Sumário:
I. Consideram-se aplicações relevantes para efeitos do RFAI os investimentos em activos que (i) sejam afectos à exploração da empresa, (ii) sejam adquiridos em estado novo, (iii) correspondam a adições, verificadas em cada período de tributação, de activos fixos tangíveis, (iv) sejam mantidos na empresa (PME) ou na região por um período mínimo de três anos a contar da data dos investimentos, (v) proporcionem a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos activos e (vi) consubstanciem um “investimento inicial” nos termos definidos no artigo 2.º, n.º 2, alínea d), da Portaria n.º 297/2015, de 21 de Setembro e do artigo 2.º, § 49.º, alínea a) do Regulamento Geral de Isenção por Categoria ‑ Regulamento (UE) n.º 651/2014, segundo os quais o investimento terá de ter como finalidade: criação de um novo estabelecimento, aumento da capacidade de um estabelecimento existente, diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento ou mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente;
II. Com excepção dos casos mencionados nas várias subalíneas, da alínea a), do n.º 2, do artigo 22.º do CFI, não resulta da legislação aplicável a exclusão, em termos abstractos, de activos fixos tangíveis que pela sua natureza não se enquadrem no conceito de “investimento inicial”, apenas se exigindo que os mesmos tenham como finalidade contribuir para a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento existente, a diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento ou mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente;
III. O regime jurídico do RFAI não exige a criação líquida de postos de trabalho, mas sim que do investimento inicial realizado resulte um aumento do número de trabalhadores ao serviço da empresa.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Maria do Rosário Anjos e Jesuíno Alcântara Martins, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., S.A., com o número de identificação fiscal ..., com sede na Rua..., N.º ..., ...-... ... (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), visando a declaração de ilegalidade dos seguintes actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) e juros compensatórios:
- Liquidação de IRC n.º 2021 ... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., referentes ao exercício de 2015;
- Liquidação de IRC n.º 2021..., liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ... e demonstração de acerto de contas n.º 2021..., no valor total de € 67.615,78, referentes ao exercício de 2016;
- Liquidação de IRC com o n.º 2021..., liquidações de juros compensatórios n.ºs 2021... e 2021... e demonstração de acerto de contas n.º 2021..., no valor total de € 96.810,02, referentes ao exercício de 2017.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 14 de Março de 2022 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à AT.
3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a)e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram notificadas dessa designação em 4 de Maio de 2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 24 de Maio de 2022.
5. A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:
5.1. A Requerente foi objecto de um procedimento inspectivo do qual resultaram correcções meramente aritméticas em sede de IRC, decorrentes da não aceitação das dotações registadas no âmbito do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”) dos períodos de 2015, 2016 e 2017, por alegadamente não estarem cumpridas todas as condições impostas pelos artigos 22.º e seguintes do Código Fiscal do Investimento (“CFI”);
5.2. De acordo com a Requerente, os serviços de inspecção tributária (“SIT”) fundamentaram as referidas correcções no incumprimento da condição de os activos fixos tangíveis adquiridos respeitarem a um investimento inicial (artigo 2.º, n.º 2, alínea d), da Portaria n.º 297/2015, de 21 de Setembro), no incumprimento da condição de criação e manutenção de postos de trabalho (artigo 22.º, n.º 4, alínea f), do CFI) e no incumprimento da condição de manutenção dos bens objecto do investimento na empresa e na região pelo período de 3 anos (artigo 22.º, n.º 4, alínea c), do CFI);
5.3. Quanto ao investimento inicial em causa, começou a Requerente por mencionar que elaborou um plano integrado de investimentos para o período de 2015 a 2017, assente numa estratégia que visava o aumento da capacidade instalada na sua unidade fabril sita na Rua..., n.º ..., em ..., para fabricação de novos e inovadores produtos destinados aos mercados nacional e internacional;
5.4. Mencionou a Requerente que na execução do plano de investimentos para o período de 2015 a 2017 lançou no mercado duas novas asas para garrafões (referências “PG.38.08” e “PG.48.10”) e uma cápsula/tampa para embalagens de vinagre (“CP.29.21 FT”);
5.5. Indicou também a Requerente que naquele período adquiriu os seguintes activos fixos tangíveis que foram instalados e afectos à unidade fabril em ... e que foram considerados investimento relevante para efeitos do RFAI: molde de pegas 38.08 32 cavidades, estrut. sist. dinâmico estantaria (upgrade); carro ferramenta 7 gavetas; sistema canais quentes maq. injecção; chave dina, ométrica e cabeça roquete; computadores celeron+monitores+scanner de mão; impressora citizen cl-s621; bombas (2) grundfos crie 10-06 central hidro; tanque de água 8m3 e ligação; conjunto diversas ferramentas individuais; base vibratória para caixas; equip. p/transporte pvc chassi+tanque+bomba+mangueira; molde pg. 48.02 - redução altura aro; postiços para molde protótipo tampa keg 75; molde protótipo pg. 38.11; controlador temperaturas sise; molde injecção tampa vinagre 16 cav.; molde protótipo tampa david; gabinete interior; maq. injecção ferromatik k-tec 450-1650 s; molde protótipo asa pg. 48 aug. v1; piov doseador mod. libra-lg; sistema arrefecimento de pegas; m.b. tapete pa 600*1800 mm; m.b. tapete cp. tp 375*1700; sise controlador serie mv2l-532 32 zonas; mesa vibratória 610*810 mm; molde asa pg. 110.01 - 8 cavidades am moldes; receptor de vácuo c10easy3; receptor de vácuo c10easy3+vp40; kit conversão control. easy3 bomba vácuo; controlador base easy3; grupo de bombas grundfos hydro e acessórios; secador kaeser tch27; compressor kaeser sk25/8bar; conjunto bombas tubagem e ligação chiller; molde protótipo asa pg. 90.01; molde protótipo asa 38.01 rev. nova; máquina formadora de caixas novazê; impressora citizen; piov display easy3 al334; empilhador yale erp18vt mwb; máscara soldadura; alpendre metálico 10x14m; molde tapa sal frutas carmencita; controlo de acesso; molde pg. 38.01 24 cavidades grande reparação; molde protótipo tampa bisagra basic; máquina de injecção husky 400-rs65/60; sise controlador mv2-lt10 agi; mesa vibratória 610; piov recept vácuo c10 easy agi; doseador gravimétrico libra-agi; sise controlador mv2 lt10-s48; máquina arrefecimento cápsulas “capcooler”; tapete pa 800x2000mm em alumínio 110x30; tapete n-cpr 345x1300x1400 mm agi; molde asa encastrável; molde 48 cavidades “curtil”; molde 8 cavidades para tapa baja 110 mm;
5.6. Sublinhou a Requerente que no seguimento do procedimento de inspecção tributária aceitou a desconsideração em sede de RFAI do investimento nos seguintes activos: carro ferramenta 7 gavetas; chave dina,ométrica e cabeça roquete; molde pg. 48.02 - redução altura aro; postiços para molde protótipo tampa keg 75; molde protótipo tampa david; molde protótipo asa pg. 48 aug. v1; molde asa pg. 110.01 - 8 cavidades am moldes; molde protótipo asa pg. 90.01; molde protótipo asa 38.01 rev. nova; alpendre metálico 10x14m; molde tapa sal frutas carmencita; controlo de acesso; molde pg. 38.01 24 cavidades grande reparação; molde protótipo tampa bisagra basic; molde asa encastrável e molde 8 cavidades para tapa baja 110 mm;
5.7. Quanto aos demais activos fixos tangíveis mencionados, considerou a Requerente que estavam em causa, por um lado, novas ferramentas de transformação (máquinas injectoras e moldes de injecção de múltiplas cavidades), capazes de assegurar a produção dos novos produtos e, por outro lado, o reforço dos meios de suporte à logística industrial e dos equipamentos periféricos ao processo produtivo (controladores de temperaturas, doseadores, compressores, secadores de ar, tanque e bombas de água, ligações às redes de água ou ar comprimido já existentes, um empilhador e investimento no gabinete interior) para assegurar a manutenção da produtividade, optimização e eficiência dos processos, considerando o previsível acréscimo da produção originado pelos novos moldes;
5.8. Para a Requerente, todos estes activos preenchem o conceito de “investimento relevante” a que alude o RFAI, sendo que no caso particular dos moldes de injecção, importa ter presente que estes são aceites como custos/gastos fiscais no regime das depreciações e amortizações para efeitos do IRC;
