Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 169/2022-T
Data da decisão: 2023-01-16  IRS  
Valor do pedido: € 73.553,34
Tema: IRS de 2018. Saldo devedor de conta-corrente de sócio de sociedade comercial proveniente de anos anteriores. Artigo 6º nº 4 do CIRS. Caducidade do direito à liquidação. Artigo 45º da LGT.
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Sumário: Resultando provado que os montantes em dívida registados na conta corrente de um sócio de uma sociedade por quotas transitaram integralmente de períodos em relação aos quais foi ultrapassado o prazo máximo de liquidação previsto no artigo 45.º da LGT, não havendo nenhum elemento adicional que possa consubstanciar colocação à disposição do seu titular, e tendo sido invocada a caducidade da liquidação, não pode manter-se o pagamento feito por guia, nem a decisão que indeferiu a subsequente reclamação graciosa. 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

Os árbitros Victor Calvete (Presidente), Ângelo António Almeida Pereira Dias (Vogal) e Augusto Vieira (Vogal-Relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo (TAC), constituído em 24-05-2022, acordam no seguinte:

 

I – Relatório

 

1.     A..., LDA, NIPC..., com sede no ..., ...-... ..., adiante designada por Requerente, veio ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), apresentar PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL e PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA (PPA), tendo por objeto a impugnação do Despacho do Sr. Chefe de Divisão de Direção de Finanças de 09-12-2021, que indeferiu a Reclamação Graciosa apresentada contra a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) respeitante ao exercício de 2018 decorrente da Guia de Pagamento de IRS retido n.º..., concretamente respeitante ao período de 2018/12 e a adiantamentos por conta de lucros, no valor de €73.553,34, ao qual acresceram os juros compensatórios devidos, no valor de €5.360,32, objeto da DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE JUROS n.º 2020... .

 

2.     Termina pedindo que o PPA seja julgado procedente por provado e, consequentemente: 

               I.                  Seja “julgada procedente a impugnação do Despacho do sr. Chefe de Divisão de Direção de Finanças de 09-12-2021, que indeferiu a Reclamação Graciosa apresentada contra a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) respeitante ao exercício de 2018 decorrente da Guia de Pagamento de IRS retido n.º..., concretamente respeitante ao período de 2018/12 e a adiantamentos por conta de lucros, no valor de €73.553,34, Despacho que constitui o objeto imediato da ação e que deverá ser anulado por violação de lei, omissão de pronúncia e falta de fundamentação”; 

             II.                  Seja “julgada procedente a impugnação da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) respeitante ao exercício de 2018 decorrente da Guia de Pagamento de IRS retido n.º ..., concretamente respeitante ao período de 2018/12 e a adiantamentos por conta de lucros, no valor de €73.553,34, bem como da liquidação dos juros compensatórios devidos, no valor de €5.360,32, liquidados através da DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE JUROS n.º 2020 ..., liquidações que igualmente se impugnam e que constituem o objeto mediato da ação, devendo os atos em crise ser anulados pelos supracitados fundamentos”.

 

3.     É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por Requerida ou AT.

 

4.     A Requerente fundamenta o pedido de pronúncia arbitral (PPA) nos seguintes termos: 

                        I.         A autoliquidação de IRS ora impugnada vem na sequência de procedimento de inspeção e colhe os seus fundamentos no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), elaborado e notificado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), procedimento de inspeção que teve índole externa, por extensão dos exercícios de 2017 e 2018 e âmbito geral. 

                      II.         E reporta-se à falta de retenção e entrega nos cofres do Estado do IRS com referência ao saldo devedor que, à data de 31/12/2018, se verificava na conta do sócio e gerente “26811 –B...”, no montante de €262.690,49. 

                    III.         Face aos factos expressos no RIT, refere que “a contabilidade da Requerente procedeu, a 16/11/2020, à submissão de Guia de Pagamento de IRS retido n.º..., respeitante ao período de 2018/12 e a adiantamentos por conta de lucros, no valor de €73.553,34, pensando ... que seria uma litigância impossível ir contra um direito que a lei supostamente conferiria à AT, fazendo a AT incorrer a contribuinte em erro quanto à autoliquidação feita no decurso da ação inspetiva”.

                   IV.         E conclui que “foi com base nas instruções recebidas do agente do procedimento de inspeção que o responsável da Requerente, desconhecedor do enquadramento legal que deveria ser conferido aos factos, anuiu a submeter a Guia de Pagamento de IRS retido, perante a inevitabilidade que lhe estava a ser apresentada e a gravidade das coimas aplicáveis em caus de liquidação oficiosa”.

                     V.         Pelo que “a disponibilidade do contribuinte para, no decurso do procedimento de inspeção, proceder à entrega das declarações fiscais para regularização da situação fiscal, nos termos que lhe foram comunicados pela AT como a única saída possível, terá que ser entendida como um comportamento de alguém que foi induzido em erro quanto à suposta inevitabilidade de ter que pagar por força do que supostamente decorre da lei, sem que lhe fosse explicado que o direito a liquidar por artifício legal tem como limite a própria lei quanto à data na qual o suposto rendimento deverá considerar obtido e ainda quanto à estatuição de um prazo de caducidade”.

