Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 321/2022-T
Data da decisão: 2023-01-24  IRC  
Valor do pedido: € 17.256,94
Tema: Dedutibilidade de gastos em sede de IRC
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SUMÁRIO: 

São gastos dedutíveis em sede de IRC aqueles que cumprirem os requisitos constantes do artigo 23.º do Código do IRC e cuja dedutibilidade não seja excluída nos termos do artigo 23.º-A do mesmo Código. 

Do conjunto daqueles enunciados normativos extraem-se os seguintes requisitos para a dedutibilidade dos gastos em sede fiscal:

(i)             O primeiro requisito é o da efetividade do gasto (primeira parte do n.º 1 do art.º 23.º), que a jurisprudência constante nesta matéria tem entendido implicar que tenha sido efetuado um pagamento ou, de outra forma, sido satisfeita a obrigação de se efetuar um pagamento (por compensação, por exemplo)[1]. natureza finalística, que consiste em que o gasto deve ter sido realizado “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

(ii)           O segundo requisito é de natureza finalística, consistindo, no fundo, na justificação do gasto. A lei deixou de falar em indispensabilidade dos gastos, como fazia anteriormente, sendo agora determinante para a dedutibilidade que o gasto tenha como objetivo contribuir para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC (segunda parte do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC).

(iii)         O terceiro requisito diz respeito à documentação do gasto, subdividindo-se em dois aspetos. Em primeiro lugar, é necessário que o gasto se encontre documentado, ou seja que exista prova documental que permita verificar, pelo menos, a existência do gasto. Em segundo lugar, é necessário que o documento que prova a existência do gasto cumpra, ele próprio, vários requisitos quanto ao seu conteúdo, nomeadamente que contenha os elementos de informação elencados nas alíneas a) a c) do n.º 4 do artigo 23º do CIRC.

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 16.05.2022, a A... Lda., sociedade comercial por quotas, registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número de matrícula e de identificação fiscal..., com sede na ..., ..., ..., ...-... Lisboa (doravante a “Requerente”), notificada da demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) e de juros compensatórios n.º 2021..., relativa ao exercício de 2018, no valor de € 8.376,71 e da demonstração de acerto de contas n.º 2021..., no valor de € 17.256,94, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade da demonstração de liquidação de IRC e de juros compensatórios acima identificada, com fundamento na ilegalidade das correções realizadas, a anulação daquela liquidação com todos os efeitos legais e a condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.
  2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que os gastos declarados conduziram à obtenção de proveitos, que a Requerente identificou perante a AT, devendo, como tal, ser aceites como gastos fiscalmente relevantes nos termos e para os efeitos do artigo 23.º do Código do IRC, uma vez que serviram diretamente “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

 

  1. No dia 18-05-2022, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, a qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 07-07-2022 as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 26-07-2022.

 

  1. No dia 30-09-2022, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

  1. No dia 17-11-2022, realizou-se a reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, que reiteraram e desenvolveram as respetivas posições de facto e de direito. 

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não enferma de nulidades. 

 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

A.   A Requerente é uma sociedade por quotas com capital social de € 49.879,79. 

 

B.    Iniciou a atividade em 01 de junho de 1986, registada para a atividade de AGÊNCIAS DE PUBLICIDADE.

 

C.    É conhecida pela marca ..., prestando serviços para diversas marcas e clientes.

 

D.   Tem como gerente de facto e de direito B..., com o NIF ... .

 

E.    O referido gerente tem domicílio fiscal no..., n.º ..., ... – ... Lisboa.

 

F.    Em 2021, a Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo externo,

 

G.   Do qual resultaram diversas correções com efeitos no apuramento do lucro tributável e imposto da Requerente, vertidas no correspondente Relatório de Inspeção Tributária (RIT) e resumidas neste quadro:

H.   A Requerente exerceu o seu direito de audição prévia em 25.11.2021.

 

I.      Em 17.12.2021, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária, datado de 03.12.2021, que manteve as seguintes correções:

·      correções relativas aos gastos fiscais (IRC), no valor de € 40.093,55;

·      correções às tributações autónomas no valor de €15.754,70. 

 

J.     Das correções realizadas resultou a liquidação de IRC no valor a pagar, relativo a imposto e juros compensatórios, de €17.256,94.

 

K.   A Requerente efetuou o pagamento da liquidação em causa.

 

L.    No exercício de 2018, a Requerente realizou diversas ações de aprofundamento de relações comerciais com potenciais clientes ou clientes, nomeadamente a C..., a D..., o E..., a F... e a G... .

 

M.  A entidade exploradora da H... (I..., S.A.), emitiu a fatura n.º 62/9159, de 05.08.2018, à Requerente, referindo-se a mesma a uma estadia, no período de 28/07/2018 a 05/08/2018, numa moradia com 4 quartos e com uma lotação máxima de 8 adultos no Aldeamento Turístico ... .

N.   Ainda no exercício de 2018, foi emitida à Requerente a Fatura-Recibo – Ato Isolado, no valor de € 9.876,00, de B..., NIF: ..., titulando uma prestação de serviços de angariação de cliente.

A.2. Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). 

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, número 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, assim como as declarações de parte e a prova testemunhal realizada na audiência de inquirição de testemunhas, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

As correções efetuadas pela AT que a Requerente contesta são as seguintes:

  • Desconsideração para efeitos de apuramento do resultado tributável de gastos com rendas e alugueres (n.º 1 do art.º 23.º do CIRC) – € 23.500,00 
  • Desconsideração para efeitos de apuramento do resultado tributável de gastos com alojamento (n.º 1 do art.º 23.º do CIRC) – € 6.717,55
  • Desconsideração para efeitos de apuramento do resultado tributável de gastos com “prestação de serviços” por falta dos requisitos legais (n.º 4 do art.º 23.º do CIRC) - € 9.876,00.

