DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Vasco Valdez e Prof.ª Doutora Marta Vicente, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 08-11-2022, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A. (doravante abreviadamente designada por “Requerente"), com o número de identificação fiscal..., e com sede na Rua ..., nº ..., ...-... Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação (parcial) dos actos tributários do Imposto Municipal sobre Imóveis ("IMI") n.ºs 2017..., 2017... e 2017..., referentes ao ano de 2017, no montante global de € 66.386,03.
A Requerente pede ainda que a Autoridade Tributária e Aduaneira seja condenada a reembolsar a Requerente do valor do IMI pago em excesso, no montante global de € 66.386,03, relativamente às liquidações sub judice, e, bem assim, condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido.
A título subsidiário, a Requerente pede que seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 31-08-2022.
Em 20-10-2022, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes alguma coisa viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 08-11-2022.
Em 24-10-2022, a Autoridade Tributária e Aduaneira comunicou um despacho de 06-10-2022 em se anularam algumas das avaliações em que se baseou a liquidação de IMI.
Em 08-11.2022, a Requerente veio dizer que se opõe ao arquivamento do processo.
A AT apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e suscitou excepções.
Por despacho de 16-12-2022, foi decidido dispensar reunião e que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão das questões prévias:
A.A Requerente é proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção, identificados nas cadernetas prediais que constam dos documentos n.ºs 4 a 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
B. A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as notas de cobrança do Imposto Municipal sobre Imóveis ("IMI") n.ºs 2017 ... (em 20-03-2018), 2017 ... (em 21-06-2018) e 2017 ... (em 22-10-2018), que têm subjacentes liquidações de IMI referentes ao ano de 2017 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
C.Em parte, as liquidações de IMI sub judice tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula adoptada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e / ou (iii) de qualidade e conforto (cadernetas prediais urbanas que constam dos documentos n.ºs 4 a 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
D. Em 04-04-2022, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações referidas (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
E. O pedido de revisão oficiosa não foi decidido até 11-10-2022, data em que a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo;
F. A Requerente pagou as quantias liquidadas(documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto.
3. Matéria de direito
Na sequência de pedido de revisão oficiosa, são impugnadas neste processo liquidações de IMI, com fundamento em erros de actos de avaliação de valores patrimoniais, pedindo a Requerente a sua anulação com fundamento em erro imputável aos serviços «que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas» (artigo 115.º do pedido de pronúncia arbitral).
A Autoridade Tributária e Aduaneira não se pronunciou sobre os pedidos de revisão oficiosa.
No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona que ocorreram os erros na determinação do valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção invocados pela Requerente e até refere que já diligenciou no sentido de os corrigir, anulando actos de avaliação de valores patrimoniais que entendeu poder anular (artigos 8.º e 12.º da Resposta).
Em consonância, a Autoridade Tributária e Aduaneira diz que «verifica-se ausência de litígio quanto à forma de cálculo aplicável para determinar o VPT dos terrenos para construção».
No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira opõe-se à pretensão da Requerente pelas seguintes razões, em suma:
A. Não está legalmente prevista a dedução de pedido de revisão oficiosa dos actos de avaliação de valores, pelo que a pretensão da Requerente carece de fundamento legal;
B. O acto que fixou o VPT em vigor no período de tributação dos presentes autos está consolidado na ordem jurídica, tendo a força de caso julgado;
C. Eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insuscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo, pelo que o acto de liquidação não enferma de qualquer ilegalidade;
D. E, mesmo que assim não se entendesse, o que por hipótese se admite, o pedido de revisão oficiosa sempre seria intempestivo face aos prazos previstos no artigo 78.º da LGT;
E. Sendo que a final sempre se concluiria no sentido de já ter decorrido o prazo de 5 anos em que seria possível a anulação do acto.
A Requerente diz, em suma, que
– «qualquer erro nos pressupostos de facto e / ou de direito do qual resulte um erróneo cálculo dos valores patrimoniais dos imóveis sobre os quais incide o acto tributário de liquidação de IMI e que, consequentemente, faz com que seja determinado um montante de imposto, superior ou inferior ao legalmente devido nos termos das normas do Código de IMI, constitui um vício que determina a anulabilidade desse mesmo acto tributário»;
– a revisão oficiosa de actos de liquidação de IMI está prevista no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI;
– a impugnabilidade autónoma do acto preparatório ou interlocutório (enquanto regra especial) não impede a impugnação unitária do acto final (i.e. do acto de liquidação que dai resulte) com base em vícios assentes naqueles acto;
3.1. Admissibilidade de revisão oficiosa
O artigo 78.º da LGT prevê no seu n.º 1, «a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou», reportando-se a actos de liquidação.