                   VI.         A Requerente, com respeito a esta autoliquidação, apresentou RECLAMAÇÃO GRACIOSA, “na qual se alegou, fundamentalmente, que, mesmo que a AT tivesse o direito de recorrer à presunção prevista no artº 6º, nº 4, do CIRS, o qual determina o estabelecimento da presunção de que todos os lançamentos a favor dos sócios em quaisquer contas correntes serão de considerar efetuados a título de lucros ou do seu adiantamento, caso não possuam outra natureza, sucede, porém, que, mesmo na tese da AT, os factos relevantes para alcançar a tributação não se situavam em 31/12/2018, mas, sim, em períodos anteriores já abrangidos pelo instituto da caducidade”. 

                 VII.         Tal reclamação mereceu decisão de indeferimento “sem que, todavia, se verificasse apreciação direta dos fundamentos da então Reclamante, pelo que será de concluir por vício legal dessa decisão em razão da ausência de resposta”.

               VIII.         Entende a Requerente que a AT “tendo adotado e sugerido a regularização declarativa e de pagamento em causa, situou, incorretamente, o facto tributário no período de tributação de Dezembro de 2018, valorizando, apenas, o facto da conta corrente do sócio “26811 –B...” apresentar, em 31/12/2018, um saldo devedor no montante de €262.690,49”. 

                   IX.         A Requerente com o intuito de demonstrar que os lançamentos na conta-corrente 26 811, foram feitos muito antes de 2018 e que a liquidação de IRS está abrangida pelo instituto da caducidade do direito à liquidação, juntou os extractos contabilísticos da conta referida, de 2010 a 2019, daqui extraindo as seguintes ilações:

a.     a conta corrente foi evidenciando sucessivos saldos devedores, designadamente, €283.845,86 (31/12/2015), €283.845,86 (31/12/2016), €269.027,61 (31/12/2017) e, finalmente, €262.690,49 (31/12/2018 e no final dos posteriores exercícios). 

b.     ... A redução do saldo que se foi verificando deveu-se a alguns acertos contabilísticos para diminuir o saldo dessa conta corrente contabilística. 

c.     Neste ponto, não podemos deixar de evidenciar a postura da AT que entende poder aproveitar de completa arbitrariedade para decidir o momento em que ao mesmo “facto tributário” pode atribuir relevância fiscal. 

d.     É que, mesmo que se admitisse a errónea interpretação da lei, afastando os lançamentos a débito e escolhendo o saldo devedor, nunca subsistiriam razões, nem a AT cuida de as expressar em defesa da sua decisão (nem conseguiria), para optar pela fixação do momento da ocorrência do facto tributário em 31/12/2018 e não em nenhuma qualquer outra data. 

e.     Ora, se o sócio, no entender da AT, beneficiou do saldo devedor, tal ocorreu pelo menos em 31/12/2015, pois é dessa data, momento em que o saldo acusa o valor mais alto de €283.845,86 (e que depois de diminuir nunca voltou a aumentar), que provém o saldo devedor de 31/12/2018 (€262.690,49) relevado pela AT para proceder à tributação impugnada.  

f.      Mais uma vez, caímos, à falta de qualquer fundamentação apresentada pela AT, na constatação de que a opção feita pela AT decorreu da necessidade de evitar a preclusão, por via da caducidade, do direito a liquidar.    

g.     Face ao quadro legal acima sumariado e revertendo à concreta a situação em análise, a norma de incidência contida na alínea h) do n.º 2, do Código do IRS, não exige que, do ponto de vista contabilístico, a realidade ali prevista seja escriturada como “adiantamento por conta de lucros” mas, isso sim, que tal realidade se mostre preenchida sempre que existam indícios concretos de que a retirada de valores por parte dos sócios traduz tal realidade, questão que tem sido abordada pela jurisprudência dos Tribunais Superiores”.

                     X.         A título de conclusão refere a Requerente: “... haverá que reconhecer que o facto tributário a que se reporta a presunção estabelecida no artº 6º, nº 4, do CIRS, tem que ser referido ao momento dos lançamentos a favor dos sócios, o que, necessariamente, exclui qualquer relevância que, como a AT invocou, se pretenda conferir ao saldo que a correspondente conta corrente possa apresentar em qualquer momento.

                   XI.          Se o sócio, no entender da AT, beneficiou do saldo devedor, tal ocorreu pelo menos em 31/12/2015, pois é dessa data, momento em que o saldo acusa o valor mais alto de €283.845,86 (e que depois de diminuir nunca voltou a aumentar), que provém o saldo devedor de 31/12/2018 (€262.690,49) relevado pela AT para proceder à tributação impugnada, pelo que o direito à liquidação estava caduco à data da liquidação, nos termos do n.º 1 do artigo 45º da Lei Geral Tributária, o que deverá ser declarado”.

 

5.     A Requerida, Autoridade Tributária, na sua Resposta, defende-se em primeiro lugar remetendo para o teor do RIT que reproduz nos pontos 6 e 7 da Resposta.

Depois, em resumo, acrescenta o seguinte, quanto à fundamentação para o indeferimento da reclamação graciosa, reiterando, no fundo os argumentos do Relatório da Inspeção Tributária:

               I.         “No âmbito da ação de inspeção sob a credencial OI2020..., com referência ao período de tributação de 2018, verificou-se da análise à conta em nome do sócio e gerente “26811 – B...”, que esta apresentava um saldo devedor no montante de € 262.690,49, sendo que em 2020.12.21, data do RIT, este se mantém inalterado desde 2018.12.31. Nos termos do artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, “Os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.” 

