Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 350/2022-T
Data da decisão: 2023-01-31  ISV  
Valor do pedido: € 1.744,51
Tema: ISV – Art. 8º do CISV - Introdução no consumo de veículo híbrido plug-in usado proveniente de outro Estado-Membro da EU - Taxas intermédias -Competência do tribunal arbitral.
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SUMÁRIO:

I – Para efeitos do art. 5º do CIVS, o facto gerador do imposto é, em resultado dos seus termos, a introdução no consumo de um veículo em qualquer Estado-Membro da União Europeia.

II – Este conceito de facto gerador do imposto estabelecido no art. 5º do CISV tem necessariamente de ser conjugado com o princípio da não discriminação imposto no art. 110º do TFUE.

III – Assim sendo, o facto gerador não discriminatório decorrente do Direito Europeu determina que se aplique no tempo a taxa intermédia prevista na alínea d), do nº 1 do art. 8º do CISV, vigente à data em que o mesmo foi gerado, isto é, em que o veículo foi introduzido no consumo em qualquer Estado-Membro da União Europeia. 

 

                                               DECISÃO ARBITRAL

 

I - RELATÓRIO 

 A.  AS PARTES. CONSTITUIÇÂO DO TRIBUNAL. TRAMITAÇÃO DO PROCESSO.

 No dia 01 de Junho de 2022, A..., contribuinte fiscal nº..., residente na Rua..., ..., ...-... Mindelo (doravante, abreviadamente, designada por Requerente), apresentou  pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente, designado RJAT), visando o pedido de declaração de ilegalidade parcial da liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV), nº 2021/..., concretizada na Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) nº 2021/... de 05/02/2021 e a consequente devolução ao Requerente  do valor de ISV em excesso, no montante de 1.744,51 euros, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados da data do seu pagamento até integral reembolso, efectuada pela Autoridade Tributária (doravante, designada, abreviadamente, por Requerida). 

1.     No dia 02/06/2022, o pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 01/02/2022, foi aceite e automaticamente comunicado à AT.

 

3.     Em 02/06/2022, o Requerente apresentou a petição inicial assinada e com a indicação do valor da utilidade económica. 

 

4.     Em 21/06/2022, a Requerida comunicou a designação de juristas para a representar.

 

  5.  A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do   disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea a) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, em 25/07/2022, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  6. Em 25/07/2022, as Partes foram notificadas dessa designação não tendo manifestado vontade de recusar.

 

  7. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 12/08/2022.

 

   8. No dia 21/09/2022, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção: incompetência do tribunal arbitral e por impugnação, tendo, ainda, procedido à junção do processo administrativo (PA).

 

    9. Em 26/09/2022, em cumprimento de despacho arbitral de 23/09/2220, a Requerente foi notificada para responder à excepção deduzida pela Requerida AT.

 

    10. Em 07/10/2022ª Requerente juntou a resposta à excepção deduzida pela Requerida. 

 

     11. No dia 21/10/2022, foi proferido despacho arbitral dispensando a reunião a que alude o art. 18º do RJAT, concedendo um prazo de quinze dias para a apresentação de alegações escritas, sucessivas e facultativas, e indicando que a decisão arbitral seria proferida e notificada até ao termo do prazo previsto no art. 21º, nº 1 do RJAT.

       12. No dia 21/11/2022 foram apresentadas alegações escritas pela Requerida, reiterando e desenvolvendo a sua posição jurídica. 

 

         13 - Em 31/01/2023 foi proferida a decisão arbitral.

 

    B. PRETENSÃO DA REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS

                                               

Para fundamentar a sua pretensão, alega o Requerente, em síntese, o seguinte: 

                                                                       

            - O Requerente, importou um veículo ligeiro de passageiros, da Alemanha, de marca ..., com a designação comercial, ..., com o código de homologação 2010... e que teve a primeira matricula no país de origem, em 29/12/2016;

                                                                       

            - O referido veículo, tem um motor com cilindrada de 1998cc, e é movido a combustível Eléctrico/Gasolina “Plug in” tendo uma emissão de gases de CO2 de 45g/km, com autonomia no modo elétrico, de acordo com o certificado de conformidade da marca, inferior a 50 Km, ou seja, mais concretamente de 39 Km;                  

            - Em 05-02-2021, foi-lhe atribuída pelo IMT, Direcção Regional Mobilidade Transportes do Norte, a matrícula nacional: ...;

 

             - A Requerida procedeu ao cálculo do Imposto Sobre Veículos, tendo liquidado a quantia de € 2.385,22; 

 

             - Em 04-02-2022, o Requerente requereu junto da Requerida, Alfandega de Leixões, que fosse revista oficiosamente a liquidação efectuada e que fosse anulado parcialmente o ato de liquidação de ISV referente à DAV n.º 2021/... de 05-02-2021;

                                                                       

            - E que, em consequência, fosse devolvido ao Requerente o valor liquidado de ISV em excesso  no montante de € 1.744,51, tendo em conta que o facto gerador do imposto data de 29-12-2016, devendo ser aplicada a taxa intermédia constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, dada pela redacção da Lei n.º 82-D/2014, de 31/12;

 

            - No seu entendimento, resulta, da conjugação do disposto no artigo 5º do Código do Imposto sobre Veículos, em articulação com o direito da União, mais concretamente os artigos 26.º e 28.º a 37.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que consagram o direito à livre circulação de mercadorias;

 

             -  Que, o facto gerador do imposto para efeitos do artigo 5º do CISV deve ser entendido como, a introdução no consumo do veículo na Alemanha, ou seja na data de atribuição da sua primeira matricula, 29/12/2016, sob pena de, qualquer interpretação contrária colidir com o princípio da não discriminação constante do artigo 110.º do TFUE e que prevê, que nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares, ou mesmo pelo principio da liberdade de circulação de mercadorias, que encerra igualmente uma dupla proibição, consagrados nos artigos 28º nº 1, 30º e 34º , 35º do Tribunal de Justiça da União Europeia);                                                                  

            - Assim, tendo por base o conceito de facto gerador não discriminatório, decorrente do Direito da União Europeia, que deve ser aplicado no tempo, (data da sua primeira matrícula no país de origem de 29-12-2016);

                                               

            - Deve por conseguinte, ser aplicada a taxa intermédia constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, pela redacção da Lei n.º 82-D/2014, de 31/12, sendo tal percentagem de acordo com a alínea d) de 25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros;

                                                                       

            - Assim sendo, ao veículo em causa um automóvel ligeiro portador de um motor híbrido plug-in, com uma bateria carregada através de ligação à rede elétrica, com uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 39 quilómetros, deverá ser aplicada uma taxa intermédia, correspondente de 25%, e, em consequência, ser devolvido ao Requerente o valor liquidado em excesso de € 1.744,51, resultante da liquidação de € 2.385,22 e o que deveria ter sido liquidado no valor de € 640,71, citando para o efeito jurisprudência do CAAD;

                                                                       

            - A Requerida indeferiu a revisão oficiosa, por despacho do seu Director de 08-03-2022, comunicado através do ofício n.º 2022..., recebido em 14-03-2022, remetendo os seus fundamentos para o oficio n.º 2022..., do qual respiga o seguinte:

 “…Considerando o teor da revisão ... entende-se que a mesma não merece provimento, atentos os seguintes fundamentos:                                                   

Nos termos do disposto na alinea d) do n.º 1 do art. 8º do CISV, em vigor à data da apresentação da DAV n.º 2021/..., é aplicável uma taxa intermédia, correspondente a 25% do imposto resultante da aplicação da tabela A, constante do n.º 1 do art. 7º do CISV, aos automóveis ligeiros equipados com motores hibridos plug in, cuja bateria possa ser carregada através da ligação à rede electrica e que tenham uma autonomia minima, no modo eléctrico, de 50 Km e emissões oficiais de ( Co2) inferiores a 50g/Km;                                                             

Conforme o requerente admite, o veiculo possui uma autonomia em modo eléctrico de 39 Km, pelo que o mesmo não é enquadrável na taxa intermédia prevista na al. d) do n.º 1 do art. 8º do CISV, sendo tributado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 7º do CISV ( 100% da Tabela A);

Nos termos do n.º 1 do art. 5 do CISV, constitui facto gerador de imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional que estejam obrigados à matrícula em Portugal;                                                                    

Tratando-se de um sujeito passivo sem qualquer estatuto em sede de ISV, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 6 do CISV, o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, ou seja no caso de operadores sem estatuto (particulares), no momento da apresentação da declaração aduaneira do veiculo ( DAV);    

A taxa de imposto a aplicar, nos termos do n.º 3 do art. 6º do CISV, é a taxa que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível, ou seja, a taxa em vigor na data da apresentação da DAV n.º 2021/..., a qual foi apresentada em 01.02.2021;

Uma vez que o veículo possui uma autonomia em modo eléctrico de 39 Km o mesmo não é enquadrável na taxa intermédia prevista na alínea d) do n.º 1 do art.8º do CISV, sendo por isso tributado nos termos da alínea) do n.º 1 do art. 7º do CISV. “….”;

 

            Face ao decidido pela Requerida, não pode a Requerente concordar, razão pela qual requer o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, para que seja dirimida a questão em litígio,

 

            - A decisão da Requerida supra referida, parte de um pressuposto errado, ao concluir que nos termos do n.º 1 do art. 5 do CISV, constitui facto gerador de imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional que estejam obrigados à matricula em Portugal, e que,

 

            - Tratando-se de um sujeito passivo sem qualquer estatuto em sede de ISV, nos termos da alinea b) do n.º 1 do art. 6 do CISV, o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, ou seja no caso de operadores sem estatuto (particulares), no momento da apresentação da declaração aduaneira do veiculo (DAV);

                                                                       

            - Concluindo que, na sua opinião, erradamente, a taxa de imposto a aplicar, nos termos do n.º 3 do art. 6º do CISV, é a taxa que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível, ou seja, a taxa em vigor na data da apresentação da DAV n.º 2021..., a qual foi apresentada em 01.02.2021;

                                                                       

            - O Requerente entende, contrariamente, que, da conjugação do disposto no artigo 5º do Código do Imposto sobre Veículos em articulação com o direito da União, mais concretamente os artigos 26.º e 28.º a 37.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que consagram o direito à livre circulação de mercadorias, resulta,