 

Vejamos o que concretamente referem a Requerente e a AT a propósito de cada um:

 

1)    Gastos com rendas e alugueres (€ 23.500)

 

Estes gastos têm por base um contrato de Cedência de Espaço e Equipamentos celebrado em 02.05.2018, pelo prazo de um ano, com a sociedade comercial J..., Lda.

 

Foram contestados pela AT do ponto de vista da sua aptidão para a obtenção de proveitos (cfr. página 12 do Relatório de Inspeção Tributária junto como documento n.º 3).

 

A Requerente pronunciou-se, no âmbito do exercício do direito de audição prévia, no sentido de que “as ações de charme e de aprofundamento de relações comerciais com potenciais clientes ou clientes, vieram a traduzir-se em oportunidades de concorrer em novos projetos /clientes e na angariação de novos clientes –C..., D..., E..., F...,G...– e ainda a consolidar relações e aprofundar negócio com clientes já existentes” (cfr. parágrafo 7 do direito de audição, junto como documento n.º 2).

 

A Requerente indicou, ainda, os clientes e os rendimentos que derivaram das ações realizadas no referido espaço: 

 Cliente: F..., Lda.

·      Fatura nº 4/23979, emitida no dia 30/11/2018, no valor de 1.125,00 euros + IVA;

·      Fatura nº 4/23980, emitida no dia 30/11/2018, no valor de 1.250,00 euros + IVA; 

·      Fatura nº 4/24027, emitida no dia 21/12/2018, no valor de 1.125,00 euros + IVA; 

·      Fatura nº 4/24028, emitida no dia 21/12/2018, no valor de 1.250,00 euros + IVA. 

Total de proveitos = 4.750,00 euros 

 

 Cliente: C..., SP, RL 

·      Fatura nº 4/23837, emitida no dia 12/09/2018, no valor de 11.485,00 euros + IVA; 

·      Fatura nº 4/23838, emitida no dia 12/09/2018, no valor de 580,00 + IVA;

·      Fatura nº 4/23839, emitida no dia 12/09/2018, no valor de 200,00 euros + IVA;

·      Fatura nº 4/23840, emitida no dia 12/09/2018, no valor de 240,00 euros + IVA; 

·      Fatura nº 4/23841, emitida no dia 12/09/2018, no valor de 605,00 euros + IVA; 

·      Fatura nº 4/23860, emitida no dia 26/09/2018, no valor de 540,00 euros + IVA; 

·      Fatura nº 4/23891, emitida no dia 16/10/2018, no valor de 660,00 euros + IVA; 

·      Fatura nº 4/23919, emitida no dia 29/10/2018, no valor de 200,00 euros + IVA; 

·      Fatura nº 4/23920, emitida no dia 29/10/2018, no valor de 120,00 euros + IVA; 

·      Fatura nº 4/23963, emitida no dia 27/11/2018, no valor de 1.180,00 euros + IVA; 

·      Fatura nº 4/23971, emitida no dia 30/11/2018, no valor de 570,00 euros + IVA; 

·      Fatura nº 4/24004, emitida no dia 11/12/2018, no valor de 3.150,00 euros + IVA; 

·      Fatura nº 4/24020, emitida no dia 19/12/2018, no valor de 2.500,00 euros + IVA; 

·      Fatura nº 4/24021, emitida no dia 19/12/2018, no valor de 660,00 euros + IVA; 

·      Fatura nº 4/24044, emitida no dia 21/12/2018, no valor de 180,00 euros + IVA. 

Total de proveitos = 22.870,00 euros

 

 Cliente: D... PLC 

·      Factura nº 4/23951, emitida no dia 07/11/2018, no valor de 2.750,00 euros + IVA; 

·      Factura nº 4/24008, emitida no dia 11/12/2018, no valor de 2.750,00 euros + IVA. 

Total de proveitos = 5.500,00 euros 

 

 Cliente: G..., Lda

·      Factura nº 4/24024, emitida no dia 19/12/2018, no valor de 1.475,00 euros + IVA. 

Total de proveitos = 1.475,00 euros

 

 Cliente: K...

·      Factura nº 4/23895, emitida no dia 16/10/2018, no valor de 10.634,00 euros + IVA. 

Total de proveitos = 10.634,00 euros

 

Relativamente a esta listagem, a AT respondeu, em sede de Relatório Final, o seguinte:

«Embora o sujeito passivo tenha listado faturas de diversos clientes, o mesmo não efetua a relação entre essas faturas e o gasto por si suportado, não indicando por exemplo qual ou quais as “ações de charme” ou “os eventos” que realizou para os clientes, ou representante desses clientes mencionados nas referidas faturas. Assim, e atendendo que não foi demonstrado qualquer ligação entre a despesa e a atividade da empresa, ou mesmo a perceção se os mesmos foram suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, os mesmos não são aceites como fiscalmente dedutíveis nos termos do artigo 23.º do CIRC

(cfr, páginas 26 e 27 do Relatório de Inspeção Tributária).

 

Quanto à Requerente, entende que a AT não se pode substituir ao sujeito passivo, nem aos respetivos gerentes/administradores, e avaliar subjetivamente se os custos foram bem ou mal empregues, ou se tiveram ou não sucesso na obtenção de lucro por parte dos sujeitos passivos. A margem de atuação da AT estará apenas e só na verificação de que o custo incorrido está ligado à atividade prosseguida pelo sujeito passivo – tudo o resto serão decisões de gestão que não cabe à AT sindicar.