5.9. Estas aplicações relevantes integram, de acordo com a Requerente, o conceito de “investimento inicial” para efeitos do artigo 22.º do CFI e da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de Setembro, já que estes investimentos foram realizados no âmbito de um plano de investimentos assente numa estratégia que visava o aumento da capacidade da sua unidade fabril (estabelecimento já existente), para fabricação de inovadores produtos destinados aos mercados nacional e internacional;
5.10. Contrariamente ao referido no RIT, sustentou a Requerente que a aquisição dos activos que foram enquadrados em sede de RFAI não visou a aquisição de equipamentos de substituição, nem se tratou de aquisições isoladas de activos;
5.11. No entender da Requerente, as máquinas adquiridas não vieram substituir as máquinas em uso mas sim incrementar o parque de máquinas existente, sendo que os moldes de injecção de múltiplas cavidades foram adquiridos especificamente para fabrico dos três novos produtos e não para produzir os produtos já fabricados;
5.12. Na perspectiva da Requerente, ainda que se considerasse que as máquinas e moldes eram equipamentos de substituição, estes sempre iriam implicar um aumento da capacidade de produção, dado que permitam realizar, no mesmo período de tempo, mais ciclos de injecção, produzindo mais peças por cada ciclo;
5.13. Segundo a Requerente, nem o direito português nem o direito da União Europeia definem os critérios a utilizar com vista à verificação do preenchimento desta condição em sede do RFAI, pelo que não existe uma obrigação específica de aumento da produção do estabelecimento, exigindo-se apenas o aumento da capacidade produtiva instalada;
5.14. De acordo com a Requerente, os investimentos realizados no âmbito do plano de investimentos de 2015 a 2017 que foram enquadrados em sede de RFAI contribuíram decisivamente para o aumento da capacidade produtividade da sua unidade fabril, quer em termos de permitir a redução da matéria-prima e consequente redução do tempo de ciclo, quer em termos do aumento do número de peças produzido por ciclo produtivo;
5.15. Mencionou também a Requerente que parte do investimento considerado relevante para efeitos do RFAI foi simultaneamente enquadrado no conceito de “investimento inicial”, ao abrigo da tipologia “aumento da capacidade de um estabelecimento existente”, no âmbito do incentivo financeiro atribuído pelo Programa Operacional Regional do Norte (“Portugal 2020”), aprovado pelo Aviso 03/SI/2015 e regulado pela Portaria n.º 57-A/2015, de 27 de Fevereiro;
5.16. Segundo a Requerente, a prova de que os investimentos efectuados contribuíram para o aumento da capacidade contributiva resultava também do critério da variação do valor bruto da produção utilizado no âmbito dos programas PT2020, no qual o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente deve referir-se a (e aferir‑se perante) um aumento que corresponda no mínimo a 20% da capacidade instalada em relação ao ano pré‑projecto, o que foi comprovado pela aprovação do programa PT2020 a que a Requerente se candidatou, com parte destes investimentos;
5.17. Quanto à criação e manutenção de postos de trabalho, mencionou a Requerente que o número médio de trabalhadores ao seu serviço foi de 41, 44, 47, 56, 59, 58 e 62, nos anos de 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, respectivamente;
5.18. De acordo com a Requerente, em 1.1.2015 tinha 40 trabalhadores, dos quais 18 com a categoria profissional de auxiliar à produção; em 31.12.2017 tinha 58 trabalhadores, dos quais 34 com a categoria profissional de auxiliar à produção; e em 31.12.2020 tinha 64 trabalhadores, dos quais 34 com a categoria profissional de auxiliar à produção;
5.19. Afirmou a requerente que no final de 2017, após a execução do plano de investimentos, tinha mais 18 trabalhadores relativamente a 31.12.2014;
5.20. Mencionou ainda a Requerente que, em 14.10.2015, contratou B..., engenheiro mecânico, para integrar a equipa de manutenção tendo em perspectiva o aumento que iria ocorrer no parque de equipamentos, em resultado da aquisição de máquinas, equipamentos periféricos e moldes, prevista no plano de investimentos para o período de 2015 a 2017;
5.21. No entender da Requerente, os SIT não interpretaram correctamente o disposto na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, já que dela não resulta que a condição de criação de postos de trabalho deve ser cumprida exclusivamente através da contratação de trabalhadores sem termo/por tempo indeterminado, nem que a “criação de postos de trabalho” implica um “aumento líquido do número de trabalhadores” previsto no § 32 do artigo 2.º do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de Junho de 2014;
5.22. Não há, portanto, para a Requerente, qualquer impedimento a que, no apuramento da verificação da condição de criação de postos de trabalho, sejam consideradas/contabilizadas todas as admissões de trabalhadores “causalmente associáveis ao investimento realizado”, independentemente da forma jurídica através da qual as mesmas foram concretizadas, e (independentemente) de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço;
5.23. Quanto à obrigação de manter os bens objecto do investimento inicial na empresa e na região pelo período de 3 anos, referiu a Requerente que tal requisito foi cumprido, pelo que os mesmos eram elegíveis em sede de RFAI;
5.24. Nestes termos, concluiu a Requerente que cumpriu todas as condições impostas pelo RFAI, razão pela qual devia o Tribunal julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) anular integralmente a liquidação de IRC com o n.º 2021..., referente ao exercício de 2015, e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na parte em que considerou inelegíveis para efeitos de RFAI os investimentos enquadrados pela Requerente, designadamente, os investimentos identificados sob os números 1 e 2 da listagem supra exposta;
b) anular parcialmente a liquidação de IRC com o n.º 2021 ... e liquidação de juros compensatórios com o n.º 2021 ..., referentes ao exercício de 2016, e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na parte em que considerou inelegíveis os investimentos realizados;
c) anular parcialmente a liquidação de IRC com o n.º 2021 ... e liquidações de juros compensatórios com os n.ºs 2021 ... e 2021 ..., referentes ao exercício de 2017, e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na parte em que considerou inelegíveis os investimentos realizados;
d) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.
6. Em 26 de Maio de 2022 foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.
7. Em 29 de Junho de 2022, a Requerente veio requerer a ampliação do pedido com os seguintes fundamentos:
7.1. No decurso dos presentes autos, em concreto, em 6 de Junho de 2022, foi a Requerente notificada da liquidação de IRC n.º 2022 ... da liquidação de juros compensatórios n.º 2022 ..., e da demonstração de acerto de contas n.º 2022..., no valor total de € 85.095,72, referentes ao exercício de 2018;
7.2. Em 7 de Junho de 2022, foi a Requerente notificada da liquidação de IRC n.º 2022 ..., da liquidação de juros compensatórios n.º 2022... e da demonstração de acerto de contas n.º 2022..., no valor total de € 84.414,66, referentes ao exercício de 2019;
7.3. A Requerente pretende ampliar o pedido de forma a abranger a ilegalidade e anulação destes actos de liquidação;
7.4. As referidas liquidações têm como pressuposto a ilegitimidade das dotações relacionadas com a aplicação do benefício fiscal RFAI constituídas nos períodos de 2016 e 2017;
7.5. A factualidade e o direito em que assenta a ampliação do pedido são precisamente os mesmos do pedido primitivo, que já foram alegados e expostos na petição inicial;
7.6. A ampliação do pedido é, por isto, o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, pelo que deve ser deferida ao abrigo do artigo 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
8. Por despacho proferido em 4 de Julho de 2022, ao abrigo do disposto no artigo 265.º, n.º 2, do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT e, bem assim, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da informalidade processual, previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT, foi deferida a ampliação do pedido formulado pela Requerente, uma vez que a discussão da causa ainda não se encontrava terminada e tendo em conta que a ampliação do pedido consistia no desenvolvimento/consequência do pedido primitivo. Consequentemente, e de forma a dar integral cumprimento ao princípio do contraditório previsto no artigo 16.º, alínea a), do RJAT, foi concedido um prazo adicional de 15 dias para a apresentação da resposta pela Requerida.
