Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 225/2022-T
Data da decisão: 2022-12-14  IRS  
Valor do pedido: € 83.914,58
Tema: IRS; crédito por dupla tributação jurídica internacional – artigo 81.º do Código do IRS; meios de prova admissíveis.
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Sumário:

I. A comprovação do imposto pago no estrangeiro, para efeitos do apuramento do crédito por dupla tributação jurídica internacional previsto no artigo 81.º do Código do IRS, pode ser feita por qualquer meio de prova admitido em direito, designadamente através dos extractos bancários emitidos pelas entidades pagadoras dos rendimentos.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Marcolino Pisão Pedreiro e José Almeida Fernandes, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

1.     A..., com o número de identificação fiscal ..., residente na Rua ... n.º ..., ... ...-... Lisboa (“Requerente”), vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), em conjugação com os artigos 99.º, alínea a) e 102.º, n.º 1, alíneas b) e e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), com vista à pronúncia por este Tribunal de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2019..., e da liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) em  13.07.2019 e em 19.07.2019, respectivamente, por referência ao período de tributação de 2015, no valor total de € 83.914,58 e, bem assim, da decisão proferida no âmbito da reclamação graciosa referente ao processo n.º ...2019..., que indeferiu a pretensão da Requerente e sustentou a legalidade de tais actos de liquidação.

 

            2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 31 de Março de 2022 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à AT.

 

            3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a)e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 23 de Maio de 2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

            4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 14 de Junho de 2022.

 

            5. A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:

5.1.          Começou a Requerente por referir que no ano de 2015 obteve rendimentos de dividendos e juros provenientes de várias jurisdições, que foram sujeitos a retenção na fonte nos Estados de origem dos rendimentos e que foram declarados no anexo J da declaração de IRS Modelo 3 referente àquele ano;

5.2.         Mais referiu a Requerente que foi notificada pela Direcção de Finanças de Lisboa, através do Ofício n.º ..., para remeter aos competentes serviços (i) declaração emitida ou autenticada pela autoridade fiscal do Estado da fonte dos rendimentos, com indicação da natureza e montantes ilíquidos dos rendimentos obtidos nesse(s) Estado(s), bem como do montante de imposto total e final pago no ano de 2015 ou (ii) a liquidação final de imposto obtida no outro Estado, bem como, sendo o caso, prova do reembolso recebido/imposto pago relativo a essa liquidação final;

5.3.         Prosseguiu a Requerente por mencionar que não tinha, nem tem, na sua posse documento emitido pela administração fiscal do Estado da fonte dos rendimentos, razão pela qual juntou ao referido procedimento os extractos bancários emitidos pelo Banco B... e pelo Banco C... ;

5.4.         De acordo com a Requerente foi, a falta de entrega dos documentos exigidos pela Requerida que esteve na base do acto de liquidação contestado nos presentes autos no qual foi desconsiderado, na totalidade, o imposto pago no estrangeiro por alegadamente “não ter sido exibida a declaração oficial de rendimentos obtidos e imposto pago emitida pela autoridade fiscal da Suíça, mas sim, vários documentos de entidades bancárias Suíças”;

5.5.         Para a Requerente, são ilegais o acto de liquidação adicional e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa nos quais a Requerida desconsiderou os extractos emitidos pelos bancos depositários como prova suficiente do imposto suportado no estrangeiro;

5.6.         Em concreto, entende a Requerente que aqueles actos são ilegais por violarem a norma de eliminação da dupla tributação jurídica internacional nos termos do disposto no artigo 81.º do Código do IRS e por violarem o princípio da igualdade tributária;

5.7.         Segundo a Requerente, nenhuma das Convenções para Evitar a Dupla Tributação (“CDT”) celebradas por Portugal com os Estados de origem dos dividendos, nem o Código do IRS, impõem a existência de qualquer documento autêntico para comprovar o imposto suportado no estrangeiro;

5.8.         Acresce que, segundo afirma a Requerente, apesar dos esforços que desenvolveu para o efeito, a Autoridade Tributária Suíça recusou-se a emitir uma declaração nos termos pretendidos pela Requerida;

5.9.         No entender da Requerente a Requerida não pode exigir uma prova impossível de obter e desconsiderar a prova já produzida sem que tenha base legal adequada para o efeito e, consequentemente, em violação do artigo 81.º n.ºs 1 e 2 e do artigo 128.º n.º 1 do Código do IRS;

5.10.      Pelo contrário, entende a Requerente que poderá ser produzida qualquer espécie de prova de acordo com o artigo 72.º da LGT, pelo que terá de se concluir que foi cumprido o ónus da prova exigido nos termos do artigo 74.º da LGT;

5.11.      O que é agravado, na perspectiva da Requerente, pelo facto de a AT se ter recusado a desencadear o procedimento para troca de informações com a autoridade fiscal Suíça, conforme decorreria do dever de investigação oficiosa previsto no artigo 58.º da LGT;

5.12.      Neste sentido, entendeu ainda a Requerente que a não aceitação pela AT dos documentos juntos aos procedimentos graciosos violou as imposições resultantes dos artigos 10.º e 23.º da CDT em causa;

5.13.      Alegou ainda a Requerente que os actos de liquidação e a decisão de indeferimento contestadas violavam o princípio da igualdade previsto nos artigos 13.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) pelo facto de, em processo semelhante, a AT ter decidido aceitar como bons e suficientes os documentos previamente apresentados e que atestam o pagamento do imposto pago na Suíça;

5.14.      Por fim, formulou a Requerente o seguinte pedido:

Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, deverá V. Exa. Ordenar a constituição de Tribunal Arbitral que terá por objeto analisar a (i)legalidade (i) da liquidação de IRS n.º 2019..., de 13.07.2019, e respetiva liquidação de juros compensatórios no valor total de EUR 83.914,58 (oitenta e três mil euros, novecentos e quatorze euros e cinquenta e oito cêntimos), (ii) assim como do ato subsequente.

Julgado procedente por provado o Pedido, deverá o douto Tribunal declarar a ilegalidade dos atos aqui impugnados e, consequentemente, proceder à sua anulação e condenação da Requerida ao reembolso do imposto pago em excesso acrescido de juros indemnizatórios.

Assim, deverá notificar-se a Requerida para contestar, querendo, devendo sempre juntar cópia dos processos administrativos tributários subjacentes, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 110.º do CPPT e n.º 2 do artigo 17.º do RJAT.”.

