DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. No dia 3-5-2022, o sujeito passivo A..., S.A., pessoa colectiva nº ..., com sede na Rua ..., nº..., ...-... ..., apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente, proferido a 11 de Abril de 2022, pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), no âmbito do processo n.º ...2022... e, consequentemente, sobre os actos de liquidação ... de 12/2/2019, ... de 12/3/2019, ... de 12/4/2019, ... de 14/05/2019, ... de 12/06/2019, ... de 12/07/2019, ..., de 12/8/2019, ... de 12/09/2019, ... de 14/10/2019, ... de 12/11/2019, ... de 12/12/2019, ... de 13/1/2020, no montante total de € 28.463.404,00 que englobam o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (“ISP”), a Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) e outros tributos que são objecto daquele pedido, referentes ao período decorrido entre Janeiro e Dezembro de 2019, apenas na parte que respeita ao montante total de € 5.903.340,51 liquidado a título de CSR.
2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou como árbitros o Desembargador Manuel Macaísta Malheiros (presidente), o Professor Doutor Luís Menezes Leitão (relator) e o Dr. Jesuíno Alcântara Martins, disso notificando as partes.
3. O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. Os fundamentos que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, os seguintes:
4.1. A A..., S.A., contribuinte n.º ..., é uma sociedade cujo objecto social reside, entre outras actividades, na exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos.
4.2. No contexto da actividade exercida pela Requerente, e com base nas declarações de introdução no consumo por esta realizadas, a AT procedeu a actos de liquidação conjunta de ISP, CSR e outros tributos, relativos aos meses entre Janeiro e Dezembro de 2019, nos termos que a seguir se descrevem:
Mês de Introdução
no Consumo
|
Registo de
Liquidação
|
Data do
Registo deLiquidação
|
ISP
e outros
(€)
|
CSR
(€)
|
Total liquidado
(€)
|
Anexosao
pedido
|
(Ano: 2019)
|
|
|
EUR
|
EUR
|
EUR
|
|
Janeiro
|
...
|
12/02/2019
|
1.959.218,88
|
498.578,51
|
2.457.797,41
|
Docs. n.º 7+19+31
|
Fevereiro
|
...
|
12/03/2019
|
1.838.225,93
|
482.981,13
|
2.321.207,05
|
Docs. n.º 8+20+32
|
Março
|
...
|
12/04/2019
|
2.174.839,45
|
576.088,94
|
2.750.928,37
|
Docs. n.º 9+21+33
|
Abril
|
...
|
14/05/2019
|
2.107.824,64
|
554.089,96
|
2.661.914,64
|
Docs. n.º 10+22+34
|
Maio
|
...
|
12/06/2019
|
1.859.362,46
|
486.894,09
|
2.346.256,51
|
Docs. n.º 11+23+35
|
Junho
|
...
|
12/07/2019
|
1.856.749,58
|
491.649,47
|
2.348.398,95
|
Docs. n.º 12+24+36
|
Julho
|
...
|
12/08/2019
|
1.947.649,67
|
508.847,27
|
2.456.496,95
|
Docs. n.º 13+25+37
|
Agosto
|
...
|
12/09/2019
|
2.054.343,42
|
524.965,41
|
2.579.308,92
|
Docs. n.º 14+26+38
|
Setembro
|
...
|
14/10/2019
|
1.409.376,84
|
364.902,11
|
1.774.278,99
|
Docs. n.º 15+27+39
|
Outubro
|
...
|
12/11/2019
|
1.747.277,59
|
460.666,65
|
2.207.944,09
|
Docs. n.º 16+28+40
|
Novembro
|
...
|
12/12/2019
|
1.971.283,01
|
525.884,33
|
2.497.167,37
|
Docs. n.º 17+29+41
|
Dezembro
|
...
|
13/01/2020
|
1.633.912,15
|
427.792,64
|
2.061.704,75
|
Docs. n.º 18+30+42
|
Total
|
|
|
22.560.063,62
|
5.903.340,51
|
28.463.404,00
|
|
4
4.3. Em 8 de Fevereiro de 2022, a Requerente apresentou, nos termos da 2.ª parte, do n.º 1, do artigo 78.º, da LGT, pedido de revisão dos actos tributários de liquidação já anteriormente identificados (cfr. Documento43).
4.4. Em 28 de Fevereiro de 2022, a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição prévia (cfr. Documento 44), o que não fez.
4.5. Em 11 de Abril de 2022, foi proferido, pelo Director de Alfândega de Braga, despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 8 de Fevereiro de 2022 (cfr. Documento 1).
4.6. O indeferimento foi determinado por extemporaneidade, em virtude de a AT ter considerado que que “o prazo previsto na 2.ª parte do n.º 1, do art. 78.º da LGT só será aplicável, se o fundamento da revisão do ato tributário consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços”.
4.7. A existência de erro imputável aos serviços ficou alegada nos artigos 31.º a 43.º do pedido de revisão oficiosa onde se demonstrou que a jurisprudência constante do STA tem admitido que o erro a que se refere aquele preceito legal tanto respeita ao erro de facto, operacional ou material, como também ao erro de direito, conforme decorre do Acórdão do STA, de 10 de Janeiro de 2007, proferido no âmbito do processo n.º 0523/06.
4.8. Tendo-se igualmente referido que aquele Tribunal tem entendido que o erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte, mas sim à Administração, compreendendo o erro material ou de facto, como também o erro de direito, no qual se enquadra a violação das normas de Direito Europeu, tal como se refere no Acórdão do STA, de 8 de Fevereiro de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 0678/16.
4.9. As questões da existência de um erro imputável aos serviços resultante de uma errada interpretação e aplicação do Direito Europeu por parte da AT, bem como a competência dos tribunais arbitrais para a sua apreciação, foram já validadas pelo Tribunal Arbitral no âmbito do processo n.º 564/2020-T, quer em sede de decisão interlocutória proferida em 9 de Julho de 2020 (cfr. Documento 6) quer em sede de acórdão final proferido em 30 de Março de 2022 (cfr. Documento 4)
4.10. A CSR constitui um imposto incidente sobre os grandes combustíveis rodoviários – gasolina, gasóleo rodoviário e GPL auto – sujeitos também ao ISP.
4.11. A CSR serve-se em parte das regras que disciplinam o ISP mas constitui um imposto distinto, com enquadramento legal, estrutura e finalidade próprias.
4.12. Ao nível europeu, a tributação dos produtos petrolíferos e energéticos é enquadrada pela Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008, que fixa a estrutura comum dos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”) harmonizados e pela Directiva n.º 2003/96, de 27 de Outubro de 2003, que cuida especificamente da tributação dos produtos petrolíferos e energéticos.
4.13. À luz da Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008, sendo da iniciativa do legislador nacional e onerando produtos já sujeitos ao ISP, a CSR configura um imposto não harmonizado incidente sobre produtos sujeitos aos IEC harmonizados (excisable goods).
4.14. Para prevenir que seja posto em causa o sistema harmonizado dos IEC, a Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008, subordina a criação destes impostos não harmonizados sobre excisable goods à dupla condição de (a) respeitarem a estrutura essencial dos IEC e do IVA e de (b) terem como fundamento um “motivo específico”.
4.15. De acordo com a jurisprudência consolidada do TJUE, este “motivo específico” não pode corresponder a uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita, sendo que a afectação da receita a despesas determinadas pode constituir um indicador de um “motivo específico” na criação destes impostos.
4.16. Porém, entende aquele Tribunal que nem toda a afectação comprova um “motivo específico”, sendo necessária uma ligação directa entre a utilização da receita e a finalidade do imposto, não se verificando essa ligação directa quando a receita gerada pelo imposto esteja afecta a despesas susceptíveis de serem financiadas pelo “produto de impostos de qualquer natureza”.
4.17. Na falta dessa afectação adequada da receita, para que se concluísse existir “motivo específico” seria necessário, em segunda linha, e no entendimento daquele Tribunal, que a estrutura do imposto claramente servisse para desmotivar o consumo que ele queira prevenir.
4.18. É certo, porém, que a CSR foi criada por razões de ordem puramente orçamental, uma vez que a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que cria a CSR, não faz apelo a qualquer objectivo de política ambiental, energética ou social.
4.19. As razões invocadas pelo legislador para a criação da CSR estão na necessidade de encontrar receitas próprias para financiamento da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, entretanto transformada na Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., encontrando-se a receita da CSR encontra-se genericamente consignada ao financiamento da Estradas de Portugal, E.P.E.
4.20. A CSR serve, portanto, para financiar despesas susceptíveis de serem custeadas pelo “produto de impostos de qualquer natureza”, como o são a manutenção e alargamento da rede nacional de estradas, não se verificando a afectação adequada da receita que o TJUE exige para concluir pela presença de um “motivo específico”.
4.21. A estrutura da CSR não indicia, tão pouco, que esteja subjacente à respectiva criação qualquer “motivo específico” de política ambiental, energética ou social, uma vez que a incidência objectiva da CSR, a sua incidência territorial e a sua estrutura de taxas, distintas do ISP, atestam que o objectivo subjacente à sua criação está em encontrar receitas próprias e estáveis para uma entidade pública e não em desmotivar um qualquer comportamento por parte dos contribuintes.