             II.         “Decorre ainda da ação de inspeção, que o Reclamante procedeu em 2020.11.16, à submissão da guia n.º..., para pagamento de retenção na fonte de IRS – Rendimentos de Capitais – período de 2018.12, de forma a regularizar voluntariamente o valor da retenção na fonte a título definitivo à taxa liberatória de 28%, conforme estabelecido na alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do CIRS. O imposto sobre adiantamentos por conta de lucros ao sócio e gerente, foi apurado pela aplicação ao valor de € 262.690,49, da taxa de 28%, sendo no montante de € 73.553,34”.

           III.         E conclui: “... a AT identificou o facto de, à data de 2018.12.31, se encontrar na referida subconta 26811, conta corrente do sócio que contém lançamentos contabilísticos de montantes em favor dele, revelando um saldo devedor no montante de 262.690,49. Neste âmbito, nem o Reclamante, nem a contabilidade terá revelado tratar-se de um mútuo do sócio à sociedade, ou de um crédito por contrapartida da prestação de trabalho ou do exercício de um cargo do sócio, logo a lei permite que se presuma que tais lançamentos titulem lucros ou adiantamento de lucros”.

          IV.         Relativamente à “regularização voluntária e as alegadas falhas/omissões na fundamentação e nos princípios do inquisitório e da verdade material (nºs 20 a 34 da petição)” refere a AT que “o Requerente procedeu à regularização de forma voluntária pelo que ... a 16/11/2020, foi submetida uma Guia de Pagamento de IRS retido – Rendimentos de Capitais – para o período de 2018/12, devido a adiantamentos por conta de lucros ao sócio e gerente no valor de € 262.690,49, o que originou a obrigação de entrega de imposto (28%) no valor de: Período: 2018/12: Montante = € 262.690,49 x 28% = € 73.553,34.” 

            V.         E conclui que se “indicia e torna evidente que a AT demonstrou claramente os factos tributários em falta e que a Requerente compreendeu perfeitamente o seu sentido e alcance, nos termos dos artºs 268º, nº 3 da CRP, 77º da LGT e 153º do CPA, Acórdão STA, nº 068/17 de 2606-2017, tornando, com o devido respeito, incompreensível as alegações de que o mesmo foi induzido em erro pela AT e consequentemente, não podemos acompanhar as alegadas omissões/falhas de fundamentação e observância dos princípios de inquisitório e da verdade material (art.ºs 6º RCPITA e 58º da LGT), que conforme se pode constatar foram observados e cumpridos. Até porque, se os atos tributários impugnados se baseiam nas declarações da Requerente (regularização voluntaria através da entrega da Guia de retenção na fonte), tudo leva a crer que seja do seu conhecimento os motivos e os factos tributários concretos tidos em conta para a quantificação e qualificação do imposto apurado, pelo que se consideram suficientemente fundamentadas”.

          VI.          Quanto à “... aplicabilidade da presunção prevista no art.º 6º nº 4 do CIRS, ao saldo da conta corrente do sócio “26811 –B..., NIF...” com um saldo devedor de 262.690,49€ e a alegada caducidade do direito a liquidação nos termos do n.º 1 do art.º 45º da LGT (nºs 35 a 54 da petição)” refere a AT:

a.     “contrariamente as alegações da Requerente, de acordo com a jurisprudência do CAAD, decisão de 28-07-2017, no âmbito do processo nº 3/2017-T, o registo contabilístico feito em dezembro de 2018 dos fluxos financeiros/transferências, gera em si mesmo um facto tributário, referindo na página 26 que “(…) deliberações de distribuição de lucros (ou reservas), como as adotadas pelos sócios da Requerente em 2012 e 2013, gerem um facto tributário na data em que tais saídas de caixa são contabilizadas, sobre o qual – não tendo havido anteriormente liquidação de IRS, quando das apropriações ou levantamentos – deve haver liquidação, (…) pois que a Requerente incumpriu a obrigação de retenção na fonte de IRS devido em função dos factos tributários que se tinham verificado nos exercícios anteriores.(…)”. 

b.     Conclui que “... a AT, conforme lhe competia, cumpriu com o ónus de demonstração da existência de facto tributário no ano fiscal de 2018, provando a existência dos lançamentos na contabilidade da sociedade, concretamente na conta corrente do sócio nº ... – B..., NIF...”, pelo que “tendo em conta que a guia de retenção na fonte de IRS 2018/12 nº ...  (ato tributário) data de 16-11-2020, conclui-se, com o devido respeito, que a mesma ocorreu dentro do prazo de 4 anos de caducidade previsto no nº 1 do art.º 45º da LGT” resultando que “estão cumpridos os 2 pressupostos exigidos para que a presunção legal funcione, nomeadamente o lançamento em conta corrente do sócio a 31-12-2018 e que não resultem mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, sendo que os dados disponibilizados pela Requerente (tanto na reclamação graciosa- bem como no presente pedido de pronúncia arbitral) são insuficientes, qualitativamente e quantitativamente, de forma a afastar essa presunção”.

6.     Conclui pela manutenção do acto tributário impugnado e pela total improcedência do PPA.

 

7.     Por despacho de 26.05.2022 do Sr. Presidente do Tribunal foi a Requerida notificada para contestar, tendo respondido em 29.06.2022 e junto o PA.