 

            6. A Requerida, tendo sido devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta e junto aos autos o processo administrativo (“PA”) em 2 de Setembro de 2022, tendo concluído pela improcedência da presente acção e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido. Em síntese, a sua posição baseou-se nos seguintes argumentos:

6.1.          Começou a Requerida por alegar que a Requerente atribuiu erroneamente um valor à causa de € 83.914,58;

6.2.         De acordo com a Requerida, a matéria controvertida nos autos cinge-se aos € 18.275,41 de crédito de imposto desconsiderado pela Requerida e aos € 812,15 de juros compensatórios liquidados sobre aquele montante, no valor total de € 19.087,57;

6.3.         Para a Requerida, o interesse da Requerente na procedência do pedido arbitral é apenas quanto a esta parte da liquidação, inexistindo causa de pedir que determine a anulação da liquidação de IRS na sua totalidade;

6.4.         Do princípio da economia processual resulta, para a Requerida, que se um acto tributário estiver ferido de ilegalidade apenas em parte que seja determinada ou determinável, apenas nesta parte deve ser anulado, mantendo-se a restante parte do acto, que não esteja ferida de tal ilegalidade, válida, pelo que o valor do processo sempre teria de ser alterado em conformidade, sob pena de verificação de uma excepção de falta de causa de pedir relativamente ao restante da liquidação;

6.5.         Prosseguiu a Requerida por referir que em causa está a prova do imposto suportado na Suíça sobre rendimentos de capitais, designadamente dividendos (código E11) e outros rendimentos de capitais sem retenção (código E22);

6.6.         Acontece que, no entendimento da Requerida, decorre das instruções administrativas actualmente em vigor (ofício-circulado n.º 20124, de 09/05/2007, da DSRI e instruções de preenchimento do anexo J) às quais a AT se encontra vinculada por força do disposto no artigo 68.º‑A da LGT, que a prova do imposto suportado no estrangeiro deverá ser efectuada mediante documento original ou cópia autenticada proveniente da respectiva Administração Fiscal;

6.7.         Acresce que o artigo 9.º, n.º 2 do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça apenas admite, de acordo com a Requerida, que sejam aceites como prova válida documentos emitidos por instituições financeiras suíças quanto a rendimentos qualificados como juros;

6.8.         Por conseguinte, considerou a Requerida que este regime não se aplicava no presente caso, pelo que se impunha à Requerente apresentar o comprovativo de pagamento de imposto proveniente da Autoridade Tributária Suíça;

6.9.         Para além disto, entende a Requerida que procedimento de troca de informações com a Autoridade Tributária Suíça é um instrumento cuja utilização reveste um carácter excepcional, pelo que não era legal a utilização daquele mecanismo para a obter elementos de prova cujo ónus de apresentação pertencia à Requerente;

6.10.      Esta pretensão da Requerente constitui, na perspectiva da Requerida, uma inversão das regras do ónus da prova vigentes, as quais determinam que é sobre os contribuintes que recai o ónus da prova dos factos constitutivos dos seus direitos;

6.11.      Até porque, de acordo com a Requerida, por mais prático que fosse os vários Estados trocarem automaticamente toda a informação disponível relativamente a todos os contribuintes com vista a que os impostos fossem liquidados sem necessidade de quaisquer provas a apresentar pelos contribuintes (ou até declarações), não é isso que está previsto actualmente;

6.12.      Relativamente à prova apresentada pela Requerente, concluiu a Requerida que os documentos emitidos pela entidade pagadora dos rendimentos em causa não são admitidos nos termos das instruções administrativas vigentes;

6.13.      Já quanto ao “caso semelhante” a que aludiu a Requerente, sublinhou a Requerida que os rendimentos aí em causa respeitavam a juros abrangidos pela “Directiva da Poupança”, os quais podem ser comprovados mediante certificados emitidos pelas entidades suíças pagadoras de tais rendimentos nos termos do artigo 9.º, n.º 2 do Acordo entre a Comunidade Europeia e a confederação Suíça, o que não sucedia no presente caso;

6.14.      Assim sendo, afirmou a Requerida que também não se verificava qualquer violação do princípio da igualdade tributária;

6.15.      Nestes termos, concluiu a Requerida pela improcedência do pedido arbitral, por não enfermarem de qualquer ilegalidade os actos tributários contestados nos presentes autos.

 

            7. Tendo presente a posição assumida pela Requerida na sua resposta quanto ao valor da causa, foi proferido despacho arbitral em 6 de Setembro de 2022 no qual se concedeu à Requerente a possibilidade de exercer o direito ao contraditório, o que esta veio a fazer por requerimento apresentado em 19 de Setembro de 2022 no qual referiu, em síntese, o seguinte:

7.1.         De acordo com a Requerente, da análise do intróito, do objecto do pedido, do próprio pedido e do valor indicado, verifica-se que o propósito foi, efectivamente, assegurar a anulação integral, e não parcial, da liquidação;

7.2.         Para a Requerente, no pedido arbitral foram assacados vícios que levam à anulação integral da liquidação;

7.3.         No entender da Requerente existe congruência entre o objecto, o pedido, a causa de pedir e o valor da causa que foi indicado;

7.4.         Assim sendo, considerou a Requerente que o argumento da Requerida sobre o valor da causa/insuficiência da causa de pedir baseia-se, exclusivamente, num pré-juízo feito sobre a viabilidade dos fundamentos invocados para assegurar a declaração de ilegalidade sobre a totalidade da liquidação;

7.5.         Esse pré-juízo não pode proceder, segundo a Requerente, porque nos termos do artigo 97.º-A do CPPT só existe erro sobre o valor da causa quando (i) do pedido ou (ii) da causa de pedir resulte, de forma evidente, que houve um erro da Requerente na quantificação do valor da causa;

7.6.         Por sua vez, invocou a Requerente que apenas ocorre ineptidão da petição inicial nos termos do n.º 1 e das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 186.º do Código de Processo Civil, quando a causa de pedir seja ininteligível ou seja manifesta a contradição da causa de pedir e o pedido, o que também não sucede;

7.7.         Na perspectiva da Requerente, a Requerida confunde (i) o incidente sobre o valor da causa e (ii) a “excepção da falta de causa de pedir” com a sua discordância sobre a consequência dos vícios invocados pela Requerente;

7.8.         Por fim, concluiu a Requerente que o valor da causa foi correctamente identificado, peticionando pela improcedência do vício referente à causa de pedir invocado pela Requerida.

 

8. Por despacho proferido em 3 de Outubro de 2022, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais, previstos nos artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT. Foi ainda facultada às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas, direito que estas não pretenderam exercer. No referido despacho foi ainda a Requerente notificada para juntar aos autos comprovativo de pagamento de taxa de arbitragem subsequente, o que esta efectuou em 9 de Dezembro de 2022.

 

II. SANEAMENTO

 

            9. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades que obstem à apreciação do mérito da causa.