9. Em 5 de Setembro de 2022, a Requerida apresentou a sua Resposta e juntou aos autos o processo administrativo (“PA”), tendo concluído pela improcedência do pedido arbitral e pela sua absolvição de todos os pedidos, com base nos seguintes argumentos:
9.1. Começou a Requerida por mencionar que os benefícios fiscais traduzem uma despesa fiscal que derroga o regime normal de tributação, sendo que a sua natureza excepcional impede a integração analógica das normas que os estabelecem;
9.2. Prosseguiu a Requerida por referir que as questões suscitadas pela Requerente foram esclarecidas no RIT, tendo ficado demonstrado no direito de audição a incoerência dos argumentos que apresentou, designadamente ao alegar a existência de um projecto de investimento plurianual (2015-2017) baseado na existência de investimentos em curso, quando nos anos analisados inexistem tais investimentos, não tendo sido apresentado qualquer projecto ou plano integrado de investimento, nem anual nem plurianual, sendo que os investimentos realizados em cada um dos anos no triénio referido entraram de imediato em funcionamento no ano em que foram adquiridos e não diferem dos realizados nos anos anteriores e posteriores;
9.3. De acordo com a Requerida, a Requerente continua a não dar qualquer relevância às obrigações acessórias de documentação e comprovação do direito a usufruir benefícios fiscais no âmbito do RFAI, conforme impõe o artigo 25.º do CFI e artigo 7.º da Portaria 297/2015;
9.4. Na perspectiva da Requerida, o dossier relativo ao investimento e ao benefício fiscal do RFAI elaborado pela Requerente resume-se a meras listagens de facturas, para cada um dos anos, dos investimentos considerados elegíveis para efeitos de quantificação daquele benefício fiscal e que se caracterizam pela reprodução quase na íntegra dos movimentos registados a débito nas várias subcontas da conta SNC 43 – Activos Fixos Tangíveis;
9.5. Isto, no entender da Requerida, quando se impunha à Requerente a elaboração de uma descrição do investimento inicial, nomeadamente a identificação de um projecto/investimento integrado e agregador, com objectivos e área de intervenção concretamente definidos, de forma a justificar, entre outros, o seu enquadramento numa das tipologias abrangidas pelo conceito de investimento inicial;
9.6. Quanto à condição de respeitar a um investimento inicial, mencionou a Requerida que o investimento considerado elegível para efeitos de RFAI por parte da Requerente não se distinguiu do investimento necessário para o normal funcionamento da sua actividade industrial de fabrico de peças por injecção de plásticos em diversos formatos e dimensões, uma vez que as máquinas de injecção não têm uma duração ilimitada e os moldes são específicos para cada peça fabricada;
9.7. Para a Requerida, as aquisições não têm qualquer “fio condutor” que as agregue, que demonstre a sua interdependência com vista a um objectivo de expansão definido e distinga do investimento de manutenção da actividade já existente (contrariando o conceito de investimento inicial);
9.8. Segundo a Requerida, o investimento no aumento da capacidade instalada é distinto do investimento inicial no aumento da capacidade instalada, pelo que a substituição de uma máquina por outra mais eficiente pode aumentar a capacidade instalada, contudo, não é investimento inicial no aumento ou expansão da capacidade instalada, dado que o primeiro pode permitir incrementos marginais, mas só o segundo consiste num investimento de expansão, que visa incrementos substanciais da capacidade instalada, com potencial para incrementar o crescimento económico e o emprego que são a principal condição do regime RFAI e objectivo de todos os auxílios regionais ao investimento;
9.9. Acresce, para a Requerida, que só agora é que a Requerente traduziu em números (unidades) aquela que considera ser a capacidade instalada, antes e após projecto, embora sem efectuar qualquer demonstração, tendo “por referência produtos representativos de 80% das vendas”, pelo que fica a dúvida se terá utilizado as vendas realizadas como critério (ou parte delas, neste caso, 80%), que não representam a capacidade de produção instalada, nem sequer a produção realizada já que a empresa reconhece “variação da produção” e inventário final de produtos acabados/em curso;
9.10. Ora, de acordo com a Requerida, a subtracção ao escrutínio dos SIT dos valores agora revelados pela Requerente implica a perda do direito ao benefício fiscal nos termos dos artigos 14.º do EBF e artigo 14.º da LGT;
9.11. Prosseguiu a Requerida por referir que quanto à condição de criação de postos de trabalho, a Requerente assumiu três posições diferentes ao longo do tempo: uma posição no email enviado na sequência da reunião de 13.9.2021, outra no exercício do direito de audição e uma outra no pedido arbitral, sem nunca ter demonstrado o nexo de causalidade entre o investimento considerado elegível e os postos de trabalho criados por esse mesmo investimento, o que é uma conditio sine quo non para a atribuição do beneficio fiscal;
9.12. De acordo com a Requerida, é necessário que exista uma criação líquida de postos de trabalho directamente conexos com o investimento em causa, preenchidos por contratados sem termo, tendo esses mesmos postos de trabalho que ser mantidos durante o período mínimo de detenção dos bens objecto de investimento e, em simultâneo, é necessário o cumprimento das condições gerais exigíveis para que os auxílios com finalidade regional possam ser considerados compatíveis com o mercado interno, designadamente no que respeita ao objectivo geral de “desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável”;
9.13. Esta conclusão resulta, segunda a Requerida, da definição constante da alínea k) do ponto 1.2 (Definições) das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014 2020 (OAR), onde se esclarece que deve entender-se como “criação de emprego, um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, após deduzir os postos de trabalho eventualmente suprimidos durante o mesmo período do número aparente de postos de trabalho criados;
9.14. Sendo que, segundo a Requerida, resulta do § 32.º do artigo 2.º do RGIC que o “«aumento líquido do número de trabalhadores», deve ser entendido como “o aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento em causa em comparação com a média durante um determinado período de tempo, devendo os postos de trabalho suprimidos durante esse período ser, por conseguinte, deduzidos e o número de trabalhadores a tempo inteiro, a tempo parcial e sazonais ser considerado segundo as respectivas fracções de trabalho anual”;
9.15. Nestes termos, concluiu a Requerida que a exigência de criação líquida de emprego através de contratos sem termo (por admissão ou conversão de contrato a termo) não foi respeitada pela Requerentes, já que continua por demonstrar o nexo de causalidade entre o investimento realizado e os postos de trabalho que aquela alega ter criado, sendo que os postos de trabalho eventualmente criados por outra causa que não a realização de um investimento inicial não podem relevar para efeito do benefício fiscal RFAI;
9.16. Tal conclusão é aplicável, segundo a Requerida, ao posto de trabalho/função assumida por B..., que corresponde a uma função indissociável de toda a instalação industrial, sem qualquer conexão específica com o investimento realizado nestes anos;
9.17. Concluiu assim a Requerida que nem mesmo considerando os movimentos totais de trabalhadores se verifica a criação de postos de trabalho, e bem assim, a criação de emprego, de acordo com o critério definido nas OAR e RGIC, até porque a Requerente confirmou no pedido arbitral que “o processo de injecção implementado na unidade fabril da Requerente é completamente automático e independente, após parametrização pelos especializados”;
9.18. Por fim, mencionou a Requerida que não acordava na alteração da causa de pedir que, no seu entender, redunda numa alteração do pedido, uma vez que ao não se verificar o condicionalismo do artigo 265.º, n.º 1, do CPC, essa modificação da instância apenas podia ocorrer por acordo.
10. Em 18 de Novembro de 2022 a Requerente apresentou requerimento no qual juntou aos autos documento emitido pelo IAPMEI relativo ao encerramento do projecto de investimento apresentado no âmbito do Programa PT2020 (NUP NORTE‑02‑0853‑FEDER‑000...), que após verificar o cumprimento dos requisitos aplicáveis determinou a atribuição de um prémio de realização no valor de € 252.794,79.
11. A reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, que se encontrava inicialmente agendada para o dia 25 de Outubro de 2022, foi realizada em 21 de Novembro de 2022, em virtude de requerimento de adiamento da inquirição apresentado pela Requerente. Na referida reunião foi produzida a prova testemunhal requerida pelas partes; foi solicitada pelo Tribunal a junção aos autos de documentos comprovativos das respectivas posições, o que as partes vieram posteriormente a fazer; foi também prorrogado o prazo de arbitragem e designado o dia 23 de Janeiro de 2023 como data limite para a prolação da decisão arbitral; e foram ainda notificadas as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas por prazo simultâneo de 15 dias. A Requerente apresentou as suas alegações em 19 de Dezembro de 2022, onde reiterou os argumentos anteriormente apresentados, alegando ex novo que a invocação de irregularidades nas obrigações acessórias de documentação do benefício fiscal RFAI consistia num fundamentação a posteriori proibida e que não poderia ser tido por admissível, mais referindo que eventuais irregularidades não impediram a AT de apreciar a verificação de todos os pressupostos de que dependia a dedução do benefício fiscal. A Requerida apresentou as suas alegações em 6 de Janeiro de 2022, tendo reiterado os argumentos anteriormente apresentados e rebatido a coerência dos documentos juntos aos autos pela Requerente após a reunião arbitral.
II. SANEAMENTO
12. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades, nem existem excepções ou outras questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
III. DO MÉRITO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
III.1.1. Factos provados
13. Analisada a prova produzida no âmbito do presente Processo Arbitral, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objecto social a indústria e comércio de plásticos, importação e exportação;
b) A actividade exercida pela Requerente insere-se no sector da indústria transformadora, com o código 22292 (Fabricação de outros artigos de plástico), de acordo com a classificação portuguesa das actividades económicas (CAE Rev.3), compreendendo o fabrico, através do processo de moldação por injecção, e comercialização, de tampas, cápsulas e asas/pegas em diferentes formatos e diâmetros e para diversas utilizações na área alimentar e não alimentar, designadamente cápsulas e asas/pegas para garrafões destinados a embalar água, azeite e óleos, desinfectantes, álcool e detergentes, tampas para frascos e bidões, cápsulas para máquinas de café e tampas de segurança para os barris de cerveja ou vinho;
c) A actividade da Requerente é exercida na unidade fabril sita na Rua..., n.º ..., em ..., cidade do Distrito de ..., da Área Metropolitana do Porto e da Região Norte de Portugal;
d) A Requerente está enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de tributação, sendo o período de tributação coincidente com o ano civil;
e) A Requerente está enquadrada, em sede de IVA, no regime normal com periodicidade mensal, estando sujeita e não isenta de imposto;
f) Desde 2008 que a Requerente é titular de certificação PME, emitida pelo IAPMEI;
g) A Requerente elaborou um plano integrado de investimentos para o período de 2015 a 2017, assente numa estratégia que visava o aumento da capacidade instalada na sua unidade fabril, para fabricação de novos e inovadores produtos destinados aos mercados nacional e internacional, designadamente duas novas asas para garrafões e uma cápsula/tampa para embalagens de vinagre;
h) O plano de investimentos da Requerente previa, por um lado, a aquisição de novas ferramentas de transformação, nomeadamente, máquinas injectoras e moldes de injecção de múltiplas cavidades, capazes de assegurar a produção dos novos produtos e, por outro lado, o reforço dos meios de suporte à logística industrial e dos equipamentos periféricos ao processo produtivo, no sentido de assegurar a manutenção da produtividade, optimização e eficiência dos processos;
i) Na execução do plano de investimentos para o período de 2015 a 2017, a Requerente lançou no mercado duas novas asas para garrafões e uma cápsula/tampa para embalagens de vinagre;
j) No ano de 2015, a Requerente iniciou a produção do modelo de asa/pega para garrafões com a referência “PG.38.08”, de que é titular do registo do desenho ou modelo comunitário n.º 00...-0001;
k) No ano de 2016, a Requerente iniciou a produção da cápsula/tampa para embalagens de vinagre com a referência “CP.29.21 FT”, de que é titular do registo de patente nacional com o n.º ...;
l) No ano de 2017, foi iniciada a produção do modelo de asa/pega para garrafões com a referência “PG.48.10”;
m) A Requerente, nos períodos de 2015 a 2017, considerou investimento relevante para efeitos do RFAI, a aquisição dos seguintes activos fixos tangíveis:
Ano de 2015
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ID
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Descrição
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1
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MOLDE DE PEGAS 38.08 32 CAVIDADES
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2
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ESTRUT. SIST. DINAMICO ESTANTARIA (UPGRADE)
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3
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CARRO FERRAMENTA 7 GAVETAS
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Ano de 2016
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ID
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Descrição
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4
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SISTEMA CANAIS QUENTES MAQ. INJECÇÃO
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5
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CHAVE DINAMOMÉTRICA E CABEÇA ROQUETE
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6
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COMPUTADORES CELERON+MONITORES+SCANNER DE MÃO
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7
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IMPRESSORA CITIZEN CL-S621
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8
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BOMBAS (2) GRUNDFOS CRIE 10-06 CENTRAL HIDRO
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9
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TANQUE DE ÁGUA 8M3 E LIGAÇÃO
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10
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CONJUNTO DIVERSAS FERRAMENTAS INDIVIDUAIS
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11
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BASE VIBRATÓRIA PARA CAIXAS
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12
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EQUIP. P/TRANSPORTE PVC CHASSI+TANQUE+BOMBA+MANGUEIRA
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13
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MOLDE PG. 48.02 - REDUÇÃO ALTURA ARO
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14
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POSTIÇOS PARA MOLDE PROTÓTIPO TAMPA KEG 75
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15
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MOLDE PROTÓTIPO PG. 38.11
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16
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CONTROLADOR TEMPERATURAS SISE
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17
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MOLDE INJECÇÃO TAMPA VINAGRE 16 CAV.