 

Tendo, a esse respeito, a Requerente logrado provar, bem além do que lhe seria exigível, não só de que forma os custos em questão estão conexos à sua atividade, mas tendo até indicado especificamente exemplos concretos do sucesso dos custos em questão e do lucro que a Requerente obteve como consequência direta dos gastos em que incorreu.

 

Na situação em apreço, os custos incorridos não configuram sequer uma “operação infrutífera ou economicamente ruinosa”, conforme se demonstrou pelas faturas justificativas dos proveitos dos custos incorridos. A Requerente explicou ainda que, realizando ações de charme (e.g., cocktails, etc), está a criar oportunidades para aprofundar as relações profissionais existentes e para angariar novos clientes. Se, após estas ações, estes clientes contratam a Requerente para prestar serviços no âmbito da sua atividade comercial, entende a Requerente que tais proveitos resultam necessariamente das referidas ações de charme. E, como tal, quaisquer custos incorridos com a utilização do espaço deverão ser considerados como gastos fiscais dedutíveis.

 

Acrescenta que, sobre este tema da aceitação dos gastos fiscais, já se pronunciaram inúmeras vezes os nossos Tribunais, indicando, a título de exemplo, as conclusões formadas no Acórdão do Tribunal Central Administrativo (“TAF”) Sul, de 21.06.2021, no Processo n.º 2716/04.3BELSB: 5 “I- Nos termos do art. 23º do CIRC, na redação ao tempo, um custo é fiscalmente dedutível se estiver comprovado e for indispensável para a realização dos proveitos. II. A indispensabilidade assenta numa relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, visando direta ou indiretamente, a obtenção de lucros, tendo presente o seu objeto societário.”

 

E sobre a mesma questão cita Diogo Leite de Campos e João Costa Andrade, in "Autonomia Contratual e Direito Tributário", 1ª Edição, p. 26, Edições Almedina, onde os autores referem que: "(…) cabem, e só cabem, no disposto no art.º 23.º, 1, como custos não relevantes fiscalmente, os totalmente estranhos à atividade da empresa.'' Referem ainda os mesmos Autores que: "(…) o carácter de estraneidade em relação à atividade da empresa tem como ingrediente, mas não se esgota, na referência ao objeto social da empresa. Assim, o ato relevando de uma atividade estranha a esse objeto não é necessariamente um ato estranho à empresa, em termos de ato anormal de gestão. A empresa não pode ser limitada às atividades que já exercia ou ser obrigada a estabelecer uma ligação entre estas e uma tentativa de diversificação.''

 

No mesmo âmbito, cita também António Moura Portugal, in “A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa”, Coimbra Editora, 2004, pág. 133 e ss., em que o autor sustenta que “(…) a indispensabilidade tem de ser interpretada em função do objeto societário. Deixando de ser tolerável a utilização do critério de razoabilidade como fundamento para limitar quantitativamente os encargos incorridos pelos sujeitos passivos. A indispensabilidade deve ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na atividade societária o qual por natureza não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal que se não deve imiscuir muito menos valorar as decisões empresariais do contribuinte. Os custos indispensáveis equivalem assim os gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a atividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se sempre que por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas coletivas as operações societárias se insiram na sua capacidade por subsunção ao respetivo escopo societário e em especial desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma direta ou indireta”.

 

Por seu lado, a AT entende que a relevância de um gasto para efeitos fiscais depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado, sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causa é ou não empresarial, se é um gasto efetivamente incorrido no interesse da própria empresa que o suporta ou se respeita a um qualquer outro interesse, à satisfação de interesses alheios, designadamente dos seus sócios, ou seja, se estamos perante um gasto aceite fiscalmente ou não.

 

Refere o Relatório Final da Comissão para a Reforma do IRC - 2013: «… é hoje bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. Tem-se afastado, pois, a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos. A jurisprudência tem firmado, consistentemente, uma linha interpretativa na qual se sustenta que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas ao IRC. Isto é, encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios.» (cf. p. 128 do citado Relatório).

 

Assim, nos termos do art.º 23.º do CIRC, os gastos têm de respeitar dois princípios: 

(i)             Ser comprovados documentalmente nos termos expressamente exigidos pelos números 3, 4 e 6 do art.º 23.º do CIRC; 

(ii)           Ser incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC (nos termos do número 1).

 

Em suma, entende a AT que, sendo certo que a administração fiscal não se deve intrometer na autonomia e na liberdade de gestão dos contribuintes, não se pode aceitar que esse princípio possa impedi-la de questionar fundadamente a pertinência de um determinado custo/gasto, à luz do direito fiscal vigente, sindicando a observância dos critérios de razoabilidade, habitualidade, adequação e necessidade económica e comercial subjacentes à letra e ao espírito do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, tendo como pano de fundo a normalidade empresarial, a racionalidade económica e o escopo societário.

 

A AT cita jurisprudência e doutrina a propósito da questão da dedutibilidade dos gastos, concluindo que a Requerente não logrou demonstrar, como lhe cabia, que aqueles foram contraídos, comprovadamente, no interesse exclusivo da empresa e que se encontram verificadas as características de razoabilidade, habitualidade, adequação e necessidade económica e comercial implícitas na letra e espírito do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, para efeitos de dedutibilidade fiscal.