4.22. Assim, a CSR criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, deve considerar se um imposto desconforme ao artigo 1.º, n.º 2, da Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008.
4.23. Foi neste preciso sentido, que se pronunciou o TJUE no despacho A... S.A., proferido no âmbito do processo C‑460/21, a 7 de Fevereiro de 2022 (cfr. Documento 3), na sequência de reenvio despoletado no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020-T, relativo à CSR liquidada à Requerente no ano de 2016.
4.24. É jurisprudência assente do TJUE que os Estados-Membros estão obrigados a reembolsar os montantes de imposto indevidamente cobrado em violação do Direito Europeu.
4.25. Não obstante, aquele Tribunal tem reconhecido aos Estados-Membros a possibilidade de recusar o reembolso de impostos cobrados em violação do Direito Europeu quando se comprove que o reembolso leve ao enriquecimento sem causa do contribuinte.
4.26. Esta excepção, contudo, apenas é admitida pelo TJUE em termos muito estritos, exigindo-se, para que a mesma proceda, que se demonstre a repercussão do imposto, não podendo esta ser presumida pela administração tributária, mesmo quando um imposto indirecto seja concebido pelo legislador com o objectivo de ser repercutido ou quando o contribuinte esteja legalmente obrigado a incorporá-lo no preço dos bens.
4.27. A acrescer a isto, entende o TJUE que mesmo quando se comprove a repercussão, não se pode concluir que haja enriquecimento sem causa do sujeito passivo, uma vez que a repercussão pode levar a uma quebra do volume de vendas, maior ou menor.
4.28. Entende, portanto, aquele Tribunal, que cabe à administração tributária o ónus de provar, primeiro, a repercussão do imposto, depois, o enriquecimento sem causa do contribuinte, atendendo aos particularismos económicos que rodeiam as transacções, não se podendo voltar o ónus da prova da repercussão e do enriquecimento sem causa contra o contribuinte.
4.29. Decorre também da jurisprudência do TJUE, que a invocação de uma excepção de enriquecimento sem causa com o fim de recusar o reembolso de imposto contrário ao Direito da União exige norma de Direito interno que a preveja.
4.30. Neste mesmo sentido veja-se o despacho A... S.A., proferido no âmbito do processo C‑460/21, em 7 de Fevereiro de 2022, no qual o TJUE reafirmou que “[o] direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo” (cfr. Documento 3).
4.31. Ora, ao indeferir o pedido de revisão oficiosa objecto do presente processo, a AT presume que esta procede à repercussão da CSR sem desenvolver qualquer esforço em demonstrá-la incorrendo portanto num erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
4.32. Ao indeferir o presente pedido de revisão oficiosa, a AT presume igualmente o enriquecimento sem causa da Requerente sem desenvolver qualquer esforço na sua demonstração incorrendo também em erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
4.33. Ao indeferir o pedido de revisão oficiosa a AT impõe ainda à Requerente que comprove inexistir enriquecimento sem causa em inversão e violação clara daquele que tem sido o entendimento do TJUE incorrendo noutro erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
4.34. Ao que acresce que falta base legal no Direito interno português que permita às autoridades nacionais recusar o reembolso de imposto liquidado em violação do Direito da União por apelo ao enriquecimento sem causa do sujeito passivo.
4.35. É assim claro desde já que a fundamentação que a AT dá ao acto de indeferimento ora impugnado não cumpre as exigências que o TJUE fixa na matéria, conforme resulta do despacho A... S.A., proferido a 7 de Fevereiro de 2022 por esse Tribunal no âmbito do processo C‑460/21, em que se analisa a conformidade da CSR com o Direito Europeu.
4.36. É também claro que o acto de indeferimento impugnado pela Requerente é ilegal, na medida em que assenta em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, tendo essa ilegalidade sido reconhecida no acórdão arbitral de 30 de Março de 2022, proferido no âmbito do processo n.º 564/2020-T, julgando procedente o pedido formulado pela Requerente e anulando o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e os actos de liquidação de CSR relativos a 2019 que foram objecto daquele pedido (cfr. Documento 4).
5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:
5.1. A espécie tributária da CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.
5.2. Foi esse o entendimento da decisão proferida no processo arbitral n.º 714/2020-T, que tem como objeto a Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético.
5.3. Além dessa decisão a competência da instância arbitral no que concerne à impugnação de contribuições financeiras foi igualmente objecto de análise nos processos arbitrais n.º 123/2019-T, 138/2019-T, 182/2019-T, 248/2019-T e 585/2020-T, sendo consensual o entendimento de que, a sindicância de tais contribuições se encontra excluída da competência dos tribunais arbitrais tributários.
5.4. E, quanto à natureza jurídica da CSR, não se suscitam dúvidas que a mesma constitui uma contribuição financeira, distinguindo-se, assim, do imposto.
5.5. De facto, de acordo com o disposto no artigo 1.º e no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, a CSR foi criada com o objetivo de financiar a rede rodoviária nacional, a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A. (doravante IP), nos termos do Contrato de Concessão Geral da rede rodoviária nacional celebrado com o Estado, e “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis“.
5.6. A CSR representa, assim, uma contraprestação ou contrapartida pela utilização dos serviços prestados pela IP aos utentes ou utilizadores das vias rodoviárias, em nome do Estado, por força das bases da referida concessão, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro.
5.7. Tratando-se de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários (os utilizadores da rede rodoviária nacional), se efectiva na compensação da conservação e requalificação da rede rodoviária nacional, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira e não de imposto.
5.8. Nesse sentido, a CSR encontra-se excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.
5.9. Razões pelas quais, a sindicância dos atos de liquidação de CSR está fora do âmbito das matérias suscetíveis de apreciação em sede arbitral, conforme resulta do artigo 2.º do RJAT, verificando-se a exceção dilatória que se traduz na incompetência material do tribunal arbitral, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a absolvição da Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.
5.10. Todavia, ainda que se entenda ser o tribunal competente para apreciar a legalidade desta contribuição financeira, mais se dirá que, sempre existiria a incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria, por outra via.
5.11. Efectivamente, no presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente vem suscitar uma questão que se prende com a natureza e conformidade jurídico-constitucional do regime jurídico da CSR, plasmado na Lei n.º 55/2007 (e artigo 204.º da Lei n.º 7-A/2016 – Lei do OE para 2016), e, concomitantemente, na restante legislação, incluindo o Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13/11, e Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29/05.
5.12. Ora, considerando o teor do pedido e sua fundamentação, o mesmo extravasa o âmbito da acção arbitral prevista no RJAT, e em concreto do artigo 2.º, o qual não consente o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, que, conforme decorre da restrição do perímetro desta forma processual à mera ilegalidade face a actos de liquidação de impostos, determina a exclusão do âmbito da jurisdição arbitral a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa.
5.13. Destarte se concluindo, também por esta via, que a incompetência material do tribunal arbitral consubstancia uma exceção dilatória, nos termos da alínea a) do artigo 577.º do CPC, impeditiva do conhecimento do mérito da causa, implicando a absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 99.º e n.º 2 do artigo 576.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
5.14. Verifica-se, para além disso, a ilegitimidade passiva da Requerente, embora o sujeito passivo de CSR seja o que se encontra definido para efeitos de ISP, o encargo desta contribuição financeira é suportado pelo consumidor do combustível, sendo, por isso, este último, o contribuinte da CSR.
5.15. Ora, a Requerente pretende que lhe seja restituído o montante de € 5.903.340,51 liquidado a título de CSR, relativamente a introduções no consumo efetuadas no período de Janeiro a Dezembro de 2019, que teria pago indevidamente, sem ter como provar o que alega no pedido de pronúncia arbitral, de ter efetivamente suportado o custo do pagamento desse montante ao Estado.
5.16. Efectivamente, dedicando-se a Requerente à comercialização de produtos petrolíferos, tais produtos já foram vendidos sendo que, no respetivo preço de venda foram incluídos os montantes pagos pela vendedora, designadamente para a sua introdução no consumo, tendo repercutido no preço de venda todas as despesas por si assumidas a título de liquidação de CSR, conforme é demonstrado na Informação n.º 03-CMCN/2022, de 30/03/2022, da Unidade dos Grandes Contribuintes da AT, anexa a esta resposta.
5.17. Ora, comprovado que está que a Requerente repercutiu os custos da liquidação da CSR no custo de venda dos combustíveis, resulta que a eventual anulação do ato tributário contestado beneficiaria de modo imediato a esfera da Requerente, consubstanciando uma situação de enriquecimento sem causa, não sendo por isso legítimo (directo) o seu interesse na presente demanda.
5.18. Assim, não existindo causa de pedir, como se verifica, carece a Requerente de legitimidade (activa) que sustente a sua pretensão, devendo o Tribunal Arbitral abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver a AT da instância (cf. artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea e), todos do CPC, aplicáveis "ex vi" do artigo 2.º, alínea e), do CPPT).