Quanto à excepção de falta de causa de pedir invocada pela Requerida na sua resposta, cumpre referir que, tal como mencionou a Requerente, o objecto do processo foi devidamente identificado no pedido de pronúncia arbitral.

Por um lado, a Requerente identificou os actos tributários objecto de contestação – acto de liquidação de IRS n.º 2019 ..., acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2019 ... e decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa referente ao processo n.º ...2019... .

Por outro lado, a Requerente identificou os vícios imputados àqueles actos tributários – vício de violação de lei, designadamente do artigo 81.º, n.ºs 1 e 2 do Código do IRS, dos artigos 72.º, 74.º e 58.º da LGT, dos artigos 10.º e 23.º da CDT celebrada entre Portugal e a Suíça e, bem assim, vício de violação do princípio da igualdade previsto nos artigos 13.º e 104.º da CRP.

Por fim, a Requerente também identificou o pedido deduzido a final – declaração de ilegalidade e consequente anulação integral dos actos tributários impugnados, acrescida da condenação da Requerida ao reembolso do imposto pago em excesso acrescido de juros indemnizatórios.

Por conseguinte, julga-se improcedente a excepção de falta de causa de pedir invocada pela Requerida na sua resposta.

  Já no que respeita à apreciação do incidente de verificação do valor do processo suscitado pela AT e à extensão dos efeitos de uma eventual procedência do pedido, remete-se o seu conhecimento para a apreciação da matéria de direito, na estrita medida em que se justificar a respectiva apreciação.

 

III. DO MÉRITO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

 

10. Analisada a prova produzida no âmbito do presente Processo Arbitral, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

a)    No período de tributação de 2015 a Requerente era residente fiscal em Portugal;

b)    Em 30 de Maio de 2016 a Requerente entregou a declaração de IRS Modelo 3 referente ao período de tributação de de 2015, tendo declarado os rendimentos obtidos no estrangeiro no respectivo Anexo J;

c)    Os rendimentos obtidos no estrangeiro respeitavam a rendimentos de dividendos e juros provenientes de várias jurisdições, sujeitos a retenção na fonte nos Estados de origem dos rendimentos;

d)    Em 14 de Setembro de 2016 foi emitida a liquidação de IRS n.º 2016..., no valor total de € 64.792,39;

e)    Em 23 de Julho de 2018, através do Ofício n.º ..., a Requerente foi notificada pela Direcção de Finanças de Lisboa, para:

“(…) nos termos do artigo 128.º, n.º 1, do Código do IRS (obrigação de comprovar os elementos das declarações), para remeter a esta Direção de Finanças, no prazo de 15 dias, os seguintes documentos originais ou cópias autenticadas (sempre que não se encontrem em português, espanhol, francês, inglês ou alemão deverão ser acompanhados de tradução autenticada):

a) Declaração emitida ou autenticada pela autoridade fiscal do(s) respetivo(s) Estado(s), contendo a discriminação da natureza e dos montantes ilíquidos dos rendimentos obtidos nesse(s) Estado(s), bem como do montante de imposto total e final pago para o ano de 2015.

b) Liquidação final de imposto obtida no outro Estado, bem como, sendo o caso, prova do reembolso recebido/imposto pago relativo a essa liquidação final. O envio dos documentos enunciados nesta alínea anula o envio dos mencionados na alínea anterior, desde que contendo todos os elementos aí referidos.”;

f)     A Requerente não tinha, nem tem, na sua posse documento emitido pela Autoridade Tributária do Estado da fonte dos rendimentos, tendo junto em resposta ao ofício mencionada na alínea anterior os extractos bancários emitidos pelo Banco B... e pelo Banco C...;

g)    Em 30 de Julho de 2018 a Requerente submeteu uma declaração de IRS de substituição, tendo declarado no respectivo Anexo J os seguintes rendimentos e valor de imposto retido no estrangeiro:

Natureza do rendimento 

Rendimento (em euros) 

Imposto retido na fonte 

Dividendos 

€ 121.836,12 

€ 28.016,75 

Juros 

€ 109.524,51 

€ 0 

 

h)     A Requerente indicou a Suíça como Estado de origem de todos aqueles rendimentos;

i)     Em 3 de Agosto de 2018 foi emitida a liquidação de IRS n.º 2018..., no valor total de € 64.827,01;

j)     Em 27.03.2019, através do Ofício n.º..., foi a Requerente notificada do projecto de decisão da AT para a desconsideração, na totalidade, do imposto pago no estrangeiro no valor de € 28.016,75;

k)    Na notificação referida na alínea anterior refere-se, designadamente, o seguinte:

“Fica V.Ex.ª notificado de que, na sequência da análise da declaração de rendimentos de IRS e dos documentos apresentados, concluir-se que, para efeitos de correção do imposto pago no estrangeiro, constante do anexo J da declaração mod. 3 de IRS do ano de 2015, ser de retirar a totalidade desse valor, ao abrigo do artigo 65º nº 4 do CIRS, conforme quadro seguinte:

Anexo J - Quadro 8

Valor declarado

Valor a considerar

Imposto pago no Estrangeiro

(Capitais-Cat.E)

Linha 801

€ 28.016,75

€ 0,00

Esta correção deve-se ao facto de não ter sido exibida a declaração oficial de rendimentos obtidos e imposto pago emitida pela autoridade fiscal da Suíça, mas, sim vários documentos de entidades bancárias Suíças. Só são aceites os documentos, originais comprovativos dos rendimentos e do correspondente imposto pago no estrangeiro emitidos pela autoridade fiscal do estado de onde são provenientes os rendimentos.”;

l)     No exercício do direito de audição referente à notificação mencionada na alínea j), a Requerente reiterou que apenas tinha na sua posse os extractos bancários emitidos pelas entidades pagadoras (Bancos C... e B...), tendo ainda junto ao procedimento (i) cópias dos pedidos de reembolso do imposto cobrado antecipadamente na Suíça (Form 94) e cópia do extracto bancário que prova o reembolso pela administração fiscal Suíça do imposto pago antecipadamente nesse Estado;

m)  Em 18 de Junho de 2019, através do ofício n.º ..., a Requerente foi notificada da decisão final de correcção da Declaração de IRS relativa ao ano de 2015, mediante desconsideração, na totalidade, do valor de imposto pago no estrangeiro, declarado no Anexo J, conforme fundamentação e valores constantes do Ofício n.º 7600, mencionados nas alienas j) e k);

n)    Em 13 de Julho de 2019 foi emitida a liquidação adicional de IRS n.º 2019 ... e em 19 de Julho de 2019 foi emitida a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2019 ..., ambas referentes ao período de tributação de 2015;

o)    Em 26 de Agosto de 2019 a Requerente pagou a título de IRS liquidado adicionalmente o montante de € 19.087,57;

p)    Em 3 de Setembro de 2019 a Requerente requereu à Direcção de Finanças de Lisboa que, ao abrigo do artigo 25.º bis da CDT celebrada entre Portugal e a Suíça, desencadeasse os procedimentos necessários à troca de informações com a Autoridade Tributária Suíça relativamente à confirmação do valor total de imposto pago pela Requerente naquele Estado no período de tributação de 2015;

q)    Em 29 de Outubro de 2019 a Requerente foi notificada da resposta da AT ao requerimento referido na alínea anterior, onde se referiu o seguinte:

Na exposição o s.p. solicita ainda apenas troca de informação à autoridade tributária e aduaneira e às autoridades fiscais Suíças.