 

Em concreto sobre o aluguer do espaço em causa para eventos, entende a AT que, além de meras alegações, a Requerente não apresentou qualquer prova da realização, naquele espaço, de um qualquer evento, nomeadamente cópia de convites, publicações internas ou externas dos referidos eventos, fotos, publicidade a esses eventos. Além disso, a AT pesquisou no site da empresa e na internet sobre a ocorrência das alegadas “ações de charme” e não detetou qualquer referência a um evento, seja um cocktail, festa, encontro, reunião, convívio, realizado/patrocinado pela L... .

 

Acrescenta que a necessidade dessa prova é ainda mais pertinente se se atender ao facto de os gastos alegadamente incorridos no interesse da sociedade A... terem sido faturados pela sociedade J..., Lda.(J...), sociedade representada pelo mesmo sócio gerente da Requerente, B... tendo por base um contrato de Cedência de Espaço e Equipamentos celebrado em 02 de maio de 2018, ou seja, estarmos perante uma transação entre entidades com relações especiais.

 

Assim, cabendo à Requerente, que pretende fazer valer o seu direito à dedutibilidade do referido gasto relativo a rendas de um espaço e aluguer de equipamentos, o ónus de demonstrar que tais gastos se inserem no escopo societário e que foi realmente incorrido no interesse da empresa que o suportou e não no interesse de terceiros, não o tendo feito, e tal como concluíram os Serviços Inspetivos, entende que estamos perante um gasto não aceite fiscalmente nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC.

 

Expostas as posições de ambas as Partes, cumpre decidir.

 

A questão de direito que vem colocada prende-se com o sentido e alcance do artigo 23.º do CIRC. Para o efeito, importa, desde logo, extrair do preceituado nos n.ºs 1, 3 e 4 do artigo 23.º do Código do IRC a norma central nesta matéria. No número 1 estabelece-se que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”. Já os números 3 e 4 do mesmo preceito preveem, quanto à comprovação dos referidos gastos, o seguinte:

3 — Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito. 

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos: 

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário; 

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional; 

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados; 

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço; 

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados. 

 

É, também, relevante o disposto no artigo 23º-A, n.º 1 alíneas b) e c), que igualmente se transcrevem:

1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: 

(...)

b) As despesas não documentadas;

c) Os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 23.º, bem como os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º;

(…).

 

Do conjunto destes enunciados normativos extraem-se os seguintes requisitos para a dedutibilidade dos gastos em sede fiscal[2]:

(iv)          O primeiro requisito é o da efetividade do gasto (primeira parte do n.º 1 do art.º 23.º), que a jurisprudência constante nesta matéria tem entendido implicar que tenha sido efetuado um pagamento ou, de outra forma, sido satisfeita a obrigação de se efetuar um pagamento (por compensação, por exemplo)[3]. natureza finalística, que consiste em que o gasto deve ter sido realizado “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

(v)           O segundo requisito é de natureza finalística, consistindo, no fundo, na justificação do gasto. A lei deixou de falar em indispensabilidade dos gastos, como fazia anteriormente, sendo agora determinante para a dedutibilidade que o gasto tenha como objetivo contribuir para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC (segunda parte do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC).

(vi)          O terceiro requisito diz respeito à documentação do gasto, subdividindo-se em dois aspetos. Em primeiro lugar, é necessário que o gasto se encontre documentado, ou seja que exista prova documental que permita verificar, pelo menos, a existência do gasto. Em segundo lugar, é necessário que o documento que prova a existência do gasto cumpra, ele próprio, vários requisitos quanto ao seu conteúdo, nomeadamente que contenha os elementos de informação elencados nas alíneas a) a c) do n.º 4 do artigo 23º do CIRC.

 

Assim, não é exigível, face ao, atualmente, preceituado na lei, que os gastos sejam indispensáveis para a obtenção de rendimentos, devendo apenas avaliar-se se os gastos ocorreram no âmbito e por força da atividade empresarial do sujeito passivo. Mas já no domínio da redação anterior a noção legal de indispensabilidade era interpretada sob uma perspetiva económico-empresarial, isto é, relacionada com a motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivaliam aos gastos contraídos no interesse da empresa, isto é, que fossem abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. 

Fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, processo n.º 0107/11): “A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.

 

O conceito de indispensabilidade não podia fazer-se equivaler a um juízo estrito de absoluta necessidade, assim como não podia assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revela infrutífera não podiam, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis. Mesmo no âmbito da lei anterior, a relação entre gastos e proveitos e a aptidão dos primeiros para a obtenção dos segundos era avaliada com um certo nível de abstração, e não em função de resultados concretos. Mesmo aí, portanto, as considerações presentes no Relatório Final de Inspeção, quando a AT refere que, “embora o sujeito passivo tenha listado faturas de diversos clientes, o mesmo não efetua a relação entre essas faturas e o gasto por si suportado, não indicando por exemplo qual ou quais as “ações de charme” ou “os eventos” que realizou para os clientes, ou representante desses clientes mencionados nas referidas faturas. Assim, e atendendo que não foi demonstrado qualquer ligação entre a despesa e a atividade da empresa, ou mesmo a perceção se os mesmos foram suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, os mesmos não são aceites como fiscalmente dedutíveis nos termos do artigo 23.º do CIRC.”

 

O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos era, e é, exclusivo do empresário. Se ele decidisse fazer despesas tendo em vista prosseguir o objeto da empresa, mas fosse mal sucedido e essas despesas se revelassem, por último, improfícuas, não deixavam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilizasse como custo e se mostrasse estranho ao fim da empresa não era custo fiscal, porque não indispensável. Como ficou consignado em Acórdão do STA:“Entendemos (...) que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa.”[4]

 

Mais recentemente defendeu, por unanimidade, o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, que: “O conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artº 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das atividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a atividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados.”[5]

 

E, mais à frente no mesmo aresto:

Consideramos definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (23) (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.).Entendemos a indispensabilidade como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte. «Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. [...] O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa» (24) (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa.”