5.19. Entende ainda a Requerida que, no caso dos autos, deve proceder a excepção da intempestividade do pedido arbitral, com base na extemporaneidade do pedido de revisão da liquidação efetuada, cujo indeferimento está na origem do presente pedido arbitral, nada havendo a censurar na decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira/Alfândega de Braga por ter decidido nesse sentido
5.20. Efectivamente, a Requerente apresentou, em 03/05/2022, o presente pedido de pronúncia arbitral, na sequência do despacho de indeferimento, datado de 11/04/2022, do pedido de revisão oficiosa apresentado em 08/02/2022, dos actos de liquidação de ISP, CSR e outros tributos, na parte relativa aos montantes liquidados a título de CSR, com base nas declarações de introdução no consumo submetidas pela Requerente, no período de janeiro a dezembro de 2019, tituladas pelos 12 DUC constantes do PA, cujo termo do prazo de pagamento do imposto ocorreu, sucessivamente, em 28/02/2019, 29/03/2019, 30/04/2019, 31/05/2019, 28/06/2019, 31/07/2019, 30/08/2019, 30/09/2019, 31/10/2019, 29/11/2019, 31/12/2019 e 31/01/2020.
5.21. No que concerne ao prazo previsto na 1ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT (prazo da reclamação administrativa), o mesmo já se encontra precludido, uma vez que o termo do prazo de pagamento voluntário relativo ao último dos doze DUC ocorreu em 31/01/2020 e o prazo para apresentação da reclamação graciosa (de 120 dias a contar do termo do prazo do pagamento da CSR) terminou em 30 de Maio de 2020, face ao estatuído no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, conjugado com a alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro.
5.22. Relativamente ao prazo previsto na 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, o mesmo só é aplicável se o fundamento de revisão do ato tributário consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços.
5.23. Não podendo invocar a ilegalidade das liquidações como fundamento para o pedido de revisão (apesar de os considerar ilegais no pedido de revisão), uma vez que para o fazer teria que observar o prazo de reclamação, longamente ultrapassado, a Requerente fundamenta o pedido em erro dos serviços, a estes imputável, o que lhe permitiria utilizar o prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º da LGT, tratando-se de um erro de direito por, conforme alega, ter sido aplicada uma lei nacional que viola o direito comunitário.
5.24. Ora, tais actos de liquidação foram praticados em aplicação de uma lei da República em vigor há 14 anos, cuja conformidade com o direito comunitário nunca foi posta em causa por qualquer tribunal, nacional ou comunitário - competindo a esses órgãos a declaração de ilegalidade de quaisquer normas - e a AT não pode deixar de aplicar a norma, com base num “julgamento de não conformidade” com o direito comunitário.
5.25. De facto, a AT está sujeita ao Princípio da Legalidade (cf. n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 55.º da LGT), não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento de que a mesma não está em conformidade com o direito comunitário (aplicável por força do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da CRP).
5.26. Assim sendo, perante a norma em vigor, a AT, em obediência ao Princípio da Legalidade, não poderia ter actuado de modo diferente, sob pena de estar ela a violar essa legalidade, e, nessa conformidade entende a Requerida que, inexistindo erro imputável aos serviços, inexiste fundamento que legitime o procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
5.27. Nestes termos, o pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado pela Requerente, em 03/05/2022, na sequência do indeferimento, proferido pelo Director da Alfândega de Braga do pedido de revisão apresentado fora do prazo legal para o efeito, tem de ser considerado extemporâneo e, consequentemente, ser a Requerida absolvida do pedido.
5.28. Em abono da tese defendida pela AT invoca-se jurisprudência arbitral, mormente a que resulta do Proc. n.º 629/2021-T, o qual versando sobre a mesma questão controvertida, com identidade de matéria de facto e de direito, viria, por Decisão de 03/08/2022, julgar procedente a excepção de caducidade de direito de ação.
5.29. Além da identificada decisão, as Decisões Arbitrais proferidas nos Processos n.º 345/2017-T, n.º 114/2019-T e n.º 362/2020-T, não obstante respeitarem a outros tributos, e salvaguardadas as devidas diferenças, versam, igualmente, sobre pedidos de revisão da liquidação de imposto, apresentados fora do prazo legal para o efeito, cujo indeferimento foi o meio utilizado para justificar a interposição de pedido arbitral.
5.30. A questão da intempestividade do pedido arbitral, foi também suscitada pela Requerida no processo do mesmo contribuinte, ora Requerente, que correu termos no CAAD sob o n.º 564/2020-T, cuja decisão, tendo sido objeto de impugnação para o Tribunal Central Administrativo, ainda não transitou em julgado.
5.31. Em face da manifesta extemporaneidade do pedido, verifica-se a exceção de caducidade do direito de ação, o que se invoca, devendo, em consequência, a Requerida, de acordo com o disposto no artigo 576.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (aplicável subsidiariamente pelo artigo 29.º do RJAT), ser absolvida do pedido.
5.32. Em 08/02/2022, a Requerente apresentou junto da Alfândega de Braga um pedido de revisão dos actos de liquidação de CSR, relativamente a introduções no consumo efetuadas de Janeiro a Dezembro de 2019, nos termos da 2.ª parte, do n.º 1, do artigo 78.º, da LGT.
5.33. Por ofício datado de 28/02/2022, da Alfândega de Braga, a Requerente foi notificada em 21/03/2022 para exercer o direito de audição prévia, tendo optado por não exercer esse direito.
5.34. Em 11/04/2022, foi proferido pelo Director da mesma alfândega, despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, devidamente fundamentado, por se considerar que "inexistindo erro imputável aos serviços, inexiste fundamento que legitime o procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, a que acresce o facto de a própria requerente, referir no pt. 17º da sua exposição que devem ser considerados “ilegais”, os atos de liquidação praticados pela Administração Tributária"estando "o prazo de 120 dias há muito precludido".
5.35. Na sequência da notificação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, em 30/04/2022, a Requerente apresentou em 03/05/2022, junto da Instância Arbitral o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, formulando o pedido de declaração de ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e dos actos de liquidação de CSR referentes a 2019, bem como a condenação da AT a reembolsar o montante de € 5.903.340,51, acrescido de juros indemnizatórios.
5.36. A contribuição de serviço rodoviário (CSR), foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, tendo entrado em vigor em 01/01/2008, conforme resulta do disposto no n.º 1 do artigo 9.º, conjugado com o n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 380/2007, diploma que atribui às EP - Estradas de Portugal, S. A., actual Infraestruturas de Portugal, IP, SA, a concessão da rede rodoviária nacional e aprova as bases da concessão.
5.37. De acordo com o disposto no artigo 1.º e no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 55/2007, a CSR visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., e constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis.
5.38. A CSR constitui, pois, a contrapartida pela utilização dos serviços prestados pela IP aos utentes das vias rodoviárias, em nome do Estado, por força das bases da referida concessão, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, suportada pelos seus utilizadores (princípio do utilizador-pagador), e apenas subsidiariamente pelo Estado.
5.38. O acórdão do TJUE de 05 de Março, proferido no Proc.º C–553/13, no qual a Requerente sustenta o seu pedido de revisão oficiosa, diz respeito a uma taxa criada por regulamento, cuja forma de tributação e objetivo subjacente à sua criação, em nada se assemelha à CSR.
5.39. O invocado “motivo específico” para a razão de ser da CSR, também se consubstancia em objectivos ambientais e de redução de sinistralidade, verificando-se o condicionalismo contestado pela Requerente e não estando por isso em causa despesas gerais ou com finalidades puramente orçamentais, indo inclusive ao encontro do preconizado no âmbito do acórdão do TJUE (Primeira Secção), de 25 de julho de 2018, processo C-103/17 (Messer France).
5.40. É inequívoco que existem na CSR objetivos ou finalidades não orçamentais, estando subjacente à sua criação e afetação motivos específicos distintos de uma finalidade orçamental, nomeadamente finalidades de redução de sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, sendo, pois, a referida CSR conforme ao direito comunitário, ao contrário do que pretende a Requerente.
5.41. Mas ainda que assim não fosse, o que só por hipótese académica se admite, “a ordem jurídica comunitária e a proteção dos direitos que ela consagra não exigem a concessão do reembolso de impostos indevidamente liquidados ao contribuinte em condições tais que produzam o seu enriquecimento sem causa”, tal como expresso no ponto n.º 26 do Acórdão do TJUE Hans Just, proferido no âmbito do processo 68/79, em 27 de Fevereiro de 1980.
5.42. A este propósito, alega a Requerente que esta excepção do enriquecimento sem causa é admitida em termos muito estritos pelo TJUE, porquanto pressupõe a repercussão e a repercussão do imposto não pode ser presumida, conforme a jurisprudência indicada, nomeadamente os acórdãos proferidos, entre outros, nos Processos do TJUE C-199/82, de 09/11/1983 (O Caso San Giorgio), C-192/95, 14/01/1997 (O Caso Comateb and Others) ou o C-147/01, de 02/10/2003 (Caso Weber’s Wine World).