Ora, nos termos do nº 2 do art.9º do Acordo entre a comunidade europeia e a confederação Suíça, que prevê medidas equivalentes às previstas na Diretiva 2003/48/CE do Conselho (Diretiva da poupança), se os juros recebidos por um beneficiário efetivo tiverem sido sujeitos a qualquer tipo de imposto ou retenção na fonte, para além da prevista no presente acordo, e o estado membro da residência fiscal conceder um crédito fiscal em relação e esses impostos ou retenções na fonte, segundo o seu direito interno ou convenções destinadas a prevenir a dupla tributação, devem ser aceites os certificados emitidos pelos agentes pagadores suíços, como prova bastante do imposto ou da retenção na fonte, desde que a autoridade competente no estado membro de residência fiscal possa obter da autoridade competente suíça a verificação das informações contidas nesses certificados emitidos pelos agentes pagadores suíços.

Ora, se está em vigor legislação internacional que permite – com carácter excecional – que sejam aceites como prova válida documentos emitidos por instituições financeiras suíças no que respeita exclusivamente a juros pagos, nas restantes situações (outras naturezas de rendimento ou outros Estados) este regime não se aplica.

Relativamente á suscetibilidade de administração fiscal portuguesa contatar a sua congénere da Suíça, e obter a informação pretendida, ao abrigo do procedimento de troca de informações entre autoridades tributárias, este tem caráter excecional, apenas se podendo encetar o mesmo quando esgotados todos os mecanismos internos ao alcance dos estados (cfr. Modelo da convenção fiscal sobre o rendimento e o património, in cadernos de ciência fiscal nº 206,2008 a págs 601 e 604)

Como tal, é de manter o que havíamos proposto na informação anterior.”;

r)     Em 26 de Dezembro de 2019, por discordar da referida decisão, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra os actos de liquidação mencionados na alínea n);

s)     Em 7 de Fevereiro de 2020, a Requerente apresentou junto da Autoridade Tributária Suíça uma exposição na qual indicou que a Autoridade Tributária Portuguesa se recusava a reconhecer o crédito de dupla tributação correspondente a 15% do imposto suportado e não reembolsado com a mera exibição dos extractos bancários emitidos pela entidade pagadora, condicionando aquele reconhecimento à apresentação de uma declaração expressa emitida pelas autoridades Suíças;

t)     Em 24 de Fevereiro de 2020, a Autoridade Tributária Suíça respondeu à exposição da Requerente, ao que importa, com a seguinte informação:

“Lamentamos as dificuldades encontradas pelo seu cliente no que diz respeito à recuperação do saldo do imposto antecipado de 15% que é uma taxa definitiva na Suíça. No entanto, o ACL normalmente não emite qualquer certificado adicional relativamente ao imposto retido na fonte. Isto é tanto mais verdade quanto o imposto

antecipado, sendo um imposto espontâneo, é deduzido na fonte pelo pagador do benefício (empresa que distribui o benefício dividendos). Assim, esta confirmação da dedução da retenção na fonte de 35% para os beneficiários dos dividendos é efectuada pelos extratos bancários emitidos pela instituição em que os títulos são depositados.

De acordo com o artigo 10, parágrafo 2, letra b DTA-P, 15% do montante bruto dos dividendos continua a ser tributável na Suíça. Por esta razão, a Administração Fiscal Federal Suíça (FTA) emitiu um reembolso de 20% [d]o montante bruto dos dividendos […] (35% - 15%).

Além disso, em princípio, as autoridades fiscais portuguesas dispõem de todas as informações necessárias relativamente aos 35% de retenção na fonte sobre os dividendos brutos, uma vez que o Formulário 94, que solicita um reembolso de 20% com os anexos, ou seja, os extractos bancários que certificam os 35% de retenção na fonte, são enviados às autoridades fiscais portuguesas para certificação (página 2 do Formulário 94). […]

Caso exijam mais informações ou confirmação de que os 15% residuais ao abrigo do DTA-P (do qual também devem ter conhecimento, uma vez que esta Convenção também foi ratificada por Portugal) não foram reembolsados, o FTA envia uma carta de confirmação de reembolso ao requerente.

Assim, com estes dois documentos, isto é, o formulário 94 e os anexos e o aviso de pagamento/reembolso enviado pelo ACL, as autoridades fiscais portuguesas podem muito simplesmente deduzir que os 15% dos dividendos brutos são de facto um encargo definitivo na Suíça e devem ser recuperados em Portugal nos termos do artigo 23, parágrafo 1 DTA-P.

No entanto, já nos deparámos com esta dificuldade com outros contribuintes portugueses para os quais as autoridades fiscais também solicitaram um tal certificado. Contactámos a Secretaria de Estado para as Questões Financeiras Internacionais (SFI), que comunicou a nossa prática às autoridades fiscais portuguesas no final do ano passado.

Como não tínhamos recebido qualquer feedback destes contribuintes, pensámos que o problema estava resolvido.

Se quisermos encontrar uma solução para este problema ao abrigo do artigo 25, parágrafo 3 DTA‑P, precisaríamos de um documento oficial mostrando que as autoridades fiscais portuguesas recusam o reembolso/imputação dos 15% restantes na Suíça. […]”;

u)    Em 9 de Março de 2020, após interpelação da Requerente feita em 28 de Fevereiro de 2020, a Autoridade Tributária Suíça prestou, ao que importa, o seguinte esclarecimento:

“Na sequência da vossa carta de 28 de Fevereiro, junto uma cópia do pedido de reembolso apresentado pela Sra. D... em relação aos rendimentos devidos em 2015.