Mas, no seu n.º 4, prevê-se a possibilidade de «revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória», pelo que se admite a revisão de actos de avaliação, que são um tipo de actos de fixação da matéria tributável, como decorre do n.º 1 do artigo 81.º da LGT.
O n.º 7 do artigo 78.º da LGT confirma expressamente que a revisão oficiosa pode ser «do acto tributário ou da matéria tributável».
No caso em apreço, a Requerente pediu a revisão oficiosa dos actos de liquidação de IMI e também com fundamento em injustiça grave e notória, pelo é inequívoco que era admissível a revisão oficiosa.
3.2. Consolidação do acto de fixação do valor patrimonial tributário e possibilidade de conhecer vícios de actos de avaliação em impugnação de actos de liquidação que neles se basearam
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que os actos de fixação de valores patrimoniais são destacáveis e autonomamente impugnáveis e que se encontram consolidados na ordem jurídica por falta de impugnação tempestiva.
São meios processuais diferentes, com efeitos distintos, a impugnabilidade directa de actos de liquidação, com os efeitos retroactivos próprios da declaração de anulabilidade e direito a juros indemnizatórios, e a possibilidade de revisão oficiosa, com os fundamentos previstos no artigo 78.º da LGT, com efeitos mais limitados, não retroactivos, designadamente a nível de direito a juros indemnizatórios, como resulta do disposto no artigo 43.º, n.ºs 1 e 3 da LGT. ( [1])
No caso em apreço, não foi apresentada reclamação graciosa ou impugnação judicial dos actos de liquidação de IMI nos prazos respectivos (previstos nos artigos 70.º, n.º 1, e 102.º n.º 1, do CPPT), mas foi pedida a revisão oficiosa que, nos termos do artigo 78.º da LGT, além de outros casos, pode ser pedida no prazo de quatro anos a contar dos actos de liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços nos termos do seu n.º 1, ou no prazo de três anos com fundamento em injustiça grave e notória, nos termos dos seus n.ºs 4 e 5.
Da revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, decorre a anulação dos actos de liquidação que se tenham baseado nessa matéria tributável, pois são actos consequentes.
Em qualquer caso, a revisão por iniciativa da administração tributária (dita oficiosa), tanto da liquidação (n.ºs 1 e 3) como da matéria tributável (n.ºs 4 e 5), é admitida também a pedido do contribuinte, como se conclui do teor expresso do n.º 7 do artigo 78.º ou referir que «interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização».
Esta questão da invocação de vícios de actos de avaliação em procedimento de revisão oficiosa foi apreciada no acórdão proferido em 10-05-2021, no processo arbitral n.º 487/2020-T, cuja jurisprudência aqui se reafirma, no essencial.
Por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é directa e, por isso, ela é «susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».
Os termos da impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT, em que se estabelece que:
– «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (n.º 1); e
– «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (n.º 7).
Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais, «com fundamento em qualquer ilegalidade», e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação com fundamento em ilegalidade se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.
No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).
Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).
Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.
Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais ilegalidades dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.
Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valorespatrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).
Este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS ( [2] ), IRC ( [3] ) e Imposto do Selo ( [4] ), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.
Por outro lado, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.
O prazo de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).
A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos seguinte acórdãos:
– de 30-06-1999, processo n.º 023160 ([5] );
– de 02-04-2003, processo n.º 02007/02;
– de 06-02-2011, processo n.º 037/11;
– de 19-09-2012, processo n.º 0659/12 ([6] )
– de 5-2-2015, processo n.º 08/13;
– de 13-7-2016, processo n.º 0173/16;:
– de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.
Pelo exposto, as ilegalidades dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem considerar-se ilegalidades dos actos de liquidação de IMI, susceptíveis de serem invocadas em processo impugnatório destes actos.
Por outro lado, o pedido de revisão não foi efectuado no prazo da reclamação administrativa a que se refere a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, pelo que só poderia ser feita a revisão com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos da 2.ª parte daquele número.
Ora, os actos de liquidação de IMI, em si mesmos, não enfermam de qualquer erro imputável aos serviços, pois, por força do disposto no artigo 113.º, n.º 1, do CIMI «- O imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita».
