente apresentou as suas alegações em 31 de Outubro de 2022 e a Requerida em 4 de Novembro de 2022.

10.Em 2 de Dezembro de 2022 foi proferido novo despacho de prorrogação, por dois meses, do prazo para emissão e notificação da decisão nos termos do art. 21.º/2 do RJAT.

Posição da Requerente

11.A Requerida começa por identificar o acto tributário impugnado: a liquidação de IRC, relativa ao ano de 2018, formalizada pela nota n.º 2021... de 17 de Fevereiro de 2021 (e pelas demonstrações de acerto de contas n.º 2021... de 19 de Fevereiro de 2021 e de liquidação de juros n.º 2021... de 19 de Fevereiro de 2021) cujas cópias junta.

12.Àquele acto de liquidação foi aplicada uma tributação autónoma no valor de 15.000,00€ (quinze mil euros), considerando despesas não documentadas, sujeitas à taxa de tributação autónoma de 50%, nos termos do art. 88.º/1 do CIRC, com fundamento no facto de a Requerente não ter apresentado suporte documental para o saldo contabilístico a débito da conta 1311, no valor de 30.000,00€ (trinta mil euros).

13.Não concordando com tal decisão da Requerida, a Requerente apresentou reclamação graciosa em 4 de Junho de 2021, a qual foi indeferida por inexistência de suporte documental, a nível contabilístico, para a existência do saldo de € 30.000,00.

14.  Não concordando com esse entendimento, a Requerente vem solicitar a declaração de ilegalidade do acto de liquidação em apreço e, consequentemente, a substituição do mesmo por outro que não aplique a referida tributação autónoma, no valor de 15.000,00€.

15.A Requerente descreve a situação que está na origem da confusão da AT explicando que em 29 de Fevereiro de 2016 constituiu no B..., um depósito a prazo, no montante de 30.000,00€, na conta rendimento mensal n.º..., com data de vencimento em 23 de Fevereiro de 2017.

16.Esse montante de 30.000,00€, registado na conta rendimento mensal n.º..., foi inscrito na contabilidade da Requerente na conta 1311.

17.No dia 23 de Fevereiro de 2017 (data de vencimento do depósito a prazo), foi realizada a transferência por liquidação do montante de 30.000,00€, da conta rendimento mensal n.º ... para a conta n.º..., tendo, na mesma data, sido feita a transferência desse montante para a conta de depósitos a prazo n.º..., sendo o montante em causa registado na conta de depósitos a prazo n.º ... e inscrito na contabilidade da Requerente na conta 1431 – tendo, portanto, o saldo bancário da conta rendimento mensal n.º ... (conta 1311) transitado para a conta poupança ... (conta 1431).

18.Por lapso, não foi, todavia, anulado o montante de 30.000,00€, registado na conta 1311, aquando da inscrição do referido montante de 30.000,00€ na conta 1431, o que resultou numa duplicação de valores registados na contabilidade da Requerente (sob as contas 1311 e 1431).

19.O referido montante de 30.000.00€, manteve-se na conta de depósitos a prazo n.º ... (conta 1431), de forma ininterrupta, até 31 de Dezembro de 2018, sendo que o saldo no mesmo montante, relativo a depósito a prazo relevado na conta 1311 permaneceu na esfera da Requerente desde a sua data de constituição (29 de Fevereiro de 2016) até 31 de Dezembro de 2018, na qual, aliás, ainda permanece.

20.Não há, portanto, da parte da Requerente, uma despesa (não documentada) de 30.000 €, uma vez que o saldo em causa nunca saiu da esfera da Requerente, tendo existido, apenas, um lapso, na contabilidade, do qual resultou uma duplicação de verbas.

21.Constatado o lapso e a duplicação das verbas registadas na contabilidade (conta 1311 e conta 1431), no ano de 2019, a Requerente procedeu à anulação, na contabilidade, do saldo constante da conta 1311, sem que tal, efectivamente, corresponda a qualquer despesa ou saída de dinheiro.

22.A acção inspectiva efectuada pela AT ao exercício de 2018 veio a solicitar alguns elementos - que não puderam ser completamente fornecidos dada a situação de estado de emergência e ao decretamento das medidas excepcionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do coronavírus - nomeadamente a cópia de extracto bancário que evidenciasse o saldo a débito no montante de 30.000,00€, relativo a depósito a prazo relevado na conta 1311.

23.Na falta dessa demonstração, a AT considerou a referida importância de 30.000,00 € como despesa não documentada, sujeitando-a à taxa de tributação autónoma de 50%, nos termos do art. 88.º/1 do CIRC, conforme resulta do Relatório de Inspecção Tributária

24.Na sequência desta, a AT emitiu uma nota de liquidação que corrigiu a matéria colectável em 2.262,89 € e introduziu a tributação autónoma de 15.000 € por valores não documentados, resultando um valor a pagar de 16.350,65€ (dezasseis mil trezentos e cinquenta euros e sessenta e cinco cêntimos).