 

Em relação ao ónus de prova, constitui jurisprudência pacífica que, nesta sede, tal ónus incide sobre o sujeito passivo, por estar em causa um facto constitutivo do direito à dedução invocado (nos termos do disposto no art. 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária). A este respeito, constitui pertinente orientação jurisprudencial que: “Se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade” (cfr. os acórdãos do TCA Norte de 11-02-2016, proc. n.º 00080/03 e do TCA Sul de 02-02-2010, proc. n.º 03669/09 e de 16-10-2012, proc. n.º 05014/11). Nestes termos, os gastos contabilizados que sejam fundadamente questionados pela AT, para serem fiscalmente dedutíveis, têm de ser objeto de comprovação objetiva quanto à sua indispensabilidade por parte do sujeito passivo que os contabilizou. Neste sentido, cfr., entre outras, as Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 735/2019-T; 510/2020-T; 534/2020-T.  Embora hoje se tenha deixado de se falar em indispensabilidade, a verdade é que o ónus de prova da ligação do custo à atividade empresarial continua a caber ao sujeito passivo, atenta a fundamentação subjacente deste ónus.

 

Finalmente, no que concerne à comprovação dos custos, constitui jurisprudência pacífica que, nesta sede, os meios de prova não têm de revestir necessariamente natureza documental. Como ficou consignado nas Decisões Arbitrais proferidas nos processos 510/2020-Te 534/2021-T, “(…) para efeitos de dedutibilidade de um custo entendia a doutrina e a jurisprudência que aquele requisito se demonstra através de documentos que comprovem os custos realizados, sendo que esses documentos podem consistir em meros documentos, faturas, recibos ou até uma nota interna da empresa, conquanto se revelem credíveis e consistentes. Só não sendo considerados como custos fiscalmente relevantes os que não são suportados em documentos válidos. Assim sendo, quanto à prova documental, esta é por norma o meio de prova exigido em razão da sua adequação à prática comercial, não sendo, no entanto, de excluir outros meios de prova para comprovar os custos efetivamente realizados, e como complemento da mesma, como, por exemplo, a prova testemunhal ou a prova pericial.”

 

No caso presente, a AT não põe em causa a efetividade do gasto, nem a respetiva comprovação, mas sim a justificação em termos da relação entre o gasto incorrido e a geração de rendimentos tributáveis. Está, portanto, em causa, o segundo requisito dos acima referidos.

 

A Requerente justifica o gasto dizendo que o mesmo serviu para manter relações contratuais e para potenciar novas relações contratuais, juntando diversas faturas para comprovar a obtenção de proveitos de clientes que estiveram presentes nos eventos pagos com os gastos aqui em causa. Por outro lado, a AT entende que a comprovação da justificação do gasto feita pela Requerente é insuficiente, e que as suas próprias pesquisas não lhe permitiram comprovar que os eventos, e que eventos, tiveram lugar. 

 

A prova testemunhal apresentada corroborou a argumentação da Requerente no sentido de os eventos terem tido lugar e, inclusive, de dos mesmos ter resultado a realização de proveitos tributáveis. 

 

Em suma, atenta a prova produzida, o argumento da Requerida quanto à inexistência de conexão entre o gasto e a sua atividade carece de justificação, assemelhando-se mais a um juízo sobre a oportunidade ou conveniência do gasto em causa que não lhe é permitido pela legislação aplicável. Com efeito, não há como dizer, legitimamente, que os gastos não tenham sido feitos na defesa, ou promoção, do interesse social. Termos em que deve proceder o pedido da Requerente nesta sede.  

 

2)    Gastos com alojamento

 

Em concreto, o gasto em questão diz respeito a “despesas registadas como gastos e contabilizadas como trabalhos especializados, nas contas 6221311 – Iva taxa normal e 6221312 – IVA taxa reduzida, especificamente, o alojamento no Aldeamento Turístico ..., de 28/07/2008 a 05/08/2008” (cfr. página 14 do Relatório de Inspeção Tributária junto como documento n.º 3).

 

A AT questionou o destino, o motivo do gasto e se o mesmo contribuiu para a realização de proveitos, nos termos do artigo 23.º do IRC, tendo a Requerente informado, no exercício do seu direito de audição prévia, que o gasto em questão diz respeito a uma ação de reconhecimento e teambuilding.

 

A AT não aceitou a explicação dada pela Requerente e desconsiderou o gasto, facto que a Requerente entendeu como consubstanciando uma violação do dever de fundamentação que impende sobre a administração fiscal, nos termos do disposto no artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 77.º da Lei Geral Tributária.

 

A AT contesta a alegada violação do dever de fundamentação, alegando que os SIT desconsideraram este gasto nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC explicando que “consultando o documento justificativo do gasto verifica-se que a fatura é referente a um quarto (119), no período de 28/07/2018 a 05/08/2018 e que o hospede é o senhor B..., não sendo possível o estabelecimento de qualquer ligação entre a despesa, e a mencionada «ação de reconhecimento e teambuilding», nem com a atividade da empresa, ou mesmo a perceção se os mesmos foram suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.”

 

Em resposta, a Requerente veio acrescentar que o gasto com alojamento no Aldeamento Turístico ..., de 28 de julho de 2018 a 05 de agosto de 2018, no montante total de € 6.717,55, se refere a uma estadia numa moradia e não num quarto (119) como fundamentaram os SIT, local “onde foi realizada a referida ação de reconhecimento e teambuilding”. 