Como esta reclamação foi processada no nosso antigo sistema de informação, é infelizmente impossível para mim gerar uma cópia do aviso de pagamento. No entanto, posso confirmar que o pagamento de CHF 12’880,00, correspondente ao montante solicitado por D..., foi efectuado em 14.12.2016”;

v)    Em Abril de 2020, a Requerente juntou ao procedimento de reclamação graciosa o documento emitido pela Autoridade Tributária Suíça no qual consta o esclarecimento referido na alínea anterior;

w)   Em 16 de Novembro de 2021 foi a Requerente notificada para exercer o direito de audição prévia quanto ao projecto de decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa no qual consta, nomeadamente, a seguinte fundamentação:

“V. ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER

Nos termos do nº 1 do artº 15º do CIRS, sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

Dispõe o nº 1 do artº 81º do CIRS que “Os titulares dos rendimentos das diferentes categorias obtidas no estrangeiro, (…) têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação internacional, dedutível até ao limite das taxas especiais aplicáveis e nos casos de englobamento, até à concorrência da parte da coleta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos da alínea b) do nº 6 do artº 22º, que corresponderá á menor das seguintes importâncias:

 a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;

 b) Fracção da colecta de IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas neste Código”.

Para efeitos de comprovação do crédito de imposto pago no estrangeiro, torna-se indispensável fazer a prova, não só dos rendimentos obtidos, mas também do imposto suportado no outro Estado, através de documento emitido pelas autoridades fiscais do país onde os rendimentos forem auferidos, identificando a natureza desses rendimentos e o correspondente imposto pago, nos termos do ofício circulado 20030, de 18/12/2000, da antiga DSBF.

Para efeitos de comprovação do imposto pago no estrangeiro, anexa extratos bancários emitidos pelas entidades bancárias.

Ora, nos termos do nº 2 do artº 9º do Acordo entre a comunidade europeia e a confederação Suíça, que prevê medidas equivalentes às previstas na Diretiva 2003/48/CE do Conselho (Diretiva da poupança), se os juros recebidos por um beneficiário efetivo tiverem sido sujeitos a qualquer tipo de imposto ou retenção na fonte, para além da prevista no presente acordo, e o estado membro da residência fiscal conceder um crédito fiscal em relação e esses impostos ou retenções na fonte,

segundo o seu direito interno ou convenções destinadas a prevenir a dupla tributação, devem ser aceites os certificados emitidos pelos agentes pagadores suíços, como prova bastante do imposto ou da retenção na fonte, desde que a autoridade competente no estado membro de residência fiscal possa obter da autoridade competente suíça a verificação das informações contidas nesses certificados emitidos pelos agentes pagadores suíços, tal entendimento só se afigura possível caso os documentos apresentados contenham os elementos necessários para a comprovação pretendida, conforme mencionado no parágrafo anterior.

Ora, este acordo foi publicado e está em vigor relativamente a juros, pelo que não é aplicável a outras naturezas de rendimentos, designadamente dividendos (como é o caso).

Posteriormente a Reclamante veio anexar ao processo documentos comprovativos do pedido de reembolso do imposto retido na Suíça.

A Autoridade Tributária da Suíça emitiu cópia do pedido de reembolso no montante de 12.880,00 CHF, conforme a reclamante tinha requerido esse reembolso.

Surgindo dúvidas relativamente à aceitação de tais documentos para comprovação do crédito de imposto, solicitou-se esclarecimentos à Direção de Serviços Relações Internacionais.

A referida Direção emitiu a Informação nº 1829/2021 (que se anexa), que se pronunciou no sentido de que a reclamante não faz prova bastante do imposto pago, a final, na Suíça, nesse caso, à taxa reduzida de 15 (quinze) por cento, em conformidade, com o disposto na CDT Portugal – Suíça, mediante declaração emitida ou autenticada pelas autoridades fiscais suíças (nesta última situação, que bem pode ser emitida pelo agente pagador suíço), ou melhor ainda, através da emissão por aquelas Autoridades, à Contribuinte, de um Certificado de imposto pago.

Face ao exposto, somos de parecer que a pretensão da Reclamante não merece deferimento, devendo manter-se a liquidação ora reclamada.

Cumpre ainda referir que por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1, do art. 43º da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios.

VI - CONCLUSÃO

Face ao exposto, propõe-se o indeferimento do pedido, de acordo com os fundamentos da presente informação, devendo a reclamante ser notificada para o exercício do direito de audição prévia nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 60º da LGT.”;

x)    Em 09 de Dezembro de 2021, a Requerente exerceu o direito de audição aludindo, entre outros, aos seguintes argumentos:

II. Direito de Audição

4. A informação prestada pela DSRI no âmbito do presente processo é contraditória com outra informação emitida pela mesma Direção de Serviços de Relações Internacionais- Divisão da Liquidação, recentemente, em 05.05.2021, subscrita pela Subdiretora Geral ... e pelo Técnico ... […], nos termos da qual, numa situação idêntica à da Reclamante, em relação a dividendos, foram aceites e considerados suficientes os seguintes documentos como prova do imposto pago no estrangeiro:

• Cópias dos extratos bancários de rendimentos provenientes da Suíça;

• Cópia do pedido de reembolso efetuado pelo sujeito passivo junto das autoridades fiscais suíças a solicitar a diferença da taxa de retenção prevista na CDT celebrada entre Portugal e Suíça;

• E-mails trocados com as autoridades fiscais da Suíça, nos quais se confirma o alegado pelo sujeito passivo, ou seja, que estas autoridades se recusaram a emitir documentos comprovativos.

[…]

13. Sem prejuízo de todos os elementos já juntos e que, no entendimento da Reclamante, são suficientes e fazem prova cabal do imposto pago no estrangeiro, passa a sintetizar-se os vários rendimentos (juros e dividendos) por si auferidos, tal como resultam dos extratos bancários já juntos:

14. Pela análise da tabela supra, torna-se evidente que o montante total de dividendos auferidos pela Requerente no ano de 2015 se encontrava repartido por várias jurisdições, sendo o montante total bruto de EUR 121.836,11 – tendo a totalidade destes valores sido rececionados nas referidas contas bancárias suíças.

15. Resulta igualmente claro destes dados que os referidos dividendos foram sujeitos a retenções na fonte no valor total de EUR 28.016,76.

16. Como também foi antecipadamente referido à AT, até no âmbito do presente procedimento, a Reclamante conseguiu, com sucesso, recuperar o imposto pago em excesso por referência aos rendimentos pagos por entidade Suíças e, infra descritas, mas apenas em relação a esses […].

17. Contudo, a Reclamante não foi reembolsada em relação ao imposto pago em excesso nos restantes países.

18. Sem prejuízo, para efeitos do regime do crédito de imposto previsto nos n.º 1 e 2 do artigo 81.º do CIRS, o reembolso do imposto pago em excesso (face aos respetivos aos respetivos CDT) não é relevante, para o mesmo.

