SUMÁRIO:
1. Não obstante a fixação do valor patrimonial tributário ter a natureza de acto destacável, esta é susceptível de apreciação em sede de impugnação da liquidação, a título meramente instrumental, para o efeito de apurar se a matéria colectável, enquanto pressuposto da legalidade do acto tributário impugnado, foi correctamente determinada.
2. Segundo a lei vigente à data dos factos, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não eram aplicáveis os coeficientes de afectação, de localização e de qualidade e conforto, a que se refere o artigo 38.º, do Código do IMI.
DECISÃO ARBITRAL:
O árbitro, Martins Alfaro, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 17-05-2022, profere a seguinte Decisão Arbitral:
A - RELATÓRIO
A.1 - Requerente da constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT): Sociedade A..., Lda., com o número de identificação fiscal ... e com sede social na Rua ..., n.º ..., ... ...‐... Lisboa.
A.2 - Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira.
A.3 - Objecto do pedido de pronúncia arbitral: Actos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre os Imóveis nrs. 2020..., 2020 ... e 2020 ..., todos referentes ao ano de 2020 e ao prédio urbano - terreno para construção, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo..., da freguesia de ... e ..., concelho de Figueira da Foz.
A.4 - Pedido: A título principal, a anulação parcial dos actos tributários de liquidação de IMI objecto do pedido de constituição do tribunal arbitral, porque manifestamente ilegais em resultado de errónea colecta de imposto relativamente a valores patrimoniais tributários de terrenos para construção determinados com uma fórmula que, ao aplicar os coeficientes mencionados na p.i., não lhes era legalmente aplicável; e efectuado o reembolso dos montantes de imposto liquidado e pago em excesso de € 1.484,60, acrescido de juros indemnizatórios, com as demais consequências legais.
Subsidiariamente, que seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redacção vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos anulados, com todas as consequências legais.
A.5 - Resposta da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira:
Notificada para apresentar Resposta, a Requerida veio dizer o seguinte:
Por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os actos de liquidação ser anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT.
Não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correcção do VPT em sede de impugnação do acto de liquidação.
O VPT que foi tido em conta na liquidação visada, encontrava-se consolidado, pois a avaliação desse terreno resultou da declaração modelo 1 do IMI apresentada pela Requerente em 2013.01.15,
As avaliações efectuadas há mais de cinco anos, em que foram considerados os coeficientes de localização e afectação na determinação do valor patrimonial tributários dos terrenos para construção, não podem ser objecto de anulação administrativa, conforme decorre do artigo 168, n.º 1, do CPA.
Por estar a Administração Tributária vinculada ao princípio da legalidade previsto no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e concretizado nos artigos 55.º da Lei Geral Tributária e no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou em vigor no ordenamento jurídico, conforme se verificou no caso em apreço.
Não se verificam os pressupostos para que haja lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
O pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos.
B - SANEAMENTO:
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto dos artigos 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea b), ambos do RJAMT, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAMT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAMT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 17-05-2022.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, atenta a conformação do objecto do processo e face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAMT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAMT.
O prazo para a decisão arbitral foi prorrogado pelo período de dois meses, por despacho de 16-11-2022 e novamente prorrogado por dois meses, por despacho de 16-01-2023.
O processo não enferma de nulidades.
Cumpre apreciar e decidir, o que se fará de seguida.
C - QUESTÃO PRÉVIA: INIMPUGNABILIDADE DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO OBJECTO DO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL:
Na sua Resposta, a Requerida excepcionou, alegando que não é possível impugnar as liquidações aqui em causa com fundamento em vícios próprios dos actos de fixação de valores patrimoniais, partindo da consideração de que, constituindo o acto de fixação do valor patrimonial tributário, um acto destacável, objecto de impugnação autónoma, não é possível, na impugnação dos actos de liquidação que com base nele sejam efectuadas, discutir-se a legalidade daquele acto de fixação, porquanto os mesmos já se consolidaram na ordem jurídica.
Notificada para se pronunciar em sede de contraditório, a Requerente optou por permanecer silente.
Apreciando:
Entende o Tribunal que a Recorrida não tem razão, louvando-se essencialmente nos fundamentos que constam na decisão arbitral, de 02-07-2021, proferida no processo n.º 760/2020-T, do CAAD e prolatada pelo Prof. Doutor Rui Duarte Morais.