 

Já nos presentes autos, a Requerente juntou uma declaração emitida pela entidade exploradora da H... (I..., S.A.), que vem esclarecer que o alojamento identificado na factura n.º 62/9159, de 05.08.2018 (ora em questão) se trata de uma moradia (cfr. declaração junta como documento n.º 5).

 

A propósito do reconhecimento como gasto fiscalmente relevante dos custos com ações de teambuilding, alude a um caso anteriormente decidido por um tribunal arbitral formado junto do CAAD, extraindo o seguinte excerto da decisão aí proferida: “atentos ao conceito de gasto fiscal supra explicitado, haverá que concluir que os gastos com o “fortalecimento dos laços profissionais, incremento da motivação dos trabalhadores e o incentivo à produtividade”, vulgo “teambuilding”, serão, em regra, aceites em termos fiscais”[6].

 

Entende, assim, que devem ser anuladas as correções efetuadas, em sede de IRC, no valor de € 6.717,55, por não ter a AT cumprido o dever de fundamentação da correção realizada, por não corresponderem à verdade as considerações feitas pela AT quanto à fatura em causa e, ainda, por se tratarem de gastos incorridos pela Requerente no âmbito da sua atividade comercial, nos termos e para efeitos do artigo 23.º do Código do IRC.

 

A AT, após análise dos novos elementos carreados aos autos pela Requerente, nomeadamente a declaração emitida em 12 de maio de 2022 pela entidade exploradora do Aldeamento Turístico ...- Algarve, a sociedade I..., S.A., NIPC..., e, ainda, a informação disponível no site daquela unidade hoteleira, conclui que aquele encargo se refere a uma estadia de 8 noites, numa moradia com 4 quartos, e com uma lotação máxima de 8 adultos.

 

Confronta essa informação com o facto de a Requerente, no ano de 2018, ter tido ao seu serviço, em média, 23 trabalhadores (documentos que extraiu da IES de 2018 e da Declaração Mensal de Remunerações de dezembro de 2018), pondo em causa que “uma ação de reconhecimento e teambuilding” de todos esses trabalhadores possa ter tido lugar no alojamento em causa, cuja lotação máxima é de 8 pessoas, concluindo que esta ação motivacional teria sempre de ser uma ação vedada à grande maioria de trabalhadores da empresa, o que parece ser o oposto dos objetivos intrínsecos de uma ação desta natureza.

 

Salienta que a Requerente não identificou quais os trabalhadores selecionados para a alegada ação de fortalecimento do “espírito de equipa”, porque é que selecionou alguns trabalhadores em detrimento de outros, não tendo, ainda, apresentado qualquer elemento comprovativo da realização daquela ação, nomeadamente, programa de atividades, horários, participantes e demais informações concernentes.

 

Ou seja, não apresentou qualquer prova de que o referido gasto relativo a uma estadia de 8 noites numa moradia T4 no Algarve, foi realmente incorrido no interesse exclusivo da própria empresa que o suportou e não no interesse de terceiros, pelo que conclui estar perante um gasto não aceite fiscalmente nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC.

 

Tendo em conta o que já ficou dito atrás acerca dos requisitos previstos na lei para a dedutibilidade fiscal dos gastos, estamos em crer que não assiste razão à AT. Efetivamente, as ações de teambuilding são frequentemente utilizadas no âmbito empresarial com fins motivacionais, sendo a concreta modalidade da ação definida pelos órgãos de gestão de cada empresa. Por vezes pretende-se estimular a proximidade e o aprofundamento de laços entre trabalhadores, outras vezes definir a forma como será abordado um problema ou como será implementada uma nova estratégia num ambiente de maior descontração, porventura até cumplicidade, que estimule a produtividade, promova a autoestima e reforce o espírito de equipa. No âmbito da gestão de recurso humanos é, certamente, uma das técnicas mais utilizadas para promover o reforço de laços dentro da empresa, e, desse modo, aumentar a produtividade – com o objetivo último de potenciar o aumento de rendimentos por parte da empresa. A aptidão de um gasto com este tipo de ações para promover a obtenção de rendimentos tributáveis é, portanto, inquestionável (e independente de se saber se, efetivamente, os resultados aumentam logo de seguida, apenas mais tarde ou se não aumentam de todo). 

 

A AT retorque que (i) a Requerente não identificou quais os trabalhadores selecionados para a alegada ação de fortalecimento do “espírito de equipa”, (ii) porque é que selecionou alguns trabalhadores em detrimento de outros, não tendo, ainda, (iii) apresentado qualquer elemento comprovativo da realização daquela ação, nomeadamente, programa de atividades, horários, participantes e demais informações concernentes.

 

Quanto ao primeiro aspeto, a prova testemunhal produzida em audiência veio ajudar a esclarecer porque é que não tinham participado da ação de teambuilding todos os funcionários da empresa, tendo informado este Tribunal que o que se pretendeu na altura foi apenas reunir os quadros com funções de chefia com o propósito de definir novas estratégias para a empresa, bem como os termos da respetiva implementação. Quanto a saber porque é que foram selecionados esses quadros e não todos os trabalhadores, ou outros trabalhadores, embora a prova testemunhal tenha contribuído para o esclarecimento também destas dúvidas da AT, sempre se diga que a definição do critério que deve presidir à inclusão do trabalhador a ou numa ação de teambuilding faz parte da liberdade de iniciativa económica privada garantida, desde logo, pela Constituição no n.º 1 do artigo 61.º (a iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral). Ora, os valores que a AT deve defender com a sua atuação, nomeadamente quando afere da dedutibilidade fiscal dos gastos dos sujeitos passivos de IRC, não permitem coartar dessa forma a liberdade de organização empresarial, que pressupõe a liberdade na definição das estratégias mais aptas à promoção da atividade da empresa. Na aferição da dedutibilidade de gastos nos termos do artigo 23.º do CIRC impõe-se uma ponderação entre a exigência de ligação entre os custos e a atividade da empresa, por um lado, e a liberdade de gestão dos seus órgãos sociais, por outro, com vista a encontrar o equilíbrio entre ambos.