19. Como resulta deste regime, o crédito de dupla tributação tem como limite a taxa máxima fixada nos respetivos CDT, que são:

a. Suíça: 15%

b. Austrália: 15%, de acordo com a Convenção Modelo da OCDE

c. EUA: 15%

d. Luxemburgo: 15%

e. Holanda: 10%

f. França: 15%

g. Reino Unido: 15%

20. Por tudo, torna-se claro que os atos impugnados incorrem em erro na interpretação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 81.º do CIRS, assim como do artigo 72.º da LGT, fundamento pelo qual são inválidos (anulabilidade) nos termos do artigo 163.º do CPA […]”;

y)    Em 3 de Janeiro de 2022, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa;

z)    Em 31 de Março de 2022 foi aceite o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem aos presentes autos.

 

III.1.2. Factos não provados 

 

11. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

12. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Neste sentido, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Considerando as posições assumidas pelas partes nas respectivas peças processuais, a livre apreciação da falta de contestação especificada dos factos prevista no artigo 110.º, n.ºs 6 e 7, do CPPT, a prova documental junta aos autos pela Requerente e o processo administrativo junto aos autos pela Requerida, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

III.2.1. Ordem de conhecimento dos vícios alegados

 

            13. Tendo presentes os diversos vícios imputados aos actos contestados, o respectivo conhecimento será feito pela ordem indicada pela Requerente e supra mencionada, em conformidade com o disposto no artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT.

 

III.2.2. Crédito de imposto por dupla tributação internacional

 

            14. Apesar de a Requerente ter peticionado a declaração de ilegalidade e consequente anulação integral dos actos de liquidação melhor identificados no ponto n) da matéria de facto dada como provada, afigura-se que a matéria controvertida nos presentes autos apenas respeita à apreciação da (i)legalidade da desconsideração pela AT do crédito de imposto por dupla tributação internacional, no montante de € 19.087,57, que a Requerente havia declarado em sede de IRS do período de tributação de 2015, em virtude de não ter sido apresentado documento original ou cópia autenticada pela Autoridade Tributária Suíça que comprovasse o imposto efectivamente pago naquele Estado.

            

            15. Enquanto ponto de partida, cumpre referir que a Requerente deduziu o crédito de imposto por dupla tributação internacional na declaração de rendimentos referente ao período de tributação de 2015 ao abrigo do disposto no artigo 81.º do Código do IRS que, à data dos factos, determinava o seguinte:

Artigo 81.º

Eliminação da dupla tributação jurídica internacional

1 - Os titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidos no estrangeiro, incluindo os previstos nas alíneas c) a e) do n.º 1 do artigo 72.º, têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, dedutível até ao limite das taxas especiais aplicáveis e, nos casos de englobamento, até à concorrência da parte da coleta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos do n.º 6 do artigo 22.º, que corresponde à menor das seguintes importâncias:

a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;

b) Fração da coleta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas neste Código.

2 - Quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efetuar nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção.

            

            16. Não resultando do citado artigo nenhum procedimento ou ónus específico que cumprisse à Requerente realizar tendo em vista a dedutibilidade do mencionado crédito, nada obstava ao respectivo reconhecimento na declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, a qual passou a gozar da presunção de veracidade e boa-fé prevista no artigo 75.º, n.º 1, da LGT.

Sem prejuízo da aplicação da referida presunção, a AT exigiu à Requerente para comprovação do crédito deduzido a apresentação de “declaração emitida ou autenticada pela autoridade fiscal do(s) respectivo(s) Estado(s), contendo a discriminação da natureza e dos montantes ilíquidos dos rendimentos obtidos nesse(s) Estado(s), bem como do montante de imposto total e final pago para o ano de 2015”. Esta exigência, determinada ao abrigo dos poderes de fiscalização atribuídos genericamente à AT, encontrava-se especificamente tutelada pelo artigo 128.º do Código do IRS, no qual se dispunha o seguinte:

Artigo 128.º

Obrigação de comprovar os elementos das declarações

1 - As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija.

2 - O prazo previsto no número anterior é alargado para 25 dias quando o sujeito passivo invoque dificuldade na obtenção da documentação exigida.

3 - A obrigação estabelecida no n.º 1 mantém-se durante os quatro anos seguintes àquele a que respeitem os documentos.

4 - O extravio dos documentos referidos no n.º 1 por motivo não imputável ao sujeito passivo não o impede de utilizar outros elementos de prova daqueles factos.”.

            

            17. Portanto, apesar de a presunção de veracidade e boa-fé se encontrar estabelecida a favor da Requerente, certo é que sobre esta recaía igualmente o ónus de apresentar, mediante solicitação da AT, a documentação comprovativa do crédito de imposto deduzido na declaração de rendimentos.

Obrigação esta que a Requerente cumpriu mediante apresentação dos extractos bancários emitidos pelos Bancos Suíços B... e C... nos quais se encontravam discriminados os rendimentos auferidos e o imposto pago na Suíça por referência ao período de tributação de 2015, bem como pela junção de cópia do pedido de reembolso do imposto cobrado antecipadamente na Suíça (Form 94) e pela entrega de cópia do extracto bancário que demonstra o efectivo reembolso pela Autoridade Tributária Suíça do imposto pago antecipadamente naquele Estado, conforme resulta das alíneas f), l) e x) da matéria de facto dada como provada.

            Por conseguinte, ao ter a Requerente esclarecido e comprovado os documentos de suporte à sua situação tributária, e tendo presente a argumentação da AT expressa nas alíneas e), k), q) e w) da matéria de facto dada como provada, não se pode considerar que tenha sido ilidida a presunção de veracidade e boa-fé estabelecida a favor da Requerente nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da LGT. Veja-se que na fundamentação contemporânea aos actos de liquidação ora contestados não foram, em momento algum, alegadas e demonstradas as circunstâncias que permitiam a ilisão daquela presunção e que se encontram previstas no n.º 2 do artigo 75.º da LGT.

 

18. O afastamento da dedução do crédito de imposto pago na Suíça foi justificado pela Requerida com base na alegada inadmissibilidade e insuficiência probatória dos documentos apresentados pela Requerente para comprovar aquele crédito. Isto porquanto, no entender da Requerida, exigia-se à Requerente a indispensável apresentação de documento emitido ou autenticado pela Autoridade Tributária Suíça no qual se comprovasse, por um lado, os rendimentos obtidos e, por outro lado, o imposto efectivamente suportado naquele Estado, tendo para o efeito em conta eventuais reembolsos que tivessem sido processados.