25.A Requerente procedeu ao pagamento dessa quantia e apresentou reclamação graciosa, por não concordar com os valores, a qual foi indeferida, dado que a AT considerou não haver qualquer suporte documental, a nível contabilístico, para a existência do saldo de € 30.000,00.

26.A Requerente, insiste não haver qualquer despesa, pelo que não pode aplicar-se o disposto no art. 88.º/1 CIRC,

27.Tanto mais que é a própria AT a reconhecer os movimentos supra descritos que explicam a situação.

28.Recorda em seu favor a jurisprudência arbitral no proc. 54/2013-T, nos termos da qual as irregularidades na contabilidade do sujeito passivo, incluindo a existência de dúvidas, resultantes dessas irregularidades, sobre se certas despesas foram incorridas ou não (se há dúvidas sobre se elas foram incorridas, também não há documentação relevante), não podem cair na categoria de despesas não documentadas mas são antes pressuposto de aplicação de métodos indirectos nos termos do art.º 87º al. b) e 88º da LGT.

29.Assim, não existindo qualquer despesa, não pode também considerar-se qualquer despesa não documentada, sujeita a tributação autónoma.

Posição da Requerida

30.A Requerida reconhece, no essencial a factualidade indicada pela Requerente, explicando que, no decurso do procedimento inspectivo, a Requerente não apresentou qualquer evidência ou justificação documental para o saldo a débito no montante de € 30.000,00 relativo ao suposto depósito a prazo relevado na conta 1311 – que, por isso, foi tratado em sede de despesas não documentadas sujeitas à taxa de tributação autónoma de 50%, nos termos do art. 88.º/1 do CIRC – para além e faltas, omissões e inexactidões, que deram lugar à correcção da matéria colectável, no montante de € 2.262,89.

31.Assim, a Requerida considera que o documento bancário que a Requerente apresentou no decurso do direito de audição sobre o projecto de relatório, onde identifica um activo financeiro com o saldo a débito no montante de 40.482,76 €, com referência à data de 31.12.2018, relevado na conta 1431, não justifica o saldo a débito no montante de 30.000 €, relativo ao suposto depósito a prazo relevado na conta 1311.

32.Considera ainda que os elementos carreados pela Requerente para o processo relativamente à pretendida duplicação do montante na contabilidade, não constituíam prova cabal dessa contabilização errónea.

33.Ora, sendo a contabilidade o sistema de informação no qual, através das demonstrações financeiras é dada uma imagem fiel da empresa, do seu património, situação financeira e resultados para a tomada de decisões dos seus órgãos e dos destinatários desta, deve fazer reflectir regiamente, no apuramento do resultado líquido do período e na situação patrimonial, o resultado, consequência das diversas operações em que a empresa se envolveu.

34.Por outro lado, o art. 17.º do CIRC impõe que, para o apuramento do lucro tributável, a contabilidade deve [r]eflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes, sendo, por isso, o suporte primeiro e potencialmente decisivo para o apuramento do resultado tributável, devendo todos os lançamentos estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário - art.º 123.º/2 a) do CIRC.

35.No caso, entende a Requerida não haver suporte documental para o valor registado no activo da empresa na conta 1311 no montante de 30.000,00 € e, além disso, essa conta 1311 apenas tem como descritivo “DEPÓSITOS A PRAZO” sem qualquer outro elemento identificativo do mesmo, apresentando o valor de 30.000,00 € tanto em 01.01.2018 como em 31.12.2018, o que impossibilita a confirmação pela AT do argumentado pela Requerente.

36.Assim, não é possível estabelecer a fundamental correspondência entre as informações constantes nos extractos bancários juntos aos autos pela Requerente e a contabilidade da Requerente, nem atestar, sem margem para dúvidas, que o depósito a prazo efectuado na conta rendimento mensal n.º..., no montante de 30.000,00 € e data de vencimento em 23 de Fevereiro de 2017, que esteve na origem do activo financeiro com o saldo a débito no montante de 40.482,76 € a 31.12.2018, relevado na conta 1431, corresponde ao valor relevado contabilisticamente naquela conta 1311.

37.Considera ainda que não alcança qual a justificação para que a correcção do alegado lapso contabilístico, efectuada em 2019, tenha tido como consequência uma redução dos resultados transitados da empresa (por débito da conta 561 – Resultados Transitados), pois, a ter ocorrido o alegado erro de contabilização, existiria outra conta do activo que se apresentaria erradamente diminuída naquele montante de €30.000,00. Seria essa a conta a corrigir em contrapartida da correcção da conta 1311 e não por contrapartida de uma redução

dos resultados transitados da sociedade.

