Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 402/2022-T
Data da decisão: 2023-07-13  IVA  
Valor do pedido: € 6.892,63
Tema: Reforma de decisão arbitral (anexa à decisão) - IVA – pagamento de juros indemnizatórios.
*Substitui a decisão arbitral de 13 de dezembro de 2022 na parte relativa aos juros indemnizatórios.
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SUMÁRIO


Quando os actos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do acto, vício procedimental, falta de fundamentação, ou equivalente), não são devidos juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos do artigo 43.º n.º 1 da LGT. 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

I.              FACTOS

 

1. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com apoio no disposto pelos artigos 25.º n.ºs 2 a 4 e 26.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro 1 e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), em 2 de Junho de 2023 interpôs, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, recurso, objectivando uniformização de jurisprudência, da decisão proferida no âmbito de pedido de pronúncia arbitral, formulado no presente processo n.º 402/2022-T em que é Requerente A..., SA, que, além do mais, decidiu “Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, ficando o pagamento de juros indemnizatórios condicionado à prova, pela Requerente, do pagamento das liquidações em sede de execução de julgado”.

 

2. Parar o efeito, a Requerida imputou contradição/oposição da decisão, com o decidido no acórdão, do STA, datado de 4 de Fevereiro de 2009, lavrado no processo n.º 0766/08. 

Como se refere no Acórdão do STA proferido em 21 de Junho de 2023 proferido em sequência do recurso:

A recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com estas conclusões: « a) O presente recurso por oposição de acórdãos vem interposto do acórdão arbitral de 13/12/2022, proferido nos autos que correram termos no CAAD com o nº 402/2022-T, na parte em que o mesmo julga procedente a pretensão da Requerente, ora Recorrida, ao pagamento de juros indemnizatórios, com fundamento no nº 1 do art. 43º da LGT. 

b) O acórdão arbitral ora recorrido anulou as liquidações adicionais de IVA impugnadas pela Requerente, todas referentes ao ano de 2016, por entender que houve preterição do direito de audição prévia e que essa preterição constitui vício formal do procedimento invalidante das liquidações impugnadas, as quais foram assim anuladas com fundamento em vício formal, de natureza procedimental, sendo que este entendimento não está minimamente em causa no presente recurso. 

c) O presente recurso tem por objecto apenas a parte em que o tribunal arbitral entende, ainda assim, que estão reunidos os pressupostos do art. 43º, nº 1 da LGT, determinando o pagamento de juros indemnizatórios sobre a quantia de imposto paga em excesso pela Requerente, ora Recorrida. 

d) O presente recurso fundamenta-se no facto de o referido segmento decisório se encontrar em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o acórdão fundamento, acórdão do STA, de 04/02/2009, prolatado no processo nº 0766/08, e cujo sumário se transcreve: Não são devidos juros indemnizatórios, por não se apurar a existência de erro imputável à Administração sobre os pressupostos de facto e de direito do acto de liquidação, que foi anulado com exclusivo fundamento em vício de forma por preterição de formalidade essencial, traduzida na omissão da concessão do direito de audição antes da liquidação. 

e) Em causa nos dois acórdãos está a interpretação do nº 1 do art. 43º da LGT, mais concretamente saber se estão reunidos os pressupostos legais para

atribuição de juros indemnizatórios à impugnante nas situações em que a liquidação impugnada é anulada com fundamento em vício de forma, por preterição do direito de audição prévia. 

f) Quanto aos critérios que permitem concluir pela oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, os mesmos foram já sobejamente concretizados pelo STA, nomeadamente no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, acórdão de 26/09/2018, no processo nº 0406/18.9BALSB, disponível em www.dgsi.pt

g) Não sendo exigível uma coincidência absoluta entre os factos descritos na decisão recorrida e no acórdão fundamento, exige-se apenas que os factos em causa sejam subsumíveis às mesmas normas legais, devendo, por conseguinte, a solução jurídica ser a mesma para ambas as situações. 

h) Entende a Recorrente que estão reunidos os pressupostos para o presente recurso uma vez que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento se pronunciam sobre a aplicação do disposto no nº 1 do art. 43º da LGT quando a liquidação impugnada é anulada com fundamento na preterição do direito de audição prévia. 

i) O acórdão arbitral recorrido conclui haver preterição do direito de audição prévia porque a Recorrida arrolou testemunhas para serem inquiridas no exercício do seu direito de audição sobre o projecto de relatório da inspecção tributária sem que a AT tenha ouvido as testemunhas arroladas ou sequer justificado a sua não audição. 

j) Justamente, as liquidações de IVA impugnadas nos autos de processo arbitral em referência foram anuladas com fundamento em vício formal de natureza procedimental sem que o tribunal arbitral se tivesse pronunciado sobre qualquer erro de facto ou de direito subjacente às referidas liquidações.

 k) No acórdão fundamento as liquidações impugnadas também foram anuladas com fundamento na preterição do direito de audição prévia, vício formal de natureza procedimental, sem que o tribunal se tivesse pronunciado sobre os erros de facto ou de direito invocados pela impugnante. 

