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SUMÁRIO:
I. Na aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso as “step by step transactions” devem ser consideradas como uma única conduta, que se completa com a obtenção do ganho fiscal visado, pelo que é esse o termo inicial do prazo de caducidade do direito à liquidação;
II. Não se verifica um vício de falta de fundamentação se os destinatários do acto, quando colocados na posição do “destinatário normal”, conseguem compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo subjacente à decisão da Administração Tributária;
III. A venda de acções de uma sociedade a uma outra sociedade que integra o mesmo grupo, e que são ambas maioritariamente detidas pelo alienante, que é desprovida de substância económica e que serviu para a formação de uma dívida por conta da qual foram feitos pagamentos ao invés de distribuições de dividendos directamente aos sócios, é subsumível à CGAA prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.
ACÓRDÃO ARBITRAL
Os árbitros Carla Castelo Trindade (árbitro-presidente), Tomás Castro Tavares e Sofia Ricardo Borges (árbitros-vogais), que constituem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. Em 26 de Janeiro de 2022, os Requerentes A..., B..., C..., D..., E..., F..., G..., H..., I... e J..., apresentaram, em coligação de autores e com cumulação de pedidos, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante “RJAT”), pedido de pronúncia arbitral, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (daqui em diante “Requerida” ou “AT”), no qual peticionaram a anulação total dos actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) e dos actos de liquidação de juros compensatórios, na parte que abrange o valor liquidado em consequência da aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso (“CGAA”), peticionando ainda o reconhecimento do direito a serem indemnizados em razão da prestação indevida de garantia, nos termos que individualizadamente se discriminam:
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A... e B..., contribuintes n.ºs ... e ..., respectivamente, residentes em ..., ...-... ..., peticionam a anulação do acto de liquidação de IRS n.º 2020..., no valor de € 419.343,94, do acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., no valor de € 48.635,61, e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2020..., no montante final de € 398.635,61, referentes ao período de 2016;
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C... e D..., contribuintes n.ºs ... e ..., respectivamente, residentes na Rua ..., n.º..., ...-... ..., peticionam a anulação do acto de liquidação de IRS n.º 2020..., no valor de € 694.030,96, do acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., no valor de € 82.200,70, e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2020..., no montante total de € 673.281,46, referentes ao período de 2016, bem como a anulação do acto de liquidação de IRS n.º 2020..., do acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2020..., no montante final de € 119.258,37, referentes ao período de 2017;
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E... e F..., contribuintes n.ºs ... e ..., respectivamente, residentes na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., peticionam a anulação do acto de liquidação de IRS n.º 2020..., no valor de € 684.074,45, do acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., no valor de € 82.244,63, e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2020..., no montante total de € 673.641,23, referentes ao período de 2016, bem como a anulação do acto de liquidação de IRS n.º 2020..., no valor de € 111.466,79, do acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., no valor de € 9.199,27, e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2020..., no montante final de € 102.159,85, referentes ao período de 2017;
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G... e H..., contribuintes n.ºs ... e ..., respectivamente, residentes na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., peticionam a anulação do acto de liquidação de IRS n.º 2020..., no valor de € 672.207,32, do acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., no valor de € 80.865,53, e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2020..., no montante total de € 662.804,10, referentes ao período de 2016, bem como a anulação do acto de liquidação de IRS n.º 2020..., no valor de € 107.938,94, do acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., no valor de € 9.244,20, e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2020..., no valor final de € 102.762,55, referentes ao período de 2017; e
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I... e J..., contribuintes n.ºs ... e ..., respectivamente, residentes na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., peticionam a anulação do acto de liquidação de IRS n.º 2020..., no valor de € 697.926,53, do acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., no valor de € 81.835,52, e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2020..., no montante final de € 668.441,35, referentes ao ano de 2016, bem como a anulação do acto de liquidação de IRS 2020..., no valor de € 134.981,80, do acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., no valor de € 9.045,14, e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2020..., no montante total de € 100.045,14, referentes ao período de 2017.
2. Ao abrigo do disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea b), 6.º, n.º 2, alínea b), 10.º, n.º 2, alínea g) e 11.º, n.º 2, todos do RJAT, no pedido de pronúncia arbitral os Requerentes designaram como árbitro Tomás Castro Tavares. Por contrapartida, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 3 do RJAT, a Requerida indicou como árbitra Sofia Ricardo Borges. Por acordo entre os árbitros indicados pelas partes, previsto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), 1.ª parte, do RJAT, foi nomeada como árbitra-presidente Carla Castelo Trindade. As partes foram devidamente notificadas destas designações, não se tendo a elas oposto nos termos e prazos previstos nos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
3. Em conformidade com o artigo 11.º, n.º 7 do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 12 de Abril de 2022.
4. No pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes sustentaram a ilegalidade dos actos de liquidação contestados e pugnaram pelas respectivas anulações invocando, em primeiro lugar, a caducidade do direito à liquidação e, em segundo lugar, a não verificação dos pressupostos da aplicação da CGAA.
5. Relativamente à caducidade do direito à aplicação da CGAA, alegaram os Requerentes o seguinte:
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“Os pretensos negócios abusivos aqui em causa (venda de ações que o Requerente [A...]) (…) e Mulher [B...] detinham, em nome pessoal, nas várias sociedades do grupo K... (em especial na L... SGPS) à M..., ocorreram em 2005 e 2006 (cfr. RIT), factos de que a AT teve conhecimento no tempo próprio, porque foram apresentadas, tempestivamente, as declarações a que se refere o art.º138º do CIRS”;
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“Segundo o nº 2 do art.º 63 do CPPT, na redação então vigente, o procedimento (então) referido no número anterior [procedimento especial para aplicação de normas anti-abuso] podia ser aberto no prazo de três anos após a realização do ato ou da celebração do negócio jurídico objeto da aplicação das disposições antiabuso”;
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“Esta norma foi revogada pela Lei 64-B/2011, de 30 de dezembro, deixando o prazo de caducidade de contar-se desde a data da prática dos negócios jurídicos tidos por abusivos”;
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“No caso concreto, a caducidade do direito à abertura do procedimento ocorreu, o mais tardar, no fim de 2009, ou seja, antes, dois anos antes da entrada em vigor da lei nova”;
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“É a lei antiga a aplicável, sob pena de inconstitucionalidade por aplicação retroativa de norma que diminui os direitos dos contribuintes (porquanto a lei nova, objetiva mente, “alargou” o prazo de caducidade do direito à aplicação da CGAA)”;
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Para reforço destes argumentos aludiram ao acórdão arbitral proferido no processo n.º 235/2018-T;
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“(…) mesmo que se entenda não ser de aplicar o disposto na referida norma, a conclusão será exatamente a mesma, já que, como defende Jorge Lopes de Sousa e Outros, constante da 4.a edição (2012) da Lei Geral Tributária Anotad, p. 306, «A regra geral prevista na Lei Geral Tributária, quanto à invocação pela AT da ilicitude é de quatro anos a contar do facto tributário. Ou seja, e em geral, a contar da celebração do contrato, negócio jurídico ou acto jurídico com relevância fiscal”;
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“(…) mesmo não perfilhando tal entendimento e defendendo-se que a contagem do prazo de caducidade se inica no momento em que o esquema - alegadamente abusivo - se completa (teoria da step transaction), a conclusão continuará a ser a mesma” já que “[o] direito à aplicação da CGAA caducou no momento em que foram efetuados os primeiros pagamentos, ou seja, caducou em 2010, já que o primeiro pagamento ocorreu em 2006”.
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Para reforço destes argumentos aludiram ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), proferido no processo n.º 669/16, de 10/05/2017;
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Concluíram referindo que “o princípio da segurança jurídica obriga a que se considere ferido de caducidade o direito da AT aplicar a CGAA no caso ora em apreço” e que “tendo o direito à aplicação da CGAA caducado, à luz da lei aplicável (que não é a hoje vigente), em 2009, as liquidações que ora se impugnam, por terem na invocação de tal norma a sua fundamentação única são manifestamente ilegais”.
6. Quanto à não verificação dos pressupostos da aplicação da CGAA, invocaram os Requerentes, resumidamente, o seguinte:
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“O RIT (…) contem factos que são na maioria inúteis (…) e [n]o que toca aos factos relevantes, aparecem dispersos, não tendo sido feita, relativamente a cada um deles, a análise valorativa que se impunha para se poder concluir ou não pela existência de um esquema abusivo” “[d]aí que seja fundamento genérico desta ação o não integral cumprimento do disposto na al. b) do n.° 3 do art.° 63° do CPPT”;
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“A leitura do RIT conduz à conclusão que a AT subsumiu os factos apurados a um esquema de elisão fiscal standard, bem conhecido, sem qualquer consideração pelas particularidades do caso concreto”;
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“O esquema em causa tornou-se “corrente” a partir do momento em que houve conhecimento da projetada revogação, ocorrida em 2010, do n.º 2 do art.º 10º do CIRS: titulares, em nome individual, de ações representativas do capital de sociedades “operativas”, venderam tais participações a sociedades holding por si controladas, realizando substanciais mais-valias não tributadas (e que, em breve, o passariam a ser); o preço ficava em dívida e era pago pela sociedade adquirente à medida que recebia dividendos das sociedades operativas de que passara a ser sócia; com esta operação, os sujeitos passivos individuais, mantendo a propriedade das sociedades “operativas (agora, de forma indireta, com a intermediação da holding), logravam a transformação de dividendos futuros (tributados) em prestações de pagamento de uma dívida (não tributada)”;
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“(…) neste caso, estão em causa operações realizadas em 2005/2006, ou seja, muito antes de ser “imaginável” a revogação de tal norma, pelo que uma possível finalidade de elisão da tributação de mais-valias nem sequer pode ser considerada”;
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No RIT “não existe qualquer palavra sobre a substância económica dos negócios realizados, ou seja, o reconhecimento que foram uma importante etapa para a passagem da propriedade e controlo das várias sociedades que constituem o grupo K... do seu fundador (A... e esposa) para os seus filhos e respetivos cônjuges, ou seja, que a venda das ações em causa foi, realmente, uma verdadeira partilha em vida de grande parte dos bens do A...”;
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“Não foi dado o devido relevo ao facto de, ao longo dos mais de 10 anos que mediaram entre o negócio tido por abusivo e aqueles a que se referem as liquidações ora em causa, o A... apenas ter recebido uma parte do seu crédito (…) quando facilmente podia ter recebido o total, imediatamente ou num curto prazo, tendo o restante do seu crédito sido doado aos filhos”;
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O “RIT que fundamenta as liquidações ora impugnadas, violou, objetivamente, o dever de investigação a cargo da AT” porque “não foi minimamente cumprido o dever de apuramento de muitos factos relevantes (…) do interesse dos sujeitos passivos”, porque “foi violado o dever de imparcialidade, uma vez que nenhum relevo, nenhum juízo valorativo, foi efetuado relativamente aos factos apurados que poderiam indiciar não se estar em presença de um abuso fiscal” e porque “não foi considerada a questão supra referida da caducidade do direito à aplicação da CGAA”;
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Quanto às “participações que, em 2005 e 2006, o A... e Mulher venderam à M... (vendas que constituem o essencial da construção tida por abusiva)” “[o]s Requerentes pretendem que seja esclarecido o seguinte: em razão das vendas de ações referidas no RIT, o A... e Mulher deixaram de ser titulares, em nome individual, de quaisquer outras participações sociais, em sociedades do grupo K... ou outras, com exceção das participações “residuais” enumeradas no RIT?” e o seguinte “Após as vendas de imóveis pelo Sr. A... e Mulher a esta sociedade de 132 imóveis, em 2006, vendas referidas no RIT, aqueles continuaram a ser titulares de imóveis de valor significativo?”;
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Entendem os Requerentes que o RIT não considerou os seguintes factos:
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“N... intentou, em 30 de janeiro de 2006, uma ação de investigação de paternidade contra o Sr. A...”;
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“N... foi fruto de uma relação ocasional do A...”;
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“[a] ação de investigação de paternidade só foi intentada, por ela própria, após ter atingido a maioridade”;
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“[o] A... e a sua família (…) tinham consciência que a mesma iria proceder”;
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“[d]ecorre da lei que, sendo reconhecida filha do A..., (…) N... teria direito à sua legítima na herança e que, não havendo acordo com os demais herdeiros, era previsível que viesse a adquirir, por via da partilha, uma participação significativa nas diferentes sociedades do grupo K..., correspondentes à sua quota-parte nas ações de que o pai era titular”;
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“quer a Mulher do A..., quer os filhos legítimos do casal e respetivos cônjuges, quer os próprios netos, recusavam liminarmente a possibilidade de uma filha ilegítima, para mais fruto de uma relação com as caraterísticas apontadas, viesse a ter posição acionista relevante no grupo K...”;
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“os filhos e genro do Sr. A..., trabalhavam, em alguns casos há décadas, nas diferentes sociedades do grupo K... (razão pela qual, desde 2005, cada um “ramos” da 2ª geração passou a deter 9% do capital da L... SGPS - pág. 8 do RIT- e detinha, desde a sua criação em 1993, 2,25% do capital da M... - pág. 13 do RIT)”, sendo que “diversos membros da 3a geração (filhos dos filhos legítimos do Sr. A...) também trabalhavam em sociedades do grupo”;
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“o valor da herança do A..., à data da sua morte (…) seria, em larga medida, fruto do trabalho da sua família legítima, que certamente, também por esta razão, não aceitava partilhá-la com uma desconhecida”;
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“a única solução para este gravíssimo problema familiar era o A... (e, também, a sua Mulher, uma vez que o Sr. A... será seu herdeiro, caso ela faleça primeiro) deixarem de ter participações no grupo K..., ou seja, alienarem as participações de que eram titulares aos seus filhos legítimos (ou a sociedades por eles controladas)”
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“logo após a venda das ações da L... pelo A... à M..., os filhos legítimos do A... realizaram um aumento do capital desta sociedade, em dinheiro, de que resultou que o A... e Mulher passaram a deter, em conjunto, apenas 3% da sociedade que passou a ser titular das ações em causa”;
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O “domínio do grupo foi, realmente, transferido, em 1 de março de 2006, para os filhos do A..., passando este e sua Mulher a terem participações quase simbólicas, continuando o primeiro a ser, embora agora quase honorificamente, presidente do Conselho de Administração da sociedade-mãe”;
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“(…) existia uma razão extrafiscal imperiosa a determinar a alienação aos filhos das ações de que o A... era titular” que leva a concluir que “a alienação das ações do Sr. A... (…) não teve como motivação uma qualquer razão fiscal” e que “tal alienação sempre aconteceria independentemente dela não resultar qualquer vantagem fiscal”, de onde resulta que “a venda das ações em causa (…) não foi «essencial ou principalmente dirigida, (...) à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos» (artigo 38.º, n. 2 da LGT, na redação vigente nos anos a que se referem as liquidações reclamadas);
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“neste caso não houve uma mudança meramente formal de titularidade das participações, ou seja, os vendedores não continuaram a ser, agora através de uma cadeia de participações, sócios dominantes das sociedades cujas ações haviam alienado”;
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“Os sócios dominantes passaram a ser os filhos legítimos do A... (primeiro em nome individual e, depois, também através de holdings detidas por cada um deles e respetivos cônjuges - as sociedades O..., SGPS; P..., SGPS; Q..., SGPS e R..., SGPS”;
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“A substância económica do negócio é manifesta: com a venda das ações propriedade do A... à M... e a passagem do domínio desta sociedade para os seus filhos, em 1-03-2006, o A... e Mulher mantiveram uma participação “simbólica” de um total de 3%) aconteceu uma autêntica partilha em vida da maior parte dos bens do A... e Esposa”;
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“Processo que ficou concluído em 2016, com uma escritura de partilha em vida, data em que o A... e Mulher entregaram aos filhos a total propriedade da sociedade-mãe do grupo”;
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“de acordo com a lei vigente em 2016 e 2017, não bastava existir «abuso de formas jurídicas» para possibilitar a invocação da CGAA”, já que “l, tinha que ser cumulado o uso de uma forma jurídica anómala com a finalidade (o que é diferente de resultado), essencial ou principal, de economia de imposto”;
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No RIT não se refere “[q]ual o negócio jurídico «típico» a que, nas circunstâncias factuais do caso concreto, o A... deveria ter recorrido” mas “apenas em que houve uma substituição de dividendos por prestações de pagamento do preço”;
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“resulta da alínea c) do nº 3 do art.º 63º do CPTT que a AT era obrigada a identificar «o negócio» que foi ilidido e não apenas as consequências fiscais decorrentes do negócio praticado”, pelo que “existe um vício de falta de fundamentação das liquidações impugnadas”;
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“A permuta [enquanto negócio jurídico alternativo para a transmissão do direito de propriedade] estava manifestamente fora de causa” por não existirem bens a permutar, para além de que “interesse visado pelo Sr. A... era o de deixar de ter bens significativos, móveis ou imóveis, com exceção de dinheiro (ou créditos a serem pagos em dinheiro)”;
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“A doação, que em circunstâncias normais seria o negócio típico a ser utilizado para uma partilha em vida (como o foi relativamente aos bens que restaram propriedade do A..., através escritura efetuada em 2016) - a qual não implicaria o pagamento de qualquer imposto por os beneficiários serem os filhos - estava, também, totalmente fora de causa, por uma razão muito simples: a doação aos filhos legítimos não eliminava o risco de, após o falecimento do A..., a filha ilegítima exigir a realização da partilha da herança e, na sequência mesma, lhe vir a ser adjudicado um número significativo de ações do grupo K..., se ela assim o pretendesse” por força da aplicação “[d]o instituto da colação, previsto no art.º 2104 do Código Civil”;
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“A compra e venda era o único negócio jurídico capaz de satisfazer totalmente as finalidades que se pretendia alcançar”;
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“Acresce que, em 2005/2006, a consumação de tais vendas era urgente: tinham que ser efetuadas antes de ser judicialmente estabelecida a paternidade do A... relativamente à filha ilegítima, porquanto, depois (por estarem em causa vendas a filhos), não poderiam ser efetuadas sem o consentimento desta”;
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“[a]s alegações sobre a fixação de um preço excessivo carecem totalmente de fundamentação, pelo que nunca poderão ser consideradas. Isto porquanto no RIT não constam quaisquer factos de onde se possa concluir por tal majoração artificial”;
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“o preço de venda das ações em causa era o seu justo valor, pois que o valor atribuído a cada uma delas era exatamente o correspondente à sua percentagem nos capitais próprios de cada uma das sociedades”;
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“Considerar o valor dos capitais próprios é considerar um valor sem qualquer margem para subjetividade de uma qualquer taxa de desconto, projeção de cash flows, futuros, etc”;
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“Qualquer outro modelo de avaliação de empresas conduziria inevitavelmente a um valor de empresa muito superior (…) Facto que, em mais uma clara violação dos seus deveres de investigação, a inspeção se “esqueceu” de mencionar no RIT”;
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Acresce que “[o] A... tinha interesse (extrafiscal) em que as ações em causa fossem valoradas pelo seu devido valor” porque “pretendia, após a referida N... ser declarada judicialmente como sendo sua filha, comprar-lhe o “direito à herança” que lhe passaria a competir”;
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“97. A venda dos seus principais bens à M... tinha, assim, um segundo objetivo: liquidar a fortuna do A... (…) ou seja, “transformar” os bens (essencialmente ações e imóveis) em dinheiro, mais rigorosamente em créditos pecuniários sobre as empresas do grupo”;
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“Para facilitar as negociações com a filha ilegítima, o valor pecuniário resultante de tal liquidação (tais vendas) tinha necessariamente que ser justo” visto que “[s]e o preço de venda das ações fosse fixado abaixo do seu valor real, não seria aceite pela filha ilegítima do A... como base para a negociação visando a compra da sua “legítima”;
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“Se o preço fosse fixado em valor superior ao real, o A... (…) teria que pagar à filha ilegítima um montante superior ao real valor da sua legítima, ou seja, estaria a beneficiar a sua filha ilegítima, no que, obviamente não mereceria o acordo nem da sua Mulher nem dos seus filhos legítimos”;
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O “preço atribuído às ações e imóveis vendidos à M... foi aceite como base negocial pela filha ilegítima do A... (…) e foi a partir de tal valor que foi estabelecido o valor pelo qual a filha ilegítima renunciou à sua herança paterna”;
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“não ficou acordado qualquer plano de pagamento do crédito (…) que para o A... resultou da venda das ações (e de imóveis) de que era proprietário à M... (…) Porém, também quanto a esta questão, há diferenças significativas entre o caso concreto e o “esquema de abuso fiscal” a que a AT o pretende subsumir”;
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“a existência de relações especiais, de filiação, entre o A... e os sócios dominantes da sociedade compradora (os seus filhos) não assume aqui qualquer relevância fiscal” porque “o regime dos preços de transferência [não] obriga a que tais pessoas apenas possam conceder crédito nos limites em que normalmente o concederiam a pessoas com elas não especialmente relacionadas”;
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“É óbvio que o crédito dos filhos perante os pais é necessariamente diferente do que merecem a generalidade das outras pessoas”;
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“Uma diferença essencial que ocorre neste caso, comparativamente ao esquema standard de abuso fiscal a que a AT o pretende reduzir, é que o vendedor não concedeu crédito a si próprio, mas sim aos seus filhos, o que é totalmente diferente e legítimo”;
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“Outra diferença essencial é que, em tais esquemas de abuso fiscal, o pagamento do crédito é diferido no tempo, sem previsão de qualquer calendário para ser efetuado, porque não existe outra possibilidade” sendo que “se a intenção do A... fosse “lavar dividendos”, facilmente a M... teria conseguido pagar, a pronto ou em curto prazo, a totalidade da dívida”;
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“não só o pagamento do crédito no imediato era possível, com recurso inclusivamente muito limitado à banca, como bastaria afetar a esse pagamento os lucros obtidos (só) pela L... SGPS para se conseguir, através do recurso apenas a meios próprios, lograr o integral pagamento”;
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“diferentemente do que acontece no esquema abusivo standard, os pagamentos recebidos pelo A... não têm qualquer relação (não correspondem a uma percentagem relativamente fixa) com os lucros anualmente gerados pelo grupo K...”;
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“O A... foi recebendo as quantias que queria, quando queria, nomeadamente consoante as suas necessidades de investimento numa grande propriedade agrícola em Moçambique”;
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“há que não esquecer que uma significativa necessidade de fundos do A..., após a alienação das ações, decorreu do pagamento à filha ilegítima do direito desta à herança”;
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“126. Ou seja, boa parte do recebido pelo A... foi utilizado numa operação que, em circunstâncias «típicas», não seria tributada: a entrega à filha ilegítima do valor correspondente à sua herança”;
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“o A... nunca pretendeu receber tal crédito para além dos montantes de que necessitou” dado que “esse crédito era, em larga medida, herança dos filhos”;
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Por tal razão, o remanescente (…) acabou sendo partilhado em vida, atribuído em partes iguais aos filhos legítimos, tal qual aconteceria relativamente às ações cuja venda o originou”;
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“os factos apurados mostram que a vantagem fiscal foi um resultado acessório, decorrente da mera aplicação da lei fiscal ao negócio que, sem alternativa quanto à forma jurídica utilizada, era imperioso realizar”;
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“os factos apurados mostram claramente que os beneficiários imediatos do pretenso esquema abusivo (o A... e sua Mulher) se abstiveram, intencionalmente, de colher grande parte da vantagem fiscal decorrente dos negócios que haviam celebrado, o que mostra bem que a sua finalidade não foi obter tal vantagem fiscal”;
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“Os demais impugnantes (os filhos) limitaram-se a herdar uma situação criada pelo seu pai, de quem sempre seriam herdeiros, não podendo ser considerados coautores do pretenso abuso fiscal, ao contrário do que aparece sustentado no RIT”.