 

8.     Ainda por despacho do Sr. Presidente do Tribunal de 11.07.2022 foi dispensada a realização da reunião de partes a que se refere o artigo 18º do RJAT e bem assim a inquirição de duas testemunhas arroladas pela Requerente por se tratar de formalidade inútil uma vez que a questão de fundo a decidir é apenas de direito.

 

9.     Foi ainda fixado, no despacho referido no ponto anterior, um prazo de 15 dias, para alegações simultâneas, não tendo as partes apresentado alegações.

 

10.  O pedido de constituição do tribunal arbitral (PPA) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228. ° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários desta decisão, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas das designações, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6. ° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 24 de Maio de 2022.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

O processo não enferma de nulidades e foi invocada a excepção de caducidade do direito à liquidação.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

Matéria de facto

 

11.  Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:

A)    Quanto à Requerente, a coberto das ordens de serviço nºs OI2020... e OI2020... de 24-07-2020, a Direção de Finanças do Porto a AT levou a cabo ações inspetivas externas de âmbito geral, com objetivo de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários (Código PNAITA, 102-22 - Controlo da situação tributária global), relativamente aos anos fiscais de 2017 e 2018. Os atos inspetivos tiveram início a 16-09-2020 e concluídos a 27-11-2020 – conforme artigos 4º e 5º da Resposta da AT e nºs 4) e 5) do PPA;

B)    Por ofício de 31.12.2020 a AT remeteu à Requerente o Relatório de Inspecção em cujo ponto VI.2.2 sob a epígrafe “adiantamentos por conta dos lucros” se refere o seguinte: “Da análise à conta em nome do sócio e gerente “26811 –B...”, verificamos a existência de um saldo devedor de € 262.690,49 que se mantém inalterado desde 31/12/2018. 

Nos termos do artigo 6.º do Código do IRS (Presunções relativas a rendimentos da categoria E – Capitais), nomeadamente no seu n.º 4, “Os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.” 

Confrontado com este facto o sócio e gerente, apesar de surpreendido e de dizer que nada sabia sobre a existência destes valores, anuiu em regularizar voluntariamente o valor da retenção na fonte a título definitivo (taxa liberatória) de 28%, tal como estabelecido pela alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do CIRS. 

Neste sentido, a 16/11/2020, foi submetida uma Guia de Pagamento de IRS retido – Rendimentos de Capitais – para o período de 2018/12, devido a adiantamentos por conta de lucros ao sócio e gerente no valor de € 262.690,49, o que originou a obrigação de entrega de imposto (28%) no valor de: Período: 2018/12: Montante = € 262.690,49 x 28% = € 73.553,34.” – conforme nº 7 da resposta da AT, Documento nº 3 junto com o PPA e nºs 6), 7) e 10) do PPA;

C)    Desta liquidação de Retenção na fonte de IRS 2018/12 (Guia nº ... de 16-11-2020 com valor a pagar de 73.553,34€) voluntariamente regularizada, ainda resultaram juros compensatórios no valor de 5.360,32€ (liquidação nº 2020 ...) o que totalizou um valor pago pela Requerente de (73 553,34 euros + 5 360,32 euros) = 78 913,66 euros – conforme ponto 1 e 8 da Resposta da AT e exórdio do PPA

D)     Em 16-04-2021 (entrada GPS nº 2021...), a Requerente apresentou reclamação graciosa dos atos tributários atrás referidos, na qual alegou que os factos relevantes para alcançar a tributação não se situavam em 31/12/2018, mas, sim, em períodos anteriores já abrangidos pelo instituto da caducidade – conforme ponto 17) do PPA, ponto 9 da Resposta da AT e Documento nº 4 em anexo ao PPA;

E)    A reclamação graciosa foi analisada no âmbito do processo SICAT nº ...2021... de 1604-2021. Foi notificado à Requerente o projecto de decisão de indeferimento para o exercício no direito de participação na decisão, não tendo usado desta faculdade. Posteriormente foi proferido em 09-12-2021 pela Chefe de Divisão da DF do Porto, despacho de INDEFERIMENTO, que foi notificado à Requerente através dos ofícios nºs 2021... de 10-12-2021 da DF do Porto (Registo CTT c/AR nº RH ... PT de 13-12-2021) – conforme artigos 1) e 2) do PPA, ponto 10 da Resposta da AT e Documentos nºs 5 e 6 em anexo ao PPA; 

F)    O despacho referido na alínea anterior tem a seguinte fundamentação: “5. De acordo com a análise efetuada, quer aos elementos disponibilizados pela Reclamante, quer à base de dados da AT e legislação aplicável, somos a informar o seguinte: 

- No âmbito da ação de inspeção sob a credencial OI2020..., com referência ao período de tributação de 2018, verificou-se da análise à conta em nome do sócio e gerente “26811 –B...”, que esta apresentava um saldo devedor no montante de € 262.690,49, sendo que em 2020.12.21, data do RIT, este se mantém inalterado desde 2018.12.31Nos termos do artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, “Os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.” 

Decorre ainda da ação de inspeção, que o Reclamante procedeu em 2020.11.16, à submissão da guia n.º..., para pagamento de retenção na fonte de IRS – Rendimentos de Capitais – período de 2018.12, de forma a regularizar voluntariamente o valor da retenção na fonte a título definitivo à taxa liberatória de 28%, conforme estabelecido na alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do CIRS. 

O imposto sobre adiantamentos por conta de lucros ao sócio e gerente, foi apurado pela aplicação ao valor de € 262.690,49, da taxa de 28%, sendo no montante de € 73.553,34. 