l) Mais concretamente, o acórdão fundamento anulou a sentença, que decidiu anular a liquidação impugnada, no caso referente a IRC de 1990, na parte em que a mesma condenou a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios, 

m) Uma vez que aquela sentença determinou a anulação da liquidação impugnada apenas com fundamento no vício procedimental de preterição de formalidade essencial, no caso a preterição do direito de audição, sem conhecer as demais questões suscitadas pela impugnante, nomeadamente erros de facto ou de direito subjacentes ao acto tributário impugnado. 

n) A jurisprudência do STA tem vindo a entender de forma reiterada e uniforme que os juros indemnizatórios não são devidos quando a impugnação do acto de liquidação procede com fundamento em vício de forma. 

o) Justamente a preterição do direito de audição constitui um vício de forma de natureza procedimental por preterição do direito de audição. 

p) A ora Recorrente entende que o segmento decisório sob recurso incorreu em erro de julgamento quanto ao direito, estando em oposição com o acórdão fundamento e com a jurisprudência uniforme do STA quanto conceito de “erro imputável aos serviços”, utilizada no art.º 43.º, 1 da LGT.

q) A jurisprudência uniforme do STA tem adoptado um conceito restritivo da expressão, por considerar que esse conceito respeita apenas e tão só ao erro sobre os pressupostos de facto e ao erro sobre os pressupostos de direito, não abrangendo os vícios de forma e a incompetência. 

r) O reconhecimento destes dois últimos vícios não comporta, na verdade, qualquer juízo seguro sobre a relação jurídico-tributária, sua existência e eventuais vícios que a inquinam, não sendo, por isso, susceptíveis de suportar uma conclusão sobre eventual excesso dos montantes pagos. 

s) Concluindo, entende-se que estão preenchidos os requisitos da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, existindo a semelhança entre as situações de facto em causa por serem subsumíveis ao mesmo quadro normativo e estando as soluções jurídicas em causa em manifesta contradição entre si quanto à mesma questão fundamental de direito, 

t) Requerendo-se a admissão do recurso e o seu conhecimento de mérito, com a procedência do mesmo e a anulação da decisão arbitral na parte ora recorrida, com as devidas consequências legais.”

 

3. Por despacho do relator, foi o recurso admitido, liminarmente pelo STA, com efeito suspensivo, nos termos do artigo 26.º n.º 1 do RJAMT. 

 

4. Não se registou contra-alegação. 

 

5. O Procurador-geral-adjunto, notificado, emitiu pronúncia, nos termos e para os efeitos do artigo 146.º n.º 1 do CPTA, concluindo “no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso, devendo ser mantido o entendimento uniforme, adoptado pelo STA, de que não são devidos juros indemnizatórios, em caso de anulação de liquidação, por vício de forma”.

 

6. O STA, considerando verificados os pressupostos da admissibilidade/continuidade do recurso para uniformização de jurisprudência, decidiu o seguinte:

 

Nesse quadrante (do fundo da causa), sem olvidar inúmeras outras manifestações e autorias, esta mesma formação de julgamento, em acórdão, datado de 4 de novembro de 2020, emitido no processo n.º 37/19.6BALSB 4 , patenteou o entendimento que, aqui, repetimos (só podemos, coerentemente, repetir). « (…), somente, se mostra necessário registar que o doutrinado no acórdão fundamento mantém plena atualidade, ao ponto de, além doutras pronúncias, no mesmo sentido, já, assumidas pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário, do STA, trazermos, agora, à colação uma das mais recentes. 

Assim, no acórdão de 30 de setembro de 2020 (2009/18.9BALSB), sem dissidência, estando em causa, igualmente, uma decisão do CAAD, voltou a ser (re)afirmado: « (…). Com efeito, há muito que o STA sufraga o entendimento, formulado com base na letra do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, de que os juros indemnizatórios apenas podem ser atribuídos ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em “erro imputável aos serviços”, designadamente, por erro na aplicação do direito. É só neste caso, segundo a interpretação firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se gera uma efectiva lesão na esfera jurídica do sujeito passivo, decorrente a imposição do cumprimento de uma obrigação tributária que se vem a apurar ser contrária ao direito e que, por isso, deve ser patrimonialmente reparada através do pagamento de juros indemnizatórios. 

Já quando os actos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do acto, vício procedimental ou falta de fundamentação, para referir alguns exemplos) não fica demonstrado que tenha sido exigida ao sujeito passivo o cumprimento de uma obrigação materialmente contrária à lei (ou seja, que não era devida), mas apenas que essa obrigação não foi determinada ou calculada em conformidade com as normas legais e, por essa razão, a mera restituição do que foi pago é suficiente para tornar indemne o sujeito passivo. Mais, nos casos em que existam razões atendíveis (fundamentos que suportem a violação de um direito de natureza substantiva) para que o sujeito passivo cujo tributo anulado com fundamento em vício de forma se não deva considerar indemnizado pela mera restituição dos valores que tenha pago, pode sempre utilizar-se a acção de responsabilidade civil para obter a reparação dos respectivos danos. 

Lembre-se, por fim, que o Tribunal Constitucional, confrontado com a antes mencionada interpretação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT sufragada pela jurisprudência do STA, decidiu, no acórdão n.º 203/2013,“[N]ão julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 43.º e 100.º ambos da Lei Geral Tributária, segundo a qual não são devidos juros indemnizatórios, em execução de decisão anulatória da liquidação de tributo, quando a anulação do ato tributário se funde em ilegalidade de natureza orgânico-formal”. 