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18
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MOLDE PROTÓTIPO TAMPA DAVID
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19
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GABINETE INTERIOR
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20
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MAQ. INJECÇÃO FERROMATIK K-TEC 450-1650 S
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21
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MOLDE PROTÓTIPO ASA PG. 48 AUG. V1
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22
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PIOV DOSEADOR MOD. LIBRA-LG
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23
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SISTEMA ARREFECIMENTO DE PEGAS
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24
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M.B. TAPETE PA 600*1800 MM
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25
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M.B. TAPETE CP. TP 375*1700
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26
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SISE CONTROLADOR SERIE MV2L-532 32 ZONAS
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27
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MESA VIBRATÓRIA 610*810 MM
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28
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MOLDE ASA PG. 110.01 - 8 CAVIDADES AM MOLDES
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29
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RECEPTOR DE VÁCUO C10EASY3
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30
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RECEPTOR DE VÁCUO C10EASY3+VP40
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31
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KIT CONVERSÃO CONTROL. EASY3 BOMBA VÁCUO
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32
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CONTROLADOR BASE EASY3
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33
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GRUPO DE BOMBAS GRUNDFOS HYDRO E ACESSÓRIOS
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34
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SECADOR KAESER TCH27
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35
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COMPRESSOR KAESER SK25/8BAR
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36
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CONJUNTO BOMBAS TUBAGEM E LIGAÇÃO CHILLER
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37
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MOLDE PROTÓTIPO ASA PG. 90.01
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38
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MOLDE PROTÓTIPO ASA 38.01 REV. NOVA
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39
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MÁQUINA FORMADORA DE CAIXAS NOVAZÊ
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40
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IMPRESSORA CITIZEN
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41
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PIOV DISPLAY EASY3 AL334
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42
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EMPILHADOR YALE ERP18VT MWB
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Ano de 2017
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ID
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Descrição
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43
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MÁSCARA SOLDADURA
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44
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ALPENDRE METÁLICO 10X14M
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45
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MOLDE TAPA SAL FRUTAS CARMENCITA
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46
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CONTROLO DE ACESSO
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47
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MOLDE PG. 38.01 24 CAVIDADES GRANDE REPARAÇÃO
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48
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MOLDE PROTÓTIPO TAMPA BISAGRA BASIC
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49
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MÁQUINA DE INJECÇÃO HUSKY 400-RS65/60
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50
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SISE CONTROLADOR MV2-LT10 AGI
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51
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MESA VIBRATÓRIA 610
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52
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PIOV RECEPT VÁCUO C10 EASY AGI
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53
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DOSEADOR GRAVIMÉTRICO LIBRA-AGI
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54
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SISE CONTROLADOR MV2 LT10-S48
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55
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MÁQUINA ARREFECIMENTO CÁPSULAS “CAPCOOLER”
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56
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TAPETE PA 800X2000MM EM ALUMÍNIO 110X30
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57
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TAPETE N-CPR 345X1300X1400 MM AGI
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58
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MOLDE ASA ENCASTRÁVEL
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59
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MOLDE 48 CAVIDADES “CURTIL”
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60
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MOLDE 8 CAVIDADES PARA TAPA BAJA 110 MM
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n) Os activos fixos tangíveis identificados na alínea anterior foram instalados e afectos pela Requerente à unidade fabril sita na Rua ..., n.º ..., em ...;
o) Os activos fixos tangíveis identificados na alínea m) sob os números 28, 37, 45, 48 e 60 foram alienados pela Requerente em 2017 e 2018;
p) Com excepção dos mencionados na alínea anterior, a Requerente manteve na esfera da empresa até 1 de Janeiro de 2021 os activos fixos tangíveis mencionados na alínea m);
q) Com a aquisição das máquinas “Ferromatik K-TEC 450-1650” e “Husky 400‑RS65/60” o parque de máquinas de injecção da Requerente passou de 12 máquinas em 2014 para 14 máquinas em 2017;
r) A taxa de ocupação média das máquinas de injecção da Requerente nos anos de 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, foi, respectivamente, de 71,8%, 70,8%, 80,1%, 85,4%, 79,0% e 79,7%;
s) As duas máquinas de injecção adquiridas no âmbito do plano de investimentos 2015‑2017 permitiram colocar em fabrico mais moldes em simultâneo;
t) Os moldes adquiridos no âmbito do plano de investimentos 2015-2017 permitiram fabricar novos produtos que reforçaram a gama de modelos de asas/pegas para garrafões e de cápsulas/tampas existentes;
u) As máquinas que a Requerente tinha antes de 2015 continuaram a ser utilizadas no processo produtivo, não tendo sido substituídas pelas novas máquinas adquiridas;
v) Os modelos anteriores da gama de asas/pegas para garrafões e de cápsulas/tampas continuaram a ser produzidos e comercializados;
w) O molde de injecção de 32 cavidades para a asa/pega para garrafões com a referência “PG.38.08” identificado na alínea m) sob o número 1, permite à Requerente uma produção anual de 70.183 milheiros (mil unidades) de peças;
x) O molde de injecção de 16 cavidades para a cápsula/tampa para embalagens de vinagre com a referência “CP.29.21 FT” identificado na alínea m) sob o número 17, permite à Requerente uma produção anual de 35.092 milheiros (mil unidades) de peças;
y) O molde de injecção de 48 cavidades para a asa/pega para garrafões com a referência “PG.48.10” identificado na alínea m) sob o número 59, permite à Requerente uma produção anual de 136.858 milheiros (mil unidades) de peças;
z) A Requerente adquiriu os activos fixos tangíveis identificados na alínea m) sob os números 2, 4, 6 a 9, 11, 12, 16, 19, 22, 23 a 27, 30 a 36, 39 a 43 e 50 a 57, para reforço dos meios de suporte à logística industrial e dos equipamentos periféricos, que são complementares e essenciais ao regular desenvolvimento do processo produtivo;
aa) Os controladores de temperaturas, doseadores, compressores, secadores de ar, tanque e bombas de água, ligações às redes de água ou ar comprimido existentes na unidade fabril da Requerente asseguraram o funcionamento das máquinas de injecção;
bb)O sistema de canais quentes identificado na alínea m) sob o número 4, corresponde a uma parte do molde de injecção;
cc) A máquina formadora de caixas identificado na alínea m) sob o número 39 corresponde a um equipamento que monta de forma automática cerca de 200 caixas por hora, onde são embaladas as peças fabricadas;
dd)O empilhador identificado na alínea m) sob o número 42 foi adquirido pela Requerente para movimentar matérias primas e produto acabado, para armazenamento e para carregamento em camiões de transporte de carga com destino aos clientes;
ee) A Requerente investiu no gabinete interior identificado na alínea m) sob o número 19 para albergar responsáveis de produção e de manutenção em locais estratégicos para a monitorização do processo produtivo;
ff) Os investimentos feitos no período de 2015 a 2017 permitiram à Requerente aumentar a capacidade produtiva e o volume de negócios;
gg) Por referência a produtos representativos de 80% das vendas, a capacidade produtiva instalada nos anos de 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021 permitia à Requerente, respectivamente, a produção anual de 763.492, 833.675, 868.767, 1.005.625, 1.048.393, 1.118.576, 1.306.567 e 1.404.323 milheiros de peças (mil unidades);