 

          - Que, o facto gerador do imposto para efeitos do artigo 5º do CISV deve ser entendido como, a introdução ao consumo do veículo é na Alemanha, ou seja, 29/12/2016, que é a data de atribuição da sua primeira matrícula;

                                               

            - Tal entendimento, sob pena de qualquer interpretação contrária colidir com o princípio da não discriminação constante do artigo 110.º do TFUE e que prevê, que nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares, ou mesmo pelo principio da liberdade de circulação de mercadorias, que encerra igualmente uma dupla proibição, consagrados nos artigos 28º nº 1, 30º e 34º , 35º do Tribunal de Justiça da União Europeia;

 

            - O conceito de facto gerador não discriminatório, decorrente do Direito da União Europeia, deve ser aplicado no tempo, ou seja da data da sua primeira matricula no país de origem que é de 29-12-2016 e em consequência deve ser aplicada a taxa em vigor nessa data;

                                                                       

            - Assim partindo deste pressuposto, facilmente se conclui que a taxa a aplicar no caso concreto é a taxa intermédia constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, pela redacção da Lei n.º 82-D/2014, de 31/12, sendo tal percentagem de acordo com a alínea d) de 25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros, o que é, o caso concreto, pois o veiculo em causa, no modo eléctrico, tem uma autonomia de 39 quilómetros;

                                                           

            - Pelo que, deverá ser aplicada uma taxa intermédia, correspondente de 25%, e em consequência ser devolvido ao contribuinte o valor liquidado em excesso de € 1.744,51;

 

          - Conclui formulando o pedido que seja:

            a)  Julgado procedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial da liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) n.º 2021/... concretizada na Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2021/... de 05-02-2021, e, em consequência 

            b) Ordenado que seja devolvido ao requerente o valor liquidado de ISV em excesso, no montante de € 1.744,51, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados da data do seu pagamento até integral reembolso.

 

A Requerente juntou quatro documentos e procuração

 

 

     C. RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS

 

Notificada para responder, a Requerida veio defender-se por excepção e por impugnação, requerendo a manutenção do acto de liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

Para o efeito, alega a Requerida, o seguinte:

 

- O presente pedido de constituição de tribunal arbitral vem interposto para declaração de anulação parcial do ato de liquidação de Imposto Sobre Veículos resultante da introdução no consumo de um veículo ligeiro de passageiros equipado com motor híbrido plug-in, através da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2021/..., de 01.02.2021 (data de aceitação), da Alfândega de Leixões, na sequência do despacho de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa proferido pelo Diretor da mesma Alfândega.

              

- O Requerente impugna a liquidação do imposto por entender que a nova redação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do Imposto sobre Veículos, que lhe foi dada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, não se aplica a um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado-Membro antes da data de entrada em vigor daquela norma, existindo uma violação do direito europeu, em concreto dos artigos 26.º, e 28.º a 37.º e 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia.

 

- E defendendo que a liquidação do Imposto sobre Veículos deveria ter beneficiado da redação anterior do n.º 1 do artigo 8.º, com aplicação da taxa intermédia prevista na alínea d), vem, a final, peticionar a declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação de ISV, a devolução do montante de 1.744,51 €, e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

 

POR EXCEÇÃO

 

Da Incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria

 

- Nos termos do artigo 10.º, n.º 2, alíneas b) e c) do RJAT, o pedido de constituição do tribunal arbitral deve identificar o acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral, e o pedido de pronúncia arbitral, constituindo fundamentos deste pedido os previstos no artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, bem assim, a exposição das questões de facto e de direito objecto do referido pedido de pronúncia arbitral. 

 

- Decorre do Pedido de pronúncia arbitral (PPA) designadamente dos artigos 6º, 10º e 34º do Pedido que o Requerente requer a constituição do Tribunal Arbitral com vista à aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código de Imposto sobre Veículos na redação que vigorava antes da versão atual, introduzida pela Lei do Orçamento de Estado para 2021 – Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro;

- Sendo expressamente referido que o Requerente pretende a restituição de quantia a que alegadamente teria direito por beneficiar da taxa prevista na redação anterior da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código de Imposto sobre Veículos (CISV); 

 

- Sucedendo que o artigo 8.º do CISV, incluindo a alínea d) do n.º 1, se refere a um benefício fiscal, consagrando as designadas “Taxas intermédias”, conforme epígrafe do artigo, isenções parciais ou “reduções de taxas” nos termos do Estatuto dos Benefícios Fiscais;

 

- Pelo que, resulta clara a pretensão do Requerente, conforme formulado no PPA, já que visa unicamente o reconhecimento do direito à aplicação de taxa reduzida, ao invés da liquidação efetuada nos termos gerais, não sendo o ato decorrente da aplicação das taxas normais, que a Requerente quer, efetivamente, impugnar, antes pretendendo usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 8.º do CISV, com o objetivo de afastar a tributação regra; 

 

- Ora, tal pedido não pode, face à lei, ser submetido à presente instância arbitral pois o processo arbitral apenas abrange os atos suscetíveis de impugnação judicial, isto é, os abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT;

 

- De facto, no âmbito da competência dos tribunais arbitrais, constituídos ao abrigo do RJAT, não se inclui a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária ou de outros atos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação;  

 

- Não resultando do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que define os tipos de pretensões que podem ser apreciados pelo tribunal arbitral em matéria tributária, a competência para sindicar o ato que ora foi submetido a este tribunal.

 

- Pois, de acordo com a vontade expressa do legislador, no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT «fixam-se, com rigor quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral.»;

 

- E o rigor dessa fixação exprime-se através da enunciação taxativa da competência desta jurisdição, a saber:

    -  Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamentos por conta, e

    -  Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;

 

- Por outro lado, atento o consagrado na Lei de Autorização Legislativa (n.º 2 e alínea b) do n.º 4, do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), ao abrigo da qual foi instituída a arbitragem em matéria tributária, que refere que «O processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2) conclui-se, em face do que veio a ser estabelecido no RJAT, que, efetivamente, o legislador optou por não contemplar neste a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária;

 

- Não se suscitam, assim, quaisquer dúvidas, também face ao previsto nas alíneas d) e p) do n.º 1, do artigo 97.º, e n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que estabelece uma regra geral quanto à impugnação de actos administrativos em matéria tributária no processo judicial tributário, mediante impugnação judicial ou acção administrativa, consoante tais actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação, que o tribunal arbitral é incompetente para apreciar as pretensões que ora lhe foram submetidas, citando para o efeito doutrina e jurisprudência;

 

- Logo, o peticionado nos presentes autos não pode ter como causa de pedir e objeto a apreciação do não reconhecimento da aplicação de uma taxa reduzida ao ato de liquidação resultante da aplicação das taxas normais (tributação regra), sob pena de ocorrer a exceção (dilatória) de incompetência material do Tribunal Arbitral.

 

- Decorrendo, assim, do supra exposto a incompetência do tribunal arbitral para apreciar o mérito do pedido do Requerente.

 

- Deste modo, perante as normas supra invocadas, relativas à competência do tribunal arbitral, verifica-se a existência de exceção (dilatória) consubstanciada na incompetência material deste tribunal, que obsta ao conhecimento do pedido e determina a absolvição da Entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT; 

 

- Caso não se entenda que o Tribunal arbitral é incompetente em razão da matéria nos termos supra invocados, sempre teria que ser considerada a incompetência material absoluta da instância arbitral por outra via;

 

- Efetivamente, conforme resulta do pedido formulado, pretende o Requerente que a liquidação efetuada nos termos do artigo 7.º e do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, seja parcialmente anulada sem, contudo, invocar qualquer ilegalidade que resulte da não aplicação da lei em vigor, visando, outrossim, uma nova liquidação que aplique um benefício (redução de taxa/taxa intermédia) que nem sequer está consagrado no CISV para o veículo do Requerente, visto não preencher os requisitos previstos para o efeito. 

 

- Tal pedido, independentemente, de tal benefício, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, não abranger o veículo em questão, consubstancia por parte do Requerente uma exigência para que a administração tributária adote uma nova atuação em sede de liquidação do imposto, procedendo à realização de uma nova liquidação, que não a resultante da tributação regra. 

 

- Sendo que a tributação regra, aplicável ao facto gerador em presença, consistente na admissão de veículo usado, de outro Estado-membro, é efetuada nos termos dos artigos 7.º e 11.º do CISV, cuja ilegalidade não vem impugnada, não obstante o Requerente pretenda a correção da liquidação, o que resulta numa contradição, pois não pode impugnar uma liquidação que pretende ver substituída.

 

- De facto, a liquidação é sempre efetuada de acordo como o preceituado naqueles dispositivos legais, sendo que uma liquidação em que há lugar à aplicação de taxas intermédias, taxas reduzidas ou isenções totais, implica uma nova liquidação com o processamento de outra Declaração Aduaneira de Veículos, em sua substituição, revestindo esta a natureza de uma liquidação substitutiva.

 

- Nesta medida, pugnando o Requerente pela realização de uma segunda liquidação, que viria substituir a anterior, a qual sendo válida, não lhe pode ser assacado qualquer vício, visa, concomitantemente, que a Requerida adote um comportamento consistente na realização de um novo ato de liquidação; 

 

- Resultando, deste modo, evidente que o que está em causa não é a correção da liquidação impugnada, mas sim a pretensão do Requerente de que seja emitida outra liquidação, em substituição da ora impugnada;

.

- E, nesta medida, o meio processual próprio face à omissão do dever de proceder à liquidação substitutiva, seria o “Reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”, em conformidade com o previsto no artigo 145.º do CPPT, uma vez que não está em causa a “intimação para um comportamento do seu direito”, a qual não resulta diretamente da lei.

 

- Ora, tal atribuição não cabe no elenco das competências do tribunal arbitral, descrito no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, o qual se restringe, como se referiu, à declaração de ilegalidade de atos de liquidação previstos nas alíneas a) e b), isto é, à mera apreciação de legalidade.

.

- Efetivamente, a competência arbitral, enquanto meio alternativo para a resolução de conflitos, neste caso em matéria tributária, restringe-se aos atos e matérias ínsitas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, não podendo extravasar a sua competência nem avocar competências que, desde logo, não lhe estão cometidas no âmbito da apreciação da legalidade de liquidações de tributos.