É, pois, esta interpretação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT que uma vez mais se confirma e reitera. (…). » »

 Em suma, a decisão arbitral recorrida errou ao condenar, a AT, no pagamento de juros indemnizatórios (ainda que, condicionado), pelo que, tem de, nesse segmento, ser anulada. [ Apesar de ser prática, deste Pleno, não expressar um típico/privativo conteúdo textual a uniformizar jurisprudência, quando a questão fundamental de direito envolvida já foi, reiterada e constantemente, tratada nos mesmos moldes, in casu, ficando a sensação de que a mensagem se pode estar a desvanecer, iremos voltar a estabelecer os termos da doutrina sufragada pelo STA. ] 

******* 

III. Pelo exposto, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, concordamos: 

- admitir e conhecer do mérito deste recurso, para uniformização de jurisprudência, concedendo-lhe provimento; - anular a decisão arbitral recorrida, quanto à condenação, da AT, no pagamento de juros indemnizatórios – cf. al. b) da “V. DECISÃO”; 

- sedimentar o entendimento de que, quando os atos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do ato, vício procedimental, falta de fundamentação, ou equivalente), não são devidos juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos do art. 43.º n.º 1 da LGT.”

 

Em cumprimento do julgado, e dando como reproduzida a matéria de facto já fixada, bem como o decidido quanto à demais matéria, cabe proceder à reforma da decisão arbitral quanto à questão dos juros indemnizatórios, o que se faz nos seguintes termos.

 

 

II.            REFORMA

 

Fundamentalmente, na decisão deste Tribunal foi apreciada a excepção invocada pela Requerente relativa à preterição da formalidade da audição dos interessados. 

Foi convicção deste Tribunal que quando a AT não procedeu à inquirição da testemunha em sede de Projeto de Relatório de Inspeção sem o fundamentar, nomeadamente, com a ausência de falta de motivos de facto ou de direito relativos às correções previstas no RIT que tornassem a inquirição das testemunhas arroladas não apenas pertinente ou útil, mas “manifestamente indispensável” (artigo 69.º do CPPT), na descoberta da verdade material a que está sujeita por lei, não aplicou devidamente a lei, como era seu dever.

Termos em que se concluiu que a omissão da audição dos interessados constitui uma preterição de formalidade legal determinante da anulabilidade do acto, constituindo vício formal do procedimento, invalidante, e suficiente para que se anule a decisão final da AT, e de quanto causalmente se lhe seguiu no procedimento, designadamente, os actos de liquidação ora atacados.

Quanto ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, considerando-se ser manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação impugnados, haveria lugar a reembolso do imposto, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correcção que foi considerada ilegal, decidiu-se pela procedência da pretensão da Requerente quanto ao pagamento de juros indemnizatórios ficando o pagamento de juros indemnizatórios condicionado à prova, pela Requerente, do pagamento das liquidações em sede de execução de julgado.

Atento o teor do Acórdão do STA vindo de enunciar, existindo jurisprudência consolidada no segundo a qual não são devidos juros indemnizatórios, em execução de decisão anulatória da liquidação de tributo, quando a anulação do acto tributário se funde em ilegalidade de natureza orgânico-formal, procede-se à reforma da decisão, pelo que, se conclui que no presente caso não devem ser devidos juros indemnizatórios, mantendo-se, no demais a decisão, valor e custas do processo.

 

III.          DECISÃO

 

Nestes termos, reforma-se a decisão deste Tribunal Arbitral no seguinte sentido:

a)     Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de IVA números 2021... (16/09M), 2021... (16/10M), 2021... (16/11M).

b)    Julgar improcedente o pedido da Requerente quanto ao pagamento de juros indemnizatórios.

c)     Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.

 

IV. VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 6.892,63 (seis mil, oitocentos e noventa e dois euros e sessenta e três cêntimos). 

 

V. CUSTAS

 

De acordo com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 612,00€ (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 13 de Julho de 2023

A Árbitra

 

 (Clotilde Celorico Palma)

 

 

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 402/2022-T

Tema: IVA – Direito de Audição/Negócios simulados/Faturação

 

*Substituída pela decisão arbitral de 13 de julho de 2023 na parte relativa aos juros indemnizatórios.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO


I. Quando a AT não procedeu à inquirição da testemunha em sede de Projeto de Relatório de Inspeção sem o fundamentar nomeadamente com a ausência de falta de motivos de facto ou de direito relativos às correções previstas no RIT que tornassem a inquirição da testemunha arrolada não apenas pertinente ou útil, mas “manifestamente indispensável” (artigo 69.º do CPPT), na descoberta da verdade material a que se encontra está sujeita por lei, não aplicou devidamente a lei, como era seu dever.

 

II. Resulta claramente dos autos que, contrariamente ao ora invocado pela AT aquando do arrolamento das mesmas testemunhas que foram indicadas para depor no exercício do direito de audição prévia sobre o Projeto de Relatório, não está apenas em causa matéria de direito mas matéria de facto fundamental, o que tornava necessária a respetiva audição.

 

III. A Requerente tinha o direito de se pronunciar sobre o projeto de indeferimento arrolando testemunhas, direito esse que lhe é atribuído pelos artigos 267.º, n.º 5, da CRP, 60.º, n.º 1, alínea b), da LGT, e 60.º do RCPITA.