hh)O volume de negócios da Requerente nos anos de 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021 foi, respectivamente, de € 6.416.601,14, € 7.486.650,07, € 6.999.979,95, € 7.995.465,18, € 8.642.370,47, € 9.164.301,57, € 9.806.477,94, € 9.823.569,63;
ii) Em 31.12.2014 a Requerente tinha 40 trabalhadores ao seu serviço, dos quais 17 com a categoria profissional de auxiliar à produção;
jj) Em 31.12.2017 a Requerente tinha 56 trabalhadores ao seu serviço, dos quais 34 com a categoria profissional de auxiliar à produção;
kk)Em 31.12.2020 a Requerente tinha 60 trabalhadores ao seu serviço, dos quais 33 com a categoria profissional de auxiliar à produção;
ll) Entre 01.01.2015 e 31.12.2017 a Requerente admitiu um total de 109 trabalhadores;
mm) Entre 01.01.2015 e 31.12.2017 ocorreu a cessação de 93 contratos de trabalho;
nn)Dos contratos de trabalho cessados entre 01.01.2015 e 31.12.2017: 30 cessaram por denúncia de contrato de trabalho pelo trabalhador, dos quais 3 resultaram de abandono do trabalho; 19 cessaram por denúncia de contrato de trabalho pelo trabalhador durante o período experimental; 19 cessaram por denúncia de contrato de trabalho pelo empregador durante o período experimental; 14 cessaram por caducidade pela verificação do seu termo; 1 cessou por caducidade do contrato de comissão de serviço; 5 cessaram por revogação por mútuo acordo das partes; 5 não chegaram a iniciar por ter havido desistência dos trabalhadores;
oo) Entre 01.01.2018 e 31.12.2020 a Requerente admitiu um total de 94 trabalhadores;
pp)Entre 01.01.2018 e 31.12.2020 ocorreu a cessação de 90 contratos de trabalho;
qq)Dos contratos de trabalho cessados entre 01.01.2018 e 31.12.2020: 45 cessaram por denúncia de contrato de trabalho pelo trabalhador, dos quais 8 resultaram de abandono do trabalho; 18 cessaram por denúncia de contrato de trabalho pelo trabalhador durante o período experimental; 16 cessaram por denúncia de contrato de trabalho pelo empregador durante o período experimental; 5 cessaram por caducidade pela verificação do seu termo; 2 cessaram por caducidade pela reforma do trabalhador por velhice; 1 cessou por revogação por mútuo acordo das partes; 1 cessou por resolução pelo trabalhador; 2 não chegaram a iniciar por ter havido desistência dos trabalhadores;
rr) Em 14.10.2015 a Requerente contratou B..., engenheiro mecânico, para integrar a equipa de manutenção;
ss) A contratação de B... ocorreu antes da aquisição das novas máquinas para este receber formação quanto aos procedimentos e processos produtivos já existentes na unidade fabril da Requerente;
tt) A contratação de B... visou essencialmente satisfazer as novas exigências resultantes do aumento do parque de equipamentos da Requerente, em resultado da aquisição de máquinas, equipamentos periféricos e moldes, efectuada no âmbito do plano de investimentos no período de 2015 a 2017, sem prejuízo de este acompanhar os processos e procedimentos produtivos relacionados com as máquinas e moldes já existentes anteriormente à sua contratação;
uu)Em Abril de 2017 o trabalhador B... foi promovido a coordenador da equipa de manutenção, cargo que mantém;
vv) O sector de actividade da Requerente, a laboração da unidade fabril de forma contínua e o trabalho por turnos dificultam o recrutamento e a manutenção de trabalhadores na esfera da empresa;
ww) Uma parte significativa do investimento realizado pela Requerente no âmbito do plano de investimentos para os períodos de 2015 a 2017, e que foi considerado investimento relevante para efeitos do RFAI, beneficiou de um incentivo financeiro atribuído no âmbito do Programa Operacional Regional do Norte (Portugal 2020), aprovado pelo Aviso 03/SI/2015 e regulado pela Portaria n.º 57‑A/2015, de 27 de Fevereiro;
xx) O prazo para apresentação de candidaturas ao Aviso 03/SI/2015, no âmbito do Programa PT2020, decorreu entre 20.03.2015 e 24.04.2015;
yy) A Requerente submeteu uma candidatura do seu projecto de investimento ao Programa PT2020, a qual foi aceite, tendo esse projecto ficado numerado sob o n.º ..., e registado com NUP NORTE-02-0853-FEDER-000...;
zz) Os investimentos realizados pela Requerente no âmbito do projecto de investimento NUP NORTE-02-0853-FEDER-000..., foram enquadrados no conceito de investimento inicial, ao abrigo da tipologia “aumento da capacidade de um estabelecimento existente”;
aaa) Em 2.5.2022 o IAPMEI proferiu a decisão de encerramento do projecto de investimento apresentado pela Requerente no âmbito do Programa PT2020 (NUP NORTE‑02‑0853‑FEDER-000...), que determinou a atribuição de um prémio de realização no valor de € 252.794,79, e na qual consta a seguinte fundamentação:
“No seguimento da formalização do pedido de pagamento final, foram desencadeados os procedimentos tendentes ao encerramento do investimento, tendo o mesmo sido decidido favoravelmente em 26/03/2020, com uma despesa elegível de 783 757,97 euros (100% do montante homologado), a que correspondeu um incentivo reembolsável final de 505 589,58 euros, dos quais 35 334,80 euros eram respeitantes à majoração “Execução do Investimento”.
Em 28/04/2021, o beneficiário apresentou o pedido de Encerramento do Projeto, formalizando-o através do preenchimento e submissão dos Anexos ao Pedido de Pagamento Final (APF), com a finalidade de apurar o Grau de Cumprimento (GC) dos resultados definidos no Termo de Aceitação.
Para o efeito a empresa disponibilizou os seguintes elementos:
- IES 2015, 2016 e 2019;
- Relatório Único do Ano Cruzeiro (2019);
- Folhas de remunerações de dezembro de 2019;
- Certificados de Habilitações dos Postos de Trabalho qualificados criados.
Tendo em conta os elementos disponibilizados e apreciados os Indicadores de Resultados a alcançar, definidos na Cláusula Quinta do Termo de Aceitação, e o previsto no Anexo D do RECI, verifica-se o seguinte:
- Indicador I1- aumento do Valor Acrescentado Bruto (VAB):
Previsto - 525 940.74 euros
Apurado - 330 852.76 euros
Grau de cumprimento - 62,91%
Para efeitos de cálculo deste indicador foram validados os valores apurados e constantes da respetiva IES de 2019.
- Indicador I2 – Criação de Emprego Qualificado (CEQ):
Previsto - 1 postos de trabalho
Apurado - 2 postos de trabalho
Grau de cumprimento - 200,00%
Este indicador foi validado através da consulta dos elementos constantes do Relatório Único relativo ao ano de 2019, juntamente com as folhas de remunerações de dezembro de 2019 e certificados de habilitações enviados pelo beneficiário.
- Indicador 13 - aumento do Volume de Negócio (VN):
Previsto - 1 398 837,97 euros
Apurado - 3 070 639,54 euros
Grau de cumprimento - 219,51%
Para efeitos de cálculo deste indicador foram validados os valores apurados e constantes da respetiva IES de 2019.
Assim, o GC apurado ascende a 151,02%, a que corresponde a atribuição da Isenção de Reembolso máxima (50%), conforme estipulado no Anexo D do RECI e previsto na Cláusula Oitava do Termo de Aceitação.
Neste contexto, propõe-se o encerramento do projeto e a atribuição de 252 794,79 euros de Isenção de Reembolso.”;
bbb) Com o propósito de beneficiar do benefício fiscal RFAI, previsto no artigo 22.º do CFI, a Requerente registou, nos períodos de 2015 a 2020, respectivamente, dotações no montante de € 47.296,00, € 200.728,95, € 210.795,68, € 347.324,23, € 0,00 e € 179.363,14;
ccc) A Requerente deduziu à colecta a título de RFAI, nos períodos de 2016 a 2020, respectivamente, os montantes de € 57.576,90, € 85.334,53, € 76.721,52, € 79.092,70 e € 0,00;
ddd) A Requerente foi objecto de procedimentos inspectivos realizados pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ..., credenciados pelas ordens de serviço n.ºs OI2021..., OI2021... e OI2021..., de carácter externo, e pelas ordens de serviço n.ºs OI2021..., OI2021... e OI2021..., de carácter interno;
eee) No âmbito dos procedimentos inspectivos a Requerente esclareceu que a tipologia e características do investimento relativo ao RFAI eram as mesmas do projecto apoiado pelo PT2020;
fff) No âmbito dos procedimentos inspectivos a Requerida teve acesso à candidatura apresentada pela Requerente ao Programa PT2020;
ggg) Dos procedimentos inspectivos realizados resultaram correcções meramente aritméticas na esfera da Requerente, que desconsideraram as dotações e respectivas deduções à colecta do benefício fiscal RFAI referidas nas alíneas bbb) e ccc);
hhh) Relativamente ao exercício de 2015, a Requerente foi notificada do acto de liquidação de IRC n.º 2021 ... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2021 ...;
iii) Relativamente ao exercício de 2016, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação de IRC n.º 2021 ... e de juros compensatórios n.º 2021 ..., e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., no montante total de € 67.615,78;
jjj) Relativamente ao exercício de 2017, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação de IRC n.º 2021 ... e de juros compensatórios n.ºs 2021 ... e 2021..., e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., no montante total de € 96.810,02;
kkk) Relativamente ao exercício de 2018, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação de IRC n.º 2022 ... e de juros compensatórios n.º 2022 ..., e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., no montante total de € 85.095,72;
lll) Relativamente ao exercício de 2019, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação de IRC n.º 2022 ... e de juros compensatórios n.º 2022 ..., e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., no montante total de 84.414,66;
mmm) A Requerente efectuou o pagamento do saldo apurado na demonstração de acerto de contas n.º 2021 ... em 28.01.2022 e na demonstração de acerto de contas n.º 2021 ... em 02.02.2022;
nnn) A Requerente aceitou a desconsideração em sede de RFAI dos investimentos referentes aos activos mencionados na alínea m) sob os números 3, 5, 10, 13, 14, 15, 18, 21, 28, 37, 38, 44, 45, 46, 47, 48, 58 e 60;
ooo) Em 10 de Março de 2022 a Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem aos presentes autos e no qual apenas contestou as correcções referente aos activos mencionados na alínea m) sob os números 1, 2, 4, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 16, 17, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 39, 40, 41, 42, 43, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57 e 59.