 

- Termos em que se conclui que, face à incompetência material absoluta do tribunal arbitral, deve a Requerida ser absolvida da instância, nos termos dos artigos 16.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT, 99.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º alínea a), do CPC.

 

POR IMPUGNAÇÃO

 

Após corroborar a matéria de facto apresentada pelo Requerente, a Requerida alegou o seguinte, no que ao direito diz respeito:

 

- O regime do imposto sobre veículos encontra-se previsto no Código do Imposto sobre Veículos, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 27 de Junho, aplicável à data dos factos em litígio, com as últimas alterações introduzidas pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro;

 

- Realçando-se do CISV o Capítulo I (artigos 1.º a 11.º), relativo aos Princípios e regras gerais atinentes a este tributo, os Capítulos II, III e IV atinentes ao Estatuto dos sujeitos passivos, à Introdução no consumo e Liquidação, pagamento e reembolso, respetivamente (artigos 12.º a 29.º) e o Capítulo V (Secção I) referente aos Regimes suspensivos da admissão e Importação temporária de veículos no território nacional (artigos 30.º a 33.º);.

 

- Para o enquadramento legal da questão ora submetida à sindicância do tribunal, releva, particularmente, o artigo 2.º do CISV, relativo à Incidência objectiva do imposto, que dispõe o seguinte:  

1 - Estão sujeitos ao imposto os seguintes veículos:

 a) Automóveis ligeiros de passageiros, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto até 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor, que se destinem ao transporte de pessoas; 

(…)

2 - Estão excluídos da incidência do imposto os seguintes veículos:

a)         Veículos não motorizados, bem como os veículos exclusivamente eléctricos ou movidos a energias renováveis não combustíveis;

(…)

 

- Estabelecendo o artigo 3.º do CISV, no que concerne à Incidência subjectiva, que:

“(…)

«1 - São sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares, tal como definidos pelo presente código, que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos. 

2 - São ainda sujeitos passivos do imposto as pessoas que, de modo irregular, introduzam no consumo os veículos tributáveis.» (Sublinhado nosso).

 

- Quanto ao facto gerador de imposto sobre veículos regula o 5.º do CISV de acordo com o qual:

«1 - Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal.

2 - Constitui ainda facto gerador do imposto:

a) A atribuição de matrícula definitiva após o cancelamento voluntário da matrícula nacional feito com reembolso de imposto ou qualquer outra vantagem fiscal;

b) A transformação de veículo que implique a sua reclassificação fiscal numa categoria a que corresponda uma taxa de imposto mais elevada ou a sua inclusão na incidência do imposto, a mudança de chassis ou a alteração do motor de que resulte um aumento de cilindrada ou das emissões de dióxido de carbono ou partículas;

c) A cessação ou violação dos pressupostos da isenção de imposto ou o incumprimento dos condicionalismos que lhe estejam associados;

d) A permanência do veículo no território nacional em violação das obrigações previstas no presente código.

3 - Para efeitos do presente código entende-se por:

a) «Admissão», a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-membro da União Europeia em território nacional;

b) «Importação», a entrada de um veículo originário de país terceiro em território nacional.

4 - Sem prejuízo das obrigações declarativas previstas nos artigos 18.º e 19.º, quando, à entrada em território nacional, os veículos tributáveis forem colocados em regime de suspensão de imposto, considera-se gerado o imposto no momento em que se produza a sua saída desse regime.» (Sublinhado nosso).

 

- Sendo que, quanto à exigibilidade, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 6.º, com referência ao n.º 1 do artigo 5.º, o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada:

«a) No momento da apresentação do pedido de introdução no consumo pelos operadores registados e reconhecidos;

b) No momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares.

2 - Nos casos mencionados no n.º 2 do artigo anterior considera-se verificada a introdução no consumo no momento da ocorrência do facto gerador do imposto ou, sendo este indeterminável, no momento da respetiva constatação.

3 - A taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível.»; 

 

- No que concerne às formalidades relativas à Introdução no consumo é de realçar o n.º 1 do artigo 17.º, nos termos do qual, a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV);

 

- Sendo que, nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º do CISV, os particulares, estão obrigados à apresentação da DAV no prazo máximo de 20 dias úteis, após a entrada do veículo tributável em território nacional ou após a ocorrência dos factos geradores previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º;

 

- Acrescendo que, nos termos do n.º 3 do artigo 27.º do CISV, os veículos não podem ser matriculados sem que a AT tenha comunicado ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I. P. ou às direções regionais de transportes terrestres das regiões autónomas, informação comprovativa de que o imposto sobre veículos e, se for o caso, os direitos aduaneiros e o imposto sobre o valor acrescentado, se encontram pagos ou garantidos, ou de que foi reconhecida a sua isenção ou a não sujeição ao imposto sobre veículos;

 

- Quanto às taxas do imposto, releva o artigo 7.º (Taxas normais – automóveis) do CISV, que, nas alíneas a) e b) do n.º 1, consagra a aplicação das taxas previstas na Tabela A, tendo em conta as componentes cilindrada e ambiental, aos veículos automóveis de passageiros, e aos automóveis ligeiros de utilização mista e aos automóveis ligeiros de mercadorias, que não sejam tributados pelas taxas reduzidas nem pela taxa intermédia;

 

- Além do artigo 7.º, o artigo 11.º do CISV (Taxas - veículos usados) estabelece as taxas aplicáveis aos veículos usados, que, na redação introduzida pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, (Lei do Orçamento para 2021), dispõe, para o que ora releva, o seguinte:

1-O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo -se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente:

 

TABELA D 

Componente cilindrada

Tempo de uso Percentagem de redução

Até 1 ano..............................  10

Mais de 1 a 2 anos ............. . 20

Mais de 2 a 3 anos ............... 28

Mais de 3 a 4 anos ............... 35

Mais de 4 a 5 anos ............... 43

Mais de 5 a 6 anos ............... 52

Mais de 6 a 7 anos ............... 60

Mais de 7 a 8 anos ............... 65

Mais de 8 a 9 anos ............... 70

Mais de 9 a 10 anos.............. 75

Mais de 10 anos ................... 80

 

Componente ambiental

 

Tempo de uso Percentagem de redução

Até 2 anos............................. 10

Mais de 2 a 4 anos ............... .           20

Mais de 4 a 6 anos ............... 28

Mais de 6 a 7 anos ............... 35

Mais de 7 a 9 anos ............... 43

Mais de 9 a 10 anos ............. 52

Mais de 10 a 12 anos ........... 60

Mais de 12 a 13 anos ........... 65

Mais de 13 a 14 anos............ 70

Mais de 14 a 15 anos ........... 75

Mais de 15 anos…………………… 80

(…)

 

- A par das isenções totais estabelecidas no CISV, estão ainda previstas, nos artigos 8.º e 9.º, isenções parciais (reduções de taxas), criadas em função da prossecução de interesses públicos extrafiscais relevantes, nestes casos de natureza ambiental e económica;

 

- Consagrando o artigo 8.º, com a epígrafe “Taxas intermédias – automóveis”, a aplicação de taxas intermédias nos seguintes termos:

1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:

a) 60%, aos automóveis ligeiros de passageiros que se apresentem equipados com motores híbridos, preparados para o consumo, no seu sistema de propulsão, quer de energia elétrica ou solar quer de gasolina ou de gasóleo, desde que apresentem uma autonomia em modo elétrico superior a 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO2/km. 

b) 40%, aos automóveis ligeiros de utilização mista, com peso bruto superior a 2500 kg, lotação mínima de sete lugares, incluindo o do condutor, e que não apresentem tração às quatro rodas, permanente ou adaptável; 

c) 40%, aos automóveis ligeiros de passageiros que utilizem exclusivamente como combustível gás natural; 

d) 25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO2/km. (Redação dada pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro)

(…)

 

- Relativamente à constituição do direito aos benefícios fiscais, nos quais se incluem as “reduções de taxas” previstas no artigo 8.º do CISV, dispõe o artigo 12.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo;

 

- Quanto ao Sistema fiscal, o artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece que:

“1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.

2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei;

 

- Defende o Requerente que, tratando-se de veículo matriculado pela primeira vez, ainda que noutro Estado-membro, na vigência da redação anterior da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, que previa a aplicação de uma taxa de 25% para os automóveis com motores híbridos plug in, com bateria carregada através de ligação à rede elétrica, com uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros, deveria beneficiar da redução então prevista na referida norma;

.

- Importando, assim, desde já, referir que o ISV, cujo regime se encontra previsto no CISV, é um imposto sobre o consumo, interno, de natureza específica, incidente sobre veículos, sendo exigível no momento da introdução no consumo de veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal.