 

IV. Ao não proceder à inquirição das testemunhas arroladas, a AT incorreu em preterição de formalidade legal, porque não deu à Requerente oportunidade para se pronunciar sobre o projeto de decisão que lhe era desfavorável, antes da decisão final.

 

V. Tal preterição constitui vício formal do procedimento, invalidante, e suficiente para que se anule a decisão final da AT, e de quanto causalmente se lhe seguiu no procedimento, designadamente, os atos de liquidação ora atacados.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

A Árbitra Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 13 de Setembro de 2022, decide o seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

1. A..., SA, pessoa coletiva n. ..., com sede na ..., sita na Rua...– lote..., ...-... ..., doravante designada por “Requerente”, apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração da ilegalidade dos atos tributários consubstanciados nas liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) números 2021... (16/09M), 2021... (16/10M), 2021... (16/11M), e, consequentemente, a sua anulação, com as demais consequências legais, nomeadamente, restituição do imposto, segundo o alegado, erradamente liquidado e pago e a condenação no pagamento “dos juros legais”.

 

2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 6 de Julho de 2022.

 

4. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como Árbitra do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5. Em 25 de Agosto de 2022 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do Árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 13 de Setembro de 2022.

 

7. A 13 de Setembro de 2022 foi a AT notificada para apresentação de resposta e junção do processo administrativo.

 

8. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em 17 de Outubro de 2022, tendo sido notificada em 18 de Outubro de 2022.

 

9. Por despacho de 18 de Outubro de 2022, foi marcada a realização da reunião do artigo 18.º do RJAT para efeitos de inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente para 14 de Novembro pelas 14h30m.

 

10. Na antedita reunião a Requerente prescindiu da inquirição da testemunha B..., tendo sido inquiridas as testemunhas C... e D..., tendo sido concedido um prazo de 10 dias para alegações escritas sucessivas e indicada a data de 13 de Fevereiro de 2023 como data limite para efeitos de prolação da decisão final.

 

11. A Requerente fundamenta o seu pedido nos termos infra que se passam a transcrever:

 

8. Em sede de audição prévia ao projecto de relatório, a Requerente apresentou a sua defesa e indicou três testemunhas, C..., D... e B...; 

(…)

10. Estas testemunhas foram as pessoas que lidaram de perto com os fornecimentos de castanhas em causa, tendo procedido à recepção da matéria prima, feito o seu controlo e armazenamento. 

11. Como tal, possuíam conhecimento de factos absolutamente essenciais à boa decisão. 

12. E, a sua não audição, impediu que fosse tomada uma outra decisão por parte da autoridade tributária, na sua busca pela verdade material, princípio basilar à actuação da AT e previsto no artigo 6º do RCIPTA. 

13. Contudo, a AT recusou a audição dessas testemunhas já que nunca ordenou a sua audição e passando imediatamente à decisão.

(…)

17. Assim, em princípio, a omissão da audição dos interessados constitui uma preterição de formalidade legal determinante da anulabilidade do acto. 

(…)

27. Tal equivale a dizer que, por violação do direito de audição, as liquidações impugnadas terão que ser anuladas, o que não se verificou.

(…)

28. A decisão de indeferimento do recurso hierárquico é ilegal na medida em que omite a origem da competência subdelegada ao abrigo da qual foi praticado o acto. 

29. Embora se refira que a decisão é proferida no âmbito de um poder subdelegado, não foi dado a conhecer à impugnante, os elementos necessários para concluir pela competência ou incompetência do autor do acto.

(…)

44. E, os factos em que se alicerça o relatório para concluir pela inexistência de transacções efectivas entre estas empresas são, pura e simplesmente, as conclusões obtidas do relatório de inspecção tributária da referida E..., aliadas ao facto de o SP não possuir guias de transporte de mercadorias emitidas pela E... .

45. Em sede de audição previa e, bem assim, de reclamação graciosa, o SP juntou documentos que sustentam todas as transacções, juntou facturas, juntou copia dos meios de pagamento, foram apresentadas  as fichas de rastreabilidade do produto em causa e circuitos de fluxograma, foram apresentados relatórios de auditoria de controlo da segurança alimentar, sendo certo ainda que o controlo e certificação dos produtos é feito pelo APCER ou por entidades acreditados por esta entidade e que no fundo, fazem o controlo da matéria prima desde a sua entrada em armazém, até à sua expedição para o mercado.

46. No próprio relatório é reconhecido que todos estes elementos foram fornecidos.

47. Pelo que não se compreende ou aceita a tese invocada no relatório, de que o SP se cinge a considerações genéricas e que não apresenta factos devidamente organizados.

48. Quando é a própria AT quem se cinge a meras considerações genéricas, desprovidas de sustentação factual.

49. A Autoridade Tributária (adiante AT) sustenta toda a sua tese/posição, apenas e tão só nas conclusões da inspecção do terceiro com quem o sujeito passivo/requerente/Impugnante se relaciona e numa alegada inexistência de guias de transporte (e não documentos de transporte conforme definido pelo Decreto-Lei 147/2003 no art.º 2º, n.º 1, al. b). 

50. Note-se que o art.º 2º n.º 1 al. b) do DL 147/2003 define como “documentos de transporte” a factura, guia de remessa, nota de venda a dinheiro, nota de devolução, guia de transporte ou documentos equivalentes.