5.43. Não obstante, a quase totalidade da jurisprudência indicada, tem por base a repercussão do IVA, que se trata de um imposto plurifásico e que incide sobre o valor dos bens e não sobre a quantidade, pelo que apresenta uma estrutura tributária de contornos muito diferenciados da CSR, que pressupõe uma análise por um prisma relativamente diferenciado.
5.44. Combinando a procura inelástica dos produtos em causa com o facto de estar em causa um tributo monofásico e específico, as condições de repercussão total do imposto encontram-se preenchidas, pelo que, de acordo com as regras da racionalidade económica, a CSR será efetivamente paga pelo consumidor final, sendo inclusive de referir, que, na sequência da entrada em vigor do Regulamento n.º 141/2020, de 20 de fevereiro e de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 8.º, “os comercializadores de combustíveis derivados de petróleo e de GPL em postos de abastecimento estão obrigados à apresentação de uma fatura detalhada que contenha os elementos necessários a uma completa e acessível compreensão dos valores faturados, conforme estabelecido no Artigo 16.º da Lei n.º 5/2019, de 11 de janeiro”, sendo que entre esses elementos se incluiu “as taxas e os impostos devidos, expressos em EUR/litro no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto, e em EUR/garrafa no caso do GPL engarrafado” [al. d) do n.º 1 o artigo 9.º]. Por seu turno o n.º 2 do artigo 9.º do diploma legal em referência, refere que “para efeitos da alínea d) do número anterior, devem ser identificados, relativamente ao total da fatura: a) O Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), que inclui, designadamente, o adicional ao ISP, o adicionamento sobre as emissões de CO2 (Taxa de Carbono) e a contribuição de serviço rodoviário (CSR)…”.
5.45. Verifica-se assim, que, embora não exista um mecanismo formal de repercussão do imposto (de realçar, que a inexistência de tal mecanismo de repercussão constitui a regra nos impostos especiais sobre o consumo), a verdade é que da sua aplicação decorre a transferência da carga fiscal para o consumidor, através do preço.
5.46. É jurisprudência pacífica do TJUE que o Estado tem o direito de recusar o reembolso de impostos cobrados em violação do direito comunitário na condição de provar que o encargo fiscal foi efetivamente suportado por uma pessoa diferente do sujeito passivo do imposto e que o reembolso do imposto a este último determinaria uma situação de enriquecimento sem causa (v.g., Proc.º n.º C-147/01, de 02/10/03).
5.47. Consubstanciaria uma clamorosa injustiça, com consequências financeiras muito gravosas, se a AT se visse obrigada a restituir à Requerente um montante de imposto ou contribuição que entregou às Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., nos termos da lei, e que aquela não suportou porque repercutiu o encargo nos consumidores finais dos combustíveis, conduzindo a um inadmissível enriquecimento sem causa de uma empresa em desfavor do interesse público.
5.48. Com vista a fazer prova da repercussão efetiva da CSR pela Requerente, foi aberta pela AT a Ordem de Serviço n.º OI2021..., constando da Informação n.º 03 - CMCN/2022, de 30/03/2022, da Unidade dos Grandes Contribuintes da AT, os resultados da análise efetuada que comprovam que a CSR liquidada relativamente às introduções no consumo efetuadas em 2019, foi incluída no preço de venda dos combustíveis e, consequentemente constituiu encargo, não da requerente, mas de quem adquiriu os combustíveis.
5.49. A análise da repercussão da CSR feita pela Autoridade Tributária (e consequentemente do enriquecimento sem causa), nomeadamente a que incide sobre o tratamento contabilístico e o enquadramento fiscal efetuado pelo sujeito passivo à CSR, faz prova adequada, possível e suficiente de que a CSR foi repercutida no preço de venda praticado pela ora Requerente.
5.50. A estrutura tributária específica da CSR e a análise que, em concreto, foi efetuada pela UGC ao tratamento contabilístico e ao enquadramento fiscal que a Requerente dá à CSR, são demonstrativas da repercussão desta contribuição no PVP, pelo que, em qualquer caso, o reembolso dos montantes pagos a título de CSR a quem paga o imposto ao Estado mas não o suporta (quem suporta a carga do imposto, efetivamente, são os seus clientes)configuraria uma situação de enriquecimento sem causa, fonte de obrigações, no âmbito do direito civil (artigo 474.º do Código Civil).
5.52. Ao reembolsar a CSR à Requerente, o Estado estaria a transferir para esta entidade as verbas que os consumidores finais suportaram quando adquiriram os combustíveis, sendo que os consumidores continuariam a suportar o impacto negativo que esta contribuição causou, o Erário Público no final não arrecadaria qualquer receita (num primeiro momento arrecadou, mas num momento posterior estaria a devolver o valor cobrado) e a Requerente passaria a ser a beneficiária efetiva de uma receita que não faz qualquer sentido que constitua rendimento desta entidade (na medida em que quem suportou efectivamente o encargo com a CSR foram os consumidores finais).
5.53. Face a todo o supra explanado, é imperioso concluir-se que, ainda que se considerasse que o regime jurídico da CSR não é conforme ao direito comunitário, o que apenas para efeitos de raciocínio se concebe, tem o tribunal de considerar provado que o montante de € 5.903.340,51, pago a título de CSR, relativamente a introduções no consumo efetuadas no período de Janeiro a Dezembro de 2019, não pode ser reembolsado ao Requerente dado que tal montante não foi pelo mesmo suportado, pois ao ter sido incluído no preço de venda ao público dos combustíveis, o respetivo encargo recaiu sobre os consumidores finais dos produtos.
5.54. Mas, caso o tribunal arbitral não adira à posição da Requerida, o tribunal deve julgar não verificada a hipótese de ato claro ou aclarado, pelo que, tem de forçosamente considerar que se levantam dúvidas suficientes, em face da jurisprudência invocada, que obstam à aceitação do entendimento da Requerente sem prévia consulta ao TJUE, para que este possa exercer as suas competências próprias, nos termos dos Tratados.
5.55. Isto porque os contornos do presente caso concreto diferem daqueles que são objeto de análise no processo n.º 564/2020-T do CAAD, dado que neste caso a AT faz prova cabal de que o montante pago pela Requerente a título de CSR, relativamente às introduções no consumo efetuadas durante o ano de 2019, foi efetivamente repercutido no preço de venda ao público dos combustíveis e que, assim sendo, como é, o reembolso do montante em causa ao sujeito passivo determinam o seu enriquecimento sem causa, o que se mostra inadmissível.
5.56. Além da CSR não se tratar de um imposto, como se aludiu acima, as atribuições dos tribunais arbitrais tributários não incluem competências no âmbito da execução de sentenças ou decisões, não lhes competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores ou montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação, o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão, em conformidade, aliás, com o já decidido pela instância arbitral nesse sentido.
5.57. Assim, incumbindo às alfândegas efetuar as liquidações, compete-lhes igualmente promover as diligências necessárias ao cumprimento das decisões arbitrais, designadamente, quanto ao cálculo dos montantes que, em caso de procedência das ações, venham a ser reembolsados ao sujeito passivo.
5.58. Peticionando-se o pagamento de juros indemnizatórios “desde a data do pagamento”, há que considerar que o pedido arbitral foi efetuado na sequência de um pedido de revisão oficiosa que a Requerente apresentou junto da Alfândega de Braga.
5.59. Seguindo abundante e consolidada jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, mormente a vertida nos Acórdãos de 28/01/2015, no Processo n.º 0722/14, de 11/12/2019, no Processo n.º 058/19.9BALSB, de 20/05/2020, no Processo n.º 05/19.8BALSB, de 26/05/2022, no Proc. n.º 159/21.3BALSB, entende-se que os juros indemnizatórios só serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto (cf. artigo 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT).
5.60. No mesmo sentido já se pronunciou o tribunal arbitral, designadamente nas decisões proferidas nos processos n.º 296/2020-T, 18/2021-T, 785/2020-T e 271/2021-T.
5.61. Assim, atendendo a que, no caso concreto, o pedido de revisão foi apresentado em 08/02/2022, junto da estância aduaneira competente, só haveria lugar ao pagamento de juros indemnizatórios um ano após aquele pedido se a Alfândega de Braga não se tivesse pronunciado sobre o mesmo dentro daquele prazo, face ao estabelecido na alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT.
5.62. No caso vertente, atendendo a que o pedido de revisão foi apresentado junto da alfândega competente em 08/02/2022, e que a decisão foi prolatada em 11/04/2022, antes de decorrido o prazo de um ano após a apresentação do mesmo pedido, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, porquanto o direito ao seu recebimento só poderia ocorrer, face à lei, a partir de 08/02/2023, na ausência de prolação de decisão.
5.63. Destarte, face ao que se invoca, não se verifica, conforme se expôs, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
6. No dia 1/10/2022 foi proferido despacho arbitral convidando a Requerente a pronunciar-se sobre as excepções invocadas pela Requerida.
7. Em 18/10/2022, a Requerente respondeu, sustentando não haver lugar à incompetência do Tribunal Arbitral, nem à ilegitimidade activa da Requerente, nem à caducidade do direito de acção, tendo o Tribunal decidido em despacho da mesma data relegar o conhecimento dessas excepções para a decisão final.