Assim, tendo as liquidações sido efectuadas com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes a 31 de Dezembro do ano a que respeita o IMI, não há erro da Administração Tributária ao efectuar as liquidações e, por isso, o pedido de revisão oficiosa não podia ser deferido ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
Por isso, tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto a esta questão.
3.3. Questões da admissibilidade de revisão oficiosa dos actos com fundamento em injustiça grave ou notória, da consolidação dos actos de fixação de valores patrimoniais por não impugnação das avaliações e dos limites à revogabilidade previstos no artigo 168,º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo
Estas questões estão conexionadas pelo que se apreciaram conjuntamente.
Diferente da questão da impugnabilidade dos actos de liquidação de IMI com fundamento em ilegalidade, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, é a da possibilidade da revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória, prevista no n.º 3 do artigo 78.º da LGT, que a Requerente pediu, e que é um afloramento do dever de revogação de actos ilegais, que emerge do princípio a legalidade da actuação da Administração Tributária (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT).
Na verdade, a utilidade prática da revisão com fundamento em injustiça grave ou notória verifica-se apenas após o decurso do prazo da reclamação administrativa, precisamente quanto a actos que já não podem ser impugnados com fundamento em qualquer ilegalidade ou em erro imputável aos serviços.
Trata-se, assim, explicitamente, de possibilidade de revisão da matéria tributável, inclusivamente de actos de fixação de valores patrimoniais quando são eles que definem a matéria tributável, após a normal consolidação que decorre da não impugnação das avaliações nos prazos legais.
Mas, esta possibilidade de revisão da matéria tributável no âmbito do procedimento de revisão oficiosa está prevista em termos mais restritos do que aqueles em que podem ser tempestivamente impugnados os actos de liquidação, pois, por um lado, só a injustiça grave ou notória é fundamento de revisão e não qualquer ilegalidade.
Por outro lado, mesmo a nível de revisão oficiosa, esta revisão da matéria tributável é mais restrita do que a prevista no n.º 1 do artigo 78.º para a revisão de actos de liquidação, pois o prazo é de três anos, em vez do de quatro, mesmo que o erro seja imputável à Administração Tributária.
A possibilidade de revisão oficiosa de actos de avaliação de valores patrimoniais não está prevista no CIMI. Designadamente, o artigo 115.º do CIMI reporta-se a actos de liquidação e não a actos de fixação de valores patrimoniais.
Por outro lado, trata-se de um regime especial para cumprimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira do dever de revogação que emana do princípio da legalidade que, estando especialmente previsto para o contencioso tributário, afasta a aplicabilidade subsidiária do artigo 168.º do Código do Procedimento Administrativo, pois não há uma lacuna de regulamentação.
Assim, só à face do regime geral da revisão oficiosa, previsto no artigo 78.º da LGT, se pode aventar a possibilidade de revisão, nos termos dos seus n.ºs 4 e 5, que estabelecem o seguinte:
4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.
Da revisão da matéria tributável prevista no n.º 4 do artigo 78.º decorrerá a anulação dos actos consequentes que a tenham como pressuposto, como são os actos de liquidação de IMI, embora sem os efeitos retroactivos previstos para a impugnação tempestiva, designadamente a nível de juros indemnizatórios, como decorre dos n.ºs 1 e 3 alíneas b) e c) do artigo 43.º da LGT.
Apesar de no n.º 4 do artigo 78.º da LGT se referir que «o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente» a «revisão da matéria tributável», trata-se de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controle jurisdicional, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo:
– «o facto de a lei determinar que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente,” a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever»; trata-se de «um poder estritamente vinculado»; ( [7] )
– «a previsão constante do dito art. 78.º n.º 4, como excepcional, é de entender como correspondendo a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos». ( [8] )
Por outro lado, como decorre do n.º 7 do artigo 78.º da LGT, esta revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pode ser efectuada a pedido do contribuinte e, neste caso, pode ser efectuada após o prazo de três anos, pois o pedido do contribuinte interrompe o prazo inicial, contando-se um novo prazo a partir da apresentação do pedido. ( [9] )
Nestas situações em que o erro está na fixação da matéria tributável e não propriamente nos subsequentes actos de liquidação, a revisão não depende da existência de erro imputável aos serviços ou de ilegalidade desses actos, mas apenas que se esteja perante «injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».
Por outro lado, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no citado acórdão de 17-02-2021, a previsão da autorização como excepcional, não afasta o «poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos».
3.4. Tempestividade do pedido de revisão oficiosa para efeitos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT
O prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do acto tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º.
Os «três anos posteriores ao do acto tributário» terminam no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o acto tributário.