51. Sendo certo que, tendo, como foi o caso, o transporte sido assegurado pelo fornecedor, é a este a quem incumbe, sob pena de estar sujeito às sanções previstas no art.º 117º do REGIT, assegurar a sua existência.

52. No que ao que interessa ao SP, tal é absolutamente indiferente uma vez que por não ter sido este a realizar o transporte da mercadoria não está sujeito a qualquer tipo de sanção.

53. Em todo o caso, existe factura que é, por definição, um documento de transporte perfeitamente válido, tendo todas as facturas referentes às transacções em causa, sido apresentadas, como aliás, é reconhecido pela AT, seja em sede de decisão na reclamação graciosa, seja em sede de decisão do recurso hierárquico.

(…)

61. Analisando o teor do relatório, verifica-se que o mesmo se encontra completamente eivado de incongruências e distorções, revelando que o Autor do mesmo revela um completo desconhecimento não só do sector agroalimentar, bem como da actividade e funcionamento da requerente.

(…)

64. Levando à inusitada conclusão que as facturas emitidas pela E... à A... consubstanciam facturas de substituição ou facturas de favor destinadas a dar cobertura a negócios de aquisição de matéria prima (no caso castanha) não titulados por facturas.

65. Contudo, trata-se de um completo salto no escuro e que assenta sobretudo no facto de o sujeito passivo ter demonstrado à saciedade que esta matéria prima entrou na empresa, no processo produtivo e que foi objecto de controlo de rastreabilidade (existem fichas de rastreabilidade e as mesmas foram exibidas), tendo, a final, sido vendido, em grande medida, para exportação (existindo prova documental de tudo).

66. Logo, vedada a possibilidade de a AT seguir pela via da inexistência de qualquer transação ou de aquisição de matéria prima (sendo o negócio destinado unicamente a aumentar os custos de produção e baixar artificialmente a matéria tributável em sede de IRC, bem como á dedução indevida de IVA), eis que surge a tese de que, afinal a matéria prima foi adquirida e as facturas destinam-se a dar cobertura a negócios de aquisição de matéria prima não facturados.

(…)

 

70. Habitualmente, neste ramo e sobretudo com este tipo de produto, os vendedores deslocam-se com a matéria prima às instalações dos potenciais compradores (como é o caso da Requerente), exibem o produto e, caso se encontre uma convergência de interesses no que respeita quer à qualidade, calibre e preço do material, a transacção é consumada de imediato, descarregando-se a mesma nas instalações do comprador (aí de iniciando todo o processo não só de rastreabilidade mas também de calibragem, e separação da matéria prima).

71. Por esta razão (ainda para mais tratando-se de um produto sazonal), todos os pagamentos são efectuados de imediato, basta que se atente no modo de actuação neste caso, à semelhança do existente para os demais fornecedores deste tipo de mercadoria.

72. À semelhança do que ocorre com os demais fornecedores, o pagamento é feito por transferência bancária ou com cheque cruzado nominativo (tudo meios de pagamento que dificultam o tipo de fraude que é imputada) – cfr. Doc 4, em anexo.

73. Muito embora a sociedade E... tenha sido criada no ano de 2016, o certo é que a mesma estava devidamente habilitada para o exercício da actividade de comércio por grosso e a retalho de frutas e produtos hortícolas – precisamente o tipo de actividade que está em causa, facto que foi verificado pela Requerente.

 

(…)

98. Neste particular, não pode a Requerente deixar de invocar a doutrina do Tribunal de Justiça da UE no Processo C-563/11, no que respeita à dedução do IVA pago a montante, “no sentido de que se opõe a que seja recusado ao destinatário de uma factura o direito à dedução, pelo facto de, atendendo a fraudes ou irregularidades cometidas pelo emitente da factura, se considerar que a operação que lhe corresponde não foi efectivamente realizada, salvo se se demonstrar, à luz de elementos objectivos e sem que se exija ao destinatário da factura averiguações que não lhe incumbem, que este destinatário saiba ou devia ter sabido que a referida operação estava implicada numa fraude ao imposto sobre o valor acrescentado”.

99. Ora, no caso em apreço, da acção de fiscalização ao SP não resulta de forma objectiva e devidamente comprovada, antes pelo contrário, que as compras efectuadas à E..., não tivessem sido efectivamente realizadas e, consequentemente, susceptíveis de dedução do respectivo IVA e imputação do custo de produção.

 

(…)

 

127. Como tem sido realçado reiterada e uniformemente pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, quando a AT desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras dos ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, que existem indícios sérios de que a operação constante das facturas não correspondem à realidade, passando então a incidir sobre o sujeito passivo do imposto o ónus probatório da veracidade da transacção.

128. Pese embora se tenha presente que a AT não tem de provar a falsidade das facturas, exige-se que esta alegue factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas, serem simuladas, abalando-se a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados que constam da sua contabilidade, consagrada no artigo 75.º da Lei Geral Tributária. 

129. Caberá, por conseguinte, à AT efectuar pelo menos uma prova indirecta, recorrendo a “factos indiciantes” dos quais se procurará extrair, com auxílio das regras da experiência comum, da ciência ou da técnica uma ilação quanto aos factos indiciados.