7. Para prova da factualidade alegada, os Requerentes arrolaram como testemunha S..., Economista, residente na ..., n.º ..., ..., ...-... ..., e requereram a prestação de declarações de parte do Requerente I... .
8. Em 12 de Abril de 2022, foi a Requerida notificada nos termos do artigo 17.º do RJAT para apresentar a sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral.
9. Em 16 de Maio de 2022, a Requerida juntou aos autos o processo administrativo (“PA”) relativo ao procedimento de reclamação graciosa que antecedeu o presente processo e apresentou a sua resposta, defendendo-se por impugnação e peticionando a final a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e a sua absolvição do pedido, com a consequente manutenção na ordem jurídica dos actos tributários de liquidação contestados.
10. Quanto à caducidade do direito à aplicação da CGAA invocada no pedido arbitral, argumentou a Requerida, sumariamente, o seguinte:
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“Relativamente à caducidade invocada, vêm os Requerentes defender (…) que se verifica a caducidade do direito à liquidação pelo decurso do prazo de três anos previsto no artigo 63.º n.º 3 do CPPT, na redação originária, ou pelo decurso do prazo geral a que se refere o artigo 45.º n.º 1 da LGT, uma vez que a AT foi conhecedora da venda das ações (comunicação feita pelos sujeitos passivos em março de 2006 – Modelo 4) ou pelo conhecimento dos pagamentos tidos como dividendos que se iniciaram em 2006”;
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“importa referir que a CGAA (…) é um instrumento de aferição e delimitação concreta de casos de elisão fiscal, sendo que, os negócios e atos jurídicos celebrados são de tal forma complexos que só na sua visão holística se consegue percecionar o seu desenho elisivo”;
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“No caso aqui em apreciação, não basta, para se iniciar a contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação, tomar como ponto de referência a data em que foram concretizadas as alienações das participações sociais, já que estas operações não consubstanciam em si mesmas um meio artificioso ou fraudulento ou um abuso de formas jurídicas. O que justifica a aplicação da CGAA é o facto de o retorno do crédito gerado pela venda de ações vir a ocorrer através de pagamentos que dissimulam uma distribuição de dividendos (quando se materializa o resultado) e, por isso mesmo, o esquema negocial que é objeto da CGAA apenas se completa (concretiza) com o acréscimo patrimonial (consequente fim do esquema de planeamento fiscal abusivo) que é obtido indevidamente por esse meio”;
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“O artigo 63.º, n.º 3 do CPPT determinava, na sua redação originária, que o procedimento de aplicação da CGAA poderia ser aberto no prazo de três anos a contar do início do ano civil seguinte à realização do negócio objeto das disposições anti-abuso” mas “[e]ssa norma foi revogada pela redação introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, pelo que deverá entender-se que o prazo de caducidade do direito à liquidação, mesmo nesse caso, é agora o prazo geral de 4 anos consagrado no n.º 1 do artigo 45.º da LGT, que o n.º 4 explicita contar-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário”;
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“o facto tributário a ser tido em atenção para efeito da contagem do prazo de caducidade, no caso da aplicação da CGAA, é o já referido facto complexo, que não se reduz à mera operação de alineação de participações sociais (neste caso pelo A... e mulher, em 2005), mas culmina com o rendimento auferido, o modo como foi auferido e por quem foi auferido”;
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“o que releva em termos ficais é o momento em que se consuma a vantagem fiscal que não seria alcançada sem recurso aos negócios jurídicos em discussão, neste caso, aos reembolsos do crédito decorrente da alienação das ações da L... SGPS (e outras de menor dimensão) à M..., com o intuito de evitar os impostos a “suportar” pelos acionistas, decorrentes da distribuição de dividendos”;
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“o prazo de caducidade não se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que ocorreram as alienações das participações sociais (2005), nem na data em que as alienações foram comunicadas à AT (2006), nem mesmo na data em que foram efetuados os primeiros pagamentos ao A... (2006), uma vez que a aplicação da CGAA não se coaduna com a visão simplista que a consideração de cada uma das operações de forma individual traduz”;
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“a AT não pode extrapolar de um facto inicial (venda de ações pelo A...) a ocorrência de factos futuros abusivos e, em todo o caso, a tributação em sede de IRS a título de rendimentos de capitais apenas pode ser considerada em relação ao ano fiscal em que os rendimentos são obtidos”;
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“tratando-se o IRS de um imposto de obrigação única e periodicidade anual, os pagamentos recebidos pelos contribuintes a título de dividendos deverão ser tributados no ano em que são auferidos, atendendo à capacidade contributiva e onde se materializa o resultado e se alcança o fim pretendido com o esquema de planeamento fiscal. Inicia-se, assim, o prazo de caducidade constante do artigo 45.º da LGT no ano em que tais rendimentos são auferidos”;
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“Tratando-se de pagamentos realizados nos períodos de tributação de 2016 e 2017, o prazo de caducidade conta-se, respetivamente, a partir de 1 de janeiro de 2017 e 1 de janeiro de 2018 e, tendo os Autores sido notificados das liquidações adicionais ainda no decurso do ano de 2020, não havia decorrido o prazo de 4 anos fixado no n.º 1 do artigo 45.º da LGT”;
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“Caso contrário, a CGAA e o n.º 2 do artigo 38.º da LGT cairia em letra morta porquanto se mostraria fácil a construção de um esquema elisivo em que fossem realizados pequenos pagamentos de divida sem alertar a AT, e dessa forma acionar a caducidade ou por simplesmente se aguardar um determinado período antes da concretização de determinados atos que pudessem alertar a AT para a aplicação da CGAA” o que “colocaria em causa não só as receitas financeiras do Estado, mas igualmente a justa repartição dos encargos públicos, assim como o princípio da igualdade, todos princípios constitucionalmente protegidos”;
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Para sustentar que não se encontrava verificada a caducidade do direito à liquidação, a Requerida aludiu ao entendimento propugnado nos acórdãos arbitrais proferidos em 15 de Janeiro de 2020 e 28 de Janeiro de 2021, respectivamente, no âmbito dos processos n.ºs 317/2019-T e 142/2020-T.
11. Quanto aos pressupostos de aplicação da CGAA, defendeu a Requerida, em síntese, o seguinte:
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“Ao longo dos RIT é feita a descrição pormenorizada dos intervenientes e dos atos por estes encetados para concretização do esquema que culminou no recebimento de dividendos abusivamente qualificados como se de reembolso de dívida se tratasse. A análise dos atos desenvolvidos e o contexto em que ocorreram foi realizada de forma específica, dirigida ao caso concreto e sem qualquer ideia pré‑concebida o que, aliás, se impunha dadas as particularidades das relações familiares dos intervenientes, da dimensão e número de sociedades envolvidas”:
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Quanto à inclusão das operações no esquema que se tornou “corrente” a partir de 2010, mencionou a Requerida que “mais-valias obtidas com a alienação das ações do A... e mulher à M..., no ano de 2005, beneficiaram, na sua maioria (apenas não aconteceu com a alienação das ações da T..., SA, que tinham sido adquiridas após 01‑01‑1989 e há menos de 12 meses), da exclusão de tributação em sede de IRS e, por este motivo, declaradas no Anexo G1 da declaração de rendimentos do A...”;
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“nos anos em que foram alienadas as ações, coexistiam dois regimes possíveis de afastamento da tributação das mais-valias mobiliárias: - o regime transitório da categoria G, existente desde 1989, ano da entrada em vigor do CIRS” que previa a “não sujeição a imposto dos ganhos obtidos com a alienação de valores mobiliários adquiridos antes de 01-01-1989” e “a norma prevista no n.º 2 do artigo 2.º do CIRS, que isentava de tributação os ganhos obtidos com a venda de ações detidas há mais de 12 meses”;
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“Esta era a realidade que existia à data em que a FAMÍLIA U... iniciou os atos preparatórios do esquema visado nos RIT, foi esta a realidade de que beneficiaram”;
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Quanto à violação do dever legal de investigação e de procura da verdade material, verifica-se que no RIT “é feita a descrição da falta de cooperação dos representantes de diversas sociedades do Grupo K... (entre elas da M..., da L... SGPS e da V...), escusando em prazos de manutenção de arquivo ou invocando caducidade do direito à liquidação de determinados períodos de tributação, para recusarem a apresentar os elementos e informações solicitadas” sendo que “os Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de ... recorreram a todos os meios disponíveis para reunir todos os elementos considerados fundamentais para justificar compreender e aferir do caráter abusivo do esquema elaborado”;
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“Entendemos que o facto diferenciador a que os contribuintes aludem se prende com o episódio de aparecimento de uma quinta herdeira do fundador do grupo K..., e da ação de investigação que culminou no reconhecimento da respetiva paternidade. Pretendem assim apontar como justificação única para o esquema aqui em causa a intenção de “Partilha em Vida” do património do A... e mulher, evitando a entrada na gestão das sociedades do Grupo K... da filha ilegítima”;
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“Todavia também este ato não foi desmemoriado no RIT, isto porque, a escritura de partilha em vida, é um dos documentos que constam como anexo aos vários relatórios de inspeção. Esta partilha aconteceu no 30 de junho de 2016 sendo que o terceiro outorgante era N...”;
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“no tocante aos filhos do A..., a partilha em vida é um dos negócios jurídicos em discussão e que resultou de um esquema, pré-planeado, com a interposição, nos anos de 2016 e 2017, da M... entre a L... SGPS e próprios e que termina com o recebimento do crédito (que lhes chegou à posse em 30-06-2016 por doação) decorrente da alienação das ações daquela sociedade – a L... SGPS (e de outras 6 sociedades do Grupo K...) à M..., efetuada em 26-12-2005 – operação - que desde o seu início, os contribuintes FILHOS tinham perfeito conhecimento e nela participaram e consentiram – arquitetada com o intuito de evitar os impostos a “suportar”, decorrentes da distribuição de dividendos. Com efeito naqueles anos, 2016 e 2017, os filhos do A... voltaram a receber dividendos como se de uma amortização de crédito se tratasse”;
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“trata-se de um conjunto complexo de atos sujeitos a uma arquitetura global, nos quais os FILHOS do A... intervêm como beneficiários após a Partilha em Vida efetuada em 30-06-2016 - primeiro passo formal realizado pelos sujeitos passivos – intervindo, porém, como participantes ativos, desde o início da série de construções, na medida em que consentiram e permitiram todas as operações levadas a efeito pelo A..., não fosse este último, pai ou sogro e não fossem os filhos detentores maioritários do capital da M... desde 2006”;
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Relativamente aos factos que os Requerentes pretendem ver esclarecidos, “[o] que os contribuintes pretendem concluir (…) é que o A... e mulher, após os negócios celebrados em 2005 deixaram de ser proprietários da maioria do património que detinham até então”;
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“o que se pode afirmar é apenas e só que o A... deixou de deter formalmente uma parte do património por si criado e construído, mas que essa fatia substancial do seu espólio foi substituída pelo crédito criado perante a M..., do qual dispôs a seu belo prazer (ponto 123. da Petição) até 2016 (data em que foi transferido para os seus filhos legítimos)”
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“O A... não perdeu capacidade financeira uma vez, como é repetido ao longo da Petição, manteve o seu espírito empreendedor, continuando a investir em Moçambique e em algumas sociedades do Grupo K... (note-se que aquando da Escritura de Partilha em Vida celebrada em 30-06-2016 era detentor de vários créditos sobre sociedades do Grupo)”;
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“também não fica provado o afastamento do A... da vida empresarial do Grupo” já que não é isso “que se retira das Certidões Permanentes nem das Atas das Assembleias Gerais das principais holdings do grupo – a M..., SA e a L... SGPS, SA – cujos acionistas e administradores continuaram a ser, mesmo passados 10 anos, o próprio fundador (ainda que sem participação no capital) e os seus filhos legítimos (ou genros)”;
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“Vêm os Requerentes afirmar que a única motivação existente para a realização dos negócios e atos que compuseram o esquema abusivo foi o surgimento do processo intentado em 30 de janeiro de 2006 pela, na altura, alegada filha ilegítima do A...”;
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“Esta posição mostra-se contrariada e fragilizada por vários factos recolhidos ao longo do procedimento inspetivo, nomeadamente:
- de acordo com o informado pelos responsáveis do Grupo K..., a reorganização do grupo, associada também ao processo de transição entre gerações, terá sido iniciado em 1993, com a constituição da L... SGPS e da W... Holding;
- a participação dos 4 filhos legítimos do A... nas principais sociedades estava assegurada em datas muitos anteriores a 2005 (nomeadamente na L... SGPS – desde a constituição –, e na M... – desde a constituição em 1999);
- o conjunto de atos celebrados em 2005 e 2006, resultaram no afastamento do A... enquanto acionista mas não na perda da sua posição dominante dentro do Grupo, porquanto as decisões, nomeadamente de reembolso do crédito, continuaram a ser suas (tal como afirmado na petição, só agora, mais de 15 anos depois do suposto afastamento, o A... passou a deter uma posição honorífica dentro do Grupo K...);
- se a motivação que assistiu a todo o conjunto de operações realizadas pelo A... e mulher e filhos legítimos foi a existência de N..., o que justifica a transferência na mesma altura dos 10% do capital da L... SGPS que cada filho detinha para as suas próprias SGPS?”;
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“O alegado receio de que a filha ilegítima viesse criar instabilidade no seio das empresas do Grupo K... não será justificação plausível uma vez que a solução encontrada (ao fim de 10 anos após as operações supostamente realizadas para facilitarem a resolução do conflito) para a situação que envolve N... foi a existência, em 2016, de acordo entre as partes. Não poderia este acordo envolver também a partilha de ações? Ficando as partes de capital para os 4 filhos legítimos e sendo recompensada de outra forma a filha ilegítima, como acabou por acontecer? De todo o modo, ela seria sempre e apenas herdeira de uma parte perfeitamente determinável do património do pai”;
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“Para além de operar sempre a redução por inoficiosidade nos termos dos artigos 1118º e 1119º do Código Civil a requerer em ação de inventario, seja pelos bens doados em vida ou mortis causa, implicando a restituição de bens à herança”;
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“Assim se conclui contrariamente aos contribuintes, uma vez que os atos realizados (entre os quais a venda das ações em causa e a criação do crédito a favor do A...) resultaram apenas e só na evitação do pagamento do imposto devido pelo recebimento de dividendos, permanecendo até 2016 a questão em torno da filha ilegítima”;
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No que respeita à substância económica do negócio, “[o]s Requerentes voltam a afirmar que o esquema perpetrado pela FAMÍLIA U... resultou numa realidade totalmente diferente uma vez que se procedeu à reorganização do Grupo K...” através de “uma divisão interna das tarefas de administração das diferentes sociedades que integram o grupo K..., passando cada um dos casais da 2ª geração –C... e D..., E... e F..., G... e H... e ainda, I... e J...– a ser responsável principal por algumas empresas do grupo”;
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“o que se assistiu foi a uma série de “step transaction” com efeito encadeado que resultou na criação de um crédito a favor do A... e mulher, resultante da venda das ações, que lhes passou a assegurar a possibilidade de auferirem rendimentos a título de pagamento de dívida que, na realidade, provém da distribuição de dividendos”;
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“Não se pode negar que os detentores do capital da M... passaram a ser os filhos legítimos do A..., o que se traduz numa alteração formal (jurídica) da estrutura acionista, no entanto, também não se pode ignorar que estamos perante um grupo de empresas familiar cuja administração não sofreu alterações, mantendo-se essencialmente centrada em A..., I..., G..., C... e E..., ou seja, na prática nada se alterou”;
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“as sociedades mantiveram a mesma administração, a M... manteve-se como “cofre” dos ativos do A..., sem desenvolver uma atividade que não fosse receber dividendos e canalizá-los para os detentores do crédito, subsistiram os mesmos comportamentos e a situação da filha ilegítima permaneceu por resolver até junho de 2016”;
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“se o pretendido era afastar a filha ilegítima das empresas, então, e dentro dos princípios legais, ao criar o crédito de forma artificiosa junto da M..., o A... não precisava, logo, no ano seguinte e posteriores, ser ressarcido daquele crédito. Apenas o fez porque, de forma consciente, sabia que estava a receber dividendos, disfarçados de amortização de um crédito e “isentos de qualquer imposto””;
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Se o objetivo foi retirar à ilegítima a possibilidade de elevar-se a acionista das empresas do grupo, tal argumento, não se compadece, com o enriquecimento do A..., logo nos anos seguintes à criação do crédito, em que, de forma intencional e deliberada foi ressarcido do montante de 2.741.081 euros entre 2007 e 2010 – com um comportamento exatamente igual nos anos subsequentes”;
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“Através desta estrutura o A..., e após a partilha em vida também os seus 4 FILHOS, puderam, por via de dividendos, receber a título de pagamento do preço das ações os montantes que, em caso de distribuição de dividendos diretamente da L... SGPS e outras sociedades do Grupo para a sua esfera, estariam sujeitos a retenção na fonte”;
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Para remunerar o capital dos acionistas da L... SGPS a forma normal seria a distribuição de dividendos e/ou adiantamentos por conta de lucros (…) pagando o respetivo imposto, e não a criação de uma estrutura que permitiu retirar esses rendimentos sem qualquer tributação”;
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“Por outro lado, (…) estando em causa a partilha de património em vida de pai para filhos, a doação seria o negócio típico. E da mesma forma que, após a concretização do esquema aqui em causa, se impôs existirem negociações com a filha ilegítima para se alcançar a dita partilha, as negociações podiam ter visado a partilha das ações alienadas ao invés do crédito”;
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“Como referido, a compra e venda com a criação de uma dívida avultada na M... (que não possuía estrutura financeira para tal nem dispunha de quaisquer outras fontes de rendimentos que não fossem os dividendos a disponibilizar pelas sociedades operacionais adquiridas no negócio) não era o único negócio jurídico disponível para resolver a questão da Partilha do património do A...”;
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No que respeita ao preço de compra e venda de ações, referiu a Requerida que “sendo vendedores e compradores as mesmas pessoas, nunca haveria dificuldade em estabelecer o preço (da mesma maneira não havia preocupação em estabelecer condições de pagamento)”;
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“Se havia tanta preocupação em estabelecer um preço de venda “justo” que permitisse chegar a acordo com N... (ou seja, seria esta a única pessoa que podia não concordar com o preço), porque é que o A... começou logo a receber por conta do crédito criado? Não estaria a ser delapidado o justo valor das sociedades para efeitos de partilha? Relembre-se que até 2009 o Sr. A... recebeu €1.893.602,64. Em 31 de dezembro de 2014 era credor da M... no montante de €30.006.139,70 e em 30 de junho de 2016 (data da partilha) dispunha de um crédito de €28.756.319,70”;
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“Por outro lado, note-se que os 4 FILHOS do A..., mal obtiveram aquele crédito nas suas mãos, foi a de também o receberem quase de imediato”;
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“os FILHOS do A..., um dia antes da doação já tinham visto a sua capacidade contributiva incrementada em 1.250.000,00€. Esta é também evidência do que representa aquele crédito e de que o mesmo foi criado artificiosamente, com vista a disfarçar o pagamento de dividendos como se de uma amortização de dívida se tratasse”;
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No que toca à forma de pagamento do preço, “a inexistência de prazo de pagamento ou garantias (…) só foram possíveis porque essas relações [familiares] especiais existiam e funcionavam como um todo”, sendo que “o A... continuou a ser o responsável (ou, pelo menos, um dos principais responsáveis) pelas decisões tomadas no Grupo K..., designadamente, quando, quanto e como era ressarcido da dívida que a M... tinha perante si”;
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“a M... tinha capitais próprios manifestamente insuficientes para fazer face a negócios da dimensão daqueles que foram celebrados em 2005/2006” porque “esta holding não desenvolvia, como continua a não desenvolver, qualquer “atividade própria”, servindo quase exclusivamente (é também cofre dos imóveis) como recetora dos dividendos pagos pela L... SGPS, transformando-os em pagamento de dívida contraída perante os acionistas”;
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“Em resumo, a M... nasceu e vive quase exclusivamente do conjunto de negócios celebrados em 2005/2006”;
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“o facto de que os contribuintes só receberam na direta e exata medida das disponibilidades financeiras da L... SGPS (e das suas participadas), tal como eles próprios reconhecem (…) apenas vem confirmar a verdadeira natureza dos rendimentos que aqui estão em causa: trata-se efetivamente de dividendos”;
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“Esta construção foi criada à medida das necessidades do A... e dos seus FILHOS e tem por uma configuração jurídica anormal – em condições normais de mercado os prazos de pagamento estão devidamente estipulados no contrato de compra e venda, para que, existindo qualquer incumprimento, qualquer um dos intervenientes possa agir judicialmente. Tal é perfeitamente denunciador da falta de realidade económica e da motivação fiscal da operação – receber dividendos, quando querem, entendem e necessitam, sob a capa de amortização de um crédito sem sujeição a imposto”;
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“nesta equação, não poderia entrar um fator que colocasse em risco a sustentabilidade do Grupo, como seria fazer a retirada de verbas para pagamento de parte substancial do preço ao A... e aos restantes acionistas (que, como, sabemos, atuaram da mesma forma nas suas próprias SGPS´s)”;
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“nem o A... e mulher se abstiveram de colher grande parte da vantagem fiscal (não nos parece que fosse este o termo que os contribuintes pretendiam empregar!), uma vez que receberam 1/3 dos valores envolvidos no esquema (e beneficiaram ou tentaram beneficiar da poupança de imposto associada aos mais de 13 milhões de Euros de dividendos recebidos como se de pagamento de dívida se tratassem)”;
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nem os demais impugnantes (C... e D..., E... e F..., G... e H... e I... E J...) se limitaram a herdar uma situação criada pelo pai, já que conheciam amplamente a origem do crédito uma vez que acompanharam, participaram ativamente e consentiram no processo de criação e início do mesmo, nomeadamente, como administradores/acionistas das sociedades envolvidas e/ou repetindo o esquema com as suas próprias sociedades. De facto, tratou-se de um conjunto complexo de atos sujeito a uma arquitetura global, nos quais os filhos legítimos do A... intervêm como beneficiários após a Partilha em Vida efetuada em 30-06-2016 - primeiro passo formal realizado pelos sujeitos passivos – intervindo, porém, como participantes ativos, desde o início desta série de construções, na medida em que consentiram e permitiram todas as operações levadas a efeito pelo A... (seu sogro e pai)”.