Conforme consta do artigo 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), relativamente à presunção legal de veracidade declarativa: “1 - Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”. 

Em conformidade com o enunciado, a AT identificou o facto de, à data de 2018.12.31, se encontrar na referida subconta 26811, conta corrente do sócio que contém lançamentos contabilísticos de montantes em favor dele, revelando um saldo devedor no montante de 262.690,49. 

Neste âmbito, nem o Reclamante, nem a contabilidade terá revelado tratar-se de um mútuo do sócio à sociedade, ou de um crédito por contrapartida da prestação de trabalho ou do exercício de um cargo do sócio, logo a lei permite que se presuma que tais lançamentos titulem lucros ou adiantamento de lucros. 

Verificam-se assim, que os dados disponibilizados pelo Reclamante são manifestamente insuficientes, qualitativamente e quantitativamente, de forma a alterar o facto tributário em análise. Assim sendo, não estando em causa qualquer outra circunstância impeditiva da aplicação da presunção estabelecida no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, ficando, em consequência, prejudicado o conhecimento da pretensão do Reclamante, referente ao reembolso do imposto e dos juros compensatórios

CONCLUSÃO 

7. Assim, face ao exposto, propõe-se o indeferimento do pedido apresentado. (…) 

(…) 3. Nestes termos, conclui-se pela manutenção da decisão de indeferimento constante do teor do projeto, propondo-se o indeferimento do pedido. (…)” (Projeto/Informação de 02-11-2021 e de 09-12-2021 – Processo nº ...2021... e que se dão por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos)”. – conforme ponto 10. da Resposta da AT, pontos 1) e 2) do PPA e Documentos nºs 5 e 6 em anexo ao PPA;

G)    Na conta corrente “26811 –B...”, segundo os extratos contabilísticos reportados aos anos de 2010 a 2019, constam os seguintes movimentos/lançamentos/registos, evidenciando sucessivos saldos devedores, designadamente, €283.845,86 (31/12/2015), €283.845,86 (31/12/2016), €269.027,61 (31/12/2017) e, finalmente, €262.690,49 (31/12/2018 e no final dos posteriores exercícios), a saber:

Extracto da conta 26 811 – B...– 2010 a 2018 em €uros – não se evidenciando os lançamentos simétricos (débito e crédito) no mesmo dia

2010 – 01.01.2010 a 31.12.2010

Data do registo

Débito

Crédito

Saldo na data

Nº Documento

01.01.2010

471 917,72

 

471 917,72

Div-10-010036

31.12.2010

134 000,00

 

605 917,72

Div-10-120048

2011 – 01.01.2011 a 31.12.2011

Data do registo

Total movs abertura

Débito

Crédito

Saldo na data

Nº Documento

01.01.2011

605 917,72

605 917,72

 

605 917,72

 

30.06.2011

 

59 927,50

 

665 845,22

Div-11-120036

31.12.2011

 

59 895,83

 

725 741,05

Div-11-120036

2012 – 01.01.2012 a 31.12.2012

Data do registo

Total movs abertura

Débito

Crédito

Saldo na data

Nº Documento

01.01.2012

725 741,05

725 741,05

 

725 741,05

 

30.06.2012

 

60 000,00

 

785 741,05

BANR12-06107

30.09.2012

 

 

5 473,84

780 267,21

Div-12-090011

21.11.2012

 

 

10 000.00

770 267,21

DIV-12-110005

29.11.2012

 

 

250 000.00

520 267,21

Div-12-110001

31.12.2012

 

52 600,00

 

572 867,21

BANR12-12059

31.12.2012

 

4 000,00

 

576 867,21

BANR12-12059

31.12.2012

 

200,00

 

577 067.21

BANR12-12059

2013 – 01.01.2013 a 31.12.2013

Data do registo

Total movs abertura

Débito

Crédito

Saldo na data

Nº Documento

01.01.2013

577 067.21

577 067,21

 

577 067.21

 

30.06.2013

 

60 000,00

 

637 267,21

BANR1306129

31.07.2013

 

20 215,00

 

657 482,21

BANR1307029

30.11.2013

 

 

10 000,00

647482,21

BANR1311029

30.11.2013

 

 

2 000,00

645 482,21

BANR1311099

30.11.2013

 

 

4 000,00

641 482,21

BANR1311441

31.12.2013

 

 

3 000.00

638 483,21

CAX13120001

31.12.2013

 

6 000,00

 

644 482.21

BANR1312010

31.12.2013

 

7 500.00

 

651 99221

BANR1312046

31.12.2013

 

35 000.00

 

686 982.21

BANR1312049

31.12.2013

 

25 000,00

 

711 982,21

BANIR1312094

31.12.2013

 

 

400 000,00

311 982,21

DIV13120082

2014 – 01.01.2014 a 31.12.2014

Data do registo

Total movs abertura

Débito

Crédito

Saldo na data

Nº Documento

01.01.2014

311 982,21

311 982,21

 

311 982,21

 

31.01.2014

 

 

60 000,00

251 982.21

BANR1401C01

31.01.2014

 

250,00

 

252 232,21

BANR1401002

31.01.2014

 

207,69

 

252 439,90

BANR1401009

31.01.2014

 

 

3 000,00

249 439.90

BANR1401020

31.01.2014

 

 

10 400,00

239 039,90

BANR1401039

31.01.2014

 

 