 

Por fim, quanto a “não ter sido apresentado qualquer elemento comprovativo da realização daquela ação, nomeadamente, programa de atividades, horários, participantes e demais informações concernentes”, a prova testemunhal, bem como a fatura do gasto e os esclarecimentos prestados por quem a emitiu são, no entender deste Tribunal, suficientes para a comprovação do mesmo, na dimensão da sua efetividade. 

 

Não assiste, portanto, razão à AT neste ponto.

 

3)    Gastos com prestações de serviços 

 

Relativamente a gastos com prestação de serviços foram efetuadas correções, pela AT, no montante de € 9.876,00, sendo referido, no Relatório de Inspeção Tributária, que “a Fatura-Recibo – Ato Isolado emitida por B..., NIF: ..., sócio da A..., não cumpre com os requisitos estabelecidos no n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, nomeadamente porque não indicam a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados. O documento em causa apenas refere a menção “prestação de serviços”, não sendo possível saber qual o serviço efetivamente prestado e se o mesmo contribuiu para a realização de proveitos conforme estatuído no artigo 23.º do IRC” (cfr. p. 15 do Relatório de Inspecção Tributária junto como documento n.º 3). 

 

A Requerente alega que a fatura de prestação de serviços em apreço foi prestada no âmbito da atividade prosseguida pelo prestador de serviços em questão (i.e., gestão e marketing), o qual havia trabalhado como “Brand Manager” na sociedade comercial M..., Lda., nos anos anteriores a 2018 e que, não se encontrando já o mesmo a trabalhar para aquela entidade (nem tão pouco sendo no ano em questão trabalhador da Requerente), angariou a mesma como cliente da ora Requerente e foi ressarcido pela referida prestação de serviços.

 

Assim, entende que o custo incorrido deve ser aceite como gasto fiscal nos termos e para efeitos do artigo 23.º do Código do IRC, uma vez que serviu diretamente “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

 

Quanto à AT, entende que o documento que titula o gasto em causa, nomeadamente a Fatura-Recibo – Ato Isolado emitida por B..., NIF:..., sócio da A..., apenas contem a menção “prestação de serviços”, o que, em seu entender, consubstancia uma violação do disposto na al. c) do n.º 4 do art.º 23.º do CIRC, nos termos do qual, no caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo deve conter, entre outros elementos, a quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados, sob pena de desconsideração desse gasto para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos taxativamente impostos na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC, como veio a suceder no caso em apreço.

 

Esta exigência tem em vista impor aos sujeitos passivos os deveres de documentação de encargos considerados necessários para assegurar a eficiência do controle da afetação das despesas a fins empresariais, essencial para se estabelecer a relevância de aquisições de serviços e para evitar situações de fraude e de evasão fiscal. Ou seja, nestes casos, apesar da existência de documentação do encargo, não sendo esta a apropriada face ao exigido nos n.os 3, 4 e 6 do art.º 23.º, o gasto não deve ser dedutível para efeitos do apuramento do lucro tributável.

 

O que está em causa quanto a esta fatura é o terceiro dos requisitos atrás enunciados, ou seja, o relativo à documentação do gasto, que se subdivide em dois aspetos. Em primeiro lugar, é necessário que o gasto se encontre documentado, ou seja que exista prova documental que permita verificar, pelo menos, a existência do gasto. Em segundo lugar, é necessário que o documento que prova a existência do gasto cumpra, ele próprio, vários requisitos quanto ao seu conteúdo, nomeadamente que contenha os elementos de informação elencados nas alíneas a) a c) do n.º 4 do artigo 23º do CIRC.

 

Como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 23.º do Código do IRC, os gastos dedutíveis “devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”. E no caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo deve conter, pelo menos, os seguintes elementos: a) nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário; b) números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional; c) quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados; d) valor da contraprestação, designadamente o preço; e) data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados” (cfr. n.º 4).

 

Tratando-se, no caso, de aquisição de bens ou serviços, a documentação exigível seria a constante do n.º 4, que, na redação resultante da reforma de IRC de 2014, consagrou o entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência no sentido de considerar como bastantes, para a dedutibilidade do gasto, os elementos que identifiquem a operação realizada (sujeitos, objeto, data e preço), afastando, por conseguinte, os requisitos mais exigentes do artigo 36.º, n.º 5, do Código do IVA quanto às formalidades das faturas para efeito do direito de dedução do imposto (cfr. Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, 2019, Coimbra, págs. 105-106). Mesmo quanto a estes, a jurisprudência do TJUE tem sido no sentido de a substância se dever impor à forma – como se referirá mais à frente nesta decisão.

 

Por seu lado, o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea b), do Código do IRC especifica como encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação, entre outros, as “despesas não documentadas”, isto é, aquelas que não têm por base qualquer documento justificativo ou de suporte documental a nível contabilístico, e, como tal, não especificam a sua natureza, origem ou finalidade[7]. As despesas não documentadas distinguem-se das despesas não devidamente documentadas, isto é, aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação e que apenas acarretam a não dedutibilidade para efeitos fiscais.