12. Em 17 de Maio de 2022, a Requerida apresentou requerimento no qual arrolou como testemunhas X..., Y... e Z..., todas inspectoras tributárias com domicílio profissional na Avenida ..., n.º ... (...),...-... ... .
13. Por despacho de 31 de Maio de 2022, foi notificada a Requerida para juntar aos autos cópia completa do processo administrativo e designado o dia 9 de Setembro de 2022 para a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT. Foram também as partes notificadas para indicar em, de forma individualizada quanto a cada uma das testemunhas arroladas, os concretos factos do pedido arbitral e da resposta que seriam objecto daquele tipo de prova. Nesse despacho determinou‑se ainda “a notificação dos Requerentes A..., D..., G..., J... e F... para comparecerem na reunião agendada no ponto 1 deste despacho de modo a que prestem os depoimentos que o Tribunal Arbitral venha eventualmente a entender como relevantes para a descoberta da verdade material”, tendo ainda sido notificados os Requerentes para “identificarem o nome e a morada do contabilista certificado, à data dos factos, da sociedade M..., bem como para indicarem ao presente Tribunal se ao abrigo do princípio da cooperação diligenciarão pela respectiva apresentação em juízo ou se, pelo contrário, deverá o presente Tribunal oficiar aquela notificação através dos serviços administrativos do CAAD”.
14. Mediante requerimento apresentado em 3 de Junho de 2022, a Requerida juntou aos autos cópia completa do processo administrativo, designadamente os Relatórios de Inspecção Tributária (“RIT”) em falta.
15. Em 16 de Junho de 2022, os Requerentes apresentaram requerimento no qual mencionaram que (i) “[o] A..., atendendo à sua avançada idade e débil condição física (…) não se encontra em condições de prestar depoimento nos presentes autos”, (ii) que “[e]mbora se afigure inútil o depoimento dos demais autores “filhos”, os quais não revelam o mesmo conhecimento sobre os factos aqui em causa, tentar‑se-á diligenciar pela sua presença” e (iii) que “[t]endo sido notificados para o efeito, indicam os Requerentes os dados do contabilista à data dos factos: AA..., residente na Rua ..., ..., ..., ..., ...-... ... . 7. Desde já se esclarece que esta testemunha não foi indicada por não conhecer integralmente os factos sob discussão nos presentes autos. (…) Se pretende o Tribunal ouvir outras pessoas por entender que o depoimento das mesmas se pode revelar pertinente para a boa causa, solicita-se que diligencie no sentido de as notificar para o efeito”, isto “[s]em prejuízo de as partes colaborarem no sentido de aferir, posteriormente, da sua disponibilidade”. Neste requerimento os Requerentes indicaram ainda os concretos factos do pedido de pronúncia arbitral sobre os quais pretendiam que fosse ouvida a testemunha S... .
16. Em 29 de Junho de 2022, o CAAD diligenciou pela notificação de todos os Requerentes para comparecerem na reunião arbitral, tendo em 30 de Junho de 2022 sido notificado ao Tribunal e às partes que não foi possível notificar o Requerente G... .
17. Em 11 de Agosto de 2022, a Requerida apresentou requerimento no qual informou que “[p]rescinde da testemunha Y...”, tendo ainda indicado de forma individualizada os factos da resposta sobre os quais pretendia que fossem ouvidas as testemunhas X... e Z... .
18. Em 9 de Setembro de 2022, realizou-se a reunião arbitral a que alude o artigo 18.º do RJAT. Nesta reunião prestou depoimento o Requerente I..., tendo sido inquiridas as testemunhas S..., X... e Z... . No decurso da reunião entendeu o Tribunal Arbitral dispensar as declarações de parte dos Requerentes G..., D... e F... .
19. No âmbito da reunião o Tribunal Arbitral solicitou ainda à mandatária da Requerente a junção aos autos, no prazo de 5 dias, dos Estatutos e respectiva certidões comerciais das sociedades L... SGPS e M..., concedendo à Requerida o prazo de vista de 5 dias, após o qual começou a correr o prazo de 15 dias para, de modo simultâneo, as partes apresentarem as suas alegações finais.
20. Em cumprimento do disposto no artigo 18.º, n.º 2 do RJAT o Tribunal deliberou ainda na referida reunião que a decisão arbitral seria proferida até ao fim do prazo fixado no artigo 21.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT.
21. Mediante requerimento apresentado em 14 de Setembro de 2022 os Requerentes juntaram aos autos os documentos mencionados no ponto 19. supra.
22. Por requerimentos apresentados em 3 e em 4 de Outubro de 2022, respectivamente, Requerentes e Requerida apresentaram alegações escritas finais, onde se pronunciaram sobre a prova produzida na reunião arbitral realizada em 9 de Setembro de 2022 e onde reiteraram as posições expressas nos articulados anteriormente apresentados.
23. Através dos despachos proferidos em 10 de Outubro e em 9 de Dezembro de 2022, foi prorrogado o prazo de arbitragem nos termos e para os efeitos do artigo 21.º do RJAT.
II. SANEAMENTO
24. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Estão reunidos os pressupostos para a coligação de autores e a cumulação de pedidos, previstas no artigo 3.º do RJAT. O processo não enferma de nulidades, nem existem questões prévias que cumpram resolver nesta sede.
25. A caducidade do direito à liquidação/aplicação da CGAA invocada pelos Requerentes será conhecida infra, no âmbito da apreciação do mérito da causa, porquanto é matéria que subjaz aos pressupostos de que dependem os actos tributários impugnados nos presentes autos e já não às condições necessárias para que este Tribunal possa validamente decidir.
III. THEMA DECIDENDUM
26. Nos presentes autos suscita-se a apreciação da legalidade dos actos de liquidação de IRS relativos aos anos de 2016 e de 2017 já devidamente identificados, na “parte do valor liquidado em consequência da aplicação da CGAA”. Em concreto, cumpre apreciar a legalidade da desconsideração para efeitos fiscais dos reembolsos de dívida feitos aos Requerentes naqueles anos, por conta do crédito constituído sobre a M..., e da consequente tributação em sede de IRS desses pagamentos enquanto dividendos distribuídos aos Requerentes na qualidade de accionistas.
IV. MATÉRIA DE FACTO
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Factos provados
27. Analisada a prova produzida no âmbito do presente Processo Arbitral, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
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A... e B... são casados e constituem um agregado familiar para efeitos de IRS;
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D..., G..., J... e F... são filhos de A... e de B...;
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D... e C... são casados e constituem um agregado familiar para efeitos de IRS;
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G... e H... são casados e constituem um agregado familiar para efeitos de IRS;
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F... e E... são casados e constituem um agregado familiar para efeitos de IRS;
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J... e I... são casados e constituem um agregado familiar para efeitos de IRS;
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Em 31 de Dezembro de 1993, a sociedade L... SGPS, S.A. (“L... SGPS”) foi constituída com o capital social de € 11.057.395,00, representado por 2.211.479 acções com o valor nominal de € 5,00 cada, tendo como objecto a “gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta do exercício de actividades económicas”;
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A constituição da L... SGPS inseriu-se na reorganização da estrutura do Grupo K..., passando esta a ser a holding de topo do grupo;
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A reorganização do Grupo K... incluiu a constituição, em 1993, da W... Holding, SGPS, S.A., que passou a ser a sub-holding de controlo de todas as sociedades com actividade comercial;
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Em 1 de Janeiro de 2005, a L... SGPS mantinha um capital social de € 11.057.395,00, detido pela seguinte estrutura accionista:
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A...: 55% do capital social;
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B...: 9% do capital social;
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I...: 7% do capital social;
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J...: 2% do capital social;
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G...: 9% do capital social;
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D...: 9% do capital social;
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F...: 9% do capital social;
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Em 26 de Dezembro de 2005, A... e B... alienaram a participação de 64% que tinham no capital social da L... SGPS: uma parcela de 60% foi alienada à sociedade M..., Lda. (“M...”) e uma parcela de 4% foi alienada em partes iguais aos filhos de ambos identificados em b);
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O preço de venda por acção das participações referidas em k) foi fixado em € 24,83, o que perfez um total de € 35.138.151,00, conforme se resume no seguinte quadro:
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A... e B... mantiveram uma participação indirecta no capital social da L... SGPS, até 30 de Junho de 2016, por conta da participação de 2,4 % detida na M...;
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Em 26 de Dezembro de 2005, para além da participação social referida em k), A... e B... alienaram ainda à M..., pelo montante total de € 5.659.333,00, participações representativas de 6,40% do capital social de outras 6 sociedades do Grupo K... (T..., S.A., BB..., S.A., V..., S.A., W... Holding SGPS, S.A., CC... S.A. e DD... SARL), tal como evidenciado no seguinte quadro:
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O preço de venda das acções referidas em k) e em n), foi determinado com base no valor contabilístico (capitais próprios) das sociedades em causa;
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Em 10 de Março de 2006, A... e B... comunicaram à AT, nos termos previstos no artigo 138.º do Código do IRS, as alienações das acções ocorridas no exercício de 2005;
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Em 29 de Dezembro de 2005, I... e J... alienaram, pelo preço de € 5.490.285,35, correspondente a € 24,83 por acção, a participação de 10% que tinham no capital social da L... SGPS, representada por 221.148 acções, à sociedade Investimentos Imobiliários P..., Lda. (“P...”) por eles detida;
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Em 25 de Outubro de 2006, G... alienou, pelo preço de € 5.490.285,35, correspondente a € 24,83 por acção, a participação de 10% que tinha no capital social da L... SGPS, representada por 221.148 acções, à sociedade Q..., SGPS, Lda. (“Q...”), por ele detida em conjunto com H...;
-
Em 25 de Outubro de 2006, D... alienou, pelo preço de € 5.490.285,35, correspondente a € 24,83 por acção, a participação de 10% que tinha no capital social da L... SGPS, representada por 221.148 acções, à sociedade R..., SGPS, Lda. (“R...”), por ela detida em conjunto com C...;
-
Em 25 de Outubro de 2006, F..., alienou, pelo preço de € 5.490.285,35, correspondente a € 24,83 por acção, a participação de 10% que tinha no capital social da L... SGPS, representada por 221.148 acções, à sociedade O..., SGPS, Lda. (“O...”), por ela detida em conjunto com E...;
-
As operações referidas em q), r), s) e t), sintetizam-se no seguinte quadro:
-
As sociedades adquirentes referidas em q), r), s) e t), registaram contabilisticamente um débito para com os alienantes ali referidos, no valor correspondente ao preço de venda;
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Pela alienação das acções referidas em q), r), s) e t), nada ficou determinado quanto ao pagamento do preço pelas sociedades adquirentes;
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Em 25 de Fevereiro de 2016, foi deliberado em Assembleia Geral um aumento de capital da L... SGPS, no valor de € 3.472.240,00, com emissão de 694.448 novas acções no valor nominal de € 5,00 cada, a realizar mediante entradas em espécie de quatro novos accionistas: J..., G..., D... e F...;
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As entradas em espécie referidas na alínea anterior consistiam na entrega de 4.115 acções representativas de parte do capital social da sociedade W... Holding, SGPS, S.A., às quais foi atribuído um valor de € 868.060,00, de que cada um deles era titular;
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Em 19 de Julho de 2016, foi rectificada a deliberação da Assembleia Geral referida em x) e y), reduzindo-se o aumento de capital aí descrito para o montante de € 193.540,00, com a emissão de 38.708 novas acções, no valor nominal de € 5,00 cada, a realizar mediante entradas em espécies dos mesmos quatro novos accionistas com as mencionadas 4.115 acções da sociedade W... Holding, SGPS, SA, de que cada um deles era titular;
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A partir de 19 de Julho de 2016, a L... SGPS passou a ter um capital social de € 11.250.935,00 dividido em 2.250.287 acções no valor nominal de € 5,00 cada;
-
Em 21 de Outubro de 2016, foi deliberado em Assembleia Geral um novo aumento de capital da L... SGPS, no valor de € 137.040,00, com a emissão de 27.408 novas acções no valor nominal de € 5,00 cada, realizado através de entradas em dinheiro por parte dos accionistas P..., Q..., R... e O...;
-
Em função do aumento de capital realizado na alínea anterior, a L... SGPS passou a ter um capital social de € 11.387.975,00, dividido em 2.277.595 acções no valor nominal de € 5,00 cada;
-
A partir de 21 de Outubro de 2016 a estrutura accionista da L... SGPS passou a ser a seguinte:
-
Entre 2006 e 2022 o conselho de administração da L... SGPS foi composto por:
-
Presidente: A...;
-
Vogal: G...;
-
Vogal: I...;
-
Vogal: C...;
-
Vogal: E...;
-
A sociedade fica obrigada “Com a assinatura: a) do presidente do conselho de administração; ou: b) de dois administradores, ou: c)- de um administrador delegado, dentro dos limites fixados pelo conselho de administração, ou: d) de qualquer mandatário, nos limites do mandato conferido; 2.- Os documentos de mero expediente poderão ser assinados por qualquer administrador ou mandatário. Estrutura da administração: Compete a um conselho de administração composto por três ou cinco membros, eleitos em assembleia geral, que fixará o número de administradores e designará o presidente.- O conselho de administração poderá delegar a gestão corrente da sociedade em um ou mais administradores, fixando em acta os limites dessa delegação”;
-
Em 4 de Maio de 1999, foi constituída a sociedade M..., LDA. (“M...”), com o objecto social de “Compra e Venda de Propriedades, Construção de Imóveis e Gestão de Patrimónios”, que actualmente corresponde a “Compra e venda de propriedades, construção de imóveis, gestão de patrimónios e de imóveis próprios e exploração de serviços de restauração”;
-
A M... foi constituída com o capital social de € 100.000,00, dividido em 6 quotas com o valor nominal de € 5,00 cada, detido pela seguinte estrutura accionista:
-
A... : 88,75% do capital social;
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B...: 2,25% do capital social;
-
J...: 2,25% do capital social;
-
G...: 2,25% do capital social;
-
D...: 2,25% do capital social;
-
F...: 2,25% do capital social;
-
Em 26 de Dezembro de 2005 foram realizadas as operações descritas em k) e n), onde a M... adquiriu participações sociais de outras sociedades do Grupo K... que eram detidas por A... e B...;
-
Em 1 de Março de 2006, os sócios J..., G..., D... e F..., subscreveram um aumento de capital da M..., correspondendo a entrada de cada um ao montante de € 925.000,00;
-
Em resultado do aumento de capital descrito na alínea anterior, o capital social da M... passou a ser de € 3.800.000,00, detido pela seguinte estrutura accionista:
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A...: 2,34% do capital social;
-
B...: 0,06% do capital social;
-
J...: 24,4% do capital social;
-
G...: 24,4% do capital social;
-
D...: 24,4% do capital social;
-
F...: 24,4% do capital social;
-
Em 7 de Março de 2006, a M... adquiriu a A... e B..., pelo montante total de € 1.359.703,46, quotas nas seguintes sociedades do Grupo K...: EE..., S.A., FF..., S.A., GG... , S.A., HH..., S.A., II..., S.A., JJ..., S.A. e KK..., S.A.;
-
Em 5 de Junho de 2007, a M... foi transformada em sociedade anónima, mantendo o capital social, que passou a ser representado por 3.800.000,00 acções, no valor nominal de € 1,00 cada, que foram atribuídas aos sócios na proporção das respectivas quotas;
-
Em 29 de Dezembro de 2015, a M... alienou à L... SGPS, pelo preço global de € 16.721.592,49, uma participação social de 6,4% do capital de sociedades 12 sociedades do Grupo K..., conforme discriminado no seguinte quadro:
-
A alienação referida na alínea anterior usufruiu do regime de participation exemption previsto no artigo 51.º-C do Código do IRC, pelos que aqueles rendimentos não concorreram para a formação do resultado tributável da M... no período de tributação de 2015;
-
Em resultado das operações descritas em nn), a M... registou na sua contabilidade um crédito a receber, na conta 278131 – Outros Devedores – Empresas Subsidiárias Mercado Interno –L... SGPS;
-
Entre 29 de Dezembro de 2015 e 31 de Dezembro de 2017, o crédito da M... perante a L... SGPS apresentou a seguinte evolução:
Data
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Saldo a receber da L... SGPS
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Em 29-12-2015
|
16.721.592,49
|
Em 31-12-2015
|
16.721.592,49
|
Em 31-12-2016
|
3.651.892,41
|
Em 31-12-2017
|
2.431.892,41
|
-
Em 30 de Junho de 2016, A... e B... doaram – no âmbito de uma partilha em vida melhor descrita em hhh) –, as participações de 2,34% e 0,06% que detinham, respectivamente, na M..., aos quatros filhos de ambos identificados em b), que passaram a deter 100% do capital social daquela sociedade, distribuído em partes iguais;
-
A partir de 21 de Outubro de 2016, a estrutura accionista da L... SGPS passou a ser a seguinte:
-
Entre 4 de Maio de 1999 e 5 de Junho de 2007, exerceram funções de gerência na M...:
-
A... (sócio-gerente);
-
B... (sócia-gerente);
-
J... (sócia-gerente);
-
I... (gerente);
-
D... (sócia-gerente);
-
C... (gerente);
-
G... (sócio-gerente);
-
H... (gerente);
-
F... (sócia-gerente);
-
E... (gerente).