130. A conclusão ou prova não se obtém directamente mas indirectamente através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema da prova.

131. Como se refere no acórdão do TCAN, 23 de Novembro de 2012 “no que concerne à prova que compete à Administração na repartição do ónus da prova de que demos nota supra, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, em virtude das leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência, pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura.”

132. E, quanto a isto, torna-se fácil concluir, por tudo o acima exposto, que a AT de forma alguma logrou alcançar tal desiderato e, consequentemente, nenhum facto indiciador válido foi alcançado e que permitisse à AT concluir pela elevada probabilidade de que as facturas em causa não titulam transacções económicas reais.”

 

12. Nas suas alegações apresentadas em 25 de novembro de 2022, a Requerente, reproduz, essencialmente, os principais argumentos antes apresentados.

 

13. Por sua vez, a Requerida na sua Resposta apresentou a seguinte fundamentação sobre as testemunhas ora arroladas, exatamente as mesmas que haviam sido arroladas em sede do exercício de audição quanto ao Projeto de Relatório de Inspeção:

36. Sobre a prova testemunhal requerida, sempre se dirá que o que está sub judice nos presentes autos é uma apreciação de direito, assim, as questões a dirimir são no essencial questões de direito, não se vislumbrando a necessidade da produção de prova testemunhal, pelo que deverá a mesma ser dispensada. 

37. A não ser assim, estaremos perante um acto processualmente inútil e, nessa medida, legalmente inadmissível, nos termos do art.º 130.º do Código do Processo Civil.

 38. Caso o Tribunal entenda ser necessário ouvir as testemunhas arroladas, a Requerente deverá ser notificada para indicar sobre que factos (constantes no pedido arbitral) incidirá a inquirição.

(…)

131. No que respeita à alegada violação do direito de audição (repare-se que a recorrente tanto pede a anulação das LA como a sua nulidade – cf. artigos 114.º e 115.º da petição de RH), como já se referiu em sede de RG, mesmo que se admitisse, o que não se concede, que a não audição das testemunhas poderia conduzir à verificação de preterição de formalidade, teria que ser alegado e provado que o ato reclamado teria sido praticado com outro conteúdo ou alcance, no caso de as mesmas terem sido ouvidas. 

132. No entanto, tal não ocorreu, nem se vislumbra como poderia ter sido carreado para o procedimento prova que não pudesse já ter sido invocada pelo próprio contribuinte, como de resto terá acontecido na reunião levada a efeito em 2020-12-02 (cf. ponto 84 da presente informação). 

133. Acresce que, face às comprovadas evidências, a matéria em causa não se coaduna com a prova testemunhal, devendo ser realizada por via documental, pelo que se entende que, de acordo com o princípio do aproveitamento do ato, mesmo existindo violação do direito de audição, o que não se admite, tal ilegalidade não poderia estender os seus efeitos às LA ora em crise, uma vez que é entendimento perfilhado da jurisprudência que o ato tributário apenas deverá ser anulado (e não considerado nulo) caso se comprove que a falta de audição prévia prejudicou defesa do requerente aquando a formação do mesmo [2], o que, pelos motivos expostos, não se verificou.”

No demais, a fundamentação da AT assenta nos seguintes argumentos essenciais:

107. Acresce que, contrariamente ao que recorrente pretende dar a entender, a prova reunida não se limita ao PIT realizado à E..., alicerçando-se também em factos alcançados no PIT dirigido à recorrente, tais como a ausência de documentos de transporte. 

108. No que concerne à prova alicerçada no PIT dirigido à E..., apurou-se que, das cerca de 703 toneladas de castanhas alegadamente vendidas (dados do E-fatura), esta apenas consegue justificar a aquisição de 167 toneladas. 

109. Do mencionado PIT resulta, ainda, que os fornecedores da E... são fictícios, por serem faltosos, não dispondo de atividade em consonância nem de estrutura empresarial (cf. pontos 8.v a 8.x e 35 da presente informação). 

110. Por essas razões, aí se concluiu, que: “… não é possível validar a alienação da totalidade das castanhas transacionadas. Poderão existir vendas de castanhas para os clientes, mas não nas quantidades verificadas nas faturas emitidas. 

111. De acordo com os elementos que servem de base à castanha adquirida pela E... para revenda, não existem quantidades de castanha comprada que suportem as quantidades vendidas a clientes, existindo um desfasamento entre as quantidades constantes das faturas de alienação e a quantidade adquirida para venda (cf. ponto 64 da presente informação). 

112. Naquele PIT refere-se, ainda, no que respeita à estrutura da E... que: “… o sujeito passivo não dispõe de estrutura física e capacidade humana e organizativa que lhe permita o exercício de uma atividade efetiva nos montantes acima descritos, existindo, consequentemente, indícios seguros de que as faturas, emitidas por “E... Unipessoal Lda.”, de venda de castanhas, na dimensão que se conhece e que se descreve neste relatório, não correspondem a operações efetivas. Estamos, assim, perante fortes indícios de que os documentos que não representam vendas efetivamente realizadas pela “E... Unipessoal Lda.”. O sujeito passivo (…) declara (contudo não entrega) o IVA liquidado nas faturas que emite, na medida em que recorre a faturas, com fortes indícios de serem simuladas de aquisições de castanhas, deduzindo o IVA constante dessas faturas sem que os seus fornecedores tenham procedido à sua entrega. Por seu lado, os utilizadores daquelas faturas (…) deduzem o IVA correspondente às faturas utilizadas, sendo o Estado defraudado nos impostos referidos”. 