8. Também em 18/10/2022 foi proferido pelo Tribunal Arbitral despacho a dispensar a reunião prevista no art. 18º RJAT e a convidar as partes a apresentar alegações escritas, dada a importância económica e jurídica do litígio.
9. Ambas as partes apresentaram alegações onde reiteraram as posições sustentadas nos articulados, tendo a Requerente juntado um anexo com uma proposta de lei apresentada pelo Governo com vista à eliminação da Contribuição sobre o Serviço Rodoviário.
II – Factos provados
10. Com base na prova documental constante da documentação junta pela Requerente e do processo administrativo junto aos autos pela Requerida, consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
10.1. A A..., S.A., contribuinte n.º ..., é uma sociedade cujo objecto social reside, entre outras actividades, na exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos.
10.2. No contexto da actividade exercida pela Requerente, e com base nas declarações de introdução no consumo por esta realizadas, a AT procedeu a actos de liquidação conjunta de ISP, CSR e outros tributos, relativos aos meses entre Janeiro e Dezembro de 2019, nos termos que a seguir se descrevem:
Mês de Introdução
no Consumo
|
Registo de
Liquidação
|
Data do
Registo deLiquidação
|
ISP
e outros
(€)
|
CSR
(€)
|
Total liquidado
(€)
|
Anexosao
pedido
|
(Ano: 2019)
|
|
|
EUR
|
EUR
|
EUR
|
|
Janeiro
|
...
|
12/02/2019
|
1.959.218,88
|
498.578,51
|
2.457.797,41
|
Docs. n.º 7+19+31
|
Fevereiro
|
...
|
12/03/2019
|
1.838.225,93
|
482.981,13
|
2.321.207,05
|
Docs. n.º 8+20+32
|
Março
|
...
|
12/04/2019
|
2.174.839,45
|
576.088,94
|
2.750.928,37
|
Docs. n.º 9+21+33
|
Abril
|
...
|
14/05/2019
|
2.107.824,64
|
554.089,96
|
2.661.914,64
|
Docs. n.º 10+22+34
|
Maio
|
...
|
12/06/2019
|
1.859.362,46
|
486.894,09
|
2.346.256,51
|
Docs. n.º 11+23+35
|
Junho
|
...
|
12/07/2019
|
1.856.749,58
|
491.649,47
|
2.348.398,95
|
Docs. n.º 12+24+36
|
Julho
|
...
|
12/08/2019
|
1.947.649,67
|
508.847,27
|
2.456.496,95
|
Docs. n.º 13+25+37
|
Agosto
|
...
|
12/09/2019
|
2.054.343,42
|
524.965,41
|
2.579.308,92
|
Docs. n.º 14+26+38
|
Setembro
|
...
|
14/10/2019
|
1.409.376,84
|
364.902,11
|
1.774.278,99
|
Docs. n.º 15+27+39
|
Outubro
|
...
|
12/11/2019
|
1.747.277,59
|
460.666,65
|
2.207.944,09
|
Docs. n.º 16+28+40
|
Novembro
|
...
|
12/12/2019
|
1.971.283,01
|
525.884,33
|
2.497.167,37
|
Docs. n.º 17+29+41
|
Dezembro
|
...
|
13/01/2020
|
1.633.912,15
|
427.792,64
|
2.061.704,75
|
Docs. n.º 18+30+42
|
Total
|
|
|
22.560.063,62
|
5.903.340,51
|
28.463.404,00
|
|
10.3. Em 08/02/2022, a Requerente apresentou junto da Alfândega de Braga um pedido de revisão dos actos de liquidação de CSR, relativamente a introduções no consumo efetuadas de Janeiro a Dezembro de 2019.
10.4. Por ofício datado de 28/02/2022, da Alfândega de Braga, a Requerente foi notificada em 21/03/2022 para exercer o direito de audição prévia, tendo optado por não exercer esse direito.
10.5. A 11 de Abril de 2022 foi proferido despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente.
10.5. Na sequência da notificação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, em 30/04/2022, a Requerente apresentou em 03/05/2022, junto da Instância Arbitral o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, formulando o pedido de declaração de ilegalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e dos atos de liquidação de CSR referentes a 2019, bem como a condenação da AT a reembolsar o montante de 5.903.340,51 €, acrescido de juros indemnizatórios.
10.6. Do montante global de € 28.463.404,00 correspondente aos actos de liquidação de ISP, CSR e outros tributos, a Requerente apenas pediu a revisão oficiosa e contestou no pedido arbitral o valor de € 5.903.340,51, correspondente à CSR liquidada relativa aos meses de Janeiro e Dezembro de 2019.
III - Factos não provados
11. Por não haver prova adequada nos autos, uma vez que não se considerou suficiente para esse efeito a Informação 03 - CMNC2022 junta pela Requerida, não se consideraram provados os seguintes factos:
11.1. Verificou-se a repercussão económica da CSR liquidada sobre os consumidores finais.
11.2. O reembolso das contribuições liquidadas conduziria a um enriquecimento sem causa da Requerente.
IV - Fundamentação da decisão de facto:
12. A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Colectivo e a convicção sobre a mesma foi formada com base em prova documental, i.e., nas peças processuais apresentadas pelas partes no âmbito deste processo arbitral, bem como pelos documentos juntos em sede de processo administrativo.
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada pelas partes, devendo, por isso, seleccionar a matéria factual com relevância directa para a decisão.
O Tribunal Colectivo apreciou livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
V - Do Direito
13. São as seguintes as questões a examinar no presente processo.
– Da excepção da incompetência absoluta do Tribunal por o pedido de pronúncia arbitral ter como objecto actos de liquidação de um tributo qualificável como “contribuição financeira”;
– Da excepção da incompetência absoluta do Tribunal por o pedido de pronúncia arbitral ter por objeto a apreciação em abstracto da legalidade da Contribuição de Serviço Rodoviário;
– Da excepção de legitimidade processual activa da Requerente;
– Da excepção da caducidade do direito de acção.
– Da ilegalidade das liquidações da Contribuição de Serviço Rodoviário e do eventual direito ao seu reembolso.
– Do direito a juros indemnizatórios.
Examinar-se-ão assim essas questões, sendo que as questões a decidir são semelhantes às que já foram apreciadas igualmente em relação à mesma Requerente nos processos 564/2020-T, 629/2021-T e 304/2022-T, pelo que se seguirá em parte a argumentação constante dessas decisões.
— DA EXCEPÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL POR O PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL TER POR OBJECTO ACTOS DE LIQUIDAÇÃO DE UM TRIBUTO QUALIFICÁVEL COMO "CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA".
14. Invocou a Requerida, em sede de excepção, que o presente Tribunal Arbitral seria incompetente, uma vez que a espécie tributária da CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuições financeiras.
Seguindo neste ponto a doutrina expressa nas decisões do CAAD emitida nos processos 564/2020-T, 629/2021-T e 304/2022-T, entendemos que a contribuição de serviço rodoviário possui natureza de imposto.
Efectivamente, e conforme refere FREITAS PEREIRA, Fiscalidade, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 2007, p. 14 ,“o imposto é uma prestação pecuniária, coactiva, unilateral, a título definitivo, sem carácter de sanção, devida ao Estado ou a outros entes públicos, com vista à realização de fins públicos”. Ora, todos os requisitos do conteúdo pecuniário, carácter coactivo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afectação à realização de fins públicos se encontram presentes na contribuição de serviço rodoviário, sendo portanto manifesta a sua qualificação como imposto.
O facto de a CSR se destinar a obter receitas em virtude da utilização das vias rodoviárias não altera esta qualificação, dado que o art. 4º, nº3, da Lei Geral Tributária refere expressamente que "as contribuições especiais que assentam (…) no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade são consideradas impostos".
Neste sentido, no acórdão deste CAAD emitido no processo 304/2022 escreveu-se ainda o seguinte:
"Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.
Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira.
É ainda relevante a posição do Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, onde se lê:
“Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.
Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano. (...)
Face ao exposto, não se antevê suporte legal bastante, face à Constituição e à lei, para a contribuição de serviço rodoviário ser paga directamente a uma sociedade anónima, sem passar pelo Orçamento do Estado. Para além disso, o Tribunal de Contas não pode deixar de assinalar que esta situação leva a uma saída de receitas e despesas da esfera orçamental e, por consequência, da sua execução, o que conduz à degradação, nesta sede, do âmbito do controlo das receitas e despesas públicas.”
A posição do Tribunal de Contas apenas reforça a conclusão do Tribunal, já anteriormente enunciada, de que a CSR é um imposto de receita consignada.
A interpretação que adotamos é igualmente corroborada por Casalta Nabais, J., Estudos sobre a Tributação dos Transportes e do Petróleo, Almedina, Coimbra, 2019, p. 15, em que o Autor afirma que “estarmos perante tributos que, atenta a sua estrutura unilateral, se configuram como efectivos impostos, muito embora dada a titularidade activa das correspondentes relações tributárias (e o destino da sua receita), tenham clara natureza parafiscal.”".