 

 Quanto à prova documental dos gastos, e mesmo que se considere exigível que do documento justificativo constem os elementos que identifiquem a operação ou a transação realizada, não poderá perder-se de vista a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nomeadamente vertida no acórdão Barlis, proferido no processo n.º C-516/14, quanto às formalidades das faturas para efeitos de IVA. O TJUE tem salientado que as especiais exigências quanto ao teor das faturas não podem ser atendidas de modo absoluto e mesmo nos casos em que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais que sejam exigidos a respeito das faturas emitidas, nem por isso se deverá negar o direito de deduzir o montante de imposto por estes suportado a montante, conquanto estejam verificados os respetivos requisitos materiais. Para o efeito, esclarece o Tribunal de Justiça que a Administração não deverá apenas ter em conta as faturas em si mesmas consideradas, mas também as informações complementares prestadas pelo sujeito passivo. Com efeito, o TJUE admite a prevalência da substância sobre a forma com o intuito de garantir que os eventuais vícios formais das faturas não obstam ao direito de o sujeito passivo deduzir o montante de imposto que tenha suportado a montante para a prática das operações sujeitas a IVA, assim se garantindo a neutralidade do imposto.

 

Transpondo esta orientação para a dedutibilidade de gastos para efeitos fiscais, no contexto da determinação do lucro tributável em sede de IRC, não pode deixar de reconhecer-se que a Administração Tributária deverá atender aos elementos complementares que tenham sido fornecidos pelo contribuinte de modo a aferir a fiabilidade dos dados inscritos na contabilidade e das operações comerciais que tenham sido realizadas (cfr., neste sentido, o acórdão proferido no Processo n.º 773/2019-T).

 

Neste caso, a prova testemunhal apresentada quanto a este ponto veio esclarecer o Tribunal de que a fatura em causa titula uma prestação de serviços de angariação de cliente, corroborando o que já tinha sido alegado pela Requerente a este propósito. Assim, embora a referência a “prestação de serviços” na fatura seja, efetivamente, insuficiente para a comprovação do tipo de gasto em causa e, portanto, da admissibilidade da sua dedutibilidade fiscal, a verdade é que as informações complementares fornecidas pelo sujeito passivo vêm aduzir elementos adicionais relevantes para a compreensão da operação que foi titulada pela fatura em causa. 

 

Por esse motivo, também quanto a este gasto, entende-se assistir razão à Requerente quando efetuou a sua dedução, sendo de rejeitar a correção defendida pela AT quanto a este gasto.

 

Resulta do exposto que este Tribunal considera que os gastos corrigidos pela AT cumprem os requisitos estabelecidos por lei para a respetiva dedutibilidade, razão pela qual devem ser anuladas as correções efetuadas pela AT e aqui impugnadas pela Requerente.

 

A Requerente pede, por fim, a condenação da Requerida no reembolso da quantia indevidamente paga, bem como no pagamento de juros indemnizatórios que se mostrarem devidos, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária. 

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade das correções efetuadas pela AT aos gastos dedutíveis no período em causa, é procedente a pretensão da Requerente quanto à restituição do imposto, desde logo por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para restabelecer a situação que existiria se a ilegalidade em causa não tivesse sido praticada. 

 

No que respeita aos juros indemnizatórios, cabe apreciar esta pretensão à luz do disposto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária, nos termos de cujo n.º 1 se prevê que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. 

 

O entendimento pacífico da jurisprudência nacional pode ser lido no acórdão do STA proferido em 19.11.2014, no processo 0886/14:

“desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro, conforme se deixou explicado, entre outros, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12/12/2001, no recurso n.º 026233, pois «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços. - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 14 de Março de 2012, rec. n.º 1007/11, e numerosa jurisprudência aí citada.”

 

No caso sub judice, à luz da jurisprudência referida, não poderá deixar de proceder o pedido de condenação quanto aos juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços. 

 

***

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência: 

a)    Julgar procedente o pedido de anulação parcial do ato de liquidação de IRC e de juros compensatórios n.º 2021..., relativo ao exercício de 2018, no valor de € 8.376,71 e da demonstração de acerto de contas n.º 2021..., no valor de €17.256,94, na parte em que resultam da não aceitação como gasto fiscalmente relevante das despesas que foram objeto de análise neste processo;

b)    Julgar procedente o pedido de restituição do imposto pago na medida relativa à anulação parcial constante da alínea anterior;

c)    Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, quanto ao montante a restituir, nos termos conjugados do disposto no artigo 43.º da LGT e 61.º do CPPT;

d)    Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 17.256,94 (dezassete mil, duzentos e cinquenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de janeiro de 2023

 

A Árbitro

 

(Raquel Franco)

 



[1] Cf. o Acórdão do STA de 22-01-2014, proferido no âmbito do processo n.º 01632/13.

[2] A este propósito, vejam-se os acórdãos proferidos nos processos 735/2019-T e 793/2021-T.

[3] Cf. o Acórdão do STA de 22-01-2014, proferido no âmbito do processo n.º 01632/13.

[4] Cf. o Acórdão proferido a 29.03.2006, no âmbito do processo n.º 01236/05.

[5] Cf. o Acórdão de 27.02.2018, proferido no âmbito do processo n.º 01402/17.

[6] Cf. a Decisão Arbitral de 10.09.2019, proferida no Processo n.º 13/2019.

[7] Cf. o Acórdão do TCA Sul de 07.02. 2012, proferido no âmbito do processo n.º 04690/11.