 

- O ISV não é um imposto harmonizado na União Europeia (UE), não se encontrando, assim, o seu regime, regulamentado ao nível europeu, como ocorre relativamente aos impostos especiais de consumo incidentes sobre outros produtos (álcool e bebidas alcoólicas, tabacos e produtos petrolíferos e energéticos), nem existindo, de qualquer modo, como, aliás, até sucede no caso dos impostos incidentes sobre o consumo harmonizados, harmonização das taxas em sede de ISV, não estando sujeitas ao princípio do primado do Direito da EU;

 

- Ademais, reitera-se, o ISV regulamentado pelo CISV tem a natureza de um imposto interno, não harmonizado no seio da UE e, nesse sentido, não sujeito às taxas, regras e procedimentos, que são aplicáveis, por exemplo, aos impostos especiais de consumo sobre os tabacos, bebidas e petróleos, não se encontrando, consequentemente, o conceito de facto gerador harmonizado ao nível da EU;

 

- Com efeito, a fiscalidade automóvel não está harmonizada na UE (divergindo consideravelmente de um Estado-Membro para outro) incumbindo aos Estados-Membros gerirem da melhor forma a tributação incidente sobre os veículos novos sem matrícula e/ou portadores de matrículas estrangeiras (usados), pautando-se por critérios e opções de vária ordem, tendentes a satisfazer resultados e necessidades, designadamente, quer ao nível do ambiente, da receita fiscal e da segurança rodoviária; 

 

- Os Estados-Membros são, assim, livres de exercer a sua competência fiscal e é neste pressuposto que, como na situação em apreço, a admissão dos veículos em Portugal está sujeita ao pagamento do imposto e à atribuição de matrícula nacional, sendo que esta última constitui requisito essencial para a circulação do veículo no Estado-Membro onde irá ser realmente utilizado, no caso em Portugal; 

 

- Sendo que, de acordo com o n.º 1, do artigo 5.º do CISV, supracitado, constitui facto gerador do imposto a admissão de veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal; 

 

- Resultando do exposto que, em consonância com o procedimento que está subjacente à liquidação do ISV, o facto tributário em análise teve por base o facto gerador de imposto (admissão de veículo em território nacional destinado a matrícula em Portugal) e a apresentação da DAV n.º 2021/..., de 05.02.2021, com data de aceitação de 01.02.2021; 

 

- Estatuindo o artigo 36.º da Lei Geral Tributária que a relação jurídica tributária se constitui com o facto tributário e que os elementos essenciais dessa relação não podem ser alterados por vontade das partes (cf. n.ºs 1 e 2);

 

- Por outro lado, quanto à exigibilidade do imposto, conforme se encontra estabelecido na alínea b), do n.º 1, do artigo 6.º do CISV, o ISV torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada com a apresentação da DAV, determinando o n.º 3, da mesma disposição legal, que o imposto a aplicar é aquele que estiver em vigor no momento em que se torna exigível; 

 

- Assim, por força do estabelecido na alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º do CISV, para os particulares, e no n.º 1 do artigo 18.º para os operadores registados, a apresentação da DAV assume-se como a obrigação declarativa decorrente da verificação do facto gerador do imposto (admissão do veículo no território nacional), tornando o imposto exigível na introdução no consumo do veículo;

 

- Logo, a introdução no consumo de um veículo efetuada num outro Estado-Membro, que se quer regularizar agora em território nacional, não pode relevar ou ser considerada, como é pretendido pelo Requerente, para efeitos de constituição de facto gerador de imposto, na aceção do n.º 1 do artigo 5.º do CISV;

 

- Com efeito, a submissão da DAV tem subjacente uma situação de facto concreta, que se encontra claramente tipificada de entre as várias situações geradoras de imposto subsumíveis e enquadráveis no já citado n.º 1 do artigo 5.º, ou seja, no fabrico, montagem, admissão ou importação de veículos tributáveis em território nacional que estejam obrigados à matrícula em Portugal e não qualquer outro facto;

.

- Concluindo-se que, in casu, somente a entrada do veículo no território nacional/admissão pode configurar facto gerador de imposto, o qual, mediante a obrigação declarativa de apresentação da DAV, determina a taxa de imposto a pagar, nos termos, conjugados, do n.º 1 do artigo 5.º, alínea b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 6.º do CISV;

 

- De facto, em sede de ISV, a ocorrência do facto gerador faz nascer a obrigação declarativa e a obrigação tributária do imposto, sendo que a DAV de introdução no consumo constitui condição sine qua non da fixação da matéria tributável e da liquidação efetuada, aplicando-se a taxa em vigor no momento da exigibilidade do imposto; 

 

- Sendo que a data da exigibilidade do imposto, isto é, a data da entrada do veículo no território nacional, constitui igualmente o momento da verificação de todos os pressupostos legalmente previstos para efeitos de aplicação de um benefício fiscal; 

 

- Ora, preconizando o Requerente a aplicação da uma taxa reduzida/isenção parcial, sempre se dirá que, de acordo com o artigo 2.º do EBF: “consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”, sendo consideradas como benefícios fiscais, nomeadamente, “(…) as reduções de taxas (…)”; 

 

- Assim, no que concerne ao regime dos benefícios fiscais propriamente dito, há, desde logo, que ter em consideração a definição de benefício fiscal (o qual se traduz num incentivo de natureza económica, social ou cultural), representando vantagens/benefícios atribuídos aos sujeitos passivos, tendo em vista a realização de um determinado comportamento; 

.

- Na verdade, a concessão de um benefício fiscal opõe-se à aplicação do sistema normativo de tributação regra, traduzindo-se num facto impeditivo do nascimento da obrigação tributária, pelo que, as normas que presidem à sua criação, e que legitimam a sua concessão, são: 

a)         Juridicamente especiais e; 

b)        Factualmente excecionais, porquanto encontram-se fundamentadas em interesses públicos, extrafiscais, mas constitucionalmente relevantes;

.

- Nesta matéria, de acordo com o disposto no artigo 5.º do EBF, os benefícios fiscais podem ser “automáticos e dependentes de reconhecimento”, sendo que “os primeiros resultam direta e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais atos posteriores de reconhecimento”;

.

- Efetivamente, no que diz respeito à concessão dos benefícios fiscais, a lei distingue dois tipos de reconhecimento: 

a) Os benefícios fiscais automáticos, em que o reconhecimento resulta direta e imediatamente da lei, operando pela simples verificação dos respetivos pressupostos de facto, não carecendo de qualquer ato da administração tributária, como é o caso da redução do ISV subjacente na situação em análise; 

b) Os benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, que são efetuados por ato administrativo, sendo esse o caso dos benefícios fiscais de reconhecimento unilateral; 

 

- Configurando as “taxas intermédias” previstas no artigo 8.º, bem como as “taxas reduzidas” previstas no artigo 9.º do CISV, isenções parciais ou “reduções de taxas”, a que se refere o n.º 2 do artigo 2.º do EBF, relativo ao “Conceito de benefício fiscal e de despesa fiscal e respectivo controlo”; 

.

- E, quer as taxas previstas no artigo 8.º, como as taxas reduzidas previstas no artigo 9.º do CISV, constituem isenções parciais/reduções de taxas cuja racionalidade assenta na natureza ambiental ou na natureza económica, pretendendo-se, por um lado, incentivar o uso de veículos menos poluentes que, designadamente, utilizem motores elétricos e emitam valores mais reduzidos de C02, ou, por outro, proteger determinadas atividades económicas, por força da afetação dos veículos a tais atividades (turismo, hotelaria e comércio);

 

- Ora, quanto à constituição do direito aos benefícios fiscais, nos quais, como se aludiu, se incluem as “reduções de taxas” previstas no artigo 8.º do CISV, o artigo 12.º do EBF estabelece que os mesmos devem reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo;

 

- Efetivamente, quanto aos benefícios fiscais consagrados no CISV, encontram-se previstas isenções totais e parciais, bem como reduções de taxas, sendo que, dentro do espectro dos benefícios fiscais, as taxas previstas nos artigos 8.º e 9.º configuram “reduções de taxas”, que se concretizam em percentagens de reduções das taxas resultantes da aplicação da tabela A ou da tabela B;

 

- E, quanto aos benefícios previstos no artigo 8.º do CISV, e concretamente, no que concerne ao benefício consagrado na alínea d), do n.º 1, do artigo 8.º, dele beneficiam, exclusivamente, os automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO2/km (na redação que resultou do artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro);

 

- Assim, tendo o facto tributário como base o facto gerador e a apresentação de DAV efetuada em 2021, na data acima indicada, a verificação dos pressupostos para efeitos da aplicabilidade da taxa reduzida de 25% deve reportar-se àquele ano, independentemente de o veículo em causa ter obtido a primeira matrícula em ano anterior noutro Estado-Membro da EU;

.

- Até porque a data da primeira introdução no consumo ou da atribuição da primeira matrícula noutro Estado-membro não constitui facto gerador do imposto para efeitos de tributação em Portugal, conforme resulta expressamente do artigo 5.º do CISV.

 

- Não constituindo, por si só, o “ato de atribuição de matrícula”, facto gerador nos termos do n.º 1 do artigo 5.º (a par do fabrico, montagem, admissão e importação), sendo aquela obrigatória para efeitos de circulação no território nacional, razão pela qual, a lei exige que o imposto se encontre previamente liquidado e pago para poder ser atribuída a matrícula nacional;

 

- Relevando a data da matrícula anterior, no contexto da tributação em sede de ISV, para determinação da desvalorização dos veículos, em função dos anos de uso dos mesmos, para a consequente aplicação das percentagens de redução previstas nos artigos 7.º e 11.º do CISV;

 

- A legislação do Estado-membro de proveniência do veículo não é aplicável em Portugal, não relevando, juridicamente, o conceito de facto gerador adotado pela legislação italiana, como inversamente, não releva na Alemanha, ou noutro Estado-membro, para efeitos de tributação nesses países, o facto de um veículo ter sido introduzido anteriormente em Portugal, o que determinaria, a sua não tributação no destino;   

 

- Não podendo, pois, em 2021, vir a ser concedido um benefício fiscal (redução de taxa) a automóveis ligeiros de passageiros que não reúnam (como se verifica no caso em apreço) os requisitos e condicionalismos exigidos na lei aplicável em vigor (ínsita na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV) à data da introdução no consumo em Portugal; 

 

- Na verdade, o veículo em causa, não obstante esteja equipado com motor híbrido plug-in não possui, como é exigido na norma de isenção em vigor, cumulativamente, uma autonomia, no modo elétrico, de 50 km, nem emissões oficiais inferiores a 50 g CO2km;

 

- Com efeito, não havendo lugar à aplicação de taxa reduzida, o veículo foi tributado de acordo com a tributação regra, nos termos da lei, e conforme decorre do prescrito no EBF;

.

- Importando referir que o veículo em causa nos presentes autos foi objeto de introdução no consumo através de DAV, com data e aceitação em 2021, sendo que, nas datas em questão, já se encontrava em vigor a nova redação do artigo 8.º do CISV que, como se indicou acima, resultou da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro;

.