-
Entre 5 de Junho de 2007 e 2019, o conselho de administração da M... foi o seguinte:
-
Presidente: A...;
-
Vogal: G...;
-
Vogal: I...;
-
Entre 2020 e 2022, o conselho de administração da M... foi o seguinte:
-
Presidente: A...;
-
Vogal: G...;
-
Vogal: I...;
-
Vogal: E...;
-
Vogal: C...;
-
A sociedade fica obrigada “a)-pela assinatura do presidente do conselho de administração, enquanto este for o A..., ou: b)-pela assinatura de dois administradores, ou: c)- pela assinatura de um administrador delegado dentro dos limites fixados pelo conselho de administração nos termos do artº 14º do contrato social, ou: d)-de qualquer mandatário e nos limites do mandato conferido. Os documentos de mero expediente poderão ser assinados por qualquer administrador ou mandatário”;
-
Em 26 de Dezembro de 2005, em resultado das operações descritas em k) e n), foi reconhecido na contabilidade da M... um passivo na conta 278221 – outros credores (rúbrica “outras contas a pagar/dívidas a terceiros curto prazo”), no montante de € 38.601.350,00, tal como sintetizado no seguinte quadro:
-
Na declaração anual de informação contabilística e fiscal para o ano de 2005, apresentada pela M..., em 30 de Junho de 2006, foi igualmente declarado que as operações realizadas com A... e B... perfizeram um montante total de € 38.601.350,00;
-
Quanto ao crédito referido em xx) e yy), não foram estabelecidos prazos de pagamento, não foram estipulados quaisquer encargos referentes ao pagamento do crédito nem foram constituídas garantias para a eventualidade de incumprimento do pagamento do preço;
-
Em 2006, o crédito referido em xx) e yy) aumentou para € 42.189.915,43;
-
A M... não tinha capacidade financeira para pagar por inteiro o preço das participações sociais que gerou o crédito referido em xx), yy) e aaa);
-
Desde 2005 até 30 de Junho de 2016, a M... pagou a A... por conta do referido crédito, o montante total de € 13.433.775,73, conforme se resume no seguinte quadro:
-
No exercício de 2016, a M... pagou a A... por conta do referido crédito o montante total de € 1.250.000,00;
-
Os pagamentos feitos pela M... a A... foram realizados no momento e no montante por este determinados;
-
De modo a dotar a M... da liquidez necessária para assegurar os pagamentos referidos na alínea anterior, o Grupo K... promovia a distribuição de dividendos entre as várias sociedades que o compunham;
-
Nos anos de 2009, 2013, 2014 e 2015, foi deliberada em assembleia geral a distribuição de resultados das sociedades W... Holding, S.A. e V..., S.A., no montante total de € 10.682.618,04, com o propósito de permitir “o reforço da capacidade financeira da M...”;
-
Entre 2000 e 2017, a L... SGPS distribuiu aos seus accionistas um total de € 37.476.662,93, divididos entre:
-
Reservas Livres nos anos de 2003, 2004, 2005, 2011 e 2012, na quantia de € 15.246.892,88;
-
Resultados Transitados no ano de 2007, na quantia de € 5.757.500,00;
-
Resultados do período de 2014, na quantia de € 5.789.652,01;
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Redistribuição de lucros das suas participadas W... Holding SGPS e V..., S.A., nos anos de 2009, 2013, 2014 e 2015 no valor global de € 10.682.618,04;
-
A distribuição de reservas livres nos anos de 2003 e 2004, no montante global de € 8.080.000,00, foi sujeito a tributação na esfera dos seus accionistas – todos pessoas singulares –, no âmbito da categoria E de IRS, que perfez um montante total de € 1.212.000,00 de imposto retido na fonte e entregue ao Estado;
-
A M..., durante os seus 19 anos de existência, nunca distribuiu lucros aos seus accionistas;
-
Entre 2006 e 2017, a M... pagou, a título de reembolso da dívida que tinha reconhecida na contabilidade, o montante de € 22.867.843,81 que não foi sujeito a tributação;
-
Em 30 de Junho de 2016, A... e B... outorgaram uma “partilha em vida”, referente ao seguinte património:
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4 prédios urbanos sitos em Portugal, cujo Valor Patrimonial Tributário global ascendia a € 317.792,58;
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2 imóveis sitos em Moçambique, no valor total de € 638.132,30;
-
depósitos bancários e aplicações que totalizavam € 1.320.520,05;
-
seguros de vida no montante de € 11.734.660,00;
-
crédito remanescente sobre a M... no valor de € 28.756.139,70;
-
2,4% do capital social da M..., no valor de € 3.030.764,92 (já mencionado em m) e rr));
-
créditos e salários sobre diversas empresas do Grupo K... no montante de € 4.166.990,52; e
-
quotas em duas empresas no valor de € 35.000,00;
-
Em 30 de Janeiro de 2006, N... intentou uma acção de investigação de paternidade contra A...;
-
Em 2015, na sequência de decisão judicial, N... foi reconhecida como filha de A...;
-
N... foi uma das outorgantes da partilha em vida referida em lll);
-
N... pretendia receber dinheiro por conta do seu quinhão na herança;
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Do património referido em lll), apenas a meação de A...– cerca de 25 milhões –, concorreu para a partilha dos seus 5 filhos, aos quais couberam 5 milhões de euros a cada;
-
A filha N... recebeu a sua quota de 5 milhões de euros em dinheiro;
-
A quota da filha N... foi paga em partes iguais pelos seus irmãos referidos em b), a título de tornas;
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Os filhos referidos em b) receberam os bens imóveis e móveis, nos quais se incluía o crédito sobre a M... no valor de € 7.189.034,93, cada, correspondente a 25% do crédito de € 28.756.139,70 que A... ainda tinha sobre aquela sociedade;
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No exercício de 2016, I..., G..., C... e E... receberam, cada um, a quantia de € 2.033.517,02, paga pela M... por conta do crédito doado no âmbito da partilha em vida referida em hhh);
-
No exercício de 2017, I... , G..., C... e E... receberam, cada um, a quantia de € 325.000,00, paga pela M... por conta do crédito doado no âmbito da partilha em vida referida em hhh);
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Os Requerentes foram objecto de acções inspectivas realizadas pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de..., na sequência das quais foram emitidos os seguintes actos de liquidação de IRS, referentes aos exercícios de 2016 e 2017:
-
Os Requerentes apenas contestaram a parte das correcções realizadas pelos SIT na sequência da aplicação da CGAA, consagrada no artigo 38.º, n.º 2, da LGT, conforme se sintetiza no quadro que se segue:
-
Os Requerentes, previamente à apresentação de reclamação graciosa, constituíram as seguintes garantias bancárias no âmbito dos processos de execução fiscal indicados:
-
A... e B... prestaram a garantia bancária n.º..., emitida pelo Banco..., destinada a garantir a dívida exequenda no processo de execução fiscal n.º ...2021...;
-
C... e D... prestaram as garantias bancárias n.º ... e n.º ..., emitidas pelo Banco ..., destinadas a garantir a dívida exequenda nos processos de execução fiscal n.º ...2021... e n.º ...2021..., respectivamente;
-
E... e F..., prestaram as garantias bancárias n.º ... e n.º ..., emitidas pelo ..., S.A. – Sucursal Em Portugal, destinadas a garantir a dívida exequenda nos processos de execução fiscal n.º ...2021... e n.º ...2021..., respectivamente;
-
G... e H... prestaram as garantias bancárias n.º ... e n.º ..., emitidas pelo..., S.A. – Sucursal Em Portugal, destinadas a garantir a dívida exequenda nos processos de execução fiscal n.º ...2021... e n.º ...2021..., respectivamente;
-
I... e Maria J... prestaram a garantia bancária n.º..., emitida pelo Banco ..., destinada a garantir a dívida exequenda no processo de execução fiscal n.º ...2021...;
-
Os Requerentes apresentaram reclamação graciosa, em coligação de autores e com cumulação de pedidos, que tramitou sob o número de processo ...2021... e que foi objecto de despacho de indeferimento;
-
Em 26 de Janeiro de 2022, os Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral que está na origem dos presentes autos.
-
Factos não provados
28. Ainda com relevo para a decisão da causa em face das alegações produzidas pelas partes nos seus articulados, o Tribunal julga como não provados os seguintes factos:
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A alienação por A... e B... das participações que tinham no Grupo K... prendeu-se com o interesse destes em abandonarem a vida empresarial activa e em lograrem uma “sucessão organizada” na propriedade e direcção das várias sociedades do Grupo K...;
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A... manteve-se “formalmente” como administrador das sociedades do Grupo K..., sem poder de decisão efectivo sobre as mesmas, por consideração e respeito dos filhos D..., G..., J... e F...;
-
A.... afastou-se total e definitivamente da actividade do grupo, não participando activamente na tomada de decisões ou definição de estratégias comerciais e financeiras das empresas;
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Em resultado das alienações das participações sociais que tinham nas sociedades do Grupo K... à M..., A... e B... ficaram “sem nada” e numa posição de fragilidade resultante da dependência de terem de “pedir dinheiro aos filhos” por conta do crédito detido perante a M...;
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A eventual intervenção de N... nas sociedades do Grupo K... poderia colocar em causa o funcionamento, o crescimento, a sustentabilidade, a rentabilidade e a confiança das empresas que o compõem, com o consequente fim do grupo;
-
As operações subjacentes à formação do crédito sobre a M... evidenciado em xx), yy) e aaa), que foram realizadas apressadamente em virtude da eminência da acção de investigação de paternidade referida em mmm), não tiveram como motivo principal ou essencial a obtenção de vantagens fiscais mas sim afastar N... da aquisição, por via de uma futura partilha da herança de A..., de uma participação significativa nas diferentes sociedades do Grupo K..., correspondentes à sua quota-parte nas acções de que o pai era titular.
-
Motivação da decisão da matéria de facto
29. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e declarar a matéria que julga provada e não provada, não tendo a obrigação de se pronunciar sobre todos os factos alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função das posições assumidas pelas partes e tendo em conta a sua relevância jurídica, determinada com base nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
30. Os factos dados como provados e não provados resultaram da apreciação da prova produzida nos presentes autos à luz das regras da experiência, da normalidade e da racionalidade, inerentes ao princípio processual que rege a arbitragem tributária da “livre apreciação dos factos e [d]a livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros”, previsto no artigo 16.º, alínea e) do RJAT, bem como no artigo 607.º, n.º 5 do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, onde se determina que o julgador “aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
31. Em concreto, o probatório acima fixado resultou da análise concatenada (i) dos factos invocados nas peças processuais apresentadas pelas partes, (ii) da prova documental junta aos autos pela Requerente e do PA junto aos autos pela Requerida e ainda (iii) das declarações de parte do Requerente I... e das declarações das testemunhas S..., X... e Z..., produzidas na reunião arbitral.
32. Quanto às declarações prestadas pelas testemunhas X... e Z..., que reproduziram essencialmente a factualidade constante do RIT, entende este Tribunal que os depoimentos prestados se revelaram sólidos, firmes, convictos e espontâneos, tendo os factos sido narrados de forma confiável e convincente.
33. Quanto às declarações prestadas pelo Requerente I... e pela testemunha S..., considera este Tribunal que os respectivos depoimentos se revelaram espontâneos, firmes e convictos. Não obstante, os factos por estes narrados não se revelaram globalmente confiáveis e coerentes por confronto com os factos alegados nos articulados e demais meios de prova carreados aos autos, designadamente com os relatórios de inspecção tributária e respectiva documentação de suporte que aos mesmos se encontra anexa. Acresce que a natural falta de distanciamento do Requerente I... quanto ao objecto do processo – já que este é parte interessada no mesmo –, impõe que a aderência à realidade dos factos por si narrados seja corroborada noutros elementos probatórios, o que nem sempre sucedeu.
34. Veja-se, a este respeito, que os depoimentos do Requerente I... e da testemunha S... apontaram no sentido da aderência à realidade dos factos dados como não provados. Acontece que no entender deste Tribunal a prova junta aos autos aponta, sem fundada dúvida, em sentido contrário, o que coloca em crise aqueles depoimentos.
35. Em relação aos factos não provados que constam em 1), 2), 3) e 4) convém começar por precisar que, tal como reconheceu o Requerente I... e a testemunha S..., os pagamentos feitos a A... ao longo dos 13 anos foram realizados à medida que este o solicitava e em função das suas necessidades pessoais, cabendo a este a decisão de quando e do quantum a reembolsar.
36. Este poder de disposição de A... manteve-se mesmo após a celebração da partilha em vida outorgada em 2016, em virtude da qual este deixou de ter qualquer participação nas sociedades do Grupo K... . Evidência de tal facto é a circunstância de A... ter permanecido Presidente do Conselho de Administração da M... e da L... SGPS, bastando a sua assinatura para obrigar aquelas sociedades. Isto sem contar que nas Assembleias Gerais da L... SGPS foi o Requerente A... que, na qualidade de representante da accionista maioritária M..., propôs o pagamento de dividendos nos anos de 2009, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015. Por outro lado, foi o próprio A... que, em 2017, assinou os cheques emitidos pela M... para pagamento do reembolso aos seus filhos. Isto sem contar que, já em 2018, foi ainda o Requerente A... quem assinou os despachos externos e notificações pessoais efectuadas pela AT junto de várias sociedades do Grupo K... .
37. No fundo, A... manteve o poder e controlo que sempre exerceu sobre o Grupo K..., recaindo sobre si a gestão do crédito detido perante a M... . No limite, e conforme evidenciou a AT, em virtude “[d]a forma de obrigar que consta do Contrato de Sociedade da M..., o A... tinha (e mantém, até hoje) legitimidade para, sozinho, por exemplo, assinar um cheque à ordem dele próprio”.
38. Por conseguinte, também não tem aderência à realidade o facto referido em 4) de que A... ficou sem património em resultado das operações que realizou. Não só porque ficou com um crédito sobre a M... que lhe permitiu ir recebendo pagamentos/reembolsos, mas também porque manteve mais património até à partilha em vida realizada em 2016, o que terá necessariamente de ser tido em consideração na apreciação do alegado “prejuízo” que a celebração das operações aqui em questão implicou.
39. Em relação ao facto não provado que consta em 5), cumpre apenas sublinhar que não foram apresentados quaisquer factos que permitissem suportar as alegações efectuadas pelos Requerentes, designadamente pelo Requerente I... e pela testemunha S... no âmbito da reunião arbitral. Apesar de alegarem que o “aparecimento” da filha N... iria colocar em causa a credibilidade e o crescimento do Grupo K..., bem como a confiança da banca, a verdade é que aqueles se limitaram a formular considerações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade tem necessariamente de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada nos presentes autos.
40. O facto não provado que consta em 5) será objecto de apreciação infra no âmbito da apreciação da matéria de direito. Nesta sede cabe apenas mencionar que a testemunha Ricardo Santos Neto não trabalhava no Grupo K... em 26 de Dezembro de 2005, o que significa que não teve conhecimento directo e imediato da factualidade que, à data, terá estado subjacente à venda por A... das participações objecto dos presentes autos. Acresce que foi evidenciado pela Requerida que a testemunha já havia sido inquirida quanto a estes factos no âmbito do processo arbitral n.º 317/2019-T, sendo que nessa sede não referiu que foi a existência da filha N... a justificar as operações aqui em causa. Consequentemente, a valoração do referido depoimento foi feita por este Tribunal tendo presente essa circunstância.
41. E o mesmo se diga quanto à motivação invocada pelos próprios Requerentes para justificar o conjunto de operações realizadas. É que se por um lado os Requerentes alegam que no processo arbitral n.º 235/2018-T, que versou sobre a factualidade em causa nos presentes autos, o tema do “aparecimento” de N... foi abordado ainda que de forma mais comedida, por outro lado, sustenta a AT que no processo n.º 317/2019-T, em que os factos aqui em análise também foram apreciados, não foi invocado pelos Requerentes qualquer facto a respeito da urgência em afastar N... de uma futura detenção de participações nas sociedades do Grupo K... .
42. De acordo com a Requerida, naquele último processo “[o] motivo que então (quando estava em causa o ano de 2014) foi apresentado como subjacente às operações aqui em causa, foi começar a organizar uma partilha em vida do Grupo K... pelos quatro filhos, prevenindo eventuais conflitos futuros entre eles, após a morte do A...” sendo que nos presentes autos “a justificação é outra: tais operações tiveram subjacente a continuidade e a governance do Grupo K..., que estaria posta em causa face ao aparecimento de uma outra filha do A... que poderia criar problemas na gestão das sociedades, obstando ao crescimento do Grupo”.
43. Ora, atendendo ao teor daquelas decisões este Tribunal teve consideração, para efeitos de valoração da prova, as diferentes posições que foram sendo assumidas pelas partes relativamente ao thema decidendum, mormente no que respeita à motivação das operações cujo resultado nos exercícios de 2016 e 2017 é aqui sindicado.
V. MATÉRIA DE DIREITO
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Ordem de conhecimento dos vícios alegados
44. No pedido arbitral os Requerentes imputaram diversos vícios aos actos de liquidação contestados, o que fizeram com base numa relação de subsidiariedade. Ora, em conformidade com o disposto no artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT, deve o Tribunal Arbitral apreciar, primeiramente, os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade dos actos impugnados e, de seguida, os vícios que conduzam à sua anulação. Mais determinam os mencionados artigos que, neste último caso, a apreciação dos vícios deve ser feita pela ordem indicada pelos Requerentes, desde que se estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade.
45. Por conseguinte, será apreciado, em primeiro lugar, o alegado vício de caducidade do direito à liquidação, em segundo lugar, o vício de falta de fundamentação dos actos de liquidação e de não integral cumprimento do disposto no artigo 63.º, n.º 3, alínea b), do CPPT e, em terceiro lugar o vício de falta de verificação dos pressupostos da aplicação da CGAA. Por fim, caberá analisar o pedido de “reconhecimento [d]o direito dos Requerentes a ser indemnizados em razão da prestação indevida de garantia”.
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Caducidade do direito à liquidação
46. Relativamente a este vício compete a este Tribunal apreciar se, tal como sustentaram os Requerentes, se verifica a caducidade do direito à liquidação pelo decurso do prazo de três anos previsto no artigo 63.º n.º 3 do CPPT – na sua redacção originária –, ou pelo decurso do prazo geral a que se refere o artigo 45.º n.º 1 da LGT. Isto pelo facto de, para os Requerentes, a AT ter tomado conhecimento da venda das acções em Março de 2006, ou, pelo menos, ter tido conhecimento dos pagamentos tidos como dividendos que se iniciaram em 2006.
47. Enquanto ponto de partida, cumpre fixar a evolução do quadro normativo convocado pelos Requerentes. Na sua redacção originária, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000, o artigo 63.º, n.º 3 do CPPT estabelecia que “[o] procedimento referido no número anterior pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso”. A redacção daquela norma foi posteriormente alterada, através da Lei n.º 64‑A/2008, de 31 de Dezembro, passando a ter a seguinte redacção “[o] procedimento referido no n.º 1 pode ser aberto no prazo de três anos a contar do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições anti-abuso”. Por fim, com a entrada em vigor da Lei n.º 64‑B/2011, de 30 de Dezembro, aquela norma foi revogada, deixando de existir um prazo especificamente previsto para o procedimento tributário de aplicação da disposição anti‑abuso. Com efeito, a partir de 2012, a aplicação da CGAA passou a estar sujeita ao disposto no artigo 45.º, n.º 1 da LGT, onde se refere que “[o] direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos”, cujo termo inicial se conta “a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário”, conforme previsto no n.º 4 daquele mesmo artigo.
48. Tendo isto presente, verifica-se ainda necessário proceder à identificação do facto tributário relativamente ao qual aquelas “normas de prazos” se dirigem. Para o efeito, é essencial ter em conta que a alegada “construção jurídica” ou “esquema negocial” em causa nos presentes autos, tal qual conformado pela AT, consiste num conjunto de “step by step transactions”, isto é, num facto complexo de formação sucessiva que abrange todo o conjunto de actos que alegadamente foram praticados pelos Requerentes, ainda que em momentos temporais distintos e distantes, com o fim último de obtenção de vantagens fiscais.
49. Por conseguinte, nestas situações em que se verificam “step by step transactions”, o facto jurídico determinante para efeitos da contagem do termo inicial de aplicação da cláusula geral anti‑abuso e dos actos de liquidação que lhe sejam subsequentes, corresponde a cada um dos actos “finais” por via dos quais se consuma a obtenção das vantagens fiscais que não seriam devidas não fosse a utilização da “estrutura ou esquema elisivo”.
50. Transpondo estas considerações para o presente caso, verifica-se que o facto a ter em conta para efeitos do cômputo do termo do prazo de caducidade não corresponde à alienação das participações sociais ocorrida em 26 de Dezembro de 2005, nem à sua declaração à AT feita em 10 de Março de 2006, nem tão pouco ao momento em que, em 2006, começaram a ser feitos os primeiros pagamentos por conta do crédito gerado perante a M.... Pelo contrário, o facto relevante para a contagem do prazo de caducidade corresponde a cada um dos pagamentos feitos por conta do reembolso do mencionado crédito e que concretizam a obtenção da vantagem fiscal.
51. Em idêntico sentido, referiu-se no acórdão arbitral n.º 317/2019-T, proferido em 15 de Janeiro de 2019, em termos aos quais se adere, que:
“Reportando-nos à situação do caso, não basta, por conseguinte, para se iniciar a contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação que for devida, tomar como ponto de referência a data em que foram efectuadas as alienações das participações sociais já que estas operações não consubstanciam em si mesmo um meio artificioso ou fraudulento ou um abuso de formas jurídicas. O que poderá ter justificado a aplicação da cláusula geral anti-abuso – na perspectiva da Autoridade Tributária - é o facto de o retorno do crédito gerado pela venda de acções vir a ocorrer através de pagamentos que dissimulam uma distribuição de dividendos, e, por isso mesmo, o esquema negocial que é objecto da cláusula geral anti-abuso apenas se completa com o acréscimo patrimonial que é obtido indevidamente por esse meio.
(…)
Sendo assim – como é bem de ver -, o prazo de caducidade não se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que ocorreram as alienações das participações sociais (2005), nem da data em que as alienações foram declaradas à Autoridade Tributária (10 de Março de 2006), nem da data em que foram efectuados os primeiros pagamentos (2006).