113. Conclui, portanto, que, para além de a E... não entregar o IVA liquidado ao Estado (prática também efetuada pelos seus fornecedores), não possuía estrutura capaz de proceder aos fornecimentos nas grandezas em causa (cf. ponto 8.ii da presente informação). 

114. A tais factos acresce que a A... não comprovou que as mercadorias constantes das faturas emitidas pela E... têm como proveniência esse fornecedor, designadamente devido à inexistência de documentos de transporte. 

115. No que concerne a tal matéria vem a recorrente afirmar que as mercadorias em causa foram acompanhadas de documentos de transporte, considerando que as faturas também podem servir como documentos de transporte. 

116. No entanto, na realidade não o foram, porquanto, como a própria recorrente admite (cf. ponto 54 da presente informação), tais documentos não acompanharam as mercadorias no seu trajeto, tendo sido, alegadamente, emitidas após o transporte. 

117. Pelo que se considera provado que, tal como indicado pelos SIT, as mercadorias não foram acompanhadas de documento de transporte, facto que, conjugado com os indícios acima mencionados, leva a crer que aquele transporte não se verificou. 

118. Repare-se que, diante de tais evidências, a presunção de veracidade da escrita da E... se encontrava, como é lógico, cessada. 

119. Destaca-se, ainda, que o processamento dos documentos de transporte pelos remetentes dos bens, antes do início da circulação, atua, não só como medida de combate à fraude e evasão fiscal, mas também como própria salvaguarda no que respeita à prova da propriedade e detenção da mercadoria por parte do adquirente, sendo que a inexistência destes documentos suscita dúvidas quanto à idoneidade fiscal do fornecedor e, consequentemente, das operações. 

120. Desta forma, existindo dúvidas relativamente à faturação apresentada pela recorrente, considera-se que a presunção de veracidade da escrita da recorrente cessada, verificando-se a inversão do ónus da prova dos elementos dela constante, cabendo a esta a prova de que as operações ocorreram nos termos descritos nas faturas (cf. foi explicado em sede de RG, vide pontos 78 e 79 da presente informação). 

121. Relativamente às fotografias/imagens juntas aos autos, importa destacar que das mesmas não é possível descortinar que as operações em causa ocorreram nos termos titulados nas faturas. 

122. Mesmo que se considere que se trata de um dos irmãos a trabalhar no que aparenta ser a área da castanha, as fotografias/imagens são insuficientes para extrair prova relativamente à efetividade das operações em causa.

123. Até porque, se não foram as faturas a demonstrar a efetividades das operações, não serão fotos aleatórias, de um dos irmãos a trabalhar, que irão comprovar tal realidade (cf. ponto 56 da presente informação). 

124. Quanto à alegação de que a AT alicerçou toda a sua posição nas conclusões retiradas do PIT realizado à sociedade E..., nada elencando no que respeita à atuação da recorrente, remete-se para o que é referido nos pontos 114 a 119 da presente informação. 

125. No caso em análise existe uma relação entre os factos relativos à E... e seus fornecedores e a recorrente, e tal facto é a ausência de prova de que o transporte das mercadorias em causa foi efetuado pela E... . 

126. Tal elemento, conjugado com a inexistência de estrutura da E... e com o facto de esta não conseguir comprovar a aquisição da castanha que alegadamente vende, conjugado com a circunstância de os seus próprios fornecedores serem fictícios, e destes e da E... não entregarem o imposto liquidado ao Estado, leva à conclusão de que as operações não ocorreram nos termos titulados nas faturas. 

127. Em sua defesa a recorrente alega, ainda, citando o Acórdão do TCAN de 2012-11-23, “… no que concerne à prova que compete à Administração na repartição do ónus da prova (…) é que aquela a faça de factos suficientemente indiciadores a que o Tribunal possa concluir, em virtude das leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência, pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela fatura”. 

128. Ora, na presente situação a AT demonstrou de forma pormenorizada que as alegadas operações não poderiam ter ocorrido nos termos descritos, uma vez que não existia estrutura física, mercadoria suficiente, nem tão pouco foi provado o transporte das mercadorias, pelo que se considera que foram reunidos factos suficientemente indiciadores da elevada probabilidade de que o negócio declarado pelas partes não corresponde à realidade materializada nas faturas, pelo que sempre se poderá dizer que a AT deu cumprimento ao ónus probatório que sobre si impendia, conforme é exigido no mencionado Acórdão. 

129. Acerca desta matéria importa realçar o disposto no art.º 44.º do CIVA: “… a contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do Imposto. 

130. Não tendo a recorrente organizado a sua contabilidade de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo e controlo do imposto, cessa a presunção de veracidade da escrita previsto no n.º 1 do art.º 75.º da LGT, verificando-se a inversão do ónus da prova, nos termos do n.º 2 do art.º 75.º da LGT (cf. devidamente explicado em sede de apreciação da RG – pontos 75 a 80 da presente informação)

(…) 

134. Quanto à circularização financeira, face aos elementos reunidos, tornou-se impossível comprovar que os alegados pagamentos foram efetivamente efetuados à E..., uma vez que, apesar de solicitado pelos SIT, a ora recorrente não forneceu informação que permitisse inequivocamente conhecer a identidade do(s) beneficiário(s) dos cheques emitidos (cf. pontos 15 e 16 da presente informação e págs. 13 e 14 do RIT). 