6 847,77

232 192,13

BANR1401062

31.01.2014

 

 

800,00

231 392,13

BANR1401072

31.01.2014

 

 

3 889,85

227 502,28

BANR1401073

31.01.2014

 

 

2 079,10

225 423,18

BANR1401074

31.01.2014

 

 

1 480,00

223 943,18

BANR1401075

31.01.2014

 

 

1 281,66

222 661,52

BANR1401078

31.01.2014

 

 

1 508,47

221 153,05

BANR14010Y9

31.01.2014

 

 

369,00

220 784.05

BANR1401080

31.01.2014

 

 

15 000,00

205 784,05

BANR1401088

31.01.2014

 

 

1 500,00

204 234,05

BANR1401100

31.01.2014

 

30 000,00

 

234 284,05

BANR1401103

31.01.2014

 

8 000,00

 

242 284,05

BANR1401116

31.01.2014

 

 

1 240,00

241 044,05

BANR1401118

31.01.2014

 

60 000,00

 

301 044,05

DIV14010022

31.01.2014

 

 

30 000,00

271 044,05

BANR1401125

28.02.2014

 

 

2 000,00

269 044,05

BANR1402013

28.02.2014

 

 

2 500,00

266 544,05

BANR1402020

28.02.2014

 

 

622,38

265 921,67

BANR1402049

28.02.2014

 

 

575,81

265 345,86

BANR4402050

28.02.2014

 

10 000,00

 

275 345,86

BANR1402076

28.02.2014

 

2 000,00

 

277 345,86

BANR1402123

28.02.2014

 

7 500,00

 

284 345.86

BANR1402135

31.03.2014

 

2 750,34

 

287 596,20

BANR140304C

31.03.2014

 

 

1 000,00

286 596,20

DIV14030002

 

 

 

2 750,34

283 845,86

DIV14030003

2015 – 01.01.2015 a 31.12.2015

Data do registo

Total movs abertura

Débito

Crédito

Saldo na data

Nº Documento

01.01.2015

283 845,86

283 845,86

 

283 845,86

 

28.02.2015

 

 

225,00

283 620.86

DIV15020001

28.02.2015

 

 

225,00

283 395.86

DIV15020002

28.02.2015

 

 

225,00

283 170,86

DIV15020003

28.02.2015

 

 

225,00

282 945,86

DIV15020004

28.02.2015

 

 

4 207,66

278 738.20

DVI 5020005

28.02.2015

 

 

778,86

277 959,34

DIV150200C6

28.02.2015

 

1 453,86

 

279 413,20

BANR1502108

28.02.2015

 

4 432,66

 

283 845,86

BANR1502139

2016 – 01.01.2016 a 31.12.2016

Data do registo

Total movs abertura

Débito

Crédito

Saldo na data

Nº Documento

01.01.2016

283 845,86

283 845,86

 

283 845,86

 

2017 – 01.01.2017 a 31.12.2017

Data do registo

Total movs abertura

Débito

Crédito

Saldo na data

Nº Documento

01.01.2017

283 845,86

283 845,86

 

283 845,86

 

 

 

 

6 346.07

277 499.79

DIV17120004

 

 

 

8 472, 18

269 027.61

DIV1712004B

2018 – 01.01.2018 a 31.12.2018

Data do registo

Total movs abertura

Débito

Crédito

Saldo na data

Nº Documento

01.01.2018

269 027.61

269 027.61

 

269 027.61

 

31.01.2018

 

 

600,00

268 427,61

BANR1801114

28.02.2018

 

 

328,12

268 099,49

BANR1802088

31.03.2018

 

 

130,00

267 969,49

BANR1803051

31.05.2018

 

 

279,00

267 690,49

CAX18050001

31.12.2018

 

 

5 000,00

262 690,49

BANR1812092

 

 

 

 

 

 

2019 – 01.01.2019 a 31.12.2019

Data do registo

Total movs abertura

Débito

Crédito

Saldo na data

Nº Documento

01.01.2019

262 690,49

 

 

262 690,49

 

                   

conforme nº 30) e 45) do PPA e Documento nº 7 em anexo ao PPA;

H)    O Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral em 14 de Março de 2022 – conforme registo no SGP do CAAD

 

Factos não provados

Não há factos não provados que se considerem relevantes para a decisão da causa.

 

Motivação da fixação da matéria de facto

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos factos articulados no PPA, na Resposta da AT que estão em conformidade com a posição assumida por ambas as partes, e com base nos documentos juntos com o PPA e os que integram o processo administrativo junto pela Autoridade Tributária.

A matéria da alínea G) dos factos provados resulta da não impugnação do seu conteúdo pela Requerida apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT.

 

Matéria de direito

 

 

12.  A questão que importa conhecer é a alegada caducidade do direito à liquidação, uma vez que é o único instituto ou questão de fundo que a Requerente invoca como devendo obstar às liquidações impugnadas.

 

13.  As disposições legais aqui directamente em causa são as seguintes:

Artigo 5.º

Rendimentos da categoria E

1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:

a) ...

b) ...

c) ... 

d) ...

e) ...

f) ... 

g) ...

h) Os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º;

 

Artigo 6.º

Presunções relativas a rendimentos da categoria E

1 - ...

2 - ... 

3 - ...

4 - Os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.