Tratando-se de um pagamento realizado no exercício de 2014, o prazo de caducidade conta-se a partir de um 1 de janeiro de 2015 e tendo sido os Requerentes notificados da liquidação adicional em 31 de Dezembro de 2018, não havia decorrido o prazo de quatro anos fixado no falado artigo 45.º, n.º 1, da LGT.
Resta acrescentar que não faz qualquer sentido alegar – como fazem os Requerentes – que a Administração poderia ter-se apercebido do negócio abusivo em 2006, ou nos anos seguintes, à medida que foram sendo efectuados os pagamentos por conta do crédito gerado pela venda das participações sociais. De facto, a Administração não pode extrapolar de um facto inicial (alienação de acções) a ocorrência de factos futuros abusivos e, em todo o caso, a tributação em sede de IRS a título de rendimentos de capitais apenas pode ser considerada em relação ao ano fiscal em que os rendimentos são obtidos.”. (negrito nosso)
52. Ora, uma vez que nos presentes autos está em causa a obtenção de vantagens fiscais em sede de IRS através de pagamentos efectuados nos exercícios de 2016 e de 2017, é por referência àqueles anos que deve ser aferido o cumprimento do prazo de caducidade. Conforme se precisou supra, naquelas datas a aplicação da CGAA encontrava-se sujeita às regras de prazo previstas no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT, pelo que o prazo de caducidade do direito à liquidação apenas começou a correr a partir de 1 de Janeiro 2017 e de 2018. Ora, uma vez que os actos de liquidação contestados nos presentes autos foram notificados aos Requerentes no decurso do ano de 2020, ainda não tinha decorrido o prazo de 4 anos fixado nos termos do artigo 45.º da LGT.
53. De resto, a conclusão quanto à não verificação da caducidade do direito à liquidação seria a mesma ainda que se considerasse, como fazem os Requerentes, que a redacção originária do artigo 63.º, n.º 3 do CPPT era aplicável por constituir uma “garantia ou direito” adquirido. Veja-se que na redacção originária daquela norma se determinava que o procedimento de aplicação da CGAA podia ser desencadeado no prazo de três anos “após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso”. Assim sendo, e na medida em que são os pagamentos efectuados aos Requerentes por conta do reembolso do crédito detido perante a M... que concretizam a obtenção das vantagens – pagamentos esses que em 2016 e 2017 continuavam a ser efectuados – conforme resulta da matéria de facto dada como provada –, sempre teria de se concluir que os pagamentos verificados consistem em “actos de realização” para efeitos daquela disposição. Consequentemente, o prazo de 3 anos previsto naquela norma também teria sido cumprido pela AT.
54. Na jurisprudência é possível recortar entendimento semelhante no decidido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão proferido em 15 de Fevereiro de 2011, no âmbito do processo n.º 04255/10, onde se referiu o seguinte:
“VIII) -Tendo presente que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.art°.11, da L.G. Tributária; art°.9, do C.Civil), pelo que, para determinar qual o termo inicial do consagrado prazo de três anos, ao contrário do que entende a A., de que os negócios jurídicos que devem abarcar a previsão da norma no caso concreto são os contratos de mútuo realizados nos anos de 1995 a 1997, situação que, manifestamente, impediria a aplicação da norma geral anti-abuso ao caso "sub judice" devido a caducidade do direito de instaurar o procedimento anti-abuso (cfr.n°.4, als. d), f) e g), da matéria de facto provada), mas, uma vez que nos encontramos perante um conjunto complexo de actos sujeito a uma arquitectura global, nos quais vamos encontrar eventos preparatórios, como aqueles a que quer dar realce a A., tal como outros com características complementares, somente na sua visão completa se detectando o desenho elisivo.
IX) – Estamos aqui perante as denominadas "step by step transactions" nas quais se encontra uma "facti species" complexa, envolvendo uma sucessão de actos/ negócios coordenados entre si, embora possam ocorrer em momentos temporais diversos, e com o objectivo comum de conseguir uma vantagem fiscal. Face a esta espécie de operações, deve o aplicador da lei operar um tratamento integrado visualizando-as como uma única transacção, propendendo para um único e final resultado. Trata-se da "step transaction doctrine", a qual se deve aplicar ao caso dos autos, daí decorrendo que a disposição anti-abuso pode e deve aplicar-se ao momento decisivo e final que é representado, "in casu", pela recepção de acréscimos patrimoniais como dividendos dedutíveis, em vez de juros, que seria o que aconteceria na ausência da operação compósita evasiva.
X) – Visto que a recepção dos acréscimos patrimoniais enquanto dividendos dedutíveis (ao abrigo do art°.46, do C.I.R.C.), em vez de juros susceptíveis de tributação em sede de lucro tributável da A. (nos termos do art°.20, n°.1, al. c), do C.I.R.C.), se verificou nos anos de 2000, 2001 e 2002 e o procedimento de inspecção externa em consequência do qual foi estruturado o despacho objecto do presente recurso contencioso foi iniciado em 26/11/2003, para os exercícios de 2000 e 2001, e em 5/3/2004, para o exercício de 2002, deve concluir-se que os procedimentos inspectivos foram iniciados em tempo, assim não ocorrendo a caducidade dos mesmos.”.
55. Aqui chegados, conclui este Tribunal que não se verifica qualquer ilegalidade na aplicação da CGAA pela AT nem qualquer inconstitucionalidade por aplicação retroactiva de lei que diminui as garantias dos contribuintes. Como se viu, o dies a quo para efeitos do cômputo do prazo de caducidade na aplicação da CGAA e dos actos de liquidação que lhe são subsequentes, corresponde ao momento em que se concretiza a obtenção das vantagens fiscais em questão – que, como vindo de percorrer, e como adiante melhor se verá, é o momento em que são distribuídos os dividendos a título de pagamentos de dívida. Por conseguinte, no momento em que alegadamente foram auferidas as vantagens fiscais, já se encontrava em vigor o prazo de caducidade previsto na lei nova, isto é, no artigo 45.º, n.º 1 da LGT. De resto, conforme também se precisou, mesmo que fosse aplicável a lei antiga, isto é, a redacção originária do artigo 63.º, n.º 3 do CPPT, o prazo de 3 anos para iniciar o procedimento de aplicação da disposição antiabuso também teria sido respeitado, já que o momento determinante para o cumprimento daqueles prazos é, repita-se, o momento do efectivo recebimento/obtenção das vantagens fiscais. Assim sendo, não resulta beliscado o invocado princípio da segurança jurídica. Nestes termos, julgam-se improcedentes os vícios invocados pelos Requerentes a este respeito.
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Vício de falta de fundamentação dos actos de liquidação e de não integral cumprimento do disposto no artigo 63.º, n.º 3 do CPPT
56. No pedido de pronúncia arbitral os Requerentes invocaram, ainda que de forma dispersa e não densificada, que os actos de liquidação eram ilegais por se verificar um vício de falta de fundamentação, designadamente por alegado incumprimento do disposto no artigo 63.º, n.º 3, alínea b), do CPPT, no qual se refere que “[a] fundamentação do projecto e da decisão de aplicação da disposição antiabuso referida no n.º 1 contém necessariamente (…) [a] demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do acto jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou acto com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais.”.
57. Quanto a este ponto cumpre começar por referir que o direito à fundamentação dos actos da administração é um direito fundamental dos contribuintes que se encontra previsto no artigo 268.º, da CRP, onde se determina, ao que aqui importa, o seguinte:
1. Os cidadãos têm o direito de (…) conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.
(…) 3. Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.
4. É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.”.
58. No específico domínio do Direito Tributário, aquele direito é concretizado pelo artigo 77.º da LGT, nos termos do qual se estabelece o seguinte:
“1 – A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 – A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”
59. Tendo presente a regulação legal deste direito, é entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente no acórdão de 12 de Março de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 01674/13, que:
“(…) o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual. Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos de facto e de direito que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração na determinação do acto”.
60. Ora, dando aqui por integralmente reproduzido o teor de todos os RIT e respectivos anexos juntos aos autos, entende este Tribunal que a AT fixou de forma extensa e perfeitamente inteligível a factualidade inerente às operações visadas, tendo igualmente identificado e concretizado a base legal que sustentou os actos de liquidação emitidos, designadamente no que respeita à demonstração de todos os requisitos previstos no artigo 63.º, n.º 3 do CPPT.
61. Tanto assim é que no pedido de pronúncia arbitral – cujos argumentos se encontram resumidamente vertidos no relatório da presente decisão –, os Requerentes demonstraram uma perfeita compreensão do itinerário cognoscitivo e valorativo subjacente à decisão da AT, tendo rebatido os vários argumentos que consta do RIT e que justificaram a aplicação da CGAA pela AT. Por conseguinte, não se verifica uma falta ou insuficiente fundamentação (ilegalidade formal), mas tão só uma discordância dos Requerentes relativamente à motivação de facto e de direito dos actos de liquidação (ilegalidade material).
62. Por conseguinte, e sem necessidade de maior concretização, conclui-se que foi dado integral cumprimento pela AT às exigências do direito à fundamentação que resultam dos artigos 268.º, n.º 3, da CRP, e 77.º, da LGT, sendo assim improcedente o vício invocado pelos Requerentes a este respeito.
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Incumprimento dos pressupostos de aplicação da CGAA
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Concretização normativa
63. Para que se proceda à sindicância da legalidade da aplicação da CGAA prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT, revela-se necessário proceder previamente ao enquadramento daquele instituto jurídico e, bem assim, à concretização dos respectivos pressupostos de aplicação que constam da norma que a consagra. Este exercício encontra-se já ampla e extensamente feito, quer em diversa doutrina, quer em diversa jurisprudência, de que é exemplo o acórdão arbitral proferido em 3 de Outubro de 2022, no âmbito do processo n.º 860/2021-T, no qual se referiu o seguinte:
“30. Enquanto ponto de partida cumpre ter presente que aos contribuintes assiste o direito ao livre desenvolvimento de uma actividade económica, que pode ser exercida através do modelo de organização empresarial que aqueles entendam ser mais adequado para o efeito, conforme decorre dos princípios da liberdade de iniciativa económica privada e da liberdade de iniciativa, organização e gestão empresarial previstos nos artigos 61.º, n.º 1, 80.º, alínea c) e 86.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Um corolário da tutela conferida por aqueles princípios é a liberdade de gestão fiscal, nos termos da qual se assegura aos contribuintes a necessária amplitude na planificação das actividades económico-empresariais e na escolha das opções que permitam uma maximização de receitas e uma optimização de custos com a consequente obtenção, dentro dos limites da lei, de todas as vantagens fiscais possíveis.
A este respeito salienta precisamente Nuno Sá Gomes, Direito Fiscal – Vol. II, Rei dos Livros, 2000, 9.ª ed., pp. 101 e seguintes que a “racionalidade da gestão das actividades económicas pressupõe que, em princípio, os agentes económicos devam optimizar os respectivos custos comerciais, industriais, financeiros e fiscais. Sendo assim, a boa gestão fiscal, supõe, obviamente, a minimização dos custos fiscais, que a doutrina designa por economia fiscal ou poupança fiscal, sem prejuízo do rigoroso cumprimento das leis tributárias pelos agentes económicos”. Em idêntico sentido refere Saldanha Sanches, Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2006, pp. 62 e seguintes que “o contribuinte – agindo como um “homo economicus” que procura maximizar os seus proveitos – vai estar permanentemente atento às consequências fiscais e económicas dos seus negócios e fazer as suas escolhas depois desta avaliação”.
31. Apesar de, em abstracto, não ser ilegal que os contribuintes optem no desenvolvimento de uma actividade económica pela via menos onerosa fiscalmente, a verdade é que o direito ao planeamento e gestão fiscal não é absoluto. No plano concreto, perante uma colisão de valores conflituantes, aquele direito poderá ser objecto de restrições em virtude da existência de outros princípios ou interesses prevalecentes, tais como a garantia da satisfação das necessidades financeiras do Estado e da repartição justa dos rendimentos e da riqueza de acordo com a capacidade contributiva de cada um (artigos 81.º, alíneas b) e f), 103.º, n.º 1 e 104.º, todos da CRP).
Compreende-se, portanto, que o planeamento fiscal levado a cabo pelos contribuintes nem sempre será legítimo e admissível, particularmente se se esgota em si mesmo por não envolver quaisquer operações ou actividades dotadas de substância económica ou assentes em válidas razões comerciais. Conforme refere Saldanha Sanches, Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2006, pp. 176, apesar de competir aos contribuintes “(…) a escolha dos meios específicos pelos quais realizarão os seus negócios: necessário é que exista, como motivo para a sua escolha, não uma certa via de obtenção de uma poupança fiscal contra a intenção expressa da lei, mas, sim, o que pode considerar-se como uma razão comercial legítima.”.
32. De modo a delimitar o planeamento fiscal admissível/legítimo do planeamento fiscal inadmissível/ilegítimo, a doutrina tende a distinguir entre três tipos de planeamento: intra ou secundum-legem, contra-legem e extra-legem (para maiores desenvolvimentos a este respeito veja-se António Carlos dos Santos, Planeamento Fiscal, evasão fiscal, elisão fiscal: o fiscalista no seu labirinto, in Revista Fiscalidade n.º 38 ISG Abril-Junho 2009; Saldanha Sanches, Abuso de Direito em matéria fiscal: natureza, alcance e fins, Centro de Estudos Fiscais, 2000 e do mesmo autor Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2006; Gustavo Courinha, A Cláusula Geral Anti‑Abuso no Direito Tributário – Contributos para a sua compreensão, Almedina, 2009; Marta Caldas, O Conceito de Planeamento Fiscal Agressivo: Novos Limites ao Planeamento Fiscal?, Cadernos IDEFF n.º 18, Almedina, 2015).
Em termos sintéticos, o planeamento intra ou secundum-legem é aquele em que o contribuinte pratica ou renuncia a um certo comportamento de modo a obter uma poupança ou ganho fiscal equacionado pelo legislador, conforme sucede com o aproveitamento de isenções, deduções ou outros benefícios fiscais. No planeamento contra-legem, também designado por evasão fiscal, o contribuinte procura obter uma vantagem fiscal com recurso a actos que violam directamente a lei e que são censurados por via da aplicação de sanções penais e contra‑ordenacionais, tal como sucede com as condutas que configurem a prática de um crime de fraude fiscal. Já no planeamento fiscal extra-legem, também designado por elisão fiscal, o contribuinte procura assegurar uma redução, diferimento ou supressão dos encargos fiscais através de actuações que, apesar de não violarem directamente a lei, são contrárias aos valores e ao espírito do ordenamento jurídico‑tributário, sendo por isso objecto de censura.
Para que melhor se compreenda a distinção entre evasão e elisão fiscal, vejam-se as considerações do Comité de Peritos em Cooperação Internacional em Matéria Fiscal, feitas no âmbito da sétima sessão da Revisão do Manual de Negociação de Tratados Bilaterais Fiscais, que decorreu entre 24 e 28 de Outubro de 2011, em Genebra: “Tax avoidance [elisão fiscal] is not tax evasion [evasão fiscal]. Tax avoidance, in contrast, involves the attempt to reduce the amount of taxes otherwise owed by employing legal means. Tax avoidance occurs when persons arrange their affairs in such a way as to take advantage of weaknesses or ambiguities in the tax law. Although the means employed are legal and not fraudulent, the results are considered improper or abusive. (…) The European Court of Justice (ECJ) defined tax avoidance as “artificial arrangements aimed at circumventing tax law”.
Neste sentido, serão casos de elisão fiscal aqueles em que os contribuintes utilizam expedientes anómalos, impróprios ou artificiais, que são desprovidos de racionalidade económica e comercial e cuja utilização se explica pelo intuito proeminente de contornar ou instrumentalizar as normas jurídico-tributárias tendo em vista a obtenção de uma poupança fiscal. Na medida em que são abusivos e contrários ao espírito e propósito do sistema jurídico‑tributário, estes mecanismos apenas se poderão considerar aparentemente legais, isto é, de um ponto de vista estritamente formal.
33. Ainda que o planeamento fiscal extra-legem seja ilegítimo, a AT não pode colocar em causa sem observância de todos os pressupostos e modos de actuação legalmente impostos e conformados os resultados fiscais obtidos pelos contribuintes. Convém sublinhar a este respeito que a AT, enquanto órgão da Administração Pública do Estado, deve observar na globalidade da sua actuação o princípio da legalidade consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT. De acordo com este princípio, que se encontra densificado no artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável ao procedimento tributário ex vi artigo 2.º da LGT, a AT deve “actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respectivos fins”.
Quer isto dizer que, ao ser o princípio da legalidade o fundamento, o critério e o limite da actuação administrativa, e ao ser o planeamento e a gestão fiscal direitos com cobertura constitucional, a AT apenas poderá colocar em causa as opções tomadas pelos contribuintes e corrigir os resultados fiscais alcançados na exacta medida em que a lei lhe confira poderes de actuação para o efeito e em ordem ao seu cumprimento.
34. Um dos mecanismos que permite sindicar a legalidade e colocar em crise o planeamento fiscal realizado pelos contribuintes é a CGAA, que foi precisamente aplicada pela AT aos ora Requerentes de forma a corrigir as respectivas situações jurídico-tributárias. A CGAA está prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT e, à data dos factos que cumpre apreciar nos presentes autos, tinha a seguinte redacção, que constitui, pois, o enunciado legal pertinente para a resolução do caso:
“Artigo 38.º
Ineficácia de actos e negócios jurídicos
(…)
2 – São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.”
Conforme se constata, a norma que prevê a CGAA foi redigida com recurso a conceitos vagos e indeterminados que carecem de uma inevitável concretização normativa – pelos contribuintes, pela AT e, em termos decisivos, pelos Tribunais – para que seja aferida a sua aplicabilidade ao caso concreto.
De facto, tal como se sublinhou no acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 162/2017-T, em 14 de Novembro de 2017, “[a] ambiguidade parece ser o principal objectivo deste tipo de técnica legislativa. Ao recortar a CGAA do artigo 38º n.º 2 da LGT, o legislador fiscal reconhece a necessidade de preservar a base tributária e habilitar a AT e os tribunais a proteger as finalidades substantivas do legislador fiscal. A incerteza deliberadamente gerada nos contribuintes leva-os a não se aproximarem muito da linha que demarca a fraude e elisão, permitindo, a um tempo, que a CGAA seja suficientemente flexível para acompanhar as novas transações geradas pela dinâmica e acelerada “indústria do planeamento fiscal agressivo” e que a AT e os tribunais preencham as lacunas do sistema fiscal em situações imprevistas e potenciadoras de abusos”.
Por via da aplicação da CGAA, os actos ou negócios jurídicos abusivos praticados pelos contribuintes com o intuito essencial ou principal de obtenção de uma vantagem fiscal são desconsiderados e requalificados quanto aos efeitos produzidos. Significa isto que, apesar de manterem validade e eficácia quanto aos efeitos civis, são anulados os efeitos tributários que tiverem sido produzidos, “requalificando-se” os actos ou negócios jurídicos de modo que a tributação se processe com base nas normas aplicáveis aos actos equivalentes que teriam sido praticados não fosse o propósito de alcançar a vantagem fiscal indevida.
A este respeito referiu-se no acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 415/2020, em 9 de Abril de 2021, que “[o] sentido geral da norma é, nestes termos, o de permitir a desqualificação para efeitos fiscais de um qualquer acto ou negócio jurídico praticado pelo contribuinte com o único, ou principal, objectivo de obtenção de uma vantagem fiscal, que possa consubstanciar uma fraude à lei fiscal. O efeito jurídico que resulta do funcionamento da cláusula anti‑abuso é o de considerar os actos como praticados de acordo com o padrão normal do comércio jurídico para obter o mesmo resultado económico, determinando-se a obrigação tributária em função dos actos equivalentes que pudessem ser praticados.”.
35. Aqui chegados, cumpre então efectuar a “concretização normativa” do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, recorrendo para o efeito ao conjunto de critérios ou elementos que têm sido desenvolvidos pela doutrina, em atenção ao teor do mencionado enunciado normativo, para determinar se a CGAA é ou não aplicável a um certo caso concreto.
Segundo Sérgio Vasques, a aplicação da CGAA depende da verificação de três elementos cumulativos. Nas palavras do autor, em Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2018, pp. 375-376, “[e]m primeiro lugar, exige-se a prática de acto ou negócio artificioso ou fraudulento e que exprima abuso das formas jurídicas, no sentido de estarmos perante esquemas negociais que ocultem os seus verdadeiros propósitos e aos quais seja dada uma utilização manifestamente anómala face à prática jurídica comum. Em segundo lugar, exige-se o objectivo único ou principal de através desses esquemas negociais obter uma vantagem fiscal, qualquer que seja a sua natureza, com a marginalização evidente de objectivos económicos reais. Em terceiro lugar, exige-se que da lei resulte com clareza a intenção de tributar os bens em causa, nos mesmos termos em que estes seriam tributados tivesse o contribuinte recorrido às formas jurídicas e práticas negociais mais comuns”.
Na jurisprudência arbitral, esta concretização normativa foi seguida em diversos acórdãos arbitrais, de que são exemplo os proferidos no âmbito dos processos n.º 415/2020‑T, em 9 de Abril de 2021; n.º 142/2020-T, em 28 de Janeiro de 2021; n.º 258/2020-T, em 23 de Dezembro de 2020; n.º 788/2019-T, em 17 de Outubro de 2020; n.º 317/2019-T, em 15 de Janeiro de 2020; n.º 166/2019-T, em 26 de Novembro de 2019; n.º 357/2018-T, em 24 de Maio de 2019; n.º 166/2019, em 26 de Novembro de 2019 ou n.º 463/2018-T, em 23 de Abril de 2019.