Com efeito, é indisputável que o acto de fixação do valor patrimonial tributável constitui um acto destacável, sujeito a impugnação autónoma.
A Requerida considerou que a natureza de acto destacável, atribuída ao acto de fixação do valor patrimonial tributável, implica incontornavelmente a respectiva insindicabilidade, mesmo na impugnação do acto de liquidação em que seja invocado erro na determinação da matéria colectável como causa de pedir.
Ora, nos presentes autos, verifica-se que a Requerente visou a anulação das liquidações e não a anulação do valor patrimonial tributário.
Em tal ordem, o erro no valor patrimonial tributável - que constitui um dos dois termos da liquidação em sentido estrito - consiste, assim, em questão suscitada a título meramente instrumental.
E instrumental porque - como no caso dos autos - a Requerente não visa modificar os actos de fixação do valor patrimonial tributário, mas sim que o Tribunal aprecie se a determinação da matéria colectável cumpre com os requisitos legais, afinal, se a base tributável obedece à Lei, enquanto pressuposto da legalidade do acto tributário impugnado.
Nesta matéria, o Tribunal acompanha assim o que, a propósito, se escreveu na já referida decisão arbitral, prolatada pelo Prof. Doutor Rui Duarte Morais, no sentido de que:
«[…] a previsão da impugnabilidade autónoma de atos destacáveis visa, em geral, conferir maiores garantias aos particulares e não reduzir o âmbito das garantias que a lei, em geral, prevê.
Assim, tal previsão legal não deve ser entendida - salvo existindo razões substanciais que a tal se oponham, o que não acontece no presente caso - como precludindo a possibilidade de impugnação dos vícios do ato instrumental (fixação do VPT) em processo de impugnação do ato conclusivo do procedimento (liquidação)».
E tal asserção encontra-se, de resto, plenamente conforme uma interpretação e uma aplicação mais favoráveis ao acesso ao direito e à tutela judicial efectiva, a fim de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo.
Acompanhamos igualmente o entendimento constante do Acórdão do Tribunal Central Administrativo - Sul, proferido em 31-10-2019, no processo n.º 2765/12.8BELRS:
O acto de fixação do VPT não se encaixa neste conceito, visto que é encarado, de forma pacífica, como acto administrativo em matéria tributária, destacável e autonomamente impugnável. É verdade que uma vez firmada a fixação do VPT, por não ter sido utilizado qualquer dos meios de defesa ao dispor do contribuinte, nos termos do artigo 20.º do Decreto-Lei 267/2003, esse VPT servirá de base às liquidações de IMI subsequentes, até eventual alteração do seu valor.
De facto, deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, nem assim fica impossibilitado de arguir a ilegalidade do VPT fixado, embora com efeitos restritos às liquidações posteriores à reclamação.
Defender o contrário é o mesmo que defender a perpetuidade da conduta ilegal da Administração, o que repugna ao bom senso e ao Direito admitir.
Assim, no plano do Direito o artigo 115.º do CIMI constitui uma válvula de escape para tais situações, devendo o respectivo mecanismo ser desencadeado pela Administração, por sua iniciativa ou a impulso do interessado. Ora, uma das hipóteses contempladas neste normativo é a eliminação de erros de que resulte uma colecta de montante superior ao devido [al. c) do n.º 1]
Considera-se, assim, que de tudo isto decorre que, para efeitos de sindicabilidade da legalidade dos pressupostos legais dos actos tributários impugnados, é possível ao Tribunal Arbitral apreciar os vícios atinentes à determinação da matéria colectável, vícios esses a conhecer a título incidental, enquanto vícios que se projectam nos actos tributários impugnados.
Por estas razões improcede a matéria de excepção suscitada pela requerida, pelo que o Tribunal entrará de seguida na apreciação da matéria de fundo.
D - FUNDAMENTAÇÃO:
D.1 - Matéria de facto - Factos provados:
Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:
A AT emitiu as liquidações de IMI, que constituem objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, com os números 2020 ..., 2020 ... e 2020 ..., todas referentes ao ano de 2020, no montante total de € 6.450,50, liquidações essas que foram integralmente pagas - Docs. nrs 1, 2 e 3.
As liquidações impugnadas incidiram sobre um prédio urbano classificado como terreno para construção e inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de ... e ..., concelho de Figueira da Foz, sob o artigo ...- Doc. n.º 4.
As liquidações impugnadas tiveram como base tributável um valor patrimonial tributário, determinado mediante, entre outros, por aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e / ou (iii) de qualidade e conforto - Doc. n.º 4.