III.1.2. Factos não provados
14. Com relevo para a decisão da causa, não se considera provado o pagamento do saldo apurado na demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., relativa ao exercício de 2018, e na demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., relativa ao exercício de 2019.
III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
15. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Neste sentido, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função das posições assumidas pelas partes e tendo em conta a sua relevância jurídica determinada com base nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
16. Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise concatenada da prova documental junta aos autos pela Requerente e do PA junto aos autos pela Requerida, das declarações de parte de C... (administradora da Requerente) e dos depoimentos das testemunhas D... (director de produção da Requerente), E... (director executivo da Requerente), F... (técnico oficial contas) e G... (Inspectora Tributária e Aduaneira), feitos no âmbito da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, que foram analisados e valorados à luz dos critérios da experiência e da normalidade.
17. Para além da prova documental existente nos autos, as declarações de parte de C... (administradora da Requerente) e os depoimentos das testemunhas D... (director de produção da Requerente) e E... (director executivo da Requerente) foram determinantes para a comprovação dos factos descritos nas alíneas g) a l), s) a v), z) a ff), rr) a uu) e vv) do probatório dado como provado. Tais depoimentos revelaram-se espontâneos, claros, firmes, convictos e coerentes, tendo os factos descritos sido narrados de forma globalmente confiável, convincente e com distanciamento relativamente ao objecto do litígio.
18. Quanto à matéria de facto dada como não provada, cumpre mencionar que apesar de a Requerente referir genericamente que “efetuou o pagamento das quantias liquidadas em resultado das liquidações objecto deste pedido de pronúncia arbitral”, não foi produzido qualquer meio de prova que permitisse apurar o pagamento da quantia a que se reportam as demonstrações de acerto de contas n.º 2022 ... e n.º 2022 ... .
III.2. MATÉRIA DE DIREITO
III.2.1. Correcções ao benefício fiscal RFAI
19. O objecto do litígio nos presentes autos respeita à legalidade dos actos de liquidação de IRC, de juros compensatórios e respectivos acertos de contas emitidos pela AT, nos quais foi corrigida a dotação e dedução do benefício fiscal RFAI apurado pela Requerente, com base no facto de os activos fixos tangíveis relevantes para o efeito (i) incumprirem a condição de respeitar a um investimento inicial, (ii) incumprirem a condição de criação e manutenção de postos de trabalho e (iii) incumprirem a condição de manter os bens objecto do investimento na empresa e na região pelo período de 3 anos.
a) Enquadramento jurídico
20. Antes de se analisar cada um dos mencionados argumentos, cabe estabelecer o enquadramento jurídico vigente à data dos factos relativamente ao benefício fiscal RFAI.
21. Ao que aqui importa, dispunha-se o seguinte no CFI quanto aos requisitos subjacentes à aplicação do RFAI:
“Artigo 22.º
Âmbito de aplicação e definições
1. O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.
2. Para efeitos do disposto no presente regime, consideram-se aplicações relevantes os investimentos nos seguintes ativos, desde que afetos à exploração da empresa:
a) Ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de:
i) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em investimentos na indústria extrativa;
ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afetos a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou administrativas;
iii) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;
iv) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística;
v) Equipamentos sociais;
vi) Outros bens de investimento que não estejam afetos à exploração da empresa;
b) Ativos intangíveis, constituídos por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.
(…)
4. Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente capítulo os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:
(…)
c) Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de três anos a contar da data dos investimentos, no caso de micro, pequenas e médias empresas tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, ou cinco anos nos restantes casos, os bens objeto do investimento ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, alterado pelas Leis n.ºs 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 2/2014, de 16 de janeiro, ou até ao período em que se verifique o respetivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 31.º-B do Código do IRC;
(…)
f) Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c).
5. Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso. (…)”
22. Os requisitos subjacentes ao RFAI encontram-se ainda densificados na Portaria n.º 297/2015, de 21 de Setembro, que no seu artigo 2.º, n.º 2, alínea d) estabelece o seguinte:
“Os benefícios fiscais previstos no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento apenas são aplicáveis relativamente a investimentos iniciais, nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC, considerando-se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente”.
23. Já o artigo 2.º, § 49.º, alínea a) do Regulamento Geral de Isenção por Categoria ‑ Regulamento (UE) n.º 651/2014, determina que um “investimento inicial” corresponde ao:
“investimento em ativos corpóreos e incorpóreos relacionado com a criação de um novo estabelecimento, aumento da capacidade de um estabelecimento existente, diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento ou mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente”.
b) Incumprimento da condição de respeitar a um investimento inicial
24. Nos termos dos mencionados artigos, para que estivessem reunidos os requisitos necessários à aplicação do RFAI era necessário que a Requerente adquirisse os activos fixos tangíveis em estado novo, para serem afectos à exploração da empresa, no âmbito de um investimento estratégico inicial.
25. Ora, nos presentes autos não é controvertido que os activos fixos tangíveis mencionados na alínea m) da matéria de facto dada como provada foram adquiridos em estado novo, estando apenas em dissídio a existência de um investimento inicial, integrado e agregador, que vise o aumento ou expansão da capacidade instalada e que seja distinto do investimento corrente necessário para o normal funcionamento da actividade industrial já desenvolvida pela Requerente.
26. Quanto à existência de um plano de investimento, integrado e agregador, resulta das alíneas g) a l) da matéria de facto dada como provada que a Requerente formulou efectivamente um plano de investimento, com objectivos e área de intervenção concretamente definidos, para o período de 2015 a 2017, tendo como propósito último a criação de novos modelos de produtos, designadamente dois novos modelos de asas para garrafões (referências “PG.38.08” e “PG.48.10”) e um novo modelo de cápsula/tampa para embalagens de vinagre (referência “CP.29.21 FT”).
27. Ainda que a Requerida afirme que o processo de documentação fiscal apresentava insuficiências que não permitiam certificar a tipologia e as características deste investimento, certo é que no exercício do direito de audição dos procedimentos de inspecção acima referenciados a Requerente esclareceu tais factos, tendo ainda junto nessa fase a candidatura apresentada ao Programa PT2020 que teve um âmbito de aplicação sobreposto ao investimento relevante para efeitos de RFAI e no qual foi descrito de forma detalhada o referido plano de investimentos.
28. Assim sendo, era do conhecimento da Requerida que o plano de investimentos da Requerente se inseria na tipologia de “aumento da capacidade instalada de estabelecimento já existente”. Sendo que era igualmente do seu conhecimento que o investimento inicial consistia, por um lado, na aquisição de novos instrumentos de transformação e,por outro lado, na aquisição de equipamentos periféricos ao processo produtivo. Por conseguinte, verifica-se que no âmbito do procedimento inspectivo foram fornecidos à AT os elementos necessários para que esta aferisse da legalidade da dedução do benefício fiscal RFAI.
29. Dito isto, cumpre então aferir se os activos fixos tangíveis considerados relevantes pela Requerente se inserem no conceito de “investimento inicial” para efeitos de RFAI.
30. Do enquadramento jurídico estabelecido supra resulta que apenas são relevantes para efeitos do RFAI os activos fixos tangíveis que forem afectos à exploração da empresa e que não se encontrem abrangidos pelo âmbito de exclusão previsto nas várias subalíneas, da alínea a), do n.º 2, do artigo 22.º do CFI. Adicionalmente, exige-se que os activos tenham sido adquiridos no âmbito de uma das tipologias de “investimento inicial” admissíveis, o que significa que não pode estar em causa a aquisição de activos para fazer face a despesa corrente necessária ao normal funcionamento da actividade já desenvolvida, designadamente custos com pessoal, serviços contratados, comunicações, manutenções ou reparações de bens, entre outros já existentes.
31. Portanto, da legislação aplicável não decorre qualquer exclusão dos activos que podem ser considerados relevantes em virtude do seu “tipo” ou “natureza”. A este respeito, referiu-se no acórdão arbitral proferido em 15 de Junho de 2022, no âmbito do processo n.º 567/2021-T, que:
“Relativamente a “equipamentos de substituição”, “beneficiações de equipamentos preexistentes” e a “equipamentos complementares”, temos que o respetivo enquadramento no conceito de “investimento inicial” depende, não da sua natureza, mas da sua relação com uma das finalidades referidas no artigo 2.º, n.º 2, al. d), da Portaria n.º 297/2015.”
32. Ora, nos presentes autos a Requerente logrou provar que os activos fixos tangíveis que considerou relevantes para efeitos de RFAI e que foram objecto do pedido arbitral apresentado, foram adquiridos tendo em vista o aumento da capacidade produtiva instalada na sua unidade fabril.
33. Conforme consta das alíneas q) a y) da matéria de facto dada como provada, a Requerente adquiriu duas novas máquinas de injecção e novos moldes de injecção de múltiplas cavidades com o intuito final de produzir novos produtos. Apesar de a Requerida alegar que estas aquisições consistiram no investimento em “equipamento de substituição” da capacidade já instalada, sem um conteúdo de inovação inicial associado, a verdade é que a Requerente demonstrou o contrário.
34. Dos factos elencados nos articulados e dos depoimentos feitos na reunião arbitral ficou evidente que a par do fabrico de novos e diferentes produtos com recurso aos novos moldes e máquinas de injecção, as máquinas pré‑existentes continuaram a funcionar e os produtos já anteriormente fabricados continuaram a ser produzidos. Quer isto dizer que com os investimentos feitos a Requerente diversificou e aumentou a sua capacidade produtiva, passando a ter capacidade para produzir mais e diferentes peças em simultâneo.