38.Assim, tendo a referida regularização contabilística efectuada pela requerente, afectado negativamente a conta de resultados transitados, entende a Requerida dever concluir que, de facto, o montante que se encontrava a débito na conta 1311 – DEPÓSITOS A PRAZO de €30.000,00, cujo suporte documental nunca foi apresentado aos SIT, foi desreconhecido do balanço da empresa para fins alheios à mesma (afectando negativamente os seus resultados transitados), consubstanciando uma saída de meios financeiros da sociedade pelo montante de 30.000,00 € (anulação do depósito a prazo), ou seja, uma despesa não documentada.

II. Saneamento

50. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objecto do processo dirigido à anulação de actos de fixação de valores patrimoniais consubstanciados em segundas avaliações (v. art.os 2.º e 5.º do RJAT).

51. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, do RJAT.

52. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. art.os 4.º e 10.º/2 do RJAT e art. 1.º da Portaria 112-A/2011, de 22.3).

54. Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

III. Matéria de facto

Factos provados

39.Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:

  1. No dia 29 de Fevereiro de 2016, a Requerente constituiu no B..., um depósito a prazo, no montante de 30.000,00 €, na conta rendimento mensal n.º..., com data de vencimento em 23 de Fevereiro de 2017, (doc. n.º 6, junto com o pedido[1]);
  2. O referido montante de 30.000,00€, registado na conta rendimento mensal n.º..., foi inscrito na contabilidade da Requerente na conta 1311;
  3. Na data de vencimento do depósito a prazo, 23 de Fevereiro de 2017, foi realizada a transferência por liquidação do montante de 30.000,00 €, da conta rendimento mensal n.º ... para a conta n.º ...(doc. n.º 7);
  4. No mesmo dia 23 de Fevereiro de 2017, foi realizada a transferência do montante de 30.000.00 €, da conta n.º ... para a conta de depósitos a prazo n.º ... (doc. n.º 7);
  5. O referido montante de 30.000,00€, registado na conta de depósitos a prazo n.º..., foi inscrito na contabilidade da Requerente na conta 1431.
  6. O saldo bancário da conta rendimento mensal n.º ... (conta 1311) transitou para a conta poupança ... (conta 1431).
  7. Por lapso, aquando da inscrição do referido montante de 30.000,00€ na conta 1431, não foi anulado o montante de 30.000,00€, registado na conta 1311, resultando numa duplicação de valores registados na contabilidade da Requerente;
  8. O referido montante de 30.000.00€, manteve-se na conta de depósitos a prazo n.º ... (conta 1431), de forma ininterrupta, até 31 de Dezembro de 2018 (doc.s n.º 8 a 29);
  9. Tendo verificado a existência do lapso e a duplicação das verbas registadas na contabilidade (conta 1311 e conta 1431), no ano de 2019, a Requerente procedeu à anulação, na contabilidade, do saldo constante da conta 1311;
  10. Em 2019-06-20 a Requerente entregou a declaração de rendimentos de 2018, modelo 22, que ficou registada com o n.º ...-2019-...-...;
  11. Por despacho de 2020-09-15, foi determinada a acção de inspecção à Requerente e que esta fosse externa, de âmbito parcial e incidisse sobre o exercício fiscal de 2018.
  12. No âmbito desse procedimento foi solicitada à Requerente, cópia de extractos bancários nos quais se encontrasse evidenciado o saldo a débito no montante de 30.000 €, relativo ao suposto depósito a prazo relevado na conta 1311, não tendo a mesma apresentado evidência ou justificação documental para o referido saldo;
  13. Não tendo qualquer suporte documental, esse débito foi tratado em sede de despesas não documentadas sujeitas à taxa de tributação autónoma de 50%, nos do art. 88.º/1 do CIRC;
  14. Na sequência do Relatório de Inspecção Tributária (doc. n.º 31), a Requerente foi notificada do acto tributário de liquidação do IRC referente ao ano de 2018, formalizado pela nota de liquidação n.º 2021... de 17 de Fevereiro de 2021 e pelas demonstrações de acerto de contas n.º 2021... de 19 de Fevereiro de 2021 e de liquidação de juros n.º 2021... de 19 de Fevereiro de 2021 (docs. n.os 1 a 3).
  15. Na nota de liquidação n.º 2021... de 17 de Fevereiro de 2021 (doc. n.º 1) são efectuadas duas correcções ao exercício fiscal de 2018:
    1. Correcção à matéria colectável no montante de 2.262,89€;
    2. Correcções às tributações autónomas no montante de 15.000,00€, com referência a valores não documentados;
  16. Em consequência das correcções constantes do relatório, resultou da nota de liquidação n.º 2021... de 17 de Fevereiro de 2021 e das demonstrações de acerto de contas n.º 2021... de 19 de Fevereiro de 2021 e de liquidação de juros n.º 2021... de 19 de Fevereiro de 2021 (docs. n.sº 1 a 3) um valor a pagar de 16.350,65€ (dezasseis mil trezentos e cinquenta euros e sessenta e cinco cêntimos).
  17. A Requerente foi citada 12 de Maio de 2021 da instauração de execução fiscal para cobrança do montante de 16.527,29€, o qual tem origem na nota de liquidação n.º 2021... de 17 de Fevereiro de 2021 e nas demonstrações de acerto de contas n.º 2021... de 19 de Fevereiro de 2021 e de liquidação de juros n.º 2021... de 19 de Fevereiro de 2021 (docs. n.sº 1 a 3) – cf. docs. n.º 32 e 33);
  18. A Requerente procedeu ao pagamento do referido montante de 16.527,29 € no dia 31 de Maio de 2021 (doc. n.º 34);
  19. Em 4 de Junho de 2021, a Requerente apresentou reclamação graciosa, no Serviço de Finanças de Coimbra – ... (doc. n.º 4);
  20. Em 12 de Julho de 2021, a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição prévia (doc. n.º 35), o que aconteceu em 22 de Julho de 2021 (doc. n.º 36).
  21. No dia 8 de Setembro de 2021, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