- E, aplicando-se as normas tributárias aos factos posteriores à sua entrada em vigor, conforme dispõe expressamente o n.º 1 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária (LGT), relativo à aplicação da lei tributária no tempo, não se suscita qualquer dúvida de que ao facto tributário em causa se aplica a alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV atualmente em vigor; 

 

- Acrescendo que, na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam devem ser observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (cf. n.º 1 do artigo 11.º da LGT), devendo o intérprete socorrer-se dos elementos lógicos para determinar, designadamente, o espírito da lei, a sua razão de ser/ratio legis, não se admitindo, quanto aos benefícios fiscais, a integração analógica; 

 

- Em rigor, e no limite, a interpretação do Requerente, ao pretender que lhe seja aplicada uma norma revogada, levaria a que um veículo automóvel que tivesse sido introduzido e matriculado noutro Estado-membro em 2006, por exemplo, e introduzido atualmente em Portugal, pudesse ser aplicado, o regime já revogado, que veio a ser substituído pelo atual CISV;

 

- Assim, no que concerne à alínea d), do n.º 1, do artigo 8.º, não pode retirar-se desta norma outra interpretação que não seja a de aplicar uma taxa intermédia, ao imposto resultante da aplicação da tabela A constante do n.º 1 do artigo 7.º, de  25%, apenas aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50g CO2/km, constituindo, estas, condições cumulativas para a aplicação da referida taxa; 

.

- Mas referindo-se o Requerente a uma alegada violação ao artigo 110.º do TFUE, comummente associada à versão anterior do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, que não previa a aplicação de percentagens de redução para a componente ambiental em função dos anos de uso,  analisada a DAV, verifica-se que ao imposto resultante da tabela A foram aplicadas as percentagens de redução previstas atualmente na tabela D (n.º 1 do artigo 11.º do CISV), tendo em conta a componente cilindrada e a componente ambiental, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos; 

 

- A taxa de ISV aplicada ao veículo, ou melhor, o imposto resultante da aplicação da tabela A foi reduzida tendo em conta os anos de uso do veículo que decorreram entre a data da 1.ª matrícula e o termo do prazo de apresentação da respetiva DAV de introdução no consumo no território nacional; 

 

- Ora, no caso de veículos já matriculados em território nacional, o montante do imposto pago por esse veículo já é incorporado no valor do veículo; 

 

- Assim, quando um veículo registado em Portugal é vendido como veículo usado no nosso país, o seu valor de mercado, que inclui o montante residual do imposto de registo, será igual a uma percentagem, determinada pela desvalorização desse veículo, do seu valor inicial; 

 

- Por conseguinte, só existe uma violação do artigo 110.º do TFUE quando o montante do imposto que incide sobre um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro exceda o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional;

 

- Tal significa que a tributação de veículos usados, provenientes de outros Estados-Membros, no momento da matrícula desses veículos no Estado-Membro de admissão, com vista à sua colocação em circulação, devem fazer refletir o tempo de uso dos veículos, o que equivale a dizer que na tributação de veículos usados provenientes de outro Estado-Membro devem ser usadas as mesmas componentes de base de tributação dos veículos novos, ajustadas pela componente que reflete o tempo de uso ou a depreciação dos veículos; 

 

- No caso em apreço, constata-se que o imposto, que Portugal fez incidir no momento da introdução no consumo do veículo em causa, teve como base a tributação dos veículos novos, similares, que foram introduzidos no consumo durante o ano 2021, tendo sido liquidado considerando o tempo de uso do veículo, com aplicação das percentagens de redução da tabela A, tendo em conta os anos de uso do veículo que decorreram entre a data da 1.ª matrícula e o termo do prazo de apresentação da respetiva DAV, tendo desse modo o imposto sido calculado pelo método clássico;

 

- Tendo sido, igualmente, aplicadas as percentagens de reduções da tabela D constantes da atual redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, aplicável aos veículos usados;

 

- Quanto à alusão a uma hipotética colisão com os princípios “da liberdade de circulação de mercadorias” e “de não discriminação”, não se vislumbra em que medida, e de que forma, em concreto, a existência de um imposto interno sobre os veículos e sua legislação nacional, mormente os artigos 5.º e 8.º do CISV, colidem com o estabelecido, desde já, nos artigos 26.º e 28.º do TFUE; 

 

- De facto, os princípios relativos ao funcionamento do mercado interno e da livre circulação de mercadorias não se opõem à existência, no ordenamento jurídico e fiscal dos Estados-membros, de impostos internos, porquanto, como já se aludiu, não existe harmonização fiscal no seio da União Europeia, podendo, inclusivamente os Estados-membros criar tributos que não existam noutros ordenamentos jurídicos;

 

- Não constituindo um entrave à circulação o facto de um veículo que foi introduzido e declarado num Estado-Membro, ser posteriormente introduzido noutro Estado-membro, como ocorreu no caso vertente, em Portugal, relativamente ao veículo em causa, o mesmo sucedendo no caso de um veículo nacional que fosse admitido noutro país da União Europeia;

 

- Sucedendo que, aquando da admissão de um veículo proveniente de outro Estado-membro que já tenha sido introduzido no consumo no país de origem, atendendo a que a admissão (entrada) constitui facto gerador do imposto nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do CISV, o veículo está sujeito a tributação, o mesmo se verificando nos outros Estados-membros, que acolheram nos respetivos ordenamentos jurídicos a admissão, ou entrada, de veículos nos seus territórios como “facto gerador” do imposto sobre veículos;

 

- Não existindo acórdão do TJUE, enquanto guardião do direito da União Europeia, que se tenha pronunciado no sentido de que o facto gerador, tal como se encontra definido na legislação nacional, ou na de outro Estado-Membro, viola os artigos 26.º e 28.º a 37.º e 110.º do TFUE, nem tampouco um conceito definido pelo direito da União para ser aplicado a todo o território da UE, porquanto, como é do conhecimento geral, ainda não existe uma harmonização no âmbito da tributação automóvel;

 

- A criação do mercado interno (comum) europeu, enquanto objetivo principal do Tratado de Roma, veio a ser concretizado, em primeira linha, através da união aduaneira, abolição das quotas, livre circulação de cidadãos e trabalhadores e alguma harmonização fiscal com a introdução generalizada do imposto sobre o valor acrescentado, e, posteriormente, com o reforço dos mecanismos de tomada de decisão do mercado interno em diversas áreas, mormente na aproximação das legislações nacionais;

 

- E embora a livre circulação de mercadorias tenha sido garantida através da união aduaneira entre os Estados-Membros, envolvendo a eliminação de direitos aduaneiros, restrições quantitativas nas trocas comerciais e medidas de efeito equivalente e o estabelecimento de uma pauta aduaneira comum para a União, a realização do mercado interno surge de forma dinâmica e constante, mas não inclui, atualmente, uma união fiscal;

 

- Não podendo afirmar-se que, designadamente, o artigo 5.º, n.º 1, do CISV, e o conceito de facto gerador nele constante, constituem uma “imposição interna” pois, além de tal afirmação colidir com o que vem sendo pugnado pela interpretação do TJUE neste âmbito, seria o mesmo que dizer que o regime jurídico do ISV, em Portugal, ou dos outros EM, por si constituiria um “encargo de efeito equivalente” ou uma “imposição interna”; 

 

- É que, não existindo uma definição decorrente do direito da União Europeia, o TJUE tem considerado o “encargo de efeito equivalente” como “qualquer imposição, independentemente da sua designação ou meio de aplicação”, que, incidindo especificamente sobre o produto importado de um país membro e não sobre o produto nacional similar, tenha como resultado, ao alterar o seu preço, sobre a livre circulação de produtos a mesma incidência que um direito aduaneiro; 

 

- Acrescendo que, mesmo na ausência de medidas de harmonização (direito derivado da UE), o TJUE defende que os Estados-Membros são obrigados a permitir que mercadorias que são legalmente produzidas e comercializadas num Estado-Membro circulem e sejam colocadas nos seus mercados;

 

- Ora, no caso concreto, o conceito de “facto gerador” não impede que os veículos de outros Estados-membros circulem e sejam colocados no mercado nacional, o que, aliás, ao invés, ocorreu com o veículo do Requerente, que foi admitido e tributado nos termos gerais, não tendo sido aplicada qualquer medida impeditiva quanto à sua entrada, circulação e comercialização e, até, atribuição de matrícula;

 

- Por outro lado, tendo em consideração o designado Acórdão “Keck” do TJUE, importa afirmar que o artigo 5.º, n.º 1, do CISV é aplicado a todos os operadores e particulares, sujeitos passivos de ISV em Portugal, afetando da mesma maneira a “comercialização”, neste caso, a tributação, de produtos nacionais e de produtos provenientes de outros Estados-Membros, incluindo como facto gerador, além da admissão, ou entrada de um veículo de outro Estado-membro, o fabrico e a montagem no território nacional;

 

- Não existindo, por conseguinte, qualquer efeito discriminatório até porque, em todos os casos, independentemente do facto gerador em causa, os veículos são tributados nos termos do artigo 7.º, sendo que, no caso dos veículos usados ainda lhes são aplicadas as reduções previstas na tabela D, do n.º 1, do artigo 11.º do CISV;

 

- Ainda assim, e para efeitos de interpretação dos artigos do TFUE referentes à proibição de encargos e medidas de efeito equivalente, também se dirá que, conforme decorre do Acórdão Cassis de Dijon, é permitido aos Estados-Membros a adoção de derrogações à proibição de medidas de efeito equivalente com base em exigências imperativas como a eficácia dos controlos fiscais, proteção da saúde pública, lealdade das transações comerciais e defesa dos consumidores; 

 

- Não existindo, igualmente, qualquer discriminação, impedimento à livre circulação das mercadorias, ou imposição interna, por força da aplicação ou não aplicação de um benefício fiscal previsto no CISV, porquanto o artigo em causa, o artigo 8.º, é aplicado, de igual modo, ou não, em função da verificação das condições relativas ao benefício, a todos os veículos, sejam eles provenientes de outros Estados-membros ou nacionais, não assentando a aplicação da taxa reduzida no facto de os veículos serem exclusivamente nacionais;

 

- Não estando previsto, assim, na lei, um critério que dependa da proveniência do veículo, o que seria potencialmente discriminatório, tendo o veículo sido tributado, quer por força do facto gerador, quer quanto à não aplicação da taxa reduzida prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º, que também não seria aplicada a veículo nacional com as mesmas características, respeitando-se o vertido no artigo 107.º, n.º 2, alínea a) do TFUE;

 

- Logo, assentando o Requerente a sua pretensão no pressuposto erróneo de que a taxa aplicada ao veículo o discrimina negativamente pelo facto de tal veículo ser proveniente de outro Estado-Membro, reivindicando, a coberto disso, a concessão de um benefício fiscal (taxa reduzida) consagrado numa norma que deixou de vigorar no final de 2020, não se poderá concluir que a tributação em causa assenta numa alegada violação do artigo 110.º do TFUE