Já para Gustavo Courinha, ob. cit., o esquema analítico de aplicação da CGAA passa pela verificação de cinco elementos, “correspondendo quatro deles aos requisitos de aplicação da CGAA e um à respectiva estatuição da norma” a saber, “a forma utilizada – elemento meio; a vantagem fiscal e a equivalência económica obtidas – elemento resultado; a motivação do contribuinte – elemento intelectual; a reprovação normativo‑sistemática da vantagem obtida – elemento normativo; a efectivação da Cláusula – elemento sancionatório”.
Quanto à concretização de cada um destes elementos, registou-se no sumário do primeiro acórdão que apreciou a aplicação pela AT da CGAA, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n.º 04255/10, em 15 de Fevereiro de 2011, o seguinte:
“1-O elemento meio - o qual tem a ver com a forma utilizada, portanto, com a prática de certos actos ou negócios dirigidos, essencial ou principalmente, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos;
2-O elemento resultado - o qual visa a vantagem fiscal como fim da actividade do contribuinte, portanto, a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos;
3-O elemento intelectual - o qual tem a ver com a motivação fiscal do contribuinte, portanto, com o facto dos actos ou negócios pelo mesmo praticados serem essencial ou principalmente dirigidos ao resultado que é a vantagem fiscal;
4-Elemento normativo - o qual tem a ver com a reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida, portanto, o contribuinte actua com manifesto abuso das formas jurídicas (cfr. art°. 63, n° 2, do C.P.P.Tributário).
Na estatuição da norma vamos encontrar o elemento sancionatório que se traduz na ineficácia, no âmbito tributário, dos actos ou negócios jurídicos em causa, os quais passam a ser inoponíveis à A. Fiscal (...). O elemento sancionatório corresponde, por isso, à estatuição da norma em apreciação, dependendo a sua aplicação da verificação cumulativa dos pressupostos consagrados na sua previsão”.
Na jurisprudência arbitral, esta concretização normativa também foi seguida em diversos acórdãos arbitrais, de que são exemplo os proferidos no âmbito dos processos n.º 141/2020-T, em 5 de Fevereiro de 2021; n.º 481/2019-T, em 11 de Maio de 2020; n.º 480/2019-T, em 25 de Maio de 2020; n.º 359/2019-T, em 31 de Janeiro de 2020; n.º 47/2019-T, em 18 de Novembro de 2019; n.º 441/2018-T, em 15 de Maio de 2019; n.º 126/2018-T, em 26 de Novembro de 2018; n.º 324/2017‑T, de 5 de Agosto de 2018; n.º 219/2016-T, de 10 de Julho de 2017.
36. Independentemente da mais-valia dogmática de cada uma das concretizações normativas defendidas na doutrina e desenvolvidas pela jurisprudência, e tendo em conta que este também foi o método seguido pelas partes nos respectivos articulados, será adoptado no presente acórdão o método analítico que decompõe a aplicação da CGAA na apreciação dos elementos resultado, meio, intelectual, normativo e sancionatório.
Cada um dos referidos elementos será analisado de modo individualizado, contudo, é essencial ter presente que tal análise não poder ser feita de modo completamente estanque e segmentado. Ao estarem interligados entre si, impõe-se que a apreciação dos referidos elementos seja feita de modo articulado, encarando a operação a sindicar como um todo. Por conseguinte, e conforme sublinha Gustavo Courinha, ob. cit., p. 165, “os citados elementos, embora devam ser tratados autonomamente, pelo menos do ponto de vista doutrinal, não deixarão com frequência, e na falta de melhor expressão, de “auxiliar-se” mutuamente. A fixação de um elemento pode, na prática, depender [ou resultar da verificação, dizemos nós] de um outro elemento”.
Ainda antes de se proceder à análise de cada um dos elementos enunciados, cumpre ressalvar que a análise a efectuar tem subjacente uma inevitável apreciação casuística das concretas circunstâncias de facto inerentes ao caso sub judice. Tal como se referiu no acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 377/2014‑T, em 22 de Maio de 2014, “(…) o funcionamento da cláusula geral anti-abuso, consagrada no n.º 2 do art. 38.º da LGT, pressupõe sempre uma tarefa de realização concreta do Direito em função das circunstâncias fácticas e dos contornos materiais da situação sub judice, não sendo viável, a seu propósito, sob pena de se desprotegerem as necessidades reais que presidiram à sua consagração, reduzir a sua aplicação à subsunção estrita e automática das realidades a categorias jurídicas abstractas.”.
64. Uma vez que nenhuma das partes reconduziu expressa e estritamente a análise que fez a um dos referidos esquemas analíticos, e sendo necessário adoptar um método de aferição do preenchimento dos pressupostos de aplicação da CGAA, será nos presentes autos seguida a concretização normativa que decompõe a CGAA nos elementos resultado, meio, intelectual, normativo e sancionatório.
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Elemento resultado
65. Como ponto de partida cabe aferir se o conjunto de operações realizadas pelos Requerentes e que foram acima descritas na matéria de facto dada como provada, implicaram a “redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos” ou a “obtenção de vantagens fiscais” a que alude o artigo 38.º, n.º 2 da LGT, tal qual sustenta a AT no RIT. Para o efeito haverá que recuperar, ainda que de forma sintética, o conjunto de actos e negócios jurídicos em causa nos presentes autos.
66. As operações que são objecto de aplicação da CGAA tiveram o seu “momento zero”, isto é, o seu início, com a alienação à M... feita por A... e B..., em 2005, de uma participação de 60% da L... SGPS e de 6,4% de outras sociedades do Grupo G..., tal como referido em k) e em n).
67. Com a venda das referidas participações sociais A... e B... não foram objecto de tributação em sede de IRS. Por um lado, porque não se encontravam sujeitas a imposto as mais-valias geradas com a alienação de participações cuja titularidade tivesse sido adquirida antes de 1 de Janeiro de 1989, conforme previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, para além de que as participações detidas há mais de 12 meses estavam igualmente excluídas de tributação por força do disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do Código do IRS na redacção vigente à data dos factos. Por outro lado, porque as únicas acções que não preenchiam nenhuma das normas de isenção acabadas de referir – as da T..., S.A. –, geraram uma menos-valia não tributável, resultante do facto de esta ter sido a única sociedade cujas participações foram vendidas por um preço unitário por acção inferior ao respectivo valor nominal.
68. Em 2005, em resultado dos referidos negócios jurídicos, a M... reconheceu perante A... uma dívida no montante de € 38.601.350 que, em 2006, aumentou para o valor de € 42.189.915,43, tal como referido em xx), yy) e aaa);
69. Sucede que a M... não dispunha de capitais próprios suficientes, nem de activos, nem de rendimentos gerados pela sua actividade operacional que permitissem solver a dívida constituída perante A... . Para tanto, a M... passou a receber dividendos provenientes da L... SGPS, que consistiam essencialmente na redistribuição de lucros de subsidiárias desta última. Estas operações beneficiaram do regime de participation exemption (eliminação da dupla tributação económica), que nos termos conjugados dos artigos 51.º e 97.º, n.º 1, alínea c) do Código do IRC dispensou os lucros distribuídos de retenção na fonte e de inclusão na determinação do lucro tributável de cada uma daquelas sociedades. Resumindo, os dividendos distribuídos não foram sujeitos a tributação em sede de IRC.
70. Idêntica conclusão é aplicável aos pagamentos feitos pela L... SGPS à M... por conta do crédito gerado com a alienação ocorrida em 2015, por esta última àquela, de participações sociais de 6,4% detidas em 12 sociedades do Grupo K..., tal como consta em nn). Participações essas que tinham sido adquiridas pela M... a A..., sem tributação na esfera deste, e que tinham já concorrido para a formação do crédito referido em em xx), yy) e aaa). Uma vez mais, é realizado um conjunto de operações que permitem a distribuição de rendimentos sem sujeição a qualquer tributação, designadamente em sede de IRC.
71. Pelo contrário, anteriormente ao “momento zero” acima referido, designadamente nos exercícios de 2003 e 2004, quando a L... SPGS ainda era a holding de topo do Grupo K... e os respectivos accionistas ainda eram todos pessoas singulares, as reservas livres distribuídas aos accionistas (rendimentos de capitais previstos na categoria E) implicaram a tributação de um montante de € 1.212.000,00 por via de retenção na fonte à taxa liberatória, nos termos então previstos no Código do IRS.
72. Portanto, todo este conjunto de operações permitiu canalizar rendimentos para a M... sem que se verificasse qualquer tributação em sede de IRC. Isto sendo certo que os montantes pecuniários que foram liquidados como reembolsos feitos por conta do saldo credor constituído perante aquela sociedade também não foram objecto de qualquer tributação em sede de IRS na esfera pessoal dos Requerentes.
73. Ora, se ao invés de, nos exercícios de 2016 e 2017 aqui em análise, por via do mecanismo adoptado pelos quais receberam pagamentos por conta do crédito gerado sobre a M... sem sujeição a qualquer tributação, os Requerentes tivessem recebido directamente nas suas esferas jurídicas aqueles montantes a título de “distribuição de dividendos e/ou adiantamentos por conta de lucros” – conforme se invoca no RIT –, ter-se-ia verificado a obtenção de rendimentos de capitais (categoria E), tal como previsto no artigo 5.º, n.º 1 e n.º 2, alínea h) do Código do IRS, com a consequente tributação desses rendimentos por via de retenção na fonte à taxa liberatória prevista no artigo 71.º, n.º 1, alínea a) do mesmo Código.
74. Que os Requerentes obtiveram uma vantagem fiscal, é aceite pelos próprios face ao que consignam nos números 131 e 132 do pedido de constituição do tribunal arbitral, ainda que pretendam alegar a sua acessoriedade, o que os factos apurados não comprovam.
75. Por conseguinte, conclui-se que os Requerentes lograram obter uma vantagem fiscal através da realização do conjunto de operações acima descritas, já que receberam “pagamentos” de um crédito que não foram sujeitos a qualquer tributação, quer em sede de IRC quer em sede de IRS, e que de outra forma seriam tributados em sede de IRS, enquanto “dividendos”, nas respectivas esferas pessoais.
76. Nestes termos, considera-se preenchido o elemento resultado.
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Elemento meio
77. Sem prejuízo de ter ficado assente a obtenção de uma vantagem fiscal por parte dos Requerentes, para que a CGAA seja aplicável é também necessário que aquele resultado tenha sido obtido “por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas”, conforme previsto no artigo 38.º, n.º 2 da LGT.
78. Nesta análise é necessário compreender se o “método” ou “fórmula” utilizada pelos Requerentes e que resultou na obtenção de vantagens fiscais, foi ou não estruturada tendo em vista a obtenção daquele fim. A conclusão sobre a artificialidade dos meios utilizados resultará, segundo Gustavo Courinha, ob. cit. p. 166., do “nível de incoerência entre a forma ou estrutura escolhida e o propósito económico-prático final do contribuinte, entre o fim para que é empregue concretamente essa forma adoptada e a causa que lhe é própria”.
79. Em todo o caso, neste processo valorativo será necessário ter presente, tal como sublinhado no acórdão arbitral n.º 860/2021-T já anteriormente citado, que:
“a anti-juridicidade ou censurabilidade jurídico-normativa dos meios utilizados tem de ser aferida em termos objectivos, tendo em conta a ausência de substância e/ou racionalidade económica na estrutura jurídica das operações realizadas. Esta ausência é, por seu turno, apurada com base nas circunstâncias e indícios evidenciados pela factualidade do caso em análise, avaliados segundo um padrão de razoabilidade económico empresarial.
Ressalva-se também, na sequência do já cima exposto, que só perante o caso concreto é que será possível determinar se os actos ou negócios jurídicos praticados pelos contribuintes têm substância e racionalidade económica ou se, pelo contrário, foram estruturados tendo em vista essencial ou principalmente a obtenção de uma vantagem fiscal. É que uma certa estruturação jurídica pode apresentar-se como abstracta e teoricamente válida e razoável de um ponto de vista económico empresarial e, ainda assim, perante os elementos e circunstâncias do caso concreto, revelar se pouco usual/ortodoxa, supérflua, anómala, desfuncionalizada, incoerente e/ou artificial para a prossecução dos fins visados pelos contribuintes.”.
80. Transpondo esta concretização normativa do elemento meio para o caso sub judice, cumpre então aferir se o conjunto de operações que resultaram nas entregas de meios monetários sob a forma de pagamentos (não tributados) aos Requerentes, por conta do crédito gerado sobre a M..., revelam ou não substância e/ou racionalidade económica à luz das circunstâncias e indícios fácticos evidenciados nos presentes autos. Nesta análise haverá ainda que ter em consideração os concretos motivos avançados pelos Requerentes para terem realizado as operações aqui em causa.
81. No que respeita à referida motivação, invocaram os Requerentes no pedido arbitral que as operações já descritas foram motivadas pelo interesse dos Requerentes A... e B... de se retirarem da vida empresarial e de assegurarem uma “sucessão organizada” na propriedade e direcção das várias sociedades do Grupo K..., evitando desse modo futuros conflitos entre herdeiros. Tal propósito ter‑se-á tornado premente, segundo invocaram os Requerentes, em 2005, com o conhecimento de que N... iria intentar uma acção de investigação de paternidade contra A... . Premência essa justificada pela eventual possibilidade de aquisição por N... de uma participação significativa nas diferentes sociedades do Grupo K..., o que na perspectiva daqueles poderia significar o fim do Grupo, conforme já anteriormente mencionado.
82. Ora, da motivação acabada de enunciar desde logo se conclui que do ponto de vista do Grupo K... inexiste qualquer racional económico‑empresarial para a realização do conjunto de operações aqui em análise. Conforme mencionou a Requerida, do conjunto de operações realizadas não resultaram quaisquer sinergias operacionais, financeiras e/ou de gestão que tenham beneficiado o Grupo K... . De facto, ao longo do presente processo os Requerentes não expuseram qualquer propósito comercial e/ou financeiro válido que permitisse justificar as referidas operações, mas tão só argumentos que se revelam insuficientes perante os demais elementos fácticos carreados aos autos.
83. Esta falta de substância económica é evidenciada pela circunstância de A... ter alienado a totalidade do capital que detinha em várias sociedades do Grupo K..., pelo valor global de € 38.601.350, a uma sociedade do próprio Grupo cujo capital era por si maioritariamente detido. Apesar de a sociedade adquirente e alienada serem entidades juridicamente distintas, a verdade é que se encontram especialmente relacionadas, designadamente quanto ao respectivo controlo fáctico e económico, que era exercido pela mesma pessoa. No fundo, o Requerente A... – na qualidade de vendedor –, acabou por conceder crédito a si próprio – agora actuando na qualidade de accionista maioritário/administrador da sociedade adquirente das participações sociais.
84. Outro indício da ausência de racionalidade económica está no facto de os pagamentos de dívida efectuados pela M... serem única e exclusivamente controlados por A..., que determinava o momento e o montante do reembolso, conforme reconhecem os próprios Requerentes.
85. Note-se que só a existência daquele especial domínio de A... sobre todas as entidades em causa, permite justificar que a venda das participações à M... tenha sido feita sem a estipulação contratual de quaisquer prazos de pagamento, encargos pela concessão de crédito ou garantias para acautelar o eventual incumprimento do pagamento do preço.
86. Ainda para mais quando a M... não tinha estrutura nem recursos financeiros próprios suficientes para solver os € 38.601.350 de que ficou devedora. Recorde‑se que as amortizações daquela dívida foram asseguradas através de uma alteração na “política” de distribuição de dividendos da L... SGPS, que após o reconhecimento do crédito pela sua “casa mãe” e após a alteração da natureza dos seus accionistas – que passaram de pessoas singulares a colectivas, com a consequente não tributação nos termos já evidenciados –, começou a canalizar os lucros das suas participadas para a esfera da M... .
87. Lucros esses que foram por sua vez canalizados para a esfera dos Requerentes, embora agora a título de reembolsos de dívida não sujeitos a tributação. Em bom rigor, apesar de ser formalmente a holding de topo do Grupo, a M... nunca distribuiu dividendos nos seus 19 anos de existência, pese embora tenha feito pagamentos de dívida aos seus accionistas no valor de € 22.867.843,81.
88. Quanto a todas estas situações é importante sublinhar que se afigura irrelevante o modo segundo o qual foi concretizado o controlo e a utilização das sociedades do Grupo K..., tendo em vista o propósito económico final dos Requerentes de obterem pagamentos feitos por conta da dívida da M... . Quer isto dizer que não afasta a anti-juridicidade da conduta ou o seu carácter “artificioso/abusivo” o facto de a instrumentalização das sociedades do Grupo ter sido feita directamente por A... na qualidade de sócio e/ou de administrador ou através dos filhos enquanto accionistas em cada uma daquelas sociedades.
89. E assim é porque se está perante um Grupo de empresas familiar, que interage de forma concertada entre si, tendo em vista a obtenção de um propósito comum. Sinal disso é que as operações levadas a cabo por A... e das quais os demais Requerentes sempre tiveram conhecimento, mais que não seja, por ocuparem o cargo de administradores/vogais das diversas sociedade do grupo, foram por estes últimos replicadas.
90. Veja-se que em 2015, quando A... e B... já não tinham participações da L... SGPS, esta adquiriu acções de outras sociedades do Grupo K... que eram detidas pela M... e que permitiram gerar um novo exfluxo de rendimentos. Isto sem contar que começaram a receber pagamentos sob a forma de reembolso da dívida, ainda antes de terem adquirido o crédito sobre a M... por força da partilha em vida, à semelhança do que A... fez até aos primeiros meses de 2016.
91. Conjugando estas evidências com o facto de a M... ser a holding de topo do Grupo, embora sem exercer uma actividade efectiva de gestão, resulta evidente a sua utilização enquanto “meio” ou “veículo” para parquear participações sociais e permitir a distribuição de lucros, sob as “vestes” de pagamentos de dívida não sujeitos a tributação, que de outra forma seriam directamente tributados na esfera dos Requerentes enquanto distribuições de dividendos.
92. Sem prejuízo de o conjunto de operações que permitiu a constituição do crédito sobre a M... revelar um carácter artificioso pela ausência de razoabilidade económico-empresarial quando analisada do ponto de vista dos interesses do Grupo, é ainda assim necessário aferir se este conjunto de operações se pode considerar racional tendo em conta os concretos fins identificados pelos Requerentes.
93. No que respeita à intenção de “abandono total e definitivo da vida empresarial”, ficou provado nos presentes autos – conforme já anteriormente mencionado –, a falta de aderência à realidade desse argumento, porquanto A... continuou a exercer um poder activo de intervenção na administração das sociedades do Grupo, mesmo quando deixou de ter qualquer posição accionista no mesmo. Este não foi, portanto, o racional que levou à formação do crédito a favor de A... .
94. Esta falta de consistência e coerência entre a motivação dos Requerentes e os indícios fácticos que lhe estão subjacentes verifica-se igualmente quanto ao argumento da “urgência” e “premência” em realizar as operações que são aqui objecto de análise como forma de assegurar a governance do Grupo K... e, consequentemente, evitar o fim do Grupo que resultaria da aquisição por N... de uma “participação significativa” das participações que eram detidas por A... .
95. Efectivamente, não foi feita qualquer prova séria e atendível pelos Requerentes de que o “surgimento” de uma quinta filha de A... e da sua possível entrada no Grupo K... após a morte daquele, teria inerente a fatalidade de implicar o fim do grupo. Dificilmente se percepciona sequer que o direito de N... a um futuro quinhão hereditário de participações sociais (que sempre seria minoritário) pudesse colocar em causa a estratégia e funcionamento do Grupo, o seu crescimento, a sua credibilidade e confiança, designadamente perante a Banca, ou implicar a inviabilização de negócios com o consequente descrédito do Grupo. Tudo isto são considerações estritamente conclusivas, cuja aderência à realidade não foi demonstrada, até porque a factualidade carreada aos autos evidenciou que o Grupo K... se encontrava instalado no mercado, estava internacionalizado, era líder nas suas variadas áreas de negócio e era conceituado, não sendo verosímil que tal cenário se invertesse diametralmente pela simples existência de mais uma filha do Requerente A... resultante de uma relação extraconjugal.
96. Veja-se que os eventuais constrangimentos que N... poderia eventualmente vir a criar sempre estariam dependentes de esta ser accionista das sociedades do Grupo K..., o que apenas poderia acontecer após o falecimento de A.... Isto sendo certo que N... apenas poderia adquirir as participações sociais por sucessão mortis causa após o reconhecimento da paternidade, cuja tramitação processual se prolongou por cerca de 10 anos. Por conseguinte, dificilmente se compreende a premência e urgência na venda das acções da L... SGPS à M..., como forma de acautelar no imediato a possível ingerência de N... no Grupo K... .
97. Na verdade, aquela premência e urgência não se revela sequer justificada perante a hipótese de N... ser reconhecida como filha de A... e de se dar a vocação sucessória sem que tivesse ocorrido a alienação das participações sociais que este último fez em 26 de Dezembro de 2005. Simplificando, aquela premência e urgência não se revela sequer justificada caso N... fosse reconhecida como herdeira sem que tivessem sido praticadas as operações que permitiram a constituição do crédito que gerou os pagamentos objecto do presente processo.