Esta alegada exigência, que não resulta do artigo 128.º do Código do IRS, foi afirmada na fundamentação dos actos tributários aqui contestados e na resposta ao pedido arbitral com fundamento no artigo 68.º-A da LGT que determina a vinculatividade das instruções administrativas actualmente em vigor (ofício‑circulado n.º 20124, de 09 de Maio de 2007, da Direcção de Serviços das Relações Internacionais da AT e instruções de preenchimento do anexo J da declaração Modelo 3 de IRS) e com base na não aplicabilidade ao presente caso do disposto no artigo 9.º, n.º 2 do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça que prevê medidas equivalentes às previstas na Directiva 2003/48/CE do Conselho (“Directiva da poupança”). Sucede que nenhuma das referidas normas permite sustentar as exigências probatórias invocadas pela AT.

 

19. Quanto às instruções administrativas (orientações genéricas), resulta do n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT que estas apenas se consideram vinculativas para a AT e já não para os contribuintes. Quer isto dizer que mesmo que o mencionado ofício‑circulado n.º 20124 determine critérios de prova mais exigentes face aos previstos na lei, tais requisitos não são oponíveis à Requerente, pelo que nunca poderiam fundamentar a restrição dos meios de prova admissíveis para cumprimento do artigo 128.º do Código do IRS tal como propugnado pela AT.

Neste preciso sentido, pronunciou-se o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 29 de Novembro de 2020, no âmbito do processo n.º 799/2019-T, ao precisar que:

Sustenta a Requerida, a exigência de documentos originais (ou fotocópias autenticadas) emitidos pela autoridade fiscal do país de origem desses rendimentos que comprovem o imposto pago no estrangeiro, no disposto no n.º 2 do Ofício Circulado 20124 de 09-05-2007.

Os Ofícios Circulados integram as chamadas orientações administrativas que constituem “regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos”. Por isso, não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos actos a praticar pela AT aquando da sua aplicação, mas isso não os converte em padrão de validade dos actos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos actos da AT deve ser efectuada através do confronto directo com a(s) norma(s) legal(is) que os suportam, e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o acto.”.

Também a este respeito, pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão proferido em 23 de Fevereiro de 2017, no âmbito do processo n.º 3/13.5BELRS, no qual referiu que:

“(…) as circulares administrativas não vinculam os contribuintes, mas apenas os respectivos serviços não podendo a recorrente fazer exigências probatórias não previstas expressamente na lei. (neste sentido vide entre muitos outros o acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 04.12.2007, proferido no processo n.º 174/04, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

Seja como for, da leitura que fazemos do Oficio-Circulado n.º 20124, de 09.05.2007 não suporta a interpretação que dela faz a recorrente na medida em que apenas refere a «exigência da apresentação pelo contribuinte dos originais ou fotocópias autenticadas dos documentos, os quais serão apresentados devidamente traduzidos, excepto se estiverem redigidos em espanhol, francês, inglês ou alemão».”.

Dito isto, é evidente que as instruções administrativas a que alude a AT são inócuas para condicionar a dedução do crédito de imposto conferido nos termos do artigo 81.º do Código do IRS à apresentação dos meios probatórios nelas especificamente previstos.

 

20. E o mesmo se diga relativamente à não aplicabilidade ao presente caso do disposto no n.º 2 do artigo 9.º do acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça que prevê medidas equivalentes às previstas na Directiva da poupança e onde se determina, ao que aqui importa, o seguinte:

Artigo 9.º

Eliminação da dupla tributação

(…)

2. Se os juros recebidos por um beneficiário efectivo tiverem sido sujeitos a qualquer tipo de imposto ou retenção na fonte, para além da prevista no presente acordo, e o Estado-Membro da residência fiscal conceder um crédito fiscal em relação a esses impostos ou retenções na fonte, segundo o seu direito interno ou convenções destinadas a prevenir a dupla tributação, esses outros impostos e retenções na fonte devem ser creditados antes da aplicação do procedimento referido no n.º 1. O Estado-Membro da residência fiscal aceita os certificados emitidos pelos agentes pagadores suíços, como prova bastante do imposto ou da retenção na fonte, desde que a autoridade competente no Estado-Membro de residência fiscal possa obter da autoridade competente suíça a verificação das informações contidas nesses certificados emitidos pelos agentes pagadores suíços.”.

De acordo Requerida, aquela é uma norma que permite, a título excepcional, e exclusivamente quanto a rendimentos qualificados como juros, a utilização de extractos bancários como meio de prova do imposto suportado na Suíça. Assim sendo, a utilização daqueles certificados como meio de prova não seria aplicável aos dividendos pagos à Requerente naquele Estado.

Ora, o facto de se determinar neste acordo que os certificados emitidos pelos bancos suíços constituem meio de prova dos rendimentos auferidos e tributados no Estado da Suíça não permite concluir, sem mais, no sentido propugnado pela Requerida, de que tais certificados seriam inadmissíveis como meio probatório quanto a todos os demais rendimentos não expressamente abrangidos pelo teor da norma. 

Tal conclusão não só não encontra na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil), como é desde logo colocada em crise dentro do âmbito de aplicação do próprio acordo, conforme bem evidenciou o Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão já anteriormente citado, proferido em 23 de Fevereiro de 2017, no âmbito do processo n.º 3/13.5BELRS, onde salientou o seguinte:

“(…) o nº1 do artigo 9º do Acordo nada determina relativamente à retenção na fonte prevista no nº1 do seu artigo 1º, sempre se dirá que, a fortiori sensu, se os Estados-Membros de residência se vinculam a aceitar como prova bastante da retenção na fonte os certificados emitidos pelos agentes pagadores em caso de retenção além daquela que se encontra prevista no Acordo, necessariamente o deverão fazer também para a retenção na fonte que é expressamente consagrada pelo Acordo.”.

Portanto, daquela norma não resulta qualquer regime excepcional de admissibilidade de meios de prova, tendo tal regime de ser aferido com base nas demais regras do ordenamento jurídico que regulam os meios de prova admissíveis para comprovar a dedução do crédito de imposto por dupla tributação internacional.

 

21. Conforme já anteriormente se referiu, dos artigos 81.º e 128.º do Código do IRS não resultam quaisquer obrigações acessórias ou meios probatórios específicos que a Requerente tivesse de observar. Quer isto dizer que, no presente caso, eram admissíveis os meios gerais de prova admitidos em Direito, conforme resulta dos termos conjugados do artigo 72.º da LGT e dos artigos 50.º e 115.º do CPPT – neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal Arbitral proferido em 26 de Abril de 2022, no âmbito do processo n.º 83/2021-T.

Significa isto que a Requerida se encontrava vinculada a admitir os extractos bancários juntos pela Requerente aos autos como meio de comprovação dos rendimentos auferidos e tributados na Suíça. Para que afastasse o valor probatório associado àqueles documentos era necessário que a Requerida colocasse em causa o respectivo teor, autenticidade e/ou veracidade, o que nunca aconteceu.