Em consequência, e seguindo a doutrina pacífica dos acórdãos deste CAAD emitidos nos processos 564/2020-T, 629/2021-T e 304/2022-T julga-se improcedente a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral em virtude da natureza do tributo, uma vez que a competência dos tribunais arbitrais abrange a apreciação das pretensões dos sujeitos passivos referentes a impostos, como a CSR, nos termos do art.º 2.º do RJAT; e também não se verifica a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais no presente processo, por força do art.º 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que limita essa vinculação prévia às “pretensões relativas a impostos”.
— DA EXCEPÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL POR O PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL TER POR OBJECTO A APRECIAÇÃO EM ABSTRACTO DA LEGALIDADE DA CONTRIBUIÇÃO DE SERVIÇO RODOVIÁRIO.
15. Sustenta a Requerida que, considerando o teor do pedido e sua fundamentação, o mesmo extravasa o âmbito da acção arbitral prevista no RJAT, e em concreto do artigo 2.º, uma vez que não estaria em causa a apreciação da mera ilegalidade face a actos de liquidação de impostos, mas antes a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa, mais precisamente apreciação em abtracto da natureza e conformidade jurídico-constitucional do regime jurídico da CSR, plasmado na Lei n.º 55/2007 (e artigo 204.º da Lei n.º 7-A/2016 – Lei do OE para 2016), e,concomitantemente, na restante legislação, incluindo o Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13/11, e Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29/05.
Analisando o requerimento de constituição do Tribunal Arbitral apresentado pela Requerente, o mesmo refere fazê-lo para o Tribunal Arbitral "se pronunciar sobre a ilegalidade do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente, proferido a 11 de Abril de 2022, pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), no âmbito do processo n.º ...2022... e, consequentemente, sobre os actos de liquidação – melhor identificados infra – que englobam o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (“ISP”), a Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) e outros tributos que são objecto daquele pedido, referentes ao período decorrido entre Janeiro e Dezembro de 2019, apenas na parte que respeita ao montante total de € 5.903.340,51 liquidado a título de CSR".
E o pedido é formulado da forma seguinte:
"Termos em que se requer a V. Exa. que o presente pedido de pronúncia arbitral seja julgado procedente e, em consequência:
a) Seja declarada a ilegalidade do acto de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa referente aos actos de liquidação acima melhor identificados;
b) E, bem assim, seja declarada a ilegalidade dos actos de liquidação impugnados no presente pedido no que respeita ao montante liquidado a título de CSR;
c) E, consequentemente, seja a AT condenada a reembolsar a Requerente pelo valor total de CSR indevidamente pago, relativamente aos actos de liquidação juntos aos autos, no montante de € 5.903.340,51 acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor".
Verifica-se assim que, ao contrário do que refere a Requerida, o objecto do presente processo não é a impugnação da Lei 55/2007, de 31 de Agosto, nem a declaração da sua ilegalidade ou ineficácia, mas antes a declaração da ilegalidade do pedido de revisão oficiosa e dos actos de liquidação impugnados. Neste caso, trata-se de ilegalidade abstracta dos actos de liquidação, uma vez que a mesma resulta da invocada desconformidade da referida Lei 55/2007 com o Direito da União Europeia, mais precisamente com o art. 1º, nº2, da Directiva 2008/118/CE, de 16 de Dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo.
Conforme refere Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, II, Lisboa, Áreas, 2007, p. 323, "na ilegalidade abstracta a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado (…).Cabem neste conceito de ilegalidade abstracta todos os casos de actos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal ou mesmo normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares".
A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a reconhecer pacificamente a ilegalidade abstracta constitui fundamento de oposição à execução fiscal de que são exemplos os Ac. STA 23/11/2011 (Dulce Neto), processo 0945/10 e Ac. STA 20/3/2019 (Aragão Seia), processo 0558/15.0BEMDL 0176/18, devendo-se considerar que a mesma pode igualmente dar lugar à impugnação judicial. Assim, no Ac. STA 21/9/2022 (Francisco Rothes), processo 01767/15.7BELRS considerou existir inutilidade superveniente da lide no julgamento da impugnação judicial quando em sede de oposição tenha sido julgado ilegal um tributo por violação do Direito da União Europeia. Efectivamente, se o art. 99º do CPPT admite que constitui fundamento da impugnação impugnação judicial "qualquer ilegalidade" naturalmente que na mesma se inclui a ilegalidade abstracta, que pode ser assim objecto de impugnação em tribunal arbitral.
Essa tem sido a jurisprudência constante do CAAD, citando-se como exemplo os processos 275/2016-T, 656/2016-T, 48/2017-T, não havendo qualquer razão para alterar o entendimento neste caso.
Assim, e uma vez que o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar a ilegalidade das liquidações e sendo a ilegalidade abstracta fundamento de impugnação dos actos tributários, manifestamente que o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar essa ilegalidade. Por esse motivo se julga improcedente a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral resultante da natureza do pedido.
— DA EXCEPÇÃO DE ILEGITIMIDADE PROCESSUAL ACTIVA DA REQUERENTE.
16. Sustenta a Requerida verificar-se a ilegitimidade passiva da Requerente já que, embora o sujeito passivo de CSR seja o que se encontra definido para efeitos de ISP, o encargo desta contribuição financeira é suportado pelo consumidor do combustível, sendo, por isso, este último, o contribuinte da CSR, pelo que faltaria legitimidade activa à Requerente para proceder à impugnação judicial, uma vez que não teria interesse directo na demanda.
Refere a este propósito o art. 9º, nº1, CPPT que "têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido". O nº 4 acrescenta que "têm legitimidade no processo judicial tributário, além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública".
Por sua vez, o nº 3 do art.º 18.º da LGT refere que "o sujeito passivo [da relação jurídica tributária] é a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável".
É assim manifesta a legitimidade da Requerente, enquanto sujeita ao pagamento da CSR, para impugnar as liquidações referentes à mesma.
Em qualquer caso, e conforme se salientou no Acórdão deste CAAD emitido no processo 629/2021-T, se a AT não rejeitou o pedido de revisão oficiosa com fundamento na falta de legitimidade da Requerente, manifestamente que não pode invocar essa pretensa falta de legitimidade para impedir a Requerente de impugnar a decisão proferida no processo de revisão oficiosa. Efectivamente, é manifesto que quem é parte legítima para solicitar a revisão oficiosa dos actos de liquidação dos tributos é igualmente parte legítima para impugnar esses actos de liquidação.
Por todos estes motivos se julga improcedente a excepção de ilegitimidade processual activa da Requerente, declarando-se assim que ambas as partes são legítimas.
— DA EXCEPÇÃO DE CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO.
17. Sustenta a Requerida ter-se verificado a caducidade do direito de acção, em relação ao prazo previsto na 1ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT (prazo da reclamação administrativa), uma vez que o termo do prazo de pagamento voluntário relativo ao último dos 12 DUC ocorreu em 31/01/2020 e o prazo para apresentação da reclamação graciosa (de 120 dias a contar do termo do prazo do pagamento da CSR) terminou em 30 Maio de 2020. Já relativamente ao prazo previsto na 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, esse só seria aplicável se a revisão do acto tributário se fundar em erro e esse erro for imputável aos serviços. Ora, perante a norma da Lei 55/2007, entende a Requerida que, em obediência ao Princípio da Legalidade, não poderia ter actuado de modo diferente, sob pena de estar ela a violar essa legalidade, e, nessa conformidade considera que, inexistindo erro imputável aos serviços, inexiste fundamento que legitime o procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. Assim, o pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado pela Requerente, em 03/05/2022, na sequência do indeferimento do pedido de revisão apresentado fora do prazo legal para o efeito, tem de ser considerado extemporâneo e, consequentemente, ser a Requerida absolvida do pedido.
Dispõe o artigo 78º, nº 1, da Lei Geral Tributária: “A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.
Referindo o nº 3 do mesmo artigo: “A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior”.
A jurisprudência tem considerado que o erro imputável aos serviços, previsto no art. 78º da LGT como fundamento da revisão oficiosa, abrange o erro de direito, no caso de uma incorrecta interpretação da lei, sendo nesse caso o prazo para o pedido de revisão elevado para quatro anos. Efectivamente, conforme referiu o Supremo Tribunal Administrativo, no Ac. STA 14/3/2012 (Dulce Neto), processo 01007/11:
"Em suma, a revisão do acto tributário por «iniciativa da administração tributária» pode ser efectuada «a pedido do contribuinte», como resulta do artigo 78.º, n.º 7 da LGT e do artigo 86.º, n.º 4, alínea a), do CPPT, bem como dos princípios da legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade - art. 266º, nº 2 da CRP. E o «erro imputável aos serviços» constante do artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT compreende o erro de direito e não apenas o lapso, erro material ou erro de facto, como aliás veio esclarecer o n.º 3 do artigo 78.º da LGT, na redacção introduzida pelo artigo 40.º da Lei n.º 55-B/04, de 30 de Dezembro.