98. De facto, mesmo que as participações das sociedades do Grupo K... detidas por A..., maxime a participação de 55% da L... SGPS, tivessem concorrido para a massa da herança, a verdade é que a filha N... apenas teria direito, enquanto herdeira legitimária, a uma parte abstracta da legítima.
99. Significa isto que, mesmo que esta viesse a adquirir, por via da herança numa comunhão indivisa até à partilha, participações de sociedades do Grupo K..., nunca obteria uma participação significativa ou o domínio societário conforme pretendem fazer crer os Requerentes.
100. Pelo contrário, o seu direito sucessório à participação sempre seria “diluído” pelo concurso com os restantes herdeiros legitimários, o que implica que os demais filhos e esposa do Requerente A... sempre controlariam a esmagadora maioria do capital social, de tal forma que o aludido potencial de ingerência ou destabilização sempre seria reduzido ou se não mesmo nulo.
101. A tudo isto acresce que foi o próprio Requerente I... que evidenciou no âmbito da reunião arbitral que era pretensão de N... receber dinheiro por conta do respectivo quinhão na herança de A..., o que veio de facto a suceder no âmbito da partilha em vida mencionada em em lll). Estas circunstâncias objectivas colocam, portanto, em crise, a alegada preocupação, justificativa do mecanismo adoptado, de ingerência e destabilização a que se referem os Requerentes, bem como o próprio racional alegado das operações realizadas.
102. Sublinha-se que a solução encontrada por A... para garantir uma “sucessão organizada” do seu património foi, afinal, a celebração em 2016 de uma partilha em vida com todos os herdeiros legitimários, a única partilha que estes autos revelam ter efectivamente ocorrido.
103. Efectivamente, é este o negócio jurídico que permite ao autor da sucessão, em vida, e de forma preventiva, distribuir o seu património, evitando futuros conflitos sucessórios. Neste preciso sentido referem Rita Lobo Xavier e Maria Carvalho e Lemos, Pacto sucessório renunciativo na “partilha em vida”: a sua importância na sucessão familiar da empresa, e-book, pp. 27 e ss, que:
“A «partilha em vida» «desempenha uma necessidade sociológica fundamental» (Menezes Leitão, 2016: 145) ao permitir, a título preventivo, evitar os conhecidos litígios e discórdias que normalmente surgem entre os legitimários quando ocorre uma partilha de bens, post mortem. Além disso, permite assegurar a continuidade e unidade do património familiar, nomeadamente de explorações agrícolas, industriais e comerciais cuja fragmentação seria prejudicial para a manutenção da sua rentabilidade. Aqui residirá a importância da “partilha em vida” para o património familiar: permite que o ascendente se liberte do encargo de dirigir a empresa, encargo para o qual, eventualmente, já não se sinta com forças, e que seja designado aquele descendente que irá proceder a uma gestão mais criteriosa, tendo em conta a personalidade, aptidões e capacidades de cada um.”.
104. Portanto, se o objectivo de A... fosse objectivamente o de abandonar total e definitivamente a vida empresarial e de “avantajar” os filhos referidos em b) com as participações das sociedades de que era titular, a “via jurídica comum” a prosseguir teria sido a outorga de uma partilha em vida em 2005, com a doação daqueles bens aos filhos – que, note-se, estaria isenta de tributação –, ao invés da venda das participações da L... SPGS à M... e da posterior outorga de uma partilha em vida em 2016 – que permitiu auferir pagamentos que de outra forma seriam tributados como dividendos.
105. Se a partilha em vida tivesse sido logo celebrada em 2005, o “problema” de N... vir a adquirir acções representativas do Grupo K... não existiria. Isto na medida em que, na eventualidade de aquela vir a ser supervenientemente reconhecida como filha e herdeira legitimária de A..., conforme veio a suceder, teria tão só um direito de crédito, a ser pago em dinheiro, sobre os restantes irmãos que beneficiaram da partilha, assim se salvaguardando a igualdade sucessória, tal como prevê o artigo 2029.º, n.º 2 do Código Civil. De resto, foi precisamente isto que sucedeu em 2016, com a outorga da partilha em vida, na qual os Requerentes referidos em b) pagaram tornas a N... por conta da legítima que lhe cabia.
106. Improcede, assim, o argumento de que “[a] compra e venda era o único negócio jurídico capaz de satisfazer totalmente as finalidades que [A...] pretendia alcançar”, designadamente “deixar de ser titular de ações no grupo K..., passando a sua propriedade para os filhos legítimos” (esta adjectivação é da peça dos Requerentes e portanto da sua inteira responsabilidade).
107. A este respeito, e de modo a sustentar a essencialidade da compra e venda, referiram ainda os Requerentes que “existe um vício de falta de fundamentação das liquidações impugnadas” pelo facto de “a AT não dizer qual o negócio jurídico ilidido (qual a forma jurídica que deveria ter sido utilizada na transferência de acções que se pretendia efectuar)”. Isto porque, na perspectiva dos Requerentes, “[p]ara se saber se houve «abuso de forma jurídicas» é – inquestionavelmente – necessário comparar o negócio realizado com aquele que se entende (e que a AT deveria ter explicitado) que deveria ter sido realizado”. Comparação essa que os Requerentes fizeram no pedido arbitral por confronto com os contratos de permuta e de doação.
108. Apesar de os Requerentes procurarem suportar a substância económico-comercial da compra e venda perante a ineficiência daqueles dois últimos institutos jurídicos, a verdade é que o objecto do abuso identificado pela AT não se dirige ao “tipo” contratual isoladamente considerado, mas sim à operação como um todo. Operação essa que culminou na constituição e posterior doação de um crédito sobre a M... e que permitiu ao Requerente A... receber valores monetários sob a forma de pagamentos por conta da dívida gerada que não foram objecto de qualquer tributação, ao contrário do que sucederia com o negócio jurídico de idêntico fim económico: a distribuição de dividendos.
109. Sublinha-se uma vez mais que o esquema contratual/circuito económico que permitiu a formação daquele crédito sobre a M... foi posteriormente replicado pelos Requerentes “filhos” em 2015, através da alienação de acções detidas por aquela sociedade à L... SGPS, com a constituição de uma dívida no valor de € 16.721.592,49, que permitiu uma nova circulação de capitais que acabaram por ingressar na esfera pessoal daqueles a título de reembolso do crédito detido perante a M... . Isto numa altura e quanto a um conjunto de acções em que já não se colocava o “problema” da ingerência da filha N... . Portanto, uma vez mais, foi realizado um conjunto de actos, destituídos de qualquer racionalidade económica e comercial, que, em última instância, permitiram a realização de liquidez monetária através de pagamentos de dívida não sujeitos a qualquer tributação.
110. Com efeito, e porquanto é elucidativo do contraponto entre o “negócio sem substância económica” e o “negócio elidido”, transcreve-se o excerto relevante do RIT onde tal análise é feita:
“No caso em análise, o ato com fim económico idêntico aos pagamentos efetuados ao acionista A... a título de reembolso de divida, seria a distribuição de dividendos e/ou adiantamentos por conta de lucros ao mesmo por parte da L... SGPS (e da V...) - enquadrados como rendimentos na categoria E, nos termos do n.º 1 e da alínea h) n.º 2 do artigo 5º do Código do IRS - e a retenção na fonte desses rendimentos à taxa liberatória, conforme estipula a alínea a) do n.°1 do artigo 71.º do mesmo Código (…)
Com efeito, sendo o objetivo a retirada de lucros da sociedade L... GPS (e ainda, através desta, das restantes sociedades que integram o Grupo K..., nomeadamente, da V...), tal desiderato poderia e deveria ter sido atingido com a simples distribuição de dividendos e/ou adiantamentos por conta de lucros ao acionista (pessoa singular). Ao invés, enveredou-se por uma série de atos jurídicos, mais complexos e dispendiosos, que face à realidade económica em concreto, não se demonstra a sua razoabilidade, o que denuncia claramente a intenção artificiosa da sua utilização.
Durante o 1º. semestre do período de tributação de 2016, e antes de doar aos seus 4 FILHOS os bens que possuía nas empresas do Grupo K... - nomeadamente as participações sociais de 2,4% e o crédito que detinha sobre a M..., que ascendia a 628.756.139,70 à data de 30-06-2016 - o A... foi ressarcido em €1.250.000,00 da dívida artificiosamente criada em 2005 por ocasião da alienação de 60% do capital da L... SGPS (e de 6,4% do capital da T..., SA, V..., SA, W... Holding, SA, BB..., SA, CC..., SA e DD..., SARL) à M... .
Mostra-se evidente que, sem a utilização desses meios, o contribuinte beneficiário não evitaria a tributação, resultante da transformação dos dividendos e/ou adiantamentos por conta de lucros em reembolso do crédito, ficando sujeitos a imposto, nos termos gerais, como rendimentos da categoria E de IRS.
Ao utilizar esta estrutura, resulta claro que o acionista da sociedade identificada, A..., decidiu artificiosamente evitar a tributação em IRS através da utilização de um conjunto de negócios anómalos, atingindo assim, idêntico fim económico, e evitando desse modo o imposto correspondente aos rendimentos auferidos, apurado em conformidade com as normas legais adiante indicadas.
Mais se acrescenta que, por intermédio da Partilha em Vida dos seus bens, o A... transferiu para a esfera patrimonial dos seus 4 FILHOS o direito a receber um crédito, crédito este que foi gerado de forma artificiosa como já foi aqui amplamente demonstrado. A este facto não são de todo alheios os seus 4 FILHOS (beneficiários do mesmo), uma vez que, na data da sua constituição eram perfeitamente conhecedores da sua origem.
Ao materializar esta partilha, o A... pretendeu transferir para os seus 4 FILHOS o direito a receber €28.756.139,72 de dividendos e/ou adiantamentos por conta de lucros gerados no Grupo K... sem qualquer tributação, e aqueles aceitaram-no sem nenhuma restrição, permitindo assim que estes recebam verbas provenientes da M... sem as sujeitar à devida tributação em sede de IRS.
Tratou-se, portanto, de mais um passo elisivo dado pelo A... e pelos 4 FILHOS: veja-se que a sua intenção concretizou-se logo no ano de 2016, na medida em que cada um dos seus 4 FILHOS, por conta daquele crédito, viram de imediato a sua capacidade contributiva aumentada em €7.189.034,93, verificada quando lhes chegaram à posse aqueles montantes. De facto, ainda nesse mesmo ano de 2016, durante o 2º.
semestre, cada um deles recebeu efetivamente €2.033.517,02, dos quais €1.250.000,00 foram pagos através de transferência bancária que foi ordenada na véspera da outorga da Escritura de Partilha em Vida, ou seja, no dia 29 de junho de 2016.
Do supra exposto, decorre que o negócio equivalente seria a distribuição de dividendos e/ou adiantamentos por conta de lucros pela L... SGPS ao aludido acionista, a qual ocorre de facto quando a M... lhe reembolsa o crédito, mas cujos fundos provêm dos lucros distribuídos diretamente pela V... à M... e ainda dos lucros ou adiantamentos por conta de lucros distribuídos pelas sociedades que compõem o universo Grupo K... à sua verdadeira holding, à L... SGPS (nos quais se destacam a V... e a W... HOLDING), na medida em que todos os restantes atos e negócios jurídicos praticados tiveram apenas em vista a obtenção das vantagens fiscais descritas, e foram praticados com abuso das formas jurídicas.”.
111. Em suma, através da transmissão de acções entre sociedades por si maioritariamente detidas, o Requerente A... passou a deter indirectamente os mesmos activos que anteriormente detinha directamente, sem sujeição a qualquer tributação, criando concomitantemente um saldo de € 38.601,350 a seu favor, que permitiu transformar o pagamento de dividendos e/ou adiantamentos por conta dos lucros sujeitos a tributação em sede de IRS, no pagamento (amortização) de uma dívida, evitando a incidência de qualquer tributação.
112. Do ponto de vista das sociedades do Grupo K..., estas operações também não revelam qualquer substância económica e comercial, já que em termos práticos a L... SGPS continuou a ser a “verdadeira” holding, enquanto que a M..., que continuou com uma actividade de gestão e/ou operacional pouco significativa, passou a parquear participações sociais e a dedicar-se quase exclusivamente à gestão da dívida contraída perante o Requerente A..., ou seja, a receber lucros provenientes da L... SGPS e a transferi-los para os Requerentes já “transformados” em reembolsos de dívida.
113. Pelo exposto, conclui-se que se encontra preenchido o elemento meio.
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Elemento intelectual
114. Verificados que estão os elementos meio e resultado, é também necessário para a aplicação da CGAA o preenchimento do elemento intelectual, segundo o qual se exige que
“os actos ou negócios jurídicos” sejam “essencial ou principalmente dirigidos (…) à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos (…) ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente”.
115. No que à concretização normativa deste elemento diz respeito, densificou-se na já citada decisão arbitral n.º 860/2021-T, proferida em 3 de Outubro de 2022, que:
Tal como sublinha GUSTAVO COURINHA, ob. cit. p. 176, “não basta decorrer da análise dos actos ou negócios jurídicos em causa, a obtenção de um resultado fiscalmente vantajoso e um resultado não fiscal equivalente”, sendo ainda necessário que “as escolhas e as formas adoptadas pelo contribuinte sejam fiscalmente dirigidas (tax driven), e que aquele (resultado fiscal) prevaleça sobre este (resultado não fiscal)”. Acompanhando a redacção do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, será necessário verificar se os actos ou negócios jurídicos praticados foram “essencial ou principalmente dirigidos, (…) à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos (…) ou à obtenção de vantagens fiscais”.
Ressalva-se, contudo, que “movendo-nos no terreno movediço das intenções, não se poderá acolher aqui um puro subjectivismo, reconduzível, em última instância, à demonstração do estado psicológico e emocional dos agentes no momento da prática do acto ou da celebração do negócio”, conforme se precisou no acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 257/2020-T, em 18 de Outubro de 2021.
Isto na medida em que “a prova desta opção subjectiva por certos actos ou operações constitui uma probatio diabólica, devido à quase impossibilidade de provar, para além de um juízo de probabilidade, a vontade do contribuinte, precisamente o que o contribuinte oculta ou dissimula, e que sem a qual o meio utilizado ou resultado obtido não são censurados.
Daí que, na impossibilidade de obter uma prova irrefutável – a confissão do próprio contribuinte –, a AT [e o Tribunal, dizemos nós] é obrigada a recorrer a elementos indiciários e presuntivos, num contexto de razoabilidade e normalidade, extraindo, com razoável segurança, a vontade do sujeito dos actos celebrados. Neste processo, a AT [e, necessariamente, o Tribunal] poderá ter em consideração qualquer elemento passível de indiciar a vontade do contribuinte e apoiar a sua conclusão.”, tal como sublinhou o acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 47/2013-T, em 20 de Dezembro de 2013.
Acresce que esta matéria foi recentemente apreciada no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) proferido em 12 de Janeiro de 2022, no âmbito do processo n.º 02507/15.6BEBRG, no qual se considerou, em termos perfeitamente transponíveis para o caso sub judice, que: “A prova exigida no âmbito da aplicação da CGAA não pode ser uma prova diabólica (...), ou seja, a AT não tem de provar uma intencionalidade “abusiva” do sujeito passivo. Quer isto dizer que não é exigível que a AT faça prova de que o sujeito passivo optou pela construção que conduz ao aforro fiscal (...) para, intencionalmente, evitar a solução que estaria sujeita a tributação (...). Basta que a AT faça prova de que a operação realizada não tem um propósito racional à luz do ordenamento jurídico mobilizado – basta, no caso, provar que a operação não se enquadra nas razões que o direito societário apresenta (...) – e que, por isso, o seu propósito se esgota no aforro fiscal a que conduz. Feita esta prova, os pressupostos do artigo 38.º, n.º 2 da LGT devem considerar-se preenchidos”.
Certo é que “a mera declaração ou construção de uma história, por si só, não é bastante para corroborar” que a principal motivação da operação não foi a obtenção de uma vantagem fiscal, sendo em todo o caso necessário que as finalidades indicadas pelo Requerente “pass[em] nas regras comuns da experiência e da normalidade dos actos societários”, como bem se referiu na declaração de voto constante no acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 180/2014-T, em 3 de Julho de 2015.
116. Portanto, não se exige nesta sede a sindicância da motivação subjectiva dos Requerentes – o que nem sequer seria possível, ainda para mais quando nem todos eles se mostraram disponíveis para depor na reunião arbitral –, mas tão só apreciar a congruência dos vários indícios fácticos presentes nos autos tendo em vista a finalidade que foi imputada às operações praticadas.
117. No que respeita à existência e à prossecução de uma motivação fiscal através das operações realizadas, referiram os Requerentes no pedido de pronúncia arbitral que “a alienação das ações do Sr. A... (…) não teve como motivação uma qualquer razão fiscal, que tal alienação era imperiosa por outros motivos, que tal alienação sempre aconteceria independentemente dela não resultar qualquer vantagem fiscal ou, mesmo, se implicasse um “custo” acrescido em termos de tributação”. (negrito nosso)
118. Sem prejuízo, sustentaram também que “os factos apurados mostram que a vantagem fiscal foi um resultado acessório, decorrente da mera aplicação da lei fiscal ao negócio que, sem alternativa quanto à forma jurídica utilizada, era imperioso realizar”. (negrito nosso)
119. Tendo ainda mencionado que “os factos apurados mostram claramente que os beneficiários imediatos do pretenso esquema abusivo (o A... e sua Mulher) se abstiveram, intencionalmente, de colher grande parte da vantagem fiscal decorrente dos negócios que haviam celebrado, o que mostra bem que a sua finalidade não foi obter tal vantagem fiscal.”. (negrito nosso)
120. Apesar de os Requerentes negarem a existência de uma motivação fiscal subjacente à venda das participações sociais, não deixaram simultaneamente de reconhecer que através das operações praticadas lograram obter uma vantagem fiscal, ainda que a qualifiquem como “acessória” e que afirmem que, por sua livre vontade, apenas dela beneficiaram parcialmente.
121. Acontece que aquele carácter de acessoriedade se revela, afinal, perante os elementos indiciários do caso concreto, como o principal objectivo das operações realizadas. Conforme se deixou assente supra, o conjunto de operações globalmente considerado revela‑se incoerente e anómalo face ao objectivo de garantir que a filha N... não herdava acções das sociedades do Grupo K... .
122. Se este fosse verdadeiramente o objectivo último das operações, e se a constituição do crédito sobre a M... através da venda das acções da L... SGPS pelo seu valor patrimonial/contabilístico fosse essencial para tornar o património de A... líquido e viabilizar a partilha em vida, como afirmam os Requerentes, então não se compreende a actuação que sucedeu à formação daquele crédito dado que os Requerentes começaram logo de seguida a receber quantias respeitantes a esse mesmo crédito.
123. A tudo isto acresce que a motivação extra-fiscal invocada pelos Requerentes nos presentes autos se revela incoerente e inconsistente face à posição que assumiram em processos arbitrais anteriores – designadamente nos processos n.º 235/2018-T e n.º 317/2019‑T –, nos quais se discutiu a aplicabilidade da CGAA quanto a grande parte das operações objecto dos presentes autos e nos quais apenas se alteraram os exercícios fiscais apreciados e alguns Requerentes. Parece, portanto, que as alegações quanto às preocupações com a filha N... não surgem estáveis, firmes, sólidas e constantes, sofrendo antes flutuações, o que se reflecte na valoração que este Tribunal faz de tal motivação.
124. Aqui chegados, não resta senão concluir que as operações praticadas pelos Requerentes, quando analisadas de acordo com um “filtro” de razoabilidade e normalidade económica, comercial e mesmo sucessória, não revelam um propósito racional à luz do ordenamento jurídico, razão pela qual se julga, com razoável segurança e certeza, que a motivação e o ganho fiscal das operações foi determinante face a outros motivos e/ou ganhos que se alega terem existido.
125. Pelo exposto, considera-se que o conjunto de operações realizadas foi essencial ou principalmente dirigido à obtenção de vantagens fiscais, encontrando-se consequentemente verificado o elemento intelectual.
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Elemento normativo
126. Ainda que se tenha concluído que os Requerentes praticaram o conjunto de operações aqui em análise para obter vantagens fiscais que de outra forma não seriam devidas, para que estas possam ser objecto de correcção por via da aplicação da CGAA é ainda necessário aferir se emanava ou não do ordenamento jurídico-tributário uma intenção de tributação da realidade fáctica que teria sido praticada não fossem as condutas abusivas.
127. No que ao preenchimento deste elemento diz respeito, e acompanhando uma vez mais a concretização expressa na decisão arbitral n.º 860/2021-T, proferida em 3 de Outubro de 2022, cumpre ter presente o seguinte:
“O elemento normativo, que não resulta de forma expressa do teor literal do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, “identifica a desconformidade do resultado obtido através do acto abusivo com a ratio legis, espírito ou propósito da lei e os princípios do sistema fiscal.”, conforme referido no acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 47/2013-T, em 20 de Dezembro de 2013.
Significa isto que deste elemento não decorre a necessidade de identificação de uma norma impositiva violada pelo contribuinte, mas tão só a validação de que a conduta, apesar de ser civil ou comercialmente lícita, foi orientada para a obtenção abusiva de um ganho fiscal em sentido contrário ao visado pelo sistema jurídico-tributário globalmente considerado, razão pela qual é objecto de reprovação normativo sistemática.