135. O vasto conjunto de indícios reunidos no PIT dirigido à E..., os elementos adquiridos no PIT realizado à recorrente e todos os esclarecimentos reunidos em sede de RG, não deixam dúvidas acerca da existência de indícios mais do que suficientes de que as operações descritas nas faturas não correspondem a operações reais. 

136. Tal conclusão resulta, em resumo, da falta de capacidade para fornecer a mercadoria em causa nas grandezas declaradas, bem como da ausência de documentos de transporte. 

137. Pelo que não se pode aproveitar da presunção de veracidade da escrita legalmente prevista, invertendo-se o ónus da prova e cabendo à recorrente demonstrar que as operações ocorreram da forma descrita nas faturas, o que, como se verificou, não ocorreu. 

138. Assim, por não ser acompanhada de quaisquer elementos probatórios e de fundamentos válidos, a argumentação da recorrente não é apta a sustentar as alegações apresentadas, sendo, consequentemente, insuscetível de contrariar as correções inspetivas e a decisão de indeferimento da RG.

26. No que concerne à invocada ilegalidade, por omissão da indicação da origem da competência para a prática do ato, a subdelegação de poderes foi conferida pelo Despacho n.º 1299/2022, da Diretora de Serviços do IVA e publicado no DR, 2.ª série, n.º 22, de 2022-02-01. 18. 25. Não se duvida, assim, que o autor do ato dispunha de poderes delegados para o praticar uma vez que essa qualidade foi mencionada no citado Despacho. 

26. Não foi, no entanto, como alega a Requerente, feita qualquer menção à subdelegação de poderes, em violação, portanto, do art.º 48.º do Novo Código do Procedimento Administrativo (CPA), que obriga a alusão dessa Informação qualidade. 

27. Todavia, face ao estipulado no n.º 2 do art.º 48.º do mesmo diploma legal, a falta de menção da delegação ou subdelegação no ato praticado ao seu abrigo, não afeta a validade do ato, constituindo antes, conforme vão entendendo a doutrina e a jurisprudência, uma mera irregularidade. 

28. Os interessados não podem é, no exercício dos seus direitos, serem prejudicados pelo desconhecimento da existência da delegação ou subdelegação. 

29. Acresce ainda referir que a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça (STA) tem entendido que mesmo a falta de menção da delegação ou subdelegação de poderes, em ofensa ao art.º 48.º do CPA, constitui um dos casos de degradação de uma formalidade não essencial (irrelevante), sendo impotente para causar a anulabilidade do ato se o interessado não viu tolhido, por isso, o seu direito de recorrer contenciosamente. 

30. No caso dos autos, mesmo a ocorrer, como alega a Requerente, a preterição da formalidade que ancorou o fundamento da decisão sob recurso, não prejudicou o seu direito de defesa, pois impugnou contenciosamente o ato. Nem, sequer, dela resultou uma lesão real e efetiva dos interesses protegidos pelo preceito, supostamente, violados, com a suscetibilidade de lhe causar prejuízo irreparável, uma vez que a finalidade do ato foi atingida. 

31. Refere-se, ainda, que a falta da menção de subdelegação de poderes não gera a invalidade do ato, por incompetência relativa, mas, antes, mera ineficácia, sanável por posterior publicação. 

32. Como o despacho da subdelegação de poderes, aqui posto em causa, já havia sido publicado, verifica-se, com o devido respeito, que a decisão sub judice, cuja legalidade se contesta, não padece de qualquer vício legal sindicável pela Requerente. 

33.Assim, e com o devido respeito, afigura-se-nos que os atos de liquidação aqui postos em causa não merecem qualquer censura, porquanto foram realizados conforme os citados normativos legais, com integral observância de todos os princípios e normas jurídicas aplicáveis, não padecendo dos vícios de ilegalidade que a Requerente lhe aponta, pelo que deverão ser mantidos integralmente na ordem jurídica para todos os efeitos. 

34. Destarte impugna-se por infundado todo o aduzido no pedido de pronúncia arbitral que contrarie todo o exposto, devendo decidir-se a final que o ato impugnado não padece dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros. 

35. Nos termos supra expostos, será de julgar o pedido totalmente improcedente, mantendo-se o acto tributário na ordem jurídica.”

 

14. A Requerida não apresentou alegações escritas.

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT. 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

O processo não enferma de nulidades.

 

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

1. Factos provados

 

Com relevo para a decisão importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:

 

1.     A Requerente é uma sociedade anónima registada para o exercício da atividade principal de preparação e conservação de frutos e de produtos hortícolas (CAE 10395) e, como secundárias, comércio por grosso de produtos alimentares, bebidas e tabacos (CAE 046170), fabricação de outros produtos alimentares diversos N.E. (CAE 10893) e comércio por grosso de batata (CAE 046312).

 

2.     Em sede do Imposto sobre o Valor Acrescentado, configura-se como um sujeito passivo que se encontra enquadrado no regime normal com periodicidade mensal.

 

3.     Para efeitos de análise da sua situação