A avaliação do prédio em questão ocorreu em 25-03-2013.
Não existem factos relevantes que não se tenham provado.
D.2 - Motivação quanto à matéria de facto:
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados em função da sua relevância jurídica, face às soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi o artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAMT.
Com efeito, o Tribunal não está obrigado a pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamentam o pedido formulado pelo autor (cfr. artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 2 a 4, do Código do Processo Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cf. ainda o artigo 123.º, n.º 2, do Código do Processo e Procedimento Tributário, ex vi o artigo 29º, do RJAMT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação à prova produzida, na sua convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas - artigo 607.º, n.º 5 do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - artigo 371.º, do CPC), é que não prevalece, na apreciação da prova produzida, o princípio da livre apreciação.
Por outro lado, nos termos do artigo 16.º, alínea e), do RJAMT, vigora no processo arbitral tributário o princípio da livre apreciação dos factos, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros.
A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos juntos pelo Requerente bem como no processo administrativo, de que foi junta cópia pela Requerida, que não foram impugnados e os quais, analisados de forma crítica, constituíram a base da convicção do Tribunal, quanto à realidade dos factos descrita supra.
A convicção do Tribunal fundou-se igualmente nos factos articulados pelas partes; o acervo probatório carreado para os autos foi objecto de uma análise crítica e de adequada ponderação, à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e de razoabilidade.
D.3 - Matéria de direito:
Questões a decidir:
São as seguintes, as questões a decidir:
Primeira questão a decidir: O valor patrimonial tributário atribuído ao prédio urbano, terreno para construção, com base na qual as liquidações impugnadas foram realizadas, foi incorrectamente quantificado e, em consequência, ocorreu erro na determinação da matéria colectável, determinador da anulabilidade parcial das referidas liquidações?
Segunda questão a decidir: Deve a Requerida AT ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios?
Vejamos:
D.3.1 - Primeira questão a decidir: O valor patrimonial tributário atribuído ao prédio urbano, terreno para construção, com base na qual as liquidações impugnadas foram realizadas, foi incorrectamente quantificado e, em consequência, ocorreu erro na determinação da matéria colectável, determinador da anulabilidade parcial das referidas liquidações?
O artigo 45.º do CIMI, na redacção vigente à data dos factos tributários em apreciação neste processo dispunha o seguinte:
Artigo 45.º
Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção
1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º
4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º
5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.
Da economia da norma vinda de citar, resulta evidente que esta não prevê a aplicação dos coeficientes de afectação, de localização e de qualidade e conforto aos terrenos para construção, os quais estão apenas previstos no artigo 38.º Código do IMI, como aplicáveis aos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços.
É que o legislador não pretendeu equiparar os terrenos para construção aos prédios edificados, mas unicamente aplicar um mecanismo de cálculo que se encontra previsto numa outra disposição do mesmo diploma legal.
Também a jurisprudência consolidada do STA aponta no sentido de que, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, haverá que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, o qual constitui norma específica nessa matéria, não havendo, em consequência, lugar à consideração dos coeficientes de afectação, de localização e de qualidade e conforto, a que se refere o artigo 38.º do Código do IMI.
Com efeito, no que se refere às operações de avaliação, a lei distingue entre os prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços -, cujos parâmetros se encontram consignados nos artigos 38.º a 44.º, do Código do IMI e os terrenos para construção e os prédios da espécie “outros”, cujo valor patrimonial tributário é determinado, respectivamente, nos termos dos artigos 45.º e 46.º, do Código do IMI.
O Tribunal adere ao que, a propósito se decidiu no Acórdão do STA – Pleno, de 21-09-2016, processo n.º 0183/13, onde se prolatou:
Na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados.
O Tribunal considera igualmente inaplicável o coeficiente de localização ao prédio aqui em causa, em virtude de este factor já estar contemplado na percentagem prevista no artigo 45.º, n.º 3, do Código do IMI.
A não ser assim, o referido factor de localização relevaria, por duas vezes, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
A recente jurisprudência do STA refere ainda que na «determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção a que seja aplicável o artigo 45.º, n.º 2, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, na redacção anterior à que lhe foi introduzida pelo artigo 392.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31/12, não se consideram os coeficientes de afetação [Ca] e de qualidade e conforto [Cq]» - acórdão proferido no processo n.º 0919/07.8BEBRG, em 07-04-2021.