35. Os factos mencionados nas alíneas gg) e hh) da matéria de facto dada como provada, nos quais se constata que a taxa de ocupação média das máquinas de injecção e o volume de negócios da Requerente no final do período de investimento (2017) foram superiores à taxa de ocupação média e ao volume de negócios verificados no início da execução (2015), são evidências de que os novos moldes e máquinas não tiveram como único propósito a substituição dos já existentes na unidade fabril, conforme alegou a Requerida.
36. Outra evidência de que os investimentos realizados pela Requerente visaram e alcançaram um aumento da capacidade produtiva instalada, é a decisão proferida pelo IAPMEI, de encerramento do projecto de investimento para “aumento da capacidade de um estabelecimento existente”, realizado no âmbito do Programa PT2020, mencionada nas alíneas yy), zz) e aaa) da matéria de facto dada como provada, na qual se certificou a existência de um aumento do valor acrescentado bruto e do volume de negócios da Requerente após o desenvolvimento do plano de investimentos.
37. A conclusão de que a aquisição de equipamento produtivo consistiu num investimento inicial para aumentar a capacidade instalada não é colocada em causa pelo facto de as máquinas antigas estarem adaptadas a produzir com alguns dos novos moldes de injecção e vice-versa.
38. Por um lado, porque ficou demonstrado que a Requerente possui mais moldes do que máquinas, sendo que tem de trocar de moldes e parar o fabrico de um produto para assegurar a produção de outro, o que implica que comprar moldes para substituir os já existentes não implica, por si só, o aumento da capacidade instalada, até porque a taxa de ocupação real das máquinas foi maioritariamente superior nos anos seguintes ao do início do desenvolvimento do projecto. Este aumento da capacidade produtiva, que foi efectivamente alcançado, resultou da complementaridade entre a aquisição de novos moldes e de mais máquinas, que permitiram expandir a produção simultânea de mais produtos.
39. Por outro lado, porque ficou demonstrado que não se coaduna com o normal desenvolvimento da actividade produtiva da Requerente a alocação exclusiva de uma máquina a um molde em específico para a produção de certo produto. Pelo contrário, e tendo em conta que a Requerente tem de realizar uma gestão constante da utilização das máquinas de forma a dar resposta aos pedidos de produção que são feitos para o curto prazo, é verosímil e lógico, segundo uma perspectiva económico-produtiva, a necessidade de intercalar e utilizar os moldes antigos nas máquinas novas e o seu contrário, não implicando tal facto que tenha sido feito um investimento inicial para aumento da capacidade instalada.
40. Dito isto, cumpre sublinhar que mesmo que se considerasse que do investimento inicial realizado não resultou um efectivo aumento da capacidade instalada, nem por isso seria de excluir do âmbito de aplicação do benefício fiscal RFAI os activos fixos tangíveis adquiridos com aquele propósito. Neste sentido, veja-se o acórdão arbitral proferido em 17 de Janeiro de 2022, no âmbito do processo n.º 546/2020-T, no que se evidenciou o seguinte:
“o pressuposto de extensão da capacidade de um estabelecimento existente tem naturalmente subjacente a finalidade de aumento da produção, ou seja, do número de unidades produzidas, em regra, conducente ao acréscimo do volume de negócios. Contudo, esta finalidade não constitui em si mesma uma condição de aplicação do regime, mas a sua teleologia. Dito por outras palavras, o aumento de capacidade do estabelecimento aponta para o aumento da produção, mas não é imposta uma obrigação de resultado. O aumento efetivo da produção depende de diversos fatores, não controláveis pelos sujeitos passivos, que não constam da previsão legal como pressupostos de aplicação do RFAI.”
41. As considerações feitas a respeito dos equipamentos produtivos são aplicáveis mutatis mutandis ao conjunto de activos fixos tangíveis mencionados na alínea z) da matéria de facto dada como provada, adquiridos pela Requerente como suporte ou complemento à logística industrial e aos equipamentos periféricos ao processo produtivo.
42. Aqueles activos foram adquiridos pela Requerente para serem “afectos à exploração da empresa”, não se encontrando abrangidos pelo âmbito de exclusão que resulta do enquadramento jurídico supra mencionado. Assim sendo, a sua inclusão no investimento inicial considerado para efeitos do RFAI fica “apenas” dependente de os mesmos terem ou não sido adquiridos com vista ao “aumento da capacidade instalada”. Uma vez que estão em causa “equipamentos complementares” que, por si só, não permitem um incremento daquela capacidade, revela-se necessário aferir a respectiva essencialidade ou importância para o processo produtivo. Tal exame não poderá resultar de uma análise individualizada e segmentada de cada um dos activos, tendo antes de ser feita com base no projecto de investimento delineado pela Requerente que o configurou como um todo complexo, coerente e integrado, capaz de potenciar o aumento da capacidade produtiva.
43. Ora, apesar de estarem em causa “equipamentos complementares” ou de “beneficiação de equipamentos pré-existentes”, a verdade é que sem eles não seria possível atingir a finalidade última de expandir a capacidade produtiva instalada na unidade fabril. Conforme evidenciaram C... (administradora da Requerente), D... (director de produção da Requerente) e E... (director executivo da Requerente) na reunião arbitral, de nada valia investir em “equipamentos produtivos” se a unidade fabril não dispusesse dos meios logísticos e/ou periféricos de suporte ao processo produtivo que eram necessários para acomodar o aumento da capacidade instalada e salvaguardar a manutenção da produtividade, optimização e eficiência do processo produtivo.
44. Os activos referidos nas alíneas aa) e bb) da matéria de facto dada como provada estão directamente relacionados com as máquinas e moldes de injecção, sendo necessários ao seu bom funcionamento. A máquina formadora de caixas mencionada na alínea cc) da matéria de facto dada como provada permite a montagem automática das caixas onde são embaladas as peças fabricadas, sendo a mesma necessária para acomodar o aumento de peças produzidas. O empilhador referido na alínea dd) da matéria de facto dada como provada foi necessário para fazer face ao aumento da circulação de matérias-primas e de produto acabado. Já o investimento no gabinete interior identificado na alínea ee) da matéria de facto dada como provada visou beneficiar um equipamento pré-existente essencial na monitorização do processo produtivo.
45. Aqui chegados, verifica-se que os equipamentos “complementares” e/ou de “beneficiação” adquiridos não correspondiam a meras despesas correntes associadas ao normal funcionamento da unidade fabril, que a Requerente iria ter de assumir independentemente do investimento inicial feito. Pelo contrário, a aquisição dos mencionados equipamentos foi uma consequência necessária fruto da aquisição dos equipamentos de produção, existindo uma interdependência e relação de causalidade entre ambos relativamente ao objectivo de expansão da capacidade produtiva.
46. Nestes termos, julga-se que a Requerente demonstrou que os activos fixos tangíveis, objecto de impugnação nos presentes autos e que foram considerados relevantes para efeitos do RFAI, foram adquiridos no âmbito de um investimento inicial que aumentou a capacidade produtiva instalada, estando assim cumprido este requisito.
c) Incumprimento da condição de criação e manutenção de postos de trabalho
47. A este respeito cumpre aferir se nos termos do artigo 22.º, n.º 4, alínea f), do CFI se exige ou não que do investimento inicial resulte uma criação líquida de postos de trabalho, directamente conexos com o investimento em causa e preenchidos por contratados sem termo. Uma vez que a legislação é omissa quanto ao entendimento que deve ser conferido à criação de emprego, haverá que recorrer à jurisprudência que já se pronunciou a este respeito e aos elementos interpretativos, designadamente ao critério teleológico, de forma a densificar o conteúdo da referida norma.
48. Quanto à alegada necessidade de os postos de trabalho serem criados através de contratos sem termo, referiu-se no acórdão arbitral proferido em 24 de Fevereiro de 2014, no âmbito do processo n.º 212/2013-T, que:
“(…) na Lei n.º 10/2009 não se inclui qualquer norma semelhante à do artigo 17.º do EBF, na redacção vigente em 2001, que permita inferir uma ligação entre o benefício fiscal e determinados contratos de trabalho.
Na verdade, pelo contrário, encontra-se na alínea f) do n.º 3 do artigo 2.º do RFAI 2009, que estabelece, como uma das condições de atribuição do benefício fiscal, o «investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período de dedução constante dos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º», suporte textual claro para o entendimento de que, para atribuição dos benefícios fiscais nele previstos, na parte em que tem como fundamento investimento de que decorre a criação de postos de trabalho, basta a manutenção destes para assegurar a manutenção do benefício.”
49. Em idêntico sentido, concluiu-se no acórdão arbitral proferido em 16 de Abril de 2018, no âmbito do processo n.º 516/2017-T, que:
“(…) não há neste regime do RFAI 2009 qualquer fundamento para concluir que só se pretendeu a criação de emprego duradouro, pois não se formula qualquer exigência, para atribuição do benefício, de que os postos de trabalho criados sejam ocupados por trabalhadores contratados por tempo indeterminado (…)”.
50. Ora, uma vez que se adere ao entendimento defendido nos referidos acórdãos, assiste razão à Requerente quando afirma não ser necessário que os contratos de trabalho tenham de ser celebrados sem termo, já que tal exigência não resulta da lei.
51. Na verdade, a imposição de um tal critério poderia mesmo obstar a que os contribuintes pudessem aceder ao benefício fiscal do RFAI. Isto na medida em que não depende exclusivamente da vontade dos investidores – entidades patronais –, estando igualmente depende da vontade dos trabalhadores, a manutenção de contratos sem termo após o período de investimento. Tal circunstância poderá ainda acarretar maiores dificuldades para certas áreas ou sectores de actividade, como sucede com a Requerente, cuja unidade fabril labora de forma contínua e por turnos, o que dificulta o recrutamento e a manutenção de trabalhadores na esfera da empresa conforme evidenciado na alínea vv) da matéria de facto dada como provada.