As liquidações cuja revisão oficiosa foi pedida foram emitidas em 2018, pelo que os três anos posteriores terminariam, em princípio, em 31-12-2021.
No entanto, o referido prazo é de caducidade do direito de pedir a revisão oficiosa, pelo que há que ter em conta que, a partir de 09-03-2020, ficaram suspensos todos prazos de caducidade relativos a todos os tipos de processos, por força do preceituado no n.º 4 do artigo 7.º e no artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com a interpretação autêntica efectuada pelo artigo 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril.
A suspensão do prazo de caducidade manteve-se até à revogação do referido artigo 7.º operada pela Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que entrou em vigor no quinto dia seguinte, isto é, em 03-06-2020, e, nos termos do artigo 6.º desta Lei os prazos de "caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão".
Por isso, esteve suspenso o prazo para pedir a revisão oficiosa entre 09-03-2020 e 03-06-2020, isto é, durante 86 dias.
Para além disso, nos termos do artigo 6.º-C, n.ºs 1, alínea c) e 2, daquela Lei n.º 1-A/2020, aditado pela Lei n.º 4-B/2021, de e de Fevereiro, os prazos para a prática de actos por particulares em procedimentos tributários, inclusivamente os prazos de interposição de procedimento de impugnação de actos tributários entre os quais se inclui o pedido de revisão oficiosa (procedimento de «natureza idêntica» à reclamação graciosa) estiveram suspensos a partir de 22 de Janeiro de 2021, nos termos do artigo 4.º daquela Lei n.º 4-B/2021, até 6 de Abril de 2021 por força da revogação daquele artigo 6.º-C, pelo artigo 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05 de Abril, com entrada em vigor em 06-04-2021, e o prazo de caducidade foi alargado «pelo período correspondente à vigência da suspensão», nos termos do artigo 5.º desta mesma Lei.
Isto é, o prazo para pedir a revisão oficiosa esteve suspenso entre 22-01-2021 e 04-04-2021, durante 74 dias.
Por isso, no total o prazo de caducidade do direito de pedir a revisão oficiosa, que terminaria em 31-12-2021 se não existissem aquelas suspensões, passou a só terminar em 09-06-2022.
Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa em 04-04-2022, pelo que tem de se concluir que foi apresentado tempestivamente.
3.5. Exigência de que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte
A fixação da matéria tributável que consubstanciam as avaliações foi efectuada pela Administração, com base numa fórmula prevista na lei, sem que se tenha demonstrado que a Requerente tenha fornecido qualquer informação errada quanto à natureza dos prédios, pelo que o eventual erro na aplicação na fórmula de avaliação invocado pela Requerente não pode ser considerado imputável a um seu comportamento negligente.
3.6. O erro imputado pela Requerente à fixação de valores patrimoniais relativo à aplicação de coeficientes aplicáveis a prédios edificados
O erro que a Requerente imputa à fixação de valores patrimoniais é o de ter aplicado à avaliação de terrenos para construção, normas legais relativas às avaliações dos prédios edificados.
Os artigos 39.º, 41.º, 42.º e 45.º do CIMI, nas redacções da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro), estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 39.º
Valor base dos prédios edificados
1 - O valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor.
(...)
Artigo 41.º
Coeficiente de afectação
O coeficiente de afectação (Ca) depende do tipo de utilização dos prédios edificados, de acordo com o seguinte quadro:
(...)
Artigo 42.º
Coeficiente de localização
(...)
3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:
a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;
b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;
c) Serviços de transportes públicos;
d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.
4 - O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º
Artigo 45.º
Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção
1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º
4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º .
5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente. (aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30-12)
O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a decidir, uniformemente, na esteira Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17, que
I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).
II – O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
III – O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser susceptível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto
Na fundamentação deste acórdão refere-se o seguinte:
O terreno em causa nos autos integra uma das espécies de prédios urbanos na categoria de terreno para construção. E, tratando-se de uma das espécies de prédio urbano o valor patrimonial deverá ser determinado por avaliação directa (nº 2 do artigo 15 do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no nº 1 do artigo 38 do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços (assim se decidiu no ac. deste STA de 20/04/2016 tirado no recurso 0824/15 disponível no site da DGSI - Jurisprudência do STA) onde se expendeu:
(…)
Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.
Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45 já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42.
Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.
O coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.
Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.
A aplicação destes factores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38 do CIMI.
Mas porque a aplicação desses factores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no nº 4 do artigo 11 da LGT por se reflectir na norma de incidência na medida em que é susceptível de alterar o valor patrimonial tributário.