 

- Pretendendo o Requerente ver aplicada ao veículo declarado, de sua propriedade, uma taxa reduzida que não se encontra prevista na lei, tal constituiria uma clara violação do artigo 103.º, n.º 2, da CRP, que dispõe que os  benefícios são criados por lei, e bem assim, ao pretender que lhe seja aplicada uma norma que já não existe na ordem jurídica, uma violação do princípio ínsito no artigo 12.º, n.º 1, da LGT, sobre a aplicação da lei tributária no tempo, de acordo com o qual as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, decorrente do princípio geral da “Aplicação das leis no tempo”, previsto no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, segundo o qual a lei só dispõe para o futuro; 

 

- Decorrendo do exposto que a Requerida atuou em conformidade com o estabelecido no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa,  tendo pautado  a sua conduta, com referência às competências que lhe estão atribuídas, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 266.º da CRP, em cumprimento do princípio da legalidade tributária prevista no artigo 8.º e artigo 55.º da LGT, a que se encontra sujeita, não podendo a AT contrariar ou desobedecer às normas legais pré-existentes relativas aos impostos e seus elementos essenciais (incidência, taxa, benefícios fiscais e garantia dos contribuintes) os quais são, obrigatoriamente, criados por lei;

 

- Termos em que se conclui que a tributação em causa, além de não violar qualquer princípio do TFUE, mormente o previsto no artigo 110.º, foi efetuada em cumprimento do previsto na lei em vigor aplicável aos factos, resultando, assim, comprovados os seus pressupostos devendo, por conseguinte, ser mantido o ato tributário de ISV ora impugnado;

 

- Contudo, subsistindo dúvidas quanto à interpretação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, face ao direito da União Europeia, designadamente quanto ao disposto no artigo 110.º do TFUE, deverá o Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para uma interpretação à luz do TFUE, no sentido de saber se uma norma como a constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, relativa a uma isenção parcial (redução de taxa), a aplicar a todos os veículos ligeiros de passageiros, nacionais e de outros Estados-membros, que não faz depender a aplicação do benefício do ano da 1ª matrícula, mas da verificação das condições nela previstas, viola os princípios que regulam o mercado interno, designadamente o seu artigo 110.º do TFUE;

 

Quanto ao pedido de restituição de quantia certa de imposto 

 

- Peticiona o Requerente a restituição do imposto no total de 1.744,51 € a título de imposto que, segundo defende, teria sido pago em excesso;

.

- Ora, quanto a esta questão importa referir que, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação, competindo ao tribunal arbitral a apreciação da legalidade de atos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1), não lhe competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes, por conta da anulação, total ou parcial, de atos de liquidação de ISV;

 

- Assim, incumbindo às alfândegas/estâncias aduaneiras efetuar a liquidação do imposto, compete-lhes igualmente promover as diligências necessárias ao cumprimento das decisões arbitrais, designadamente, quanto ao cálculo dos montantes que, em caso de procedência da ação, venham a ser reembolsados ao sujeito passivo, até porque, a anulação parcial de uma liquidação determina a realização de outra liquidação de substituição; 

 

Quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios

 

- Além dos demais pedidos formulados, peticiona ainda o Requerente o pagamento de juros indemnizatórios;

 

- No que concerne ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, diga-se que, ainda que venha a considerar-se que o pedido arbitral deva proceder, o que só por dever de raciocínio se concebe, não poderá, todavia, aquele proceder; 

 

- De facto, o direito a juros indemnizatórios, consagrado no artigo 43.º da Lei Geral Tributária, pressupõe que se apure a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido;

 

- E, no caso concreto, não se verifica a existência de qualquer erro que possa ser imputável à administração tributária;

 

- É que, efetivamente, a liquidação em causa nos presentes autos decorreu exclusivamente da aplicação da lei em vigor, tendo sido efetuada nos termos das normas aplicáveis, previstas no CISV, que determinam a exigibilidade e consequente liquidação do imposto, o que nem sequer é posto em causa pelo Requerente, porquanto a questão suscitada prende-se com a não aplicação ao caso concreto de um benefício fiscal;

.

- E, estando a AT e os seus órgãos, vinculados, na sua atuação, ao princípio da legalidade, a Requerida AT agiu, sempre, em obediência àquele e em conformidade com o direito em vigor, não podendo ter agido de modo diverso, não devendo, consequentemente, ser-lhe atribuído qualquer erro que lhe seja imputável, nos termos do artigo 43.º da LGT;

 

- Pelo que, face ao invocado, tendo a AT agido no cumprimento estrito da lei, não se verifica qualquer erro de que possa resultar o pagamento indevido do imposto, sob pena de se verificar com tal interpretação, uma violação do invocado princípio constitucional da legalidade e legalidade fiscal, não devendo assistir, por conseguinte, ao Requerente, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios;

 

- Conclui, pedindo que a AT, atenta a exceção invocada, seja absolvida da instância, ou o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente.

 

Juntou o Processo administrativo.

 

      D. RESPOSTA DO REQUERENTE À EXCEPÇÃO DEDUZIDA PELA REQUERIDA

Notificada para se pronunciar por escrito sobre a matéria de excepção deduzida pela Requerida, o Requerente alegou o seguinte:

 

- O Requerente pretende, que o Tribunal Arbitral se pronuncie, ou seja, avalie e decida se, a liquidação efetuada do ISV, pela Requerida, está ou não ferida de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo do imposto incidente sobre a componente ambiental, por violação do disposto no artigo 110º do TFUE;                                                            

- Não assiste assim razão à Requerida, uma vez que os pedidos formulados pelo Requerente, foram no sentido de obter, a declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação (ISV) n.º 2021/... concretizada na Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2021/... de 05-02-2021 e a consequente restituição do imposto pago indevidamente, acrescido dos juros indemnizatórios calculados sobre o referido montante;

                                                                       

- Assim, o pedido do Requerente é para o Tribunal Arbitral, avaliar se a liquidação de ISV relativa à viatura usada, identificada nos autos, padece ou não de ilegalidade parcial, e, em consequência, ordenar que seja devolvido ao Requerente o valor liquidado de ISV em excesso, no montante de € 1.744,51;

                                               

- O Requerente apenas requer que o Tribunal Arbitral, se pronuncie e cumpra com o prescrito pelo n.º 1 do art. 2.º do RJAT, ou seja “ apreciar da legalidade de liquidações de tributos”;

                                                           

- O Requerente solicita a pronúncia do Tribunal Arbitral quanto ao ato de liquidação, os factos correspondentes à identificação do ato tributário em causa representam factualidade essencial, por isso integrante da causa de pedir, o qual vem devidamente concretizado;

                                                                       

- Uma vez que, o pedido apresentado pelo Requerente diz respeito à declaração de ilegalidade da liquidação de ISV, n.º 2021/... concretizada na Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2021/... de 05-02-2022;                                                                   

- Pelo que, o objeto dos presentes autos reporta-se ao ato de liquidação de ISV, subjacente à referida Declaração Aduaneira de Veículo, ao qual é imputada a sua ilegalidade por violação do Direito da União Europeia, diretamente aplicável no ordenamento jurídico português, nomeadamente, a violação dos artigos  28º nº 1, 30º e 34º , 35º e 110.º, do TFUE que é claro ao exigir que o modelo de tributação, exclua todo e qualquer efeito discriminatório;

                                                                       

- Face ao supra exposto, deve entender-se que o Tribunal Arbitral é competente para apreciar a pretensão do Requerente, consubstanciada na declaração de ilegalidade do ato de liquidação do ISV supra identificado, e decidir-se pela improcedência da exceção suscitada pela AT, relativa à incompetência absoluta deste Tribunal Arbitral.

 

 

       E. QUESTÕES A DECIDIR. ORDEM DE APRECIAÇÃO

 

            Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados são as seguintes as questões, que cabe apreciar e decidir:

 

1.     Se o tribunal arbitral tem competência para apreciar o acto de liquidação em análise.

 

2.     Se esta liquidação de ISV é legal, designadamente, se viola, ou não, o direito da União Europeia, designadamente o disposto no art. 110º e nos arts. 26º e 28º a 37º do TFUE. 

 

3.     Se tal situação deve ser considerada na apreciação da legalidade e anulação parcial da liquidação que constitui objecto mediato do pedido de pronúncia arbitral;

 

4.     E, complementarmente, no caso do Tribunal Arbitral condenar a Requerida, se haverá lugar à restituição do montante pago em excesso e ao pagamento de juros indemnizatórios, e desde quando.

 

              Dado que a primeira questão constitui uma excepção dilatória (artigo 89º, nº 4, alíneas a) e k), do CPTA, subsidiariamente aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alínea d), do RJAT) que obsta, no caso de procedência, a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (artigos 89º, nº 2, do CPTA e 278º, nº 1, do CPC), a mesma é de conhecimento prioritário, nos termos do artigo 608º do CPC, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e), do RJAT.

 

     E. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

        - O Tribunal Arbitral é materialmente competente, conforme à frente é decidido, e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º, nº 1, do RJAT.

 

         - As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

         - O processo não enferma de nulidades

.

         - Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

        Tudo visto, cumpre proferir

 

 II. DECISÃO

 

A.   MATÉRIA DE FACTO

 

A.1. Factos dados como provados

 

       Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:

 

1.     O Requerente, importou um veículo ligeiro de passageiros, da Alemanha, de marca..., modelo 3L, com o código de homologação 2010... e que teve a primeira matrícula no país de origem, em 29/12/2016.

 

2.     O referido veículo, tem um motor com cilindrada de 1998cc, e é movido a combustível Eléctrico/Gasolina “Plug in” tendo uma emissão de gases de CO2 de 45g/km, com autonomia no modo elétrico, de acordo com o certificado de conformidade da marca de 39 Kms.

            

3.     Em 05-02-2021, foi-lhe atribuída pelo IMT, Direcção Regional Mobilidade Transportes do Norte, a matrícula nacional: ... .

 

4.     A Requerida procedeu ao cálculo do Imposto sobre Veículos, tendo liquidado a quantia de 2.385,00 euros (acto de liquidação nº 2021/..., de 01/02/2021).