Acresce que a Requerente solicitou, inclusive, à Autoridade Tributária Suíça a passagem de declaração nos termos exigidos pela Requerida, conforme consta das alíneas s), t) e u) da matéria de facto dada como provada. Não obstante, a emissão de tal documento foi recusada pela Autoridade Tributária Suíça com fundamento na suficiência probatória dos extractos emitidos pelos bancos suíços e no facto de a Autoridade Tributária portuguesa ter na sua disponibilidade toda a informação que necessitava para a certificação do crédito a conceder, tendo ainda aquela autoridade afirmado que processou o reembolso que era devido à ora Requerente. Toda esta esta informação era do conhecimento da Requerida, pelo que esta tinha perfeito conhecimento da impossibilidade para a Requerente de obter a declaração emitida pela Autoridade Tributária Suíça, o que revela uma exigência desproporcional.

Por fim, cumpre referir que se a Requerida mantinha dúvidas sobre os concretos rendimentos auferidos e respectiva tributação no Estado da Suíça, devia ter recorrido ao procedimento de troca de informações previsto no artigo 25.º bis da CDT celebrada entre Portugal e a Suíça, assim cumprindo com as obrigações decorrentes do princípio do inquisitório a que está vinculada nos termos do artigo 58.º da LGT. Em idêntico sentido, pronunciou-se o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 4 de Fevereiro de 2021, no âmbito do processo n.º 73/2020-T, ao sublinhar que:

A admitir-se, todavia, a existência de dúvida séria quantos a tais factos, então teria de ser a própria AT a usar dos mecanismos de troca de informações e das obrigações estabelecidas entre os Estados contratantes, como é estabelecido em geral pelas Convenções sobre Dupla Tributação – no caso, no art. 25º (que estabelece que “as autoridades competentes dos Estados Contratantes trocarão entre si as informações que sejam previsivelmente relevantes para a aplicação do disposto na presente Convenção ou para a administração ou aplicação da legislação interna relativa a impostos de qualquer natureza ou denominação exigidos em benefício dos Estados” – e, de modo particular, na aludida Diretiva Poupança, no que respeita aos rendimentos obtidos noutro Estados-membros, que determina expressamente no art. 9º que “a autoridade competente do Estado-Membro do agente pagador deve comunicar as informações referidas no artigo 8º à autoridade competente do Estado-Membro de residência do beneficiário efectivo”.

(…)

Acresce que todas as CDT contêm cláusula de não discriminação, dispondo que “os nacionais de um Estado Contratante não ficarão sujeitos no outro Estado Contratante a qualquer tributação, ou obrigação conexa, diferente ou mais gravosa do que aquelas a que estejam ou possam estar sujeitos os nacionais desse outro Estado Contratante que se encontrem nas mesmas circunstâncias, em particular no que se refere à residência” (art. 28º das Convenções). Não se percebe, por isso, como pretende a Requerida estabelecer agora uma obrigação que não impõe aos demais residentes, relativamente aos rendimentos obtidos em território português, uma vez que são as instituições bancárias que emitem os documentos e fazem as comunicações relativamente aos rendimentos de capitais que pagam aos particulares, onde mencionam as retenções na fonte que efetuaram.”.

Nestes termos, é forçoso concluir-se que a Requerente cumpriu com o ónus da prova que lhe era exigido pelo artigo 74.º da LGT.

 

22. Em face do exposto, julga-se procedente a ilegalidade imputada pela Requerente aos actos tributários contestados nos presentes autos, na estrita medida em que determinaram uma restrição probatória na comprovação de imposto suportado na Suíça, impondo-se a sua anulação em conformidade.

  

III.2.3. Questões de conhecimento prejudicado

            

            23. Na medida em que os actos tributários objecto de contestação foram julgados ilegais, considera-se prejudicado o conhecimento do vício de violação do princípio da igualdade invocado pela Requerente, dado que a apreciação de tal vício traduziria a prática de um acto inútil no processo, proibida nos termos conjugados dos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

III.2.4. Reembolso do imposto indevidamente liquidado e juros indemnizatórios

 

            24. No presente processo não é controverso que o imposto e respectivos juros liquidados adicionalmente pela AT correspondem ao montante do crédito deduzido pela Requerente em resultado da tributação suportada e não reembolsada no Estado da Suíça, no montante total de € 19.087,57. Não é igualmente controverso que este montante de imposto foi atempadamente pago pela Requerente.

            Sem prejuízo, e conforme devidamente evidenciado pela Requerente no requerimento de exercício do contraditório apresentado em 19 de Setembro de 2022, esta não pretendeu assegurar a anulação parcial, mas sim a anulação integral do acto de liquidação adicional no valor total de € 83.914,58. Não obstante, entende este Tribunal que não foram assacados vícios que permitam a anulação integral do acto de liquidação, mas tão só da parte daquele que materializou a recusa da dedução do crédito por dupla tributação internacional anteriormente apreciado.

            Assim sendo, e tendo em conta o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 30 de Janeiro de 2019, no âmbito do processo n.º 0436/18.0BALSB, no qual se precisou que “[o] acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial”, julga-se que os actos tributários da presente acção arbitral devem ser parcialmente anulados, com a consequente restituição à Requerente do montante de € 19.087,57 indevidamente pago.

            

25. Quanto ao direito a juros indemnizatórios, dispõe-se ao que aqui importa no artigo 43.º da LGT que:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

            Ora, os actos de liquidação foram emitidos pela AT com base em erro que é unicamente imputável aos serviços, porquanto foram estes que determinaram erroneamente a base legal aplicável, sendo certo que dispunham de todos os meios e elementos de prova necessários à correcta decisão da causa. Por conseguinte, são devidos juros indemnizatórios à Requerente desde a data do pagamento indevido do imposto, até à data do processamento da respectiva nota de crédito, nos termos do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, calculados sobre a quantia indevidamente paga pela Requerente à taxa dos juros legais em conformidade com o disposto nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, ambos da LGT.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência:

a)    Anular parcialmente os actos de liquidação objecto de impugnação nos termos acima evidenciados;

b)    Condenar a Requerente e a Requerida nas custas do processo na proporção do respectivo decaimento.

 

V. VALOR DO PROCESSO

            

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 83.914,58.

 

VI. CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 2.754,00, fixando-se o montante de € 2.120,58 a cargo da Requerente, e de € 633,42 a cargo da Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de Dezembro de 2022.

Os Árbitros,

 

 

Carla Castelo Trindade

(relatora)

 

 

 

Marcolino Pisão Pedreiro

 

 

 

José Almeida Fernandes