O Tribunal entende assim não serem de aplicar ao prédio em causa nos presentes autos os coeficientes de afectação, de localização e de qualidade e conforto, os quais não se encontram previstos no artigo 45.º, do Código do IMI.
Estando em causa nos autos terreno para construção, a determinação do respectivo valor patrimonial tributário tinha de ter por base apenas os critérios definidos na redacção em vigor do artigo 45.º do Código do IMI à data em que foi realizada a avaliação, o que implica a não consideração, em tal determinação, dos coeficientes de afectação, de localização e de qualidade e conforto.
Resulta do exposto, que, na determinação do valor patrimonial tributário do prédio aqui em causa, não poderia ter sido aplicada a fórmula geral estabelecida no artigo 38.º, do Código do IMI, em especial, os coeficientes de afectação, de localização e de qualidade e conforto.
Assim, é patente ter ocorrido erro na determinação da matéria colectável, por errónea fixação do valor patrimonial tributário.
Do referido erro na base tributável, resultou a liquidação de IMI por valor superior ao devido.
Nos termos que se deixaram expostos, haverá que que concluir pela ilegalidade das liquidações
impugnadas e julgar procedente o pedido de anulação parcial daquelas, nos termos que constarão da parte dispositiva da presente decisão arbitral.
D.3.2 - Segunda questão a decidir: Deve a Requerida AT ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios?
Peticiona a Requerente que a Requerida AT seja condenada no pagamento de juros indemnizatórios, calculados nos termos constantes do n.º 4, do artigo 43.º, da LGT.
O artigo 43.º, n.º 1, da LGT, estatui que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
O imposto encontra-se integralmente pago, não existindo dúvida que, da prática dos actos impugnados, resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
A ocorrência de «erro imputável aos serviços» constitui pressuposto da condenação da Requerida em juros indemnizatórios.
Ora, no caso concreto, verifica-se que a declaração de ilegalidade e a consequente anulação, ainda que parcial, das liquidações impugnadas, funda-se em erro nos pressupostos de facto e de direito, imputável aos serviços da AT.
Com efeito, vimos que a AT incorreu em erro na determinação da matéria colectável, por errónea fixação do valor patrimonial tributário.
Tal erro é juridicamente relevante, uma vez que, sendo a liquidação em sentido estrito a aplicação de uma taxa a uma matéria tributável, no caso destes autos a matéria tributável enferma de erro, o qual é imputável à AT.
E nem se diga que a AT praticou os actos impugnados no estrito cumprimento da lei e atendendo ao valor patrimonial tributário já fixado.
É que a matéria colectável, a base tributável, foi determinada - e erroneamente determinada, note-se - pela AT e, como se viu já, tal erro na determinação da matéria colectável foi directamente causal da emissão de liquidações em valor superior àquele que deveria resultar da Lei.
Tem assim a Requerente direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, do CPPT, relativamente ao montante já pago, mas apenas na medida do valor que vier a ser anulado.
E - DECISÃO:
De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular parcialmente as liquidações de Imposto Municipal sobre os Imóveis nrs. 2020..., 2020 ... e 2020..., todas referentes ao ano de 2020 e ao prédio urbano - terreno para construção, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo..., da freguesia de ... e..., concelho de Figueira da Foz, objecto do pedido de pronúncia arbitral. A anulação parcial tem como limite a correcção das liquidações em função da base tributável determinada sem a consideração dos coeficientes de afectação, de localização e de qualidade e conforto, a que se refere o artigo 38.º, do Código do IMI.
O Tribunal Arbitral mais decide julgar procedente o pedido de condenação da Requerida AT no pagamento de juros indemnizatórios, os quais incidirão sobre o valor do imposto agora anulado.
F - VALOR DA CAUSA:
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 1.484,60, correspondente à parte do imposto resultante das liquidações impugnadas que entende dever ser anulado.
O valor indicado pela Requerente não foi impugnado e, vista a posição desta, expressa no requerimento atravessado nos autos em 06-10-2022, considera o Tribunal não existir fundamento bastante para o alterar, pelo que se fixa à presente causa o valor de € 1.484,60.
G - CUSTAS:
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAMT, e da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 306,00, indo a Requerida, que foi vencida, condenada nas custas do processo.
Notifique.
Lisboa, 30 de Janeiro de 2023.
O Árbitro,
Assinado digitalmente
(Martins Alfaro)