 

5.     O cálculo do imposto foi efetuado com recurso à tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos da tabela A do artigo 7.º e tabela D do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas as taxas normais, previstas para os veículos ligeiros de passageiros usados de acordo com as características dos veículos. 

 

6.     Em 03-02-2022, o Requerente requereu junto da Requerida, Alfandega de Leixões, que fosse revista oficiosamente a liquidação efectuada e que fosse anulado parcialmente o ato de liquidação de ISV referente à DAV n.º 2021/... de 05-02-2021.

 

7.     Após ter notificado o Requerente, em 11/02/2022, do projecto de decisão, para efeitos de audição prévia, a Requerida indeferiu a revisão oficiosa, por despacho de 08-03-2022, do respectivo Director da Alfândega de Leixões, comunicado através do ofício n.º 2022..., recebido pelo Requerente em 14-03-2022, remetendo os seus fundamentos para o ofício n.º 2022... .

 

8.     O Requerente efectuou o pagamento da totalidade do montante liquidado.

 

9.     Em 01/06/2022, o Requerente apresentou no CAAD o presente pedido de pronúncia Arbitral, peticionando a declaração da ilegalidade parcial da liquidação de ISV em apreço e a restituição do montante de 1.744,51 euros, acrescido de juros moratórios.

 

.

   

A.2. Factos dados como não provados

 

        Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada 

 

           Os factos dados como provados estão baseados no processo administrativo, nos documentos indicados relativamente a cada um deles e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não tenha sido questionada.

 

B.    DO DIREITO

 

 Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.

 

As orientações arrogadas pelo Requerente e pela Requerida e a sua fundamentação estão expostas com detalhe, e, nalguns casos, em síntese, nos pontos E. e F. do Relatório desta Decisão Arbitral, para os quais se remete.

 

Notificada para responder ao pedido de pronúncia arbitral, a Requerida veio deduzir a excepção de incompetência material do tribunal arbitral para conhecer do pedido da Requerente, que, a verificar-se, traduziria a existência de uma excepção dilatória, a qual obsta  e, por isso, determinaria a absolvição da Requerida da instância, atento o disposto nos arts, 576º, nº 1 e 577º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.

 

Assim sendo, começa-se a apreciação das questões em apreço pela análise desta excepção,

 

A Requerida reconhece no início da Resposta, que o pedido de constituição de tribunal arbitral vem interposto para declaração de anulação parcial do ato de liquidação de Imposto Sobre Veículos resultante da introdução no consumo de um veículo ligeiro de passageiros equipado com motor híbrido plug-in, através da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2021..., de 01.02.2021 (data de aceitação), da Alfândega de Leixões, na sequência do despacho de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa proferido pelo Diretor da mesma Alfândega.

              

E, ainda, que o Requerente impugna a liquidação do imposto por entender que a nova redação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do Imposto sobre Veículos, que lhe foi dada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, não se aplica a um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado-Membro antes da data de entrada em vigor daquela norma, existindo uma violação do direito europeu, em concreto dos artigos 26.º, e 28.º a 37.º e 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia.

 

Razão pela qual, a liquidação do Imposto sobre Veículos deveria ter beneficiado da redação anterior do n.º 1 do artigo 8.º, com aplicação da taxa intermédia prevista na alínea d), peticionando, a final, a declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação de ISV, a devolução do montante de 1.744,51 €, e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

 

No entanto, alega a Requerida, que aquilo que o Requerente pretende é a anulação parcial do acto impugnado com fundamento em vícios, não do acto de liquidação, ou da decisão de indeferimento da revisão oficiosa, mas sim pelo reconhecimento  do direito à aplicação da taxa reduzida, em vez da taxa normal utilizada na liquidação, sendo efectuada uma segunda liquidação substitutiva da impugnada, estando, portanto, em causa o reconhecimento de direitos em matéria tributária, o que não cabe nas competências do tribunal arbitral, as quais se restringem, nos termos do nº 2 do artigo 2º do RJAT, à mera apreciação da legalidade de actos de liquidação.

 

Concluindo, que a apreciação do pedido do Requerente não cabe na competência dos tribunais arbitrais (leia-se, constituídos sob a égide do CAAD), nos termos do disposto nos arts.2º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT.

 

Notificado para se pronunciar sobre a excepção deduzida, o Requerente veio alegar que os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são competentes para conhecer do pedido de pronúncia arbitral apresentado, porquanto, solicitou a pronúncia do Tribunal Arbitral quanto ao ato de liquidação com o objectivo de que este avalie e decida se, a liquidação efetuada do ISV, pela Requerida, está ou não ferida de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo do imposto incidente sobre a componente ambiental, por violação do disposto no artigo 110º do TFUE;

 

 Assim sendo, não assiste qualquer razão à Requerida, uma vez que os pedidos formulados pelo Requerente, foram no sentido de obter, a declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação (ISV) n.º 2021/... concretizada na Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2021/... de 05-02-2021 e a consequente restituição do imposto pago indevidamente, acrescido dos juros indemnizatórios calculados sobre o referido montante;

 

Sendo que o objeto dos presentes autos reporta-se ao ato de liquidação de ISV, subjacente à referida Declaração Aduaneira de Veículo, ao qual é imputada a sua ilegalidade por violação do Direito da União Europeia, diretamente aplicável no ordenamento jurídico português, nomeadamente, a violação dos artigos  28º nº 1, 30º e 34º , 35º e 110.º, do TFUE, que é claro ao exigir que o modelo de tributação, exclua todo e qualquer efeito discriminatório;

 

Concluindo que deve entender-se que o Tribunal Arbitral é competente para apreciar a pretensão do Requerente, consubstanciada na declaração de ilegalidade do ato de liquidação do ISV supra identificado, e decidir-se pela improcedência da excepção deduzida pela AT, relativa à incompetência absoluta deste Tribunal Arbitral   

 

Apreciando juridicamente a situação, conclui-se não ser admissível a posição assumida pela Requerida.

 

Com efeito, o art. 2º, nº 1, alínea a) do RJAT, preceitua que os tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD são competentes para a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos.

 

Ora, no caso em apreço, o Requerente formula o seu pedido com esse objectivo, imputando à liquidação o vício de errada aplicação da taxa para o seu cálculo

 

Termos em que se pode concluir que este tribunal arbitral constituído no CAAD é competente, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do art. 2º do RJAT, para conhecer, apreciar e julgar o presente pedido de pronúncia arbitral, improcedendo, assim, a excepção de incompetência material do tribunal arbitral, deduzida pela Requerida.

.

Passemos, de seguida à apreciação das questões de mérito:

 

Conforme consta do processo, o Requerente peticionou a declaração de ilegalidade parcial da liquidação sub judice e a devolução do montante, em seu entender, liquidado em excesso, resumidamente com os seguintes fundamentos: 

            - Da conjugação do disposto no artigo 5º do Código do Imposto sobre Veículos em articulação com o direito da União, mais concretamente os artigos 26.º e 28.º a 37.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que consagram o direito à livre circulação de mercadorias, resulta,

          - Que, o facto gerador do imposto para efeitos do artigo 5º do CISV deve ser entendido como, a da introdução ao consumo do veículo na Alemanha, ou seja, 29/12/2016, que é a data de atribuição da sua primeira matrícula.                              

            - Tal entendimento, sob pena de qualquer interpretação contrária colidir com o princípio da não discriminação constante do artigo 110.º do TFUE e que prevê, que nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares, ou mesmo pelo principio da liberdade de circulação de mercadorias, que encerra igualmente uma dupla proibição, consagrados nos artigos 28º nº 1, 30º e 34º , 35º do Tribunal de Justiça da União Europeia).

            - O conceito de facto gerador não discriminatório, decorrente do Direito da União Europeia, deve ser aplicado no tempo, ou seja, na data da sua primeira matrícula no país de origem que é de 29-12-2016 e em consequência deve ser aplicada a taxa em vigor nessa data.                                                                   

Vejamos então.

Para a análise da situação vertente, convém ter presente os normativos que a seguir se indicam:                                                

De acordo com o estabelecido no Código do ISV, estão sujeitos a este imposto, no seu regime regra, nomeadamente, "os veículos automóveis ligeiros de passageiros, (art. 2º, nº 1, alínea a), sendo "sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos" (art. 3º, nº 1 ).

O artigo 5º do Código do ISV, diz que constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal", sendo que, para este efeito, de acordo com o nº 3 alínea a) do mesmo artigo, entende-se por admissão, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional".

No que diz respeito à exigibilidade do imposto, de acordo com o disposto no artigo 6º, nº 1, alínea b), "o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada no momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares", sendo que" a taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível" (nº 3).

Quanto à introdução no consumo, estabelece o artigo 17º, nº 1 do referido Código que "a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV)", sendo que nos termos do nº 3, "para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros ficam sujeitos ao processamento da DAV".

De acordo com o disposto no artigo 20º, nº 1 do Código do ISV, "os particulares e os sujeitos passivos que não se encontrem constituídos como operadores registados ou operadores reconhecidos estão obrigados à apresentação da DAV" nos prazos aí previstos, sendo que, nos termos do seu nº 2, se enumeram os documentos que a devem acompanhar.

 As taxas a aplicar para efeito de cálculo do ISV não incidem sobre o valor do automóvel mas têm por base os centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e os gramas de C02 por quilómetro (componente ambiental), sendo que foram estruturadas em taxa normal, taxa intermediária e taxa reduzida e taxa para veículos usados, nos termos do disposto nos artigos 7º a 11º do Código do ISV.

Quanto às taxas do ISV, releva o art. 7º  do CISV que sob a epígrafe (Taxas normais – automóveis) estabelece nas alíneas a) e b) do nº 1 a aplicação das taxas previstas na Tabela A, tendo em conta as componentes cilindrada e ambiental aos veículos automóveis de passageiros que não sejam tributados pelas taxas reduzidas nem pela taxa intermédia.

A par das isenções totais estabelecidas no CISV, estão ainda previstas, nos artigos 8.º e 9.º, isenções parciais (reduções de taxas), criadas em função da prossecução de interesses públicos extrafiscais relevantes, nestes casos de natureza ambiental e económica.

Consagrando o artigo 8.º, com a epígrafe “Taxas intermédias – automóveis”, a aplicação de taxas intermédias, no ponto que nos interessa, na alínea d) do seu nº 1, o seguinte:

1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:

(…….)

d) 25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO2/km.