É esta jurisprudência consolidada e pacífica que aqui, mais uma vez, se acolhe (Além dos acórdãos referidos na sentença recorrida, leiam-se, por mais recentes, os acórdãos proferidos em 17/05/2006, no recurso n.º 16/06, em 6/06/2007, no recurso n.º 606/06, em 21/01/2009, no recurso n.º 771/08, e em 22/03/2011, no recurso n.º 1009/10.), pois que nenhuma razão se descortina para dela divergir".
Acompanhamos esta jurisprudência, pelo que não podemos concordar com a decisão tomada pelo Tribunal Arbitral deste CAAD no processo 629/2021-T, aliás com um voto de vencido precisamente sobre esta questão. Acolhemos antes a posição expressa nas decisões emitidas nos processos 564/2020-T e 304/2022-T, de que não se verifica qualquer caducidade se o pedido de revisão oficiosa for apresentado dentro do prazo de quatro anos com fundamento em erro de direito.
Conforme se escreveu no acórdão proferido no processo 564/2020-T:
"Conforme é também jurisprudencialmente aceite, existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, em resultado da obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei.
Por outro lado, como é evidente, a existência do erro que constitui fundamento do pedido de revisão não pode ser aferida a partir da posição jurídica que tenha sido assumida pela Autoridade Tributária na apreciação do pedido de revisão, mas com base nos vícios de ilegalidade que tenham sido arguidos pelo sujeito passivo na formulação do pedido. Sendo que o processo arbitral foi deduzido precisamente para discutir a validade do entendimento adoptado pela Administração na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.".
No mesmo sentido se pronunciou o Tribunal Arbitral no processo 304/2022-T:
"Podemos então concluir que, de acordo com jurisprudência do STA, o pedido de revisão oficiosa efetuado no prazo (quatro anos) previsto na segunda parte do nº 1 do art.º 78º da LGT pode ter como fundamento a ilegalidade abstrata da liquidação resultante da violação do Direito da União Europeia por parte da lei em que se baseia a liquidação.
Estamos plenamente de acordo com esta jurisprudência pois, a partir do momento em que se admite que o pedido de revisão oficiosa, previsto no art.º 78.º, n.º1 conjugado com o nº 7 do mesmo preceito, constitui, não já um meio especial de a administração corrigir erros por si cometidos na aplicação do direito – como a letra da lei sugere – mas sim mais um meio de reação ao alcance do sujeito passivo contra a ilegalidade do ato tributário, há que entender “ilegalidade” como qualquer violação do bloco de legalidade, o qual inclui não apenas as leis de grau inferior que são imediatamente aplicáveis ao ato administrativo, mas também todas aquelas de grau hierárquico superior que, não se aplicando imediatamente ao ato administrativo em causa, condicionam a validade das leis de grau inferior, como é o caso das leis constitucionais e do direito da União Europeia, e ainda os regulamentos e até atos administrativos anteriores.
Face a tudo o que ficou exposto, podemos assentar nas seguintes conclusões, referentes à possibilidade de os sujeitos passivos efetuarem pedido de revisão oficiosa com base na segunda parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT:
1. Os sujeitos passivos podem provocar, através de um pedido, o procedimento de revisão oficiosa da liquidação no prazo estabelecido no nº 1 do art.º 78.º da LGT, sempre que invoquem para isso “erro imputável aos serviços”;
2. O “erro imputável aos serviços” compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro;
3. O erro de direito pode consistir numa ilegalidade abstrata, ie. numa ilegalidade da norma tributária;
4. A ilegalidade abstrata pode ser originada numa incompatibilidade entre a norma tributária e o direito da União Europeia.
Deste modo, conclui-se que a Requerente podia, efetivamente, pedir a revisão das liquidações, com base na segunda parte do n.º 1 do art.º 78.º, invocando a desconformidade da Contribuição de Serviço Rodoviário com a Diretiva n.º 2008/118/CE. Por conseguinte, o pedido de revisão não foi intempestivo, pelo que não se verifica a caducidade do direito de ação".
Concordando-se com esta jurisprudência julga-se improcedente também a excepção da caducidade do direito de acção.
— DA ILEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES DA CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO RODOVIÁRIO E DO EVENTUAL DIREITO AO SEU REEMBOLSO.
18. Sustenta a Requerente existir ilegalidade das liquidações da contribuição do serviço rodoviário pelo facto de, à luz da Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008, sendo da iniciativa do legislador nacional e onerando produtos já sujeitos ao ISP, a CSR configura um imposto não harmonizado incidente sobre produtos sujeitos aos IEC harmonizados (excisable goods). Ora, para prevenir que seja posto em causa o sistema harmonizado dos IEC, a Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008, subordina a criação destes impostos não harmonizados sobre excisable goods à dupla condição de (a) respeitarem a estrutura essencial dos IEC e do IVA e de (b) terem como fundamento um “motivo específico”. No entender da Requerente, esse motivo específico não se verifica, uma vez que a a CSR foi criada por razões de ordem puramente orçamental, já que a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que cria a CSR, não faz apelo a qualquer objectivo de política ambiental, energética ou social. Antes pelo contrário, as razões invocadas pelo legislador para a criação da CSR estão na necessidade de encontrar receitas próprias para financiamento da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, entretanto transformada na Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., encontrando-se a receita da CSR encontra-se genericamente consignada ao financiamento da Estradas de Portugal, E.P.E.
Conforme se referiu, esta questão foi objecto de decisão pelo Tribunal Arbitral deste CAAD no processo 564/2020-T, o qual, por se tratar de uma questão relativa à interpretação e aplicação do Direito da União Europeia, decidiu desencadear o processo de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, ao qual colocou as seguintes questões:
"1. O artigo 1.º, n.º 2, da Directiva n.º 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, e designadamente a exigência de “motivos específicos”, deve ser interpretado no sentido de que a finalidade de um imposto é meramente orçamental quando a sua criação é feita com o objectivo de financiar empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, por ocasião da renovação da sua concessão, e à qual a receita do imposto fica genericamente afectada, e a sua estrutura não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo?
2. O Direito da União e os princípios da legalidade e segurança jurídica permitem que o reembolso de impostos indirectos contrários à Directiva n.º 2008/118/CE, de 16 de Dezembro de 2008, seja recusado pelas autoridades nacionais com fundamento no enriquecimento sem causa do sujeito passivo quando não haja disposições legais específicas de Direito interno que o prevejam?
3. O Direito da União permite que, ao fundamentar a recusa do reembolso de impostos indirectos contrários à Directiva n.º 2008/118/CE, de 16 de Dezembro de 2008, as autoridades nacionais presumam a repercussão do imposto e o enriquecimento sem causa do sujeito passivo, obrigando-o a demonstrar que estes não se verificam?”
O Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se na decisão de 7 de Fevereiro de 2022 (processo C-460/21 A..., S.A. contra Autoridade Tributária e Aduaneira), tendo respondido o seguinte:
"1. O artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.
2. O direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo".
Face à posição assumida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, é manifesto que o processo tem que ser decidido em sentido favorável à Requerente. Efectivamente, os tribunais nacionais estão naturalmente obrigados a seguir a posição do Tribunal de Justiça da União Europeia no que se refere à interpretação e aplicação do Direito da União Europeia.
Apesar disso, não deixamos de acompanhar a decisão deste CAAD no processo 304/2022-T, quendo este refere:
"Embora os tribunais nacionais estejam obrigados, por força do princípio do primado e da colaboração leal estabelecido no artigo 4º do TUE, a acatar as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia e, portanto, nada mais haja a acrescentar ao decidido por aquele tribunal, parece-nos clara a inconsistência na definição dos alegados “motivos específicos” da CSR, na medida em que a Lei 55/2007, no seu art.º 3.º, n.º 2 estipula que a CSR tem como finalidade específica o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal E.P.E. e mais concretamente a respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento; enquanto o ponto 4 da Base 2 do Decreto-Lei n.º 380/2007, que atribui às EP - Estradas de Portugal, S. A., a concessão do financiamento, conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional e aprova as bases da concessão, estipula que é dever da concessionária (al. b) “prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro ii anexo às presentes bases.”
Não que exista, evidentemente, qualquer incompatibilidade entre estas duas missões cometidas à atual Infraestruturas de Portugal, S.A.. O que existe, sim, é inconsistência quando se sustenta que as duas finalidades constituem o motivo específico da CSR.
Inconsistência que se vê ainda mais nítida quando se considera que a finalidade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional a cargo da entidade é a finalidade que a Lei 55/2007 atribui à CSR, e é uma finalidade de âmbito geral, que incumbe necessariamente ao Estado e que poderia ser financiada por quaisquer receitas fiscais; enquanto prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro ii anexo às presentes bases é uma missão atribuída através de um contrato de concessão, e não consta da lei que cria e regula a CSR, não se encontrando na lei tributária nenhuma norma que assegure que a CSR é afetada na sua totalidade a essa finalidade específica, pelo contrário, resulta da lei tributária (Lei 55/2007) que o não pode ser.
Há, assim, que concluir, que a CSR não tem um “motivo específico”, antes se destina ao financiamento de despesas de caráter geral que incumbem obrigatoriamente ao Estado e são suscetíveis de ser financiadas por quaisquer receitas fiscais, violando a lei que cria o tributo, com essa ausência de “motivo específico” o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118.