52. Estando assente a irrelevância do tipo contratual subjacente à criação de emprego resultante do investimento inicial realizado, cumpre então compreender se era exigível que a criação de postos de trabalho fosse, ou não, determinada em termos líquidos. Quanto a este ponto pronunciou-se já de forma desenvolvida e minuciosa o acórdão arbitral proferido em 9 de Março de 2020, no âmbito do processo n.º 307/2019-T, onde se referiu o seguinte:
“(…) considera-se que a referência feita na al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, deve ser entendida como reportando-se à criação de postos de trabalho causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.
(…) o RFAI foi sempre um apoio ao investimento, e é calculado com base nos custos de investimento em activos corpóreos e/ou incorpóreos, e não com base nos custos de investimento em postos de trabalho ou em custos salariais estimados.
Daí que não seja fundada, julga-se, a invocação do conceito de criação líquida de postos de trabalho do Regulamento em questão, para a interpretação a fazer da al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFAI.
De resto, terá sido por ter noção do quanto se expôs que o legislador não utilizou a expressão “criação líquida de emprego”, quando a mesma era utilizada, por exemplo, no art.º 19.º do EBF vigente à data, esse sim, um benefício fiscal que tem por base os custos de investimento em postos de trabalho.
Considerando-se, então, que a al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, não se reporta à criação líquida de postos de trabalho, nos termos em que, por exemplo, o referido art.º 19.º do EBF e as Directivas sobre apoios de Estado o fazem, é ainda necessário densificar qual o sentido e alcance da expressão “criação de postos de trabalho”, ali empregue, tem.
Tendo em conta que, pelos fundamentos expostos, não se deverá equiparar a expressão “criação de postos de trabalho” a “criação líquida de postos de trabalho”, dever-se-á, em obediência ao princípio hermenêutico do legislador razoável, obter um resultado interpretativo que seja coerente com a teleologia do benefício fiscal em questão e que tenha um efectivo conteúdo prático.
Nessa perspectiva, a única interpretação que não se reconduza à “criação líquida de postos de trabalho”, será, julga-se, a de que a “criação de postos de trabalho” pressuposta pelo benefício fiscal em questão se refere à criação de postos de trabalho, e a sua manutenção, causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.
Ou seja: o que está em causa é que o investimento realizado por determinada empresa será elegível para usufruir do benefício fiscal em questão se, e na medida em que, dele resulte, de forma causalmente adequada, a criação de, pelo menos, um posto de trabalho, e a sua manutenção.”
53. Porquanto se adere à citada decisão, entende este Tribunal que não resulta da legislação aplicável a necessidade de se verificar uma criação líquida de postos de trabalho, sendo suficiente para a atribuição do benefício fiscal RFAI que tenham sido efectivamente criados postos de trabalho em resultado do investimento inicial realizado.
54. Esta interpretação jurisprudencial à qual se adere é, de resto, a que melhor reflecte a interpretação teleológica que deve ser feita no entender deste Tribunal. O RFAI é um benefício fiscal e, como tal, tem de ser olhado ao abrigo do princípio da capacidade contributiva. Tendo isto presente, julga-se que o legislador ao criar este benefício fiscal pretendeu aumentar a capacidade de produção das diferentes empresas que dele são destinatárias, assegurando em contrapartida que estas vão gerar mais emprego.
55. Esta criação de postos de trabalho é uma decorrência do aumento da capacidade produtiva e carece, por isso, de ser analisada de um ponto de vista estático e homólogo. Se se olhar à evolução da capacidade contributiva e do volume de facturação, por um lado, e ao número de contratos de trabalho a finalizar, por outro lado, compreende-se que no caso da Requente esta evolução foi homologamente aumento ao longo dos anos, havendo naturalmente uma relação quase que umbilical entre o aumento da facturação e o aumento do número de trabalhadores.
56. Portanto, critérios ou factores exógenos à capacidade produtiva das empresas, tais como a vontade dos trabalhadores na manutenção de um determinado posto de trabalho, não podem influenciar a análise do benefício fiscal para efeitos do princípio da capacidade contributiva. É nesta medida que se adere aos arestos atrás identificados e à argumentação que neles é desenvolvida.
57. Em conformidade com as alíneas ii) a uu) da matéria de fato dada como provada nos presentes autos, resulta por diversas formas demonstrada a criação de postos de trabalho. Seja pelo aumento do número total de trabalhadores ao serviço da Requerente, pelo aumento de trabalhadores com as funções de auxiliar de produção ou pelo posto de trabalho ocupado por B... que iniciou funções na equipa de manutenção em 2015 para monitorizar o início de produção dos produtos abrangidos pelo plano de investimentos e que à data da apresentação do pedido arbitral ainda era trabalhador da Requerente, embora com outras funções.
58. Acresce, decisivamente, que a decisão proferida pelo IAPMEI, em 2020, de encerramento do projecto de investimento para “aumento da capacidade de um estabelecimento existente”, realizado no âmbito do Programa PT2020, mencionada nas alíneas yy) a aaa) da matéria de facto dada como provada, comprovou a criação de dois postos de trabalho qualificados.
59. Nestes termos, entende-se que no seguimento do investimento inicial ocorreu uma efectiva criação de postos de trabalho nos termos legalmente exigidos, razão pela qual se considera que este requisito também se encontrava verificado.
d) Incumprimento da condição de manter os bens objecto do investimento na empresa e na região pelo período de 3 anos
60. Quanto a este ponto cumpre essencialmente aferir se os activos fixos tangíveis adquiridos pela Requerente no âmbito do investimento inicial ficaram ou não na sua esfera ou na região pelo período de três anos.
61. Da alínea o) da matéria de facto dada como provada resulta que os activos mencionados na alínea m) sob os números 28, 37, 45, 48 e 60 foram alienados pela Requerente em 2017 e 2018. Sucede que as correcções referentes a esses activos foram aceites pela Requerente, não tendo sido objecto de contestação nos presentes autos, tal como resulta das alíneas nnn) e ooo) da matéria de facto dada como provada.
62. Quanto aos demais activos mencionados na referida alínea m) da matéria de facto dada como provada, não é sequer mencionado no RIT nem na resposta da Requerida que os mesmos não tenham permanecido na esfera da empresa pelo período de 3 anos. Em bom rigor, o cumprimento deste requisito não é controvertido nos presentes autos, tendo resultado provada na alínea p) da matéria de facto dada como provada que a Requerente manteve na sua esfera os mencionados activos até 1 de Janeiro de 2021, razão pela qual se dá este requisito por verificado.
63. Em face do exposto, conclui-se que as correcções efectuadas nos procedimentos inspectivos e que resultaram nos actos de liquidação impugnados nos presentes autos enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na medida em que desconsideraram o benefício fiscal RFAI deduzido por referência aos activos fixos tangíveis mencionados nos números 1, 2, 4, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 16, 17, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 39, 40, 41, 42, 43, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57 e 59 da alínea m) da matéria de facto dada como provada. Assim sendo, impõe-se a anulação parcial dos actos de liquidação de IRC, de liquidação de juros compensatórios e de acerto de contas contestados pela Requerente, ao abrigo do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA, subsidiariamente aplicável nos termos conjugados do artigo 2.º, alínea c), da LGT e do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT, na estrita medida em que concretizaram a correcção do benefício fiscal RFAI deduzido em relação àqueles activos.
III.3. Reembolso do imposto indevidamente liquidado e juros indemnizatórios
64. Na medida em que não resultou provado nos presentes autos o pagamento da demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., relativa ao exercício de 2018 e da demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., relativa ao exercício de 2019, a anulação dos actos de liquidação de IRC e de juros compensatórios que estão na sua base não darão azo ao reembolso de qualquer imposto, cabendo à Requerente fazer prova de tal pagamento, se assim o entender, em sede de execução de julgados. Uma vez que não se provou o pagamento indevido de imposto, também não haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
65. Quanto aos demais actos de liquidação impugnados nos presentes autos ficou demonstrado que os mesmos enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que é unicamente imputável aos serviços da AT. Por conseguinte, ao ter a Requerente suportado imposto em montante superior ao que era legalmente devido, deverá o reembolso do imposto que vier a ser apurado em sede de execução de julgados ser acrescido do pagamento de juros indemnizatórios nos termos e para os efeitos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide:
a) Anular parcialmente o acto de liquidação de IRC n.º 2021 ... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., referente ao exercício de 2015;
b) Anular parcialmente o acto de liquidação de IRC n.º 2021 ..., o acto de liquidação juros compensatórios n.º 2021..., e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., referentes ao exercício de 2016;
c) Anular parcialmente o acto de liquidação de IRC n.º 2021 ..., o acto de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2021 ... e 2021 ..., e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., referentes ao exercício de 2017;
d) Anular parcialmente o acto de liquidação de IRC n.º 2022 ..., o acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2022 ..., e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., referentes ao exercício de 2018;
e) Anular parcialmente o acto de liquidação de IRC n.º 2022 ..., o acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2022 ..., e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., referentes ao exercício de 2019;
f) Condenar a Requerida nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 333.936,18.
VI. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 5.814,00, a cargo da Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 13 de Janeiro de 2023.
Os Árbitros,
Carla Castelo Trindade
(relatora)
Maria do Rosário Anjos
Jesuíno Alcântara Martins