Esta redacção foi introduzida na referida alínea d) pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, sendo que a anteriormente vigente, aprovada pela Lei nº82-D/2014 de 31 de Dezembro, dispunha:

1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:

(…….)

d) 25%aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica, que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros (….).

Do exposto, e no que concerne às taxas intermédias em apreço poderá dizer-se, em síntese que:

- Entre 2015 e 2015, os veículos em causa eram tributados a 25%, desde que a bateria pudesse ser carregada através de ligação à rede eléctrica e que tivessem uma autonomia mínima de 25 Km, sendo tributados a 100% se não satisfizessem estes requisitos.

- A partir de 2021, foram alterados estes requisitos, exigindo a lei que, para não serem tributados a 100%, e sim a 25%, os veículos deveriam ter autonomia em modo eléctrico, de, pelo menos, 50 Kms e as emissões de CO2 serem inferiores a 50 g/Km.

Perante este quadro legal, a Requerida, quando procedeu à liquidação de ISV, aplicou o regime que entrou em vigor em 2021, de acordo com o qual o veículo em causa não reunia condições para beneficiar da taxa de 25%.

Pelo seu lado, o Requerente entende que a liquidação assim efectuada padece do vício de ilegalidade, por não ter sido aplicado o regime vigente em 2019, ano em que o veículo foi matriculado pela primeira vez na Alemanha, país de origem, em que satisfaria os requisitos e beneficiaria da taxa de 25%

Resulta do exposto, que o que está fundamentalmente em causa é uma questão de aplicação da lei no tempo, conjugada com o conceito de facto gerador constante do art. 5º do CISV.

Como atrás se expôs, o Requerente entende que, da conjugação do disposto no artigo 5º do Código do Imposto sobre Veículos em articulação com o direito da União, mais concretamente os artigos 26.º e 28.º a 37.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que consagram o direito à livre circulação de mercadorias, resulta que  o facto gerador do imposto para efeitos do artigo 5º do CISV deve ser entendido como, a introdução ao consumo do veículo é na Alemanha, ou seja, 29/12/2016, que é a data de atribuição da sua primeira matrícula.                         

E, que qualquer interpretação contrária colidiria com o princípio da não discriminação constante do artigo 110.º do TFUE, ou mesmo pelo principio da liberdade de circulação de mercadorias, que encerra igualmente uma dupla proibição, consagrados nos artigos 28º nº 1, 30º e 34º , 35º do Tribunal de Justiça da União Europeia.

Pelo que, o conceito de facto gerador não discriminatório, decorrente do Direito da União Europeia, deve ser aplicado no tempo, ou seja, na data da sua primeira matricula no país de origem que é de 29-12-2016 e em consequência deve ser aplicada a taxa em vigor nessa data.

E tem razão o Requerente

Com efeito, o conceito de facto gerador estabelecido no art. 5º do CISV não pode deixar de ser considerado como estando em estreita relação com o princípio da não discriminação estabelecido no art. 110º do TFUE que prevê, que nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.

Princípio este que é reforçado pelo princípio da liberdade de circulação de mercadorias, que encerra igualmente uma dupla proibição, consagrados nos artigos 28º nº 1, 30º e 34º, 35º do Tribunal de Justiça da União Europeia, a ver:

- Proibição dos encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros – art. 28º, nº 1 e art. 30º do TFUE.

- Proibição das medidas de efeito equivalentes a restrições quantitativas – art. 34º e 35º do TFUE.

No que a esta matéria diz respeito, convém ter presente que, nos termos do disposto no artigo 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito internacional prevalece sobre o direito interno português e é directamente aplicável em território nacional.

Na verdade, em matéria de direito internacional, o artigo 8º, nº 4 da CRP estabelece que "as disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático".

O Tribunal de Justiça tem sustentado que, apesar de só os Estados-Membros terem competência em matéria de impostos directos, que esses Estados devem exercer essa competência em conformidade com o direito da União Europeia.

Evitando assim, violações das cinco liberdades económicas fundamentais, designadamente a livre circulação de mercadorias (artigos 28º e seguintes do TFUE).

O direito português consagra uma cláusula de recepção automática plena do direito convencional internacional, cumpridas as formalidades de aprovação, ratificação e publicação.

Daqui decorre que “os tratados são fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários podendo ser invocados perante os tribunais".

Enfatizando que "os tratados são superiores hierarquicamente relativamente à lei ordinária”.

Esta superioridade decorre não só dos artigos 26º e 27º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, mas igualmente do artigo 8º nºs 1 e 2 da CRP.

Apresenta-se, pois, como claro que, para que a Convenção vigore na ordem interna, é necessário que a lei ordinária posterior a não possa revogar.

Ou seja, o direito internacional convencional não pode ser afastado por leis ordinárias, surgindo como superior àquelas, sejam essas leis subsequentes, as quais serão materialmente inconstitucionais se o contrariarem; sejam anteriores, as quais terão de ser suspensas se forem conflituantes com esse direito convencional internacional, só retomando a vigência no caso de suspensão ou cessação da convenção internacional que estiver em causa.

Assim sendo, e, tendo presente estar excluído qualquer modelo de tributação num Estado-Membro que produza, um efeito discriminatório, em consequência dos referidos princípios estabelecidos na legislação da União Europeia, é possível fixar o conceito de facto gerador não discriminatório, com base no qual deve ser aplicada corretamente no tempo a taxa intermédia preceituada na alínea d) do nº 1 do art. 8º do CISV para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-Membro da União Europeia.

Do exposto decorre que, tendo em conta que o veículo em apreço foi, pela primeira vez, matriculado na Alemanha, Estado-Membro da União Europeia, em 29/12/2016, será esta a data relevante para aplicação do conceito de facto gerador do imposto estabelecido no art. 5º do CISV, o que determina a aplicação da taxa intermédia constante da alínea d), do nº 1, do art, 8 do CISV, em vigor à data da primeira matrícula.                                                               

Nesta conformidade, partindo deste pressuposto, facilmente se conclui que a taxa a aplicar no caso concreto é a taxa intermédia de 25%, constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, na redacção da Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro, uma vez que o veículo em causa é um automóvel ligeiro de passageiros equipado com motor híbridos plug-in, cuja bateria pode ser carregada através de ligação à rede eléctrica e tem uma autonomia, no modo elétrico, de 39 Kms, portanto, superior aos 25 Kms mínimos prescritos na lei.

Relativamente ao pedido de reenvio prejudicial ao TJUE, conforme o anteriormente exposto, este tribunal arbitral não tem dúvidas quanto ao sentido ou alcance de alguma norma do direito da União Europeia, a cuja aplicação procedeu, razão pela qual não existe justificação ou fundamento para o efeito,

Termos em que se determina a anulação parcial do acto tributário de liquidação de Imposto sobre Veículos objecto do pedido, uma vez que padece de ilegalidade na parte em que não considerou a redução de ISV, resultante da aplicação da taxa intermédia de 25%, constante da alínea d), do nº 1 do art.. 8º do CISV, na redacção dada pela Lei nº 82-D/2014, de 31 de Dezembro. 

E, consequentemente, uma vez que o Requerente pagou a totalidade do ISV liquidado, deverá ser-lhe restituído o imposto indevidamente pago, por força do disposto nos arts. 24º, nº 1, alínea b) do RJAT e 100º da LGT

Quanto aos juros indemnizatórios:

Esta matéria está regulada no art. 24.º do RJAT, o qual expressamente determina no seu n.º 1, alínea b) que a decisão arbitral obriga a Administração Tributária, nos casos aí consignados, a “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o efeito”, e preceitua, ainda, no seu n.º 5, que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 Também o art. 100.º da LGT, cuja aplicação é autorizada pelo disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, preceitua de modo idêntico, no sentido da imediata reconstituição da legalidade, compreendendo a mesma o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso.

Por seu lado, o art. 43.º, n.º 1, da LGT condiciona o direito a juros indemnizatórios aos casos em que “houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Nesta conformidade, coloca-se a questão de saber se se pode considerar ter havido, ou não, um erro imputável aos serviços na situação vertente.

Ora, conforme se referiu anteriormente, a liquidação em apreço é ilegal por erro na aplicação do direito aos factos, cometido pelos serviços da Requerida, de que resultou pagamento em excesso.

Assim, dúvidas não há que está preenchido o requisito estabelecido no art. 43.º, n.º 1, da LGT, ou seja, a ilegalidade da liquidação resultou de um erro cometido pelos serviços tributários, condição para serem exigíveis juros indemnizatórios.

Tem, assim, o Requerente direito não só ao reembolso da quantia paga em excesso, mas também a receber juros indemnizatórios sobre a mesma, nos termos das disposições combinadas dos arts. 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT, 100.º e 43.º, n.º 1, ambos da LGT, à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT, desde a data do pagamento até à efectiva restituição.

 DECISÃO

Termos em que decide este Tribunal Arbitral: 

 

a)     Julgar improcedente a excepção deduzida pela Requerida.

b)    Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação de Imposto sobre Veículos nº 2021/..., referente à DAV nº 2021/..., de 05/02/2022, resultante da introdução no consumo de veículo ligeiro de passageiros equipado com motor híbrido plug-in, da marca ..., importado da Alemanha, onde teve a primeira matrícula em 29/12/2016, cuja matrícula nacional é..., e proceder à sua consequente anulação, e da decisão de indeferimento de 08/03/2022 do pedido de revisão oficiosa, que teve como objecto a liquidação em apreço. 

c)     Condenar a Requerida a restituir à Requerente o valor do imposto indevidamente pago, e agora anulado, no montante de 1.744,51 euros, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do seu pagamento até integral reembolso.

 

d)    Condenar a Requerida nas custas do processo, 

 

C.   Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em 1.744,51 euros, nos termos do artigo 97º-A, nº 1, a), do Código de Procedimentos e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária

 

D.   Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 306,00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12º, nº 2, e 22º, nº 4, ambos do RJAT, e artigo 4º, nº 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se. 

 

(Esta decisão foi redigida pela ortografia antiga)

 

 

Lisboa, 31 de Janeiro de 2022

 

O Árbitro

(José Nunes Barata)