Ao ser a lei que cria o tributo ilegal por violar a Diretiva 2008/118, as liquidações impugnadas padecem do vício de ilegalidade abstrata".
Há assim que concluir pela ilegalidade das liquidações de CSR relativas a 2019 objecto de impugnação nestes autos, tendo a Requerente razão nesta questão. Neste caso, e como já salientou o Tribunal de Justiça, o Estado não pode recusar a restituição do imposto com fundamento numa presunção de repercussão do mesmo e consequente enriquecimento sem causa do sujeito passivo.
Como bem se escreveu no acórdão proferido pelo CAAD no processo 564/2020-T:
"No caso vertente, não há prova evidente de que tenha havido uma efetiva repercussão do imposto nos consumidores, de modo a poder a admitir-se que o reembolso do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, podia traduzir-se numa situação de enriquecimento sem causa por parte do operador.
Para efetuar essa demonstração, a Autoridade Tributária limita-se a juntar uma informação interna dos serviços que parte de meras ilações ou considerações genéricas, que, em substância, não permitem concluir que o imposto tenha sido parcial ou integralmente repercutido.
Com efeito, a informação em causa faz apelo ao próprio objetivo legislativo da criação da CSR, que terá sido o de onerar os utilizadores da rede rodoviária mediante o agravamento dos custos dos combustíveis. Reporta-se ao critério contabilístico do registo do custo das mercadorias vendidas quando os impostos imputáveis à aquisição devam incorporar esse custo. E argumenta ainda com a margem de comercialização para justificar que o operador não poderia deixar de repercutir o imposto sob pena de praticar preços de venda inferiores ao custo.
Ou seja, a Autoridade Tributária, para justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão do imposto nos consumidores, assenta em meros juízos presuntivos, sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas".
Não há assim fundamento para recusar o reembolso do imposto indevidamente pago, sendo essa a consequência natural da declaração de ilegalidade das liquidações.
— DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
19. A Requerente solicitou ainda o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43º da LGT.
Decorre do número 1 desse artigo que são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".
Podemos entender ainda que, como decorre do n.º 5 do art. 24.º do RJAT, o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido em processo arbitral. Ter-se-á, no entanto, de determinar se houve ou não erro imputável aos serviços.
Como acima se referiu, verifica-se neste caso ilegalidade abstracta das liquidações de CSR, em virtude da sua desconformidade com o Direito da União Europeia, o que se traduz na existência de erro imputável aos serviços.
Sucede, porém, que o nº3, a) do art. 43º da LGT estabelece apenas serem devidos juros indemnizatórios "quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária".
Em consequência nesta situação já decidiu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 20/5/2020 (Neves Leitão), processo 0630/18.4BALSB que "formulado pelo sujeito passivo o pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação e vindo o acto a ser anulado, ainda que em processo arbitral instaurado após o indeferimento tácito daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano, contado da apresentação do pedido de revisão, até à data do processamento da respectiva nota de crédito, e não desde a data do pagamento indevido do imposto (art. 43º nºs 1 e 3 al.c) LGT; art. 61º nº5 CPPT)".
Ora, tendo o pedido de revisão sido apresentado em 8 de Fevereiro de 2022, e não tendo consequentemente decorrido ainda o prazo de um ano, não há lugar à condenação em juros indemnizatórios.
VI – Decisão
Nestes termos, julga-se procedente o pedido de declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente, proferido a 11 de Abril de 2022, pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), no âmbito do processo n.º ...2022... .
Julga-se em consequência procedente o pedido de anulação parcial das liquidações liquidação ... de 12/2/2019, ... de 12/3/2019, ... de 12/4/2019, ... de 14/05/2019, ... de 12/06/2019, ... de 12/07/2019, ..., de 12/8/2019, ... de 12/09/2019, ... de 14/10/2019, ... de 12/11/2019, ... de 12/12/2019, ... de 13/1/2020, referentes ao período decorrido entre Janeiro e Dezembro de 2019, apenas na parte que respeita ao montante total de € 5.903.340,51 liquidado a título de CSR, condenando-se a Requerida da restituição dessa importância indevidamente paga com base nessas liquidações.
Julga-se improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.
Fixa-se ao processo o valor de € 5.903.340,51 (valor indicado e não contestado) e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 74.052,00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, condenando-se a Requerida nas custas do processo.
Lisboa, 16 de Janeiro de 2023
Os Árbitros
(Manuel Macaísta Malheiros)
Vencido, com declaração de voto
(Luís Menezes Leitão)
(Jesuíno Alcântara Martins)
Voto de Vencido
Com todo o respeito, discordo da orientação que fez vencimento quanto aos seguintes pontos:
A) Quanto à competência do Tribunal Arbitral:
A jurisdição arbitral abrange apenas pretensões relativas a impostos, não incluindo outros tributos cuja administração seja conferida por lei à AT, decorrente do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112‑A/2011, de 22 de Março, não sendo tal limitação nem inconstitucional nem violadora do princípio da igualdade, na vertente de proibição do arbítrio, previsto no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, ou do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição.
No caso em análise está em causa determinar a legalidade da Contribuição sobre o Serviço Rodoviário (CSR), sendo certo que este Tribunal não pode julgar matérias que não respeitem a impostos.
Entendo que sendo a CSR uma contribuição financeira e não um imposto este Tribunal deveria declarar-se incompetente em razão da matéria.
A CSR constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, que constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional.
Configurando-se a CSR numa lógica bilateral assente numa óptica grupal (utilizadores) para financiar a IP, a quem cabe desenvolver a actividade de concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional entende-se que a CSR não é um imposto, uma vez que só é devido pela utilização de gasolina e gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) e dele não isentos.
As contribuições financeiras constituem um “tertium genius” entre as taxas e os impostos que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa).
A CSR é, assim, uma contribuição e não um imposto, constitui um tributo que resulta da necessidade financiar uma entidade pública que tem como propósito gerir a rede rodoviária nacional, encontrando-se a sua receita consignada a esse fim/entidade; incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, que beneficiam da gestão da IP, enquanto utilizadores das estradas da rede nacional; e o facto gerador do tributo consubstancia uma prestação administrativa (a cargo da IP), só podemos concluir que estamos perante uma contribuição.
Em consequência este tribunal arbitral deveria julgar procedente a exceção de incompetência deduzida pela Requerida e absolvê-la da instância.
B) Quanto à caducidade do direito de ação
Discordo igualmente da decisão na parte em que conclui pela improcedência da exceção de caducidade invocada pela requerida.
Como se refere no sumário do acórdão proferido no processo n.º 629/2021 T:
“No caso dos autos, a Requerente não imputou um erro à AT – imputou um erro ao legislador. Ora, como o processo de revisão oficiosa dos actos tributários por parte de quem está vinculado à lei, com fundamento no erro de assim se considerar, não pode permitir ultrapassar erros dessa lei, esse pedido (fora do prazo previsto na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT) foi intempestivo. Assim, sendo insusceptíveis de modificação os actos de liquidação pretendidos rever, caducou o direito de acção.“
No caso sub judice, tal como na hipótese que deu lugar ao acórdão citado: “a Requerente não imputou um erro à AT – imputou um erro ao legislador.”
Como se demonstra nesse acórdão:
“Ora, o processo de revisão oficiosa dos actos tributários por parte de quem está vinculado à lei não pode permitir ultrapassar erros dessa lei.”
“Conclui-se, portanto, que o pedido da Requerente para a abertura de um processo de revisão oficiosa dos montantes pagos a título de Contribuição de Serviço Rodoviário pela introdução no consumo de produtos petrolíferos durante o ano de 2017, não tinha fundamento possível no quadro da parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.”
“Tendo esse pedido sido, consequentemente, intempestivo e sendo, por isso, insusceptíveis de modificação os actos de liquidação de 2017, são intangíveis tais actos, que há muito se consolidaram.”
Em conclusão este tribunal deveria pelas mesmas razões julgar procedente a exceção de caducidade de direito de ação invocada pela AT.
C – Quanto ao enriquecimento sem causa à redução da restituição e à liquidação em execução de sentença – art.º 609.º, n.º 2, CPC
A repercussão tributária consiste na transferência do valor económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo através da integração do tributo no preço do bem adquirido pelo cliente.
Entendo que os autos contêm elementos suficientes que demonstram a prática pela Requerente da repercussão da CSR no preço do produto fornecido aos adquirentes, locupletando-se à custa dos clientes.
A Requerida demonstrou essa prática de forma, a meu ver, suficiente não deixando dúvidas de que houve repercussão.
Caso se entenda que há dúvidas sobre se a Requerente tinha repercutido total ou parcialmente a CSR sobre os clientes então o tribunal deveria decidir que o montante eventualmente a restituir à Requerente, em consequência da anulação decidida, ser fixado em liquidação de sentença, nos termos do artigo 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado…” em execução da sentença.
Essa deveria ser a decisão do tribunal quanto a este ponto.
(Manuel Luís Macaísta Malheiros)