5 - As presunções estabelecidas no presente artigo podem ser ilididas com base em decisão judicial, ato administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Artigo 7.º

Momento a partir do qual ficam sujeitos a tributação os rendimentos da categoria E

 

1 - Os rendimentos referidos no artigo 5.º ficam sujeitos a tributação desde o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição do seu titular, são liquidados ou desde a data do apuramento do respetivo quantitativo, conforme os casos.

2      - ... 

3- Para efeitos do disposto no n.º 1, atende-se:

a)    Quanto ao n.º 2 do artigo 5.º:

1)    ...

2)    A colocação à disposição, para os rendimentos referidos nas alíneas h), ...;

 

Artigo 45.º da LGT

Caducidade do direito à liquidação

1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

2 - ... 

3 - ... 

4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário. (Redação dada pela Lei 55-B/2004, de 30 de dezembro)

5 - ... 

6 - Para efeitos de contagem do prazo referido no n.º 1, as notificações sob registo consideram-se validamente efectuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil. (Aditado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro)

7 - ...

 

14.  Como resulta da fundamentação das liquidações impugnadas – quer em termos de RIT, quer em termos de despacho de indeferimento da reclamação graciosa – a AT “identificou o facto de, à data de 2018.12.31, se encontrar na referida subconta 26811, conta corrente do sócio que contém lançamentos contabilísticos de montantes em favor dele, revelando um saldo devedor no montante de 262.690,49.  Neste âmbito, nem o Reclamante, nem a contabilidade terá revelado tratar-se de um mútuo do sócio à sociedade, ou de um crédito por contrapartida da prestação de trabalho ou do exercício de um cargo do sócio, logo a lei permite que se presuma que tais lançamentos titulem lucros ou adiantamento de lucros”.

 

Considera a AT – com base na Decisão CAAD Processo 3/2017-T – que “o registo contabilístico feito em dezembro de 2018 dos fluxos financeiros/transferências, gera em si mesmo um facto tributário, citando a página 26 da citada decisão  “(…) deliberações de distribuição de lucros (ou reservas), como as adotadas pelos sócios da Requerente em 2012 e 2013, gerem um facto tributário na data em que tais saídas de caixa são contabilizadas, sobre o qual – não tendo havido anteriormente liquidação de IRS, quando das apropriações ou levantamentos – deve haver liquidação, (…) pois que a Requerente incumpriu a obrigação de retenção na fonte de IRS devido em função dos factos tributários que se tinham verificado nos exercícios anteriores.(…)”. 

 

De seguida conclui que “... a AT, conforme lhe competia, cumpriu com o ónus de demonstração da existência de facto tributário no ano fiscal de 2018, provando a existência dos lançamentos na contabilidade da sociedade, concretamente na conta corrente do sócio nº 26811 –B..., NIF...”, pelo que “tendo em conta que a guia de retenção na fonte de IRS 2018/12 nº ... (ato tributário) data de 16-11-2020” pelo que “a mesma ocorreu dentro do prazo de 4 anos de caducidade previsto no nº 1 do art.º 45º da LGT”.

 

15.  Cumpre verificar se a decisão CAAD Processo 3/2017-T, tratou de um caso idêntico, uma vez que os Tribunais julgam casos concretos, face à concreta matéria de facto apurada em cada um. Ora,

 

Na aludida decisão CAAD, escreveu-se: “No entendimento da AT, como explanado no RIT e replicado na Resposta apresentada, ocorreram, em dezembro de 2012, quer o facto tributário da distribuição de lucros e reservas no valor de EUR 595.382,55, nos termos da alínea h) do nº 2 do artigo 5º do CIRS, quer o facto tributário presumido (iuris tantum) de serem lucros ou adiantamentos de lucros os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.

No entendimento da Requerente, tais factos tributários existiram efetivamente no mundo jurídico, mas nos exercícios em que os sócios foram fazendo, pelas várias formas acima referidas, apropriações de valores da Requerente, pelo que a liquidação administrativa tomando por base a existência de tais factos tributários em 2012 está viciada de ilegalidade.

Como se viu, o tribunal dá como provada a retirada de valores, não especificados, pelos sócios — rectius, pelos dois sócios que também são gerentes. Tais valores deveriam ter sido sujeitos a tributação em IRS, por retenção na fonte, por referência a cada um dos exercícios em que ocorreram as retiradas. A Requerente não procedeu às retenções na fonte, nem, consequentemente, ao pagamento do imposto devido nos cofres do Estado.

Porém, o tribunal dá também como provado que todas as atas (numeradas de 2 a 10) em que se consigna a distribuição de resultados dos exercícios de 2001 a 2008, no valor agregado de EUR 595.382,55, para regularização do saldo de Caixa reportado no ficheiro SAF-T a outubro de 2012, foram elaboradas após o envio desse ficheiro pela Requerente (portanto, em 2012 ou já mesmo em 2013), bem como que as atas (numeradas de II a 14) em que se consigna a distribuição do valor agregado de EUR 102.498,66, todas contabilizadas em dezembro de 2012, foram elaboradas em data necessariamente não anterior à das primeiras.

Ora, a deliberação pelos sócios — ocorrida em 2012 ou 2013, embora feita constar de atas falsamente  antedatadas — das referidas distribuições gera, ela mesma, o facto tributário previsto na alínea h) do nº 2 do  artigo 5º do CIRS.