Neste preciso sentido veja-se a declaração de voto constante do acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 131/2014-T, em 13 de Novembro de 2014, na qual se refere o seguinte:
“a verificação do “elemento normativo”, como requisito de aplicação da CGAA, não pode incluir a exigência de que a conduta em causa esteja expressamente proibida por lei. Isso constituiria uma interpretação excessivamente restritiva do artigo 38º, nº 2, da LGT, permitindo, em caso de lacuna ou disposição menos clara, a manipulação da finalidade da norma, aceitando comportamentos merecedores de reprovação normativo sistemática (...), através de uma interpretação ab-rogante de normas jurídicas em vigor e inutilidade da própria cláusula anti abuso.”.
Ainda a este respeito, e numa formulação próxima, sublinhou-se no já citado acórdão arbitral n.º 47/2013-T, proferido em 20 de Dezembro de 2013, que “não colhe o argumento de que é o próprio legislador que, não proibindo expressamente o acto abusivo, deseja ou incentiva a prática do mesmo. A teleologia do art.º 38, n.º 2, é clara: sancionar comportamentos elisivos, portanto, comportamentos que só aparentemente são legais, que se escondem sob operações artificiais, às quais não subjaz uma verdadeira razão económica. (…) Ora, o contribuinte optou por uma actuação que traduz uma mudança meramente artificial – como se demonstrou –, e o Direito não tolera esta artificialidade.”
128. Ora, é evidente que existe uma intenção do legislador de tributar em sede de IRS as operações nas quais se visem distribuir lucros e/ou adiantamentos por conta de lucros. Tanto assim é que este tipo de rendimentos se encontra tipificado na alínea h), do n.º 2, do artigo 5.º do Código do IRS. Por conseguinte, dificilmente se compreenderia e admitiria que, pelo simples facto de tal distribuição ter sido “encoberta” por uma diferente “roupagem jurídica” com o intuito de obtenção de vantagens fiscais, o ordenamento se abstivesse de tributar tais realidades.
129. Assim sendo, ao se encontrarem preenchidos os demais elementos que constam da previsão da norma do artigo 38.º, n.º 2 da LGT, e ao existir uma intenção clara de tributação das operações que teriam sido praticadas não fosse a actuação elisiva dos Requerentes, é forçoso concluir que também se encontra verificado o elemento normativo.
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Elemento sancionatório
130. Verificados que estão os elementos resultado, meio, intelectual e normativo, é forçoso concluir-se pela aplicação da estatuição do n.º 2, do artigo 38.º da LGT, que comina uma reprovação normativo sistemática às operações realizadas pelos contribuintes através da respectiva tributação de acordo com as normas que seriam aplicáveis se não tivessem sido praticados os actos ou negócios jurídicos artificiosos.
131. Acompanha-se, a este respeito, o acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 315/2014-T, em 11 de Abril de 2015, onde se mencionou que:
“[seria] dogmaticamente insustentável pretender que, não obstante cumpridos todos os elementos meio, resultado e intelectual próprios da disposição anti abuso, seria possível não se verificar o dito elemento normativo. Só um ultrapassado e hoje inadmissível positivismo conceptualista poderia propiciar tal entendimento, do qual derivaria que se poderia reconhecer, ao mesmo tempo e sem contradição, a adopção pelo contribuinte de atos ou negócios jurídicos artificiosos, com abuso de formas jurídicas ou em fraude à lei, e a não reprovação ou aceitação dessa conduta pelo ordenamento jurídico. Deste modo, a autonomização do elemento normativo pode ser útil em ordem à explicitação destas matérias, mas dogmaticamente, para efeitos de resolução dos casos concretos, tem que se ter em conta que ele não é senão a destilação do segmento normativo do art. 38.º, n.º 2 da LGT que respeita aos “meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas” em que se consubstancia, afinal, o elemento meio.”.
132. Assim sendo, consideram-se igualmente verificados os requisitos de que dependia a cominação do efeito sancionatório, de sujeição das operações objecto de sindicância nos presentes autos à tributação que resultaria das normas aplicáveis caso estas não tivessem sido praticadas pelos Requerentes, salvaguardando-se naturalmente os efeitos civis produzidos.
133. Em face de tudo o exposto, julga este Tribunal verificados todos os elementos de que dependia a aplicação da CGAA pela AT, improcedendo os vícios alegados pelos Requerentes a este respeito.
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Indemnização por Prestação Indevida de Garantia
134. Nos termos do artigo 53.º da LGT, a indemnização por prestação de garantia indevida está intrinsecamente dependente da procedência da ilegalidade dos actos de liquidação contestados, o que não se verifica nos presentes autos. Por conseguinte, improcede também o pedido formulado a este respeito.
V. Decisão
Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelos Requerentes e, em consequência, manter na ordem jurídica os actos de liquidação impugnados nos presentes autos.
VI. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC), no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, aplicáveis por força das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 3.501.029,66.
VII. Custas
Custas a cargo dos Requerentes, nos termos do artigo 5.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2023.
A Presidente do Tribunal Arbitral
(Carla Castelo Trindade)
O Árbitro vogal
(Sofia Ricardo Borges)
O Árbitro vogal,
(Tomás Castro Tavares)
(vencido conforme declaração junta)
Voto de vencido
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Votei vencido por cinco razões, que explicarei sucintamente.
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Primeira: a Sentença erra na circunscrição dos factos não provados. Entendo que há três factos relevantes que estão provados, por testemunhas, documentos e, sobretudo, por juízos de normalidade (presunção judicial):
a) Há uma enorme diferença na situação do A... (patrimonial, pessoal [prestígio empresarial] e de poder [controlo sobre o grupo K...]) – antes e após a reestruturação (alegadas operações preparatórias do abuso, em 2005/2006). Antes, era o sócio maioritário e administrador do grupo K..., um dos maiores conglomerados de empresas do país (com o poder, prestígio e riqueza patrimonial que isso comportava). Depois, deixa de ser sócio do grupo K... (mantém participação simbólica de 3%), a troco de um crédito na casa dos 40 milhões de euros (inferior ao valor de mercado do grupo, à época – o preço foi arbitrado pelo valor do capital próprio, sem atender a outros fatores valorativos incorporados nas alienações de empresas a terceiros).
Manteve-se, é certo, como administrador das sociedades, mas agora sem capacidade de impor a sua vontade: já não tem participação significativa no capital social do grupo K... e as decisões do órgão de administração são colegiais, tomadas por maioria (e está em minoria); e não há está provado (nem alegado) que tenha usurpado essa função, assinando sozinho documentos que vinculam a sociedade, contra (ou independentemente) a vontade dos demais administradores e sócios da empresa.
b) A reestruturação (operações preparatórias, em final de 2005 e início de 2006) tem duas conexas e fortes motivações extrafiscais: reação, por um lado, contra a ação de paternidade intentada, em janeiro de 2016, por N..., a filha do A... fora do casamento, no sentido de proteger a paz, sustentabilidade e estabilidade do grupo K... (e família); acelerar, por outro lado, e também por isso, a passagem do grupo K... para a segunda geração, via demais filhos A... (e suas holdings pessoais). Adiante desenvolverei estes temas.
c) A Sentença assume que os requerentes não abordaram o tema da filha N... nos outros processos arbitrais similares, para daí retirar valor e força a esta razão extrafiscal. Não descortino onde se retira essa informação. O facto de as Sentenças anteriores não desenvolverem esse tema, não significa ausência argumentativa; as testemunhas da AT (inspetoras tributárias) desconhecem o teor dos processos arbitrais; e podia haver razões de confidencialidade, prudência, estratégia e privacidade na altura dos outros processos, que já não existem à data em que a presente ação foi intentada.
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Segunda: a Sentença erra na ponderação da prova (factos provados) que conduzem à aplicação do direito – e que destaco 3 situações:
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A aplicação da Cláusula Geral Anti Abuso (doravante CGAA) às operações step-by-step confere-lhe uma especificidade única, diversa das demais correções fiscais: há uma discrepância temporal alargada entre as operações que configurem o eventual abuso e a liquidação de impostos. In casu, os factos ocorreram em 2005/2006, com as operações de reestruturação em que o A... deixa de ser sócio do grupo N...; e as liquidações de IRS são dos anos de 2015 e 2016, com o pagamento de parte do preço – que a AT qualifica como se de distribuição de dividendos se tratasse.
Donde, o putativo abuso [força das razões fiscais] afere-se nas operações preparatórias (em 2005/2006): e aqui temos três dados objetivos, que não foram incorporados na decisão, como era mister: primeiro: o fim da exclusão de tributação das mais valias de ações detidas por 12 meses só ocorreu em 2010 (logo, a venda não é efetuada, “à bica” do final da isenção, como sucede nos demais casos da jurisprudência arbitral); segundo: mediaram dez anos entre a operação preparatória e consumação do step by step doctrine – e o preço ainda não foi todo pago; terceiro: não existe uma relação causal entre os lucros obtidos e o pagamento do preço.
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O direito fiscal assenta no realismo. Tributa-se a realidade, como ela é – nas operações efetuadas pelos sujeitos, sem sindicar o caráter ético (não ético, in casu) das motivações. O abuso fiscal está na motivação principal das razões fiscais (escamoteamento do imposto); não está no caráter principal de razões não fiscais, eticamente censuráveis. Foi isso o que sucedeu no caso dos autos. Há aqui uma relação de causa efeito – entre as operações preparatórias e a ação judicial de paternidade; fez-se o que se fez, por essa razão; e como referi, num ápice o A... deixou de ser sócio do grupo N...: para evitar que uma tensão judicial (na ótica de direito de família e sucessório) pudesse prejudicar o grupo N... e a harmonia com os seus demais filhos, que já estavam há décadas na empresa – e que seriam os seus herdeiros empresariais naturais. Em 2005/06, este temor era justificado e provável, por raciocínios de normalidade e de senso comum. E, também por isso, enceta-se a reestruturação empresarial geracional.
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A Sentença assume que o A... mantinha, na prática, o poder e controlo do grupo, apesar das operações de 2005/2006 (que, por isso, são desvalorizadas), porque: (i) continuou a ser o Presidente do Conselho de Administração; (ii) recebia o preço em dívida quando entendia e (iii) a sua única assinatura vinculava a empresa. Discordo, por completo, destas considerações: o órgão de gestão é colegial – e nunca autocrático (quem tem o poder é o sócio maioritário, e o A... já não o é); é normal que quem tem um crédito de 40 milhões, sem garantias e sem prazo de vencimento – queira ter uma forma prática para exercê-lo, se o devedor incumprisse. E daí, a possibilidade de assinar sozinho, embora nunca o tenha feito.
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Terceira (elemento subjetivo): a CGAA pressupõe a verificação cumulativa dos requisitos do art. 38.º, nº 2, da LGT, na redação vigente à época (anterior à Lei 32/2019). Mais do que nos atermos a classificações e nomenclaturas doutrinais, importa isolar cada segmento da letra da lei, para aferir do preenchimento (ou não) no caso dos autos. É isso o que farei de seguida, em relação, aos termos “finalidade fiscal essencial ou principal”, “meios artificiosos ou fraudulentos” “e com abuso de formas jurídicas”.
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“[…] finalidade fiscal essencial ou principal […]”: cumpre-se o requisito se a razão fiscal for a principal. A lei nova da CGAA é menos exigente: basta que seja uma das principais. Para a lei nova, é suficiente que a finalidade fiscal (poupança de imposto) seja uma das finalidades principais, ainda que existam razões não fiscais relevantes ou principais. O ângulo centra-se apenas na análise das razões fiscais – e caso se considere intensa (uma das principais), nem tem sequer a confronta com as razões não fiscais.
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O tema é diverso para a lei antiga (aplicável aos autos). Exige-se dupla análise: (i) balanceamento (ii) e ulterior conclusão; balanceamento entre a força e motivação das razões fiscais e não fiscais; e só se aplica a CGAA caso se conclua, após essa ponderação, que a razão fiscal é a principal – superior às não fiscais, ainda que relevantes.
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A intenção do sujeito tem de ser objetivada, nas concretas circunstâncias e prova do caso concreto – para se aferir a força principal (ou não) das razões fiscais na modelação dos negócios: a Sentença teria de sopesar entre as razões fiscais e não fiscais.
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As Razões não fiscais da reestruturação (operações preparatórias) são duas:
a) Evitar que a filha N... pudesse contaminar a paz familiar de um grupo com esse cariz e perfil, em que os demais filhos trabalhavam nas empresas; evitar, no fundo, que os seus direitos sucessórios pudessem ser alocados às participações sociais no grupo K... (o maior ativo do pai, o A...).
b) acelerar um processo de reestruturação empresarial, com a cedência do controlo do grupo K... para os filhos do A... (gerados no casamento).
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A razão fiscal refere-se ao valor da poupança de imposto – isenção das mais valias com a venda das ações versus o pagamento de imposto sobre os dividendos. Mas essa razão tem de ser relativizada, por dois motivos: a) o fim da isenção das mais valias de partes sociais só ocorreu quase cinco anos depois; b) não existe um encadeamento direto entre os lucros gerados pelo grupo e o pagamento do preço.
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Em suma: no balanceamento global entre as razões fiscais e não fiscais, não consigo concluir que a razão fiscal tenha sido a principal; existem razões não fiscais relevantes e principais; quando muito, a razão fiscal (como parametrizada supra) foi uma das principais, ao mesmo nível das razões não fiscais relevantes – e por isso, perante a lei antiga (aplicável nos autos) entendo que não se verifica este elemento da CGAA.
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Quarta (elemento normativo): “[…] meios artificiosos ou fraudulentos”. Estes epítetos estariam na venda do Grupo K... pelo A...; com espera de preço; e seu pagamento ulterior, através de recursos gerados nos lucros do Grupo – no fundo, na transformação de um lucro distribuído (tributado) num pagamento de preço (não tributado).
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Nem toda a poupança fiscal, ainda que significativa, cai na alçada da CGAA; só se aplica este instituto nos casos em que se utilizem meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso de formas jurídica. Estas expressões remetem para (i) atos ou operações insólitas, não frequentes, desajustadas ao fim económico proposto e (ii) desde que se conclua que o legislador tem a intenção firme de as tributar, se tivessem recorrido aos meios mais comuns.
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Nada disso acontece no presente caso. Aqui, uma pessoa singular decide vender um ativo (partes de capital) a uma empresa, ficando o preço em dívida. Estamos a falar de uma operação comum e usual (compra e venda), com diferimento de preço (possível e comum). O preço arbitrado, a ausência de garantias e de plano de pagamento não relevam para a aplicação da CGAA, pois existindo relações especiais, teriam de ser configuradas no art. 63.º do CIRC e não no art. 38.º da LGT.
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Além disso, como não existe uma simetria ou encadeamento causal entre os dividendos recebidos pela L... SGPS e o pagamento do preço em dívida (nem estipulado no contrato, nem como um comportamento de facto, tipo padrão), não se pode dizer que a operação efetuada (venda com espera de preço) foi artificiosa e fraudulenta e tinha uma outra em mente – que era a distribuição de lucros. Passaram 10 anos desde a operação preparatória e a putativa consumação nos autos!
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Não existe, por outro lado, identidade de fim económico entre as operações: com a venda com espera de preço (e saída do controlo da M...) o A... deixou o controlo das empresas do grupo (operação de saída); ao passo que a distribuição de lucros tem um substrato económico que é a detenção e controlo, direito ou indireto, sobre as participações sociais (operação de manutenção das partes sociais).
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E, por fim, as operações homólogas (sem putativo abuso) não se adequam aos interesses das partes. Refiro-me à doação dos títulos aos filhos gerados no casamento. Por duas razões elementares: o A... quis obter um preço pela cedência do seu ativo mais valioso (o que é perfeitamente normal e legítimo); e, perante a doação, a filha N... poderia anulá-la ou pelo menos exigir uma equiparação do seu valor em dinheiro, com todo o tema da avaliação do Grupo K..., que o preço, por volta de 40 milhões, tenderia a resolver – embora o grupo valesse muito mais.
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O elemento normativo, no segmento “e com abuso de formas jurídicas […]” pressupõe ainda que se conclua que o legislador tinha a intenção firme de tributar a operação, se realizada nos seus contornos em substituição na operação mais próxima. Também isso não se verifica no caso concreto.
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Em termos económicos, um sócio pode ser remunerado pelo seu investimento, com a venda da participação (mais valias) ou com o recebimento dos excedentes anuais da sociedade (via distribuição de lucros ou reservas). Mais: se a sociedade decide não distribuir os seus lucros anuais (mantendo-os na sociedade), o valor da sociedade (e participações sociais) aumenta nessa mesma e exata medida – e consequentemente, o valor da mais valia é superior, em caso de venda das partes sociais.
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A eficiência deve ser uma das pedras de toque do sistema fiscal – no sentido de que o sistema fiscal deve procurar a identidade de tributação (mesmo regime fiscal) para operações economicamente substituíveis. Uma operação e o seu substituto mais próximo devem ter o mesmo regime fiscal, sob pena dos agentes, na sua liberdade económica, se afeiçoarem à operação com menor imposto.
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Nos dias de hoje, a tributação em IRS das mais valias de partes sociais (Categoria G) e dos lucros distribuídos (categoria E) é essencialmente idêntica, por estas razões. Em ambos os casos, os rendimentos são tributados a uma taxa proporcional de 28%, liberatória para a categoria E (art. 71.º do CIRS) e especial para as mais valias (art. 72.º do CIRS).
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Mas não era assim à data dos factos: nesse tempo, o legislador fiscal concedeu uma isenção de imposto para as mais valias de participações sociais (por razões que o intérprete tem de aceitar), criando com isso, desejadamente, uma disparidade fiscal em rendimentos substituíveis, numa clara opção legal pelas mais valias (venda de participações) em detrimento da sua manutenção (e remuneração por dividendos), em duplo sentido: i) Os sócios (pessoas singulares) tinham um claro incentivo legal em não efetuar distribuição de dividendos (manter os lucros nas empresas) e serem remunerados apenas pela venda das suas participações sociais. ii) Os agentes (pessoas singulares) tinham um claro incentivo legal em procurar operações que desembocassem em alienações de ações, em detrimento de distribuição de dividendos.
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E não se olvide que é este o desejo jurídico de qualquer benefício fiscal: que, em limitação legal e assumida da eficiência, os agentes moldem os seus comportamentos (na liberdade contratual) aos interesses extra-fiscais elegidos pelo legislador (venda de ações), porque superiores aos da tributação que impedem: que os agentes efetuem operações com mais valias isentas, em lugar de distribuição de dividendos tributadas.
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Em suma: não se preenche o elemento normativo, pois não estão em causa operações, desajustadas ao fim económico proposto e o legislador tem a intenção firme de não tributar as operações de preferência de mais valias isentas face a dividendos (quer seriam tributados), quando economicamente substituíveis.
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Quinto: verifica-se a caducidade do direito à liquidação, na linha da jurisprudência arbitral no proc. 235/2018-T, que remete para outra decisão arbitral, no mesmo sentido.
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Os factos relevantes são os seguintes: a) Em 12/2005, o A... vendeu as ações, com espera de preço (a putativa operação preparatória do abuso); em 3/2016, o A... declara especificamente esta venda de ações à AT (segundo obrigação legal); c) Entre 31/12/2005 e 31/12/2009, foram feitos pagamentos ao A... (pagamento do preço de venda das ações em a)) de quase 1,9 milhões de euros (operações de consumação do abuso).
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Até 2012, a aplicação da GCAA pressupunha a abertura de procedimento próprio, no prazo de 3 anos, contado do “ato ou da celebração do negócio jurídico objeto da aplicação das disposições antiabuso”. Até 2012, já passaram mais de 3 anos sobre o ato preparatório do abuso; e também sobre os iniciais (mas significativos) atos de consumação (pagamento do preço) – sendo tudo declarado espontaneamente à AT.
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Até 2012, o elemento literal não permite concluir que a abertura de procedimento inspetivo próprio se conta do momento da obtenção (consumação) da vantagem fiscal e não da realização da operação abusiva (preparatória). O legislador disse o que quis dizer, e o intérprete não pode chegar a um resultado interpretativo que não tenha um mínimo de ressonância nas palavras da lei.
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Aliás, por este prazo ser curto e, no limite, por se poder esgotar sem a obtenção concreta da vantagem para o sujeito – tais razões levaram à revogação deste regime, com efeitos desde 2012, que eliminou este procedimento e prazo.
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O procedimento próprio para a aplicação da CGAA constituía uma garantia para o sujeito passivo: que a aplicação da CGAA pressupunha um procedimento próprio, num prazo determinado. O decurso do prazo previsto extinguia o direito potestativo de que gozava a AT de instaurar o referido procedimento. E com isso, ficava precludido o direito da AT, por caducidade do direito à liquidação.
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O sujeito ativo tinha um direito (pode-dever) de abrir um procedimento em prazo próprio, até certo momento – e não o tendo feito nesse prazo, caduca o direito à liquidação com base na CGAA, por razões de segurança jurídica do contribuinte, o fundamento do instituto da caducidade.
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Quando a lei nova entrou em vigor (extinguindo o procedimento próprio de 3 anos para a aplicação da CGAA, contado do ato abusivo) – a verdade é que a caducidade já estava consumada, perante a lei anterior, seja na perspetiva da operação preparatória, seja na ótica das iniciais e significativas operações de consumação.
Tomás Cantista Tavares
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