Factos não provados

40.Não há factos relevantes para esta decisão arbitral que não se tenham provado.

41.O tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo remetido pela AT.

 

III. Matéria de Direito

42.Não há divergência das partes quanto aos factos.

43.Em síntese a Requerente explica que o lançamento à ordem de um depósito a prazo veio a dar lugar a um novo depósito a prazo mas, por lapso, na contabilidade não foi eliminado o valor do depósito à ordem, gerando assim uma duplicação que veio ser corrigida anos mais tarde.

44.Essa correcção, veio a ser considerada pela AT como não justificada e, por isso, considerada como uma despesa não documentada, sujeita à tributação correspondente.

45.A justificação da AT – que em momento nenhum questiona qualquer facto aduzido pela Requerente – é sempre a da insuficiência dos elementos de prova disponibilizados.

46.O facto é que a explicação aduzida pela Requerente é plausível e suportada em documentação consistente.

47.A Requerente insiste não haver qualquer despesa e, por isso, não pode haver despesa não documentada, ou seja, não deve aplicar-se o disposto no art. 88.º/1 do CIRC.

48.A Requerida, mesmo quando confrontada com o alegado lapso contabilístico, não o impugna, mas, tão só, considera injustificados os termos da sua correcção, acabando por concluir que, tendo a regularização contabilística em causa afectado negativamente a conta de resultados transitados, isso implica uma saída de meios financeiros da sociedade, ou seja, uma despesa.

49.Assim, a Requerida nunca nega o pretendido lapso contabilístico e apenas afirma a existência de uma despesa formal, já que o faz em termos puramente contabilísticos.

50.Colhe, por isso, o argumento da Requerente: não havendo despesa efectiva, não pode aplicar-se o disposto no art. 81.º/1 do CIRC – conforme se reconhece no acórdão do processo 54/2013-T - até porque daí resultaria uma eventual violação do princípio constitucional da capacidade contributiva (art. 104.º/2 CRP).

51.À mesma conclusão se chegaria por aplicação do princípio da verdade material que impõe à administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse efeito (art. 6º do RCPIT e art. 266º da CRP). Ora no caso, resulta evidente que a AT não deveria ter-se bastado com as supostas insuficiências documentais, na medida em que dispunha de meios para conferir a real consistência da versão apresentada pela Requerente, que, como se disse, nunca impugnou.

Juros indemnizatórios

52.A Requerente pede e estão preenchidos os pressupostos para o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º da Lei Geral Tributária por se determinar haver erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

IV. Decisão

Em face do supra exposto, decide-se

  1. Julgar procedente o pedido de anulação parcial da nota de liquidação n.º 2021... de 17.2.2021 quando aplica a tributação autónoma, no valor de 15.000,00€ (quinze mil euros);
  2. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais, em conformidade com o peticionado;
  3. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

V. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em 16.350,65 € (dezasseis mil trezentos e cinquenta euros e sessenta e cinco cêntimos) nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º/1 a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º/2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

VI. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de 1 224.00 € (mil duzentos e vinte e quatro euros), a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º/2, e 22.º/4, do RJAT, e artigo 4.º/5, do RCPAT.

Notifique-se.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2021

O Árbitro

Rui M. Marrana

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 



[1] Todos os documentos citados são juntos com o pedido.