A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103 nº 2 da CRP.
A própria remissão para os artigos 42 e 40 do CIMI constante do artigo 45 e mesmo a redacção dada ao artigo 46 relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38 com as necessárias adaptações “é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não entram outros factores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.
É que mesmo a remissão feita para os artigos 42 e 40 do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos mas apenas acolhe, respectivamente as características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.
O que se compreende face à definição de terrenos para construção do nº 3 do artigo 6 do C.I.M.I.(…)
Concordando e não olvidando a doutrina expressa por José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012, 2ª edição pp104 de que “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio ou prédios com determinadas características e com determinado valor,” e que para a avaliação de terrenos para construção a lei manda separar duas partes do terreno (uma primeira parte a do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir) e uma segunda parte a restante constituída pelo terreno que fica livre no lote de terreno para construção expressando que para alcançar o valor da primeira parte é necessário proceder à avaliação do edifício a construir como se ele já estivesse construído.
Com o devido respeito, não se acolhe integralmente esta doutrina pelas dúvidas e imprecisões que pode acarretar e que em matéria fiscal devem ser evitadas. Desde logo a lei, no artº 6º nº 3 do CIMI classifica de terrenos para construção realidades que não têm aprovado qualquer projecto de construção pelo que a sua inexistência determina por si só a inviabilidade de efectuar o cálculo da chamada área de implantação do edifício porque inexistente mesmo em projecto e por outro lado, nos casos em que existe esse projecto (parece ser o caso dos autos uma vez que no processo administrativo apenso se faz referência a uma moradia unifamiliar (vide fls.48 a 56)) cumpre salientar que a qualidade e o conforto têm de ser efectivos o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais não podendo a expectativa ou potencial construção de um edifício com anunciados/programados índices de qualidade e conforto integrar um conceito que objectivamente, só é palpável e medível se efectivada a construção e se, realizada sem desvios ao constante da comummente conhecida “memória descritiva” que acompanha cada projecto de construção. Também é certo que a valorização imediata do prédio por efeito da atribuição do alvará de terreno para construção não deixará de ser levada em conta para efeitos de tributação, em caso de alienação, com a tributação noutra sede tributária.
Como se expressou no acórdão deste STA a que supra fizemos referência
(…) Efectivamente o coeficiente de afectação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto.
Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não factores ainda não materializados (…).
Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios a regra específica constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.
Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (artº 45º nº 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projecto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc, se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros.
Esta jurisprudência foi posteriormente reafirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se, entre vários outros, pelos acórdãos seguintes acórdãos:
– de 05-04-2017, processo n.º 01107/16 («Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»);
– de 28-06-2017, processo n.º 0897/16 («II – Os coeficientes de afectação e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto. III – Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»).
– de 16-05-2018, processo n.º 0986/16 («O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)»;
– de 14-11-2018, processo n.º 0133/18 («No cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»;
– 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17 («os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI).»
– de 13-01-2021, processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17 («Relativamente à avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art. 45.º do C.I.M.I., não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente previstos, entre os quais o coeficiente de qualidade e conforto».
Na linha desta jurisprudência, é de entender que a avaliação dos terrenos para construção devia ser efectuada sem aplicação dos coeficientes não especificamente previstos, entre os quais os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afectação.
No caso em apreço, há acordo das Partes quanto à fixação de valores patrimoniais que constam das cadernetas prediais juntas aos autos, em que foram aplicados os coeficientes de localização e afectação nas avaliações de terrenos para construção.
Assim, à face da jurisprudência referida, tem de se concluir que a fixação de valores patrimoniais dos prédios referidos enferma dos erros que a Requerente lhes imputa, que são exclusivamente imputáveis à Administração Tributária que praticou os actos de avaliação.
3.7. Injustiça grave ou notória
O último requisito da revisão oficiosa ao abrigo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT é o de o apuramento da matéria tributável consubstanciar «injustiça grave ou notória».
O n.º 5 do artigo 78.º esclarece o alcance destes conceitos, estabelecendo que «para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional».
Aquele requisito é exigido em alternativa, como se depreende do uso da conjunção «ou».
No caso em apreço, afigura-se ser manifesta a natureza «grave» da injustiça gerada com as erradas avaliações, pois, a tributação em IMI dos prédios referidos nos autos foi consideravelmente superior ao devido, como resulta da quantificação efectuada pela Requerente.
3.8. Conclusão
Verificam-se, assim, todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, pelo que em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter efectuado a revisão e anulado parcialmente a liquidação IMI impugnada, integrada pelas 3 prestações que constam das notas de cobrança.