Caso tivesse sido feita pela Requerente a retenção de IRS na fonte ao longo dos exercícios em que os sócios gerentes se foram apropriando de valores gerados pela atividade da Requerente, como deveria ter ocorrido, este facto tributário ulterior, quando da distribuição, embora realmente existente, não importaria nova liquidação de imposto. No limite, uma nova liquidação de imposto geraria duplicação de coleta, nos termos do nº 1 do artigo 205.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), com efeito de ilegalidade do ato tributário.

Inversamente, deliberações de distribuição de lucros (ou reservas), como as adotadas pelos sócios da Requerente em 2012 ou 2103, geram um facto tributário na data em que tais saídas de caixa são contabilizadas, sobre o qual — não tendo havido anteriormente liquidação de IRS, quando das apropriações ou levantamentos — deve haver liquidação, ou por retenção na fonte feita pelo substituto tributário, ou administrativa, na verificação da falta daquela, sem que se gere duplicação de coleta, pois que a Requerente incumpriu a obrigação de retenção na fonte do IRS devido em função de factos tributários que se tinham verificado nos exercícios anteriores.”

 

16.  No caso presente  não foram juntas quaisquer actas contendo deliberações sociais que comprovem que o saldo constante dos registos contabilísticos da Requerente, em 2018.12.31, tenha sido objecto de qualquer deliberação dos quotistas da sociedade.

 

Ou seja, a doutrina resultante da decisão adoptada no Processo CAAD citado pela AT, não pode ser transposta para este caso, porque não há similitude em termos de matéria de facto alegada e provada.

 

O que se provou neste processo (alínea G) dos factos provados), quanto aos lançamentos em favor do sócio-gerente da sociedade (que integram o facto tributário nos termos da alínea h) do nº 2 do artigo 5º do CIRS e o facto tributário presumid0 ex vi nº 4 do artigo 6º do CIRS) foi que ocorreram durante vários anos e até 28-02-2015, e que após esta data nunca mais ocorreu qualquer movimento a débito.

 

A AT não impugnou o documento nº 7 junto com o PPA.

 

Nesta conformidade haverá que concluir que a AT não cumpriu o ónus de provar que os “lançamentos a favor” (é esta a letra do nº 4 do artigo 6º do CIRS) do sócio-gerente, (cujo registo contabilístico de um saldo em 31.12.2018 era de 262 640,49 €uros) ocorreram antes do termo do prazo de caducidade do direito de liquidação do IRS que era devido. Nos termos do artigo 45º nº 1 e 4 primeira parte, configura-se que o termo do prazo foi 31.12.2019.

 

O artigo 45º, nº 1 da LGT estabelece que “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.

 

Muito embora a AT expresse no ponto 6 da sua Resposta que existiu um processo de inquérito nº .../2019.4IDPRT, acrescenta que o mesmo se dirigiu a duas entidades que não correspondem, quer à Requerente, quer à pessoa do sócio-gerente aqui em causa B..., pelo que não é aqui aplicável o nº 5 do artigo 45º da LGT que exige que o direito a liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, para aplicação do alargamento do prazo previsto no artigo 45º, pelo que é necessário, desde logo, que se prove que o direito de liquidação se baseia em factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal.

 

A autoliquidação impugnada tem a data de 16.11.2020, pelo que decorreram mais de 4 anos contados desde 31.12.2015, ano em que ocorreu o último lançamento de um montante a favor do sócio-gerente da Requerente, que deve presumir-se ser rendimento de capitais.

 

Não nos parece, pois, ser possível acolher o entendimento de que o simples registo na conta do sócio-gerente de um saldo que integra lançamentos a seu favor, que ocorreram há mais de 4 anos atrás, sem qualquer outra prova complementar, possa ou deva corresponder a um novo facto tributário, mesmo presumido.

 

***

 

Face ao exposto, o PPA terá que proceder porquanto se verifica desconformidade da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa e consequentemente as liquidações impugnadas, nomeadamente, face às normas do artigo 45º-1 da LGT e do nº 4 do artigo 6º do CIRS, sendo que esta última faz apelo aos “lançamentos em favor” dos sócios das sociedades.

 

Uma vez que a solução a que se chegou resolve cabalmente o dissídio em julgamento fica prejudicada a apreciação de quaisquer outros vícios apontados que se entenda que terem sido alegados, os quais, neste caso, ocorreram até 2015 e não em 2018.

 

 

III - Decisão

 

Termos em que se decide:

a)     Julgar procedente o pedido arbitral e anular o Despacho do Sr. Chefe de Divisão de Direção de Finanças de 09-12-2021, que indeferiu a Reclamação Graciosa apresentada contra a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) aqui impugnada;

b)    Anular, consequentemente, o IRS autoliquidado constante do DUC n.º..., no valor de €73.553,34, e bem assim a liquidação de juros compensatórios, no valor de €5.360,32, objeto da DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE JUROS n.º 2020... .

 

 

Valor da causa

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 73 553,34, que não foi contestado pela Requerida. No entanto tal montante não corresponde ao valor das liquidações impugnadas que são € 73.553,34 de IRS e € 5.360,32 de juros, o que perfaz € 78 913,66, pelo que nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT, fixa-se em 78 913.66 euros o valor da causa.

 

Custas

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2 448,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 16 de Janeiro de 2023

 

 

 

Tribunal Arbitral Colectivo  

 

O Presidente

 

 

(Victor Calvete)

 

 Vogal

 

 

 

(Ângelo António Almeida Pereira Dias)

 

Vogal-Relator

 

 

 

(Augusto Vieira)