Pelo exposto, justifica-se a anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão, quanto à matéria tributável, bem como a anulação parcial das consequentes liquidações de IMI, nas partes em que excederam o que seria devido se tivessem tido como pressupostos avaliações realizadas nos termos legais [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].
3.9. Pedido subsidiário
O pedido subsidiário visa a desaplicação, por inconstitucionalidade, do artigo 45.º do CIMI.
Como resulta do exposto, há consenso das Partes quanto à ilegalidade da fixação de valores patrimoniais à face do referido artigo 45.º, pelo que fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento da referida questão da inconstitucionalidade.
4. Reembolso de quantias pagas
A Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.
Como consequência da anulação parcial das liquidações há lugar a reembolso da quantia indevidamente paga, o que é consequência da anulação.
A Autoridade Tributária e Aduaneira diz que o Tribunal não possui todos os elementos necessários para fixar o valor a reembolsar, pelo que este deve ser fixado em execução do presente acórdão.
Afigura-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão, pois a determinação do valor exacto a reembolsar depende da determinação dos valores das avaliações de cada um dos prédios e do que, entretanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira pode ter já reembolsado, na sequência da anulação parcial e comunicou ter efectuado.
Por isso, o valor a reembolsar deverá ser fixado em execução do presente acórdão.
5. Juros indemnizatórios
O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito como quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.
O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido n processo n.º 402/06.
Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».
No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».
Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão foi apresentado em 04-04-2022, pelo que apenas a partir de 05-04-2023, respectivamente, haveria direito a direito a juros indemnizatórios.
Por isso, improcede o pedido de juros indemnizatórios.
6. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;
c) Anular parcialmente os actos tributários do Imposto Municipal sobre Imóveis ("IMI") subjacentes às lotas de cobrança com n.ºs 2017 ..., 2017 ... e 2017 ..., referentes ao ano de 2017;
d) Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária Aduaneira a pagar à Requerente a quantia que for determinada em execução do presente acórdão;
e) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 66.386,03, atribuído pela Requerente, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 09-01-2023
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Vasco Valdez)
(Marta Vicente)
[1] Sobre os diferentes efeitos da impugnação judicial ou reclamação graciosa apresentados nos prazos respectivos e os efeitos da revisão oficiosa pedido para além desses prazos, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-07-2006, processo n.º 0402/06.
[2] Artigos 10.º, n.º 6, alínea d), 31.º, n.º 13, alínea d), 41.º, n.º 4, 43.º, n.º2, alínea b), 45.º, n.º 3, 46.º, n.º 3, e 51.º, n.º 2, do CIRS.
[3] Artigos 56.º, n.º 2, 64.º, n.ºs 2, 3, alíneas a) e b), 4 e 5, 139.º, n.º 1, 2, e 3 do CIRC.
[4] Artigos 13.º, n.ºs 1, 6 e 7, 31º, n.º 2, , 32.º do Código do Imposto do Selo ,
[5] Publicado em https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/3997226/details/normal?q=23160.
[6] Refere-se neste aresto:
Na verdade, em sede de IMI, a lei prevê um procedimento de determinação da matéria tributável – a avaliação do prédio (art. 14.º do CIMI) – que termina com o acto de fixação do VPT que serve de base à liquidação do imposto. Este acto, como é sabido, é um acto destacável para efeitos de impugnação contenciosa, pelo que é autonomamente impugnável, numa excepção ao princípio da impugnação unitária que, em regra, vigora no processo tributário (cfr. art. 134.º do CPPT) e que se encontra «em sintonia com o preceituado no art. 86.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que os actos da avaliação directa são directamente impugnáveis»
(...)
[t]ratando-se de actos destacáveis e inexistindo qualquer restrição relativa às ilegalidades que podem ser objecto de impugnação contenciosa, os vícios de que enferme o referido acto de avaliação apenas poderão ser arguidos em impugnação do acto de avaliação e não do acto de liquidação que seja praticado com base naquele, já que a atribuição da natureza de acto destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vício deste acto para efeitos de impugnação contenciosa»
[7] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-10-2009, processo n.º 0476/09.
No mesmo sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 02-11-2011, processo n.º 329/11 e de 14-12-2011, processo n.º 366/11.
[8] Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-02-2021, processo n.º 39/14.9BEPDL 0578/18.
[9] Como está ínsito no conceito de «interrupção», explicitado no artigo 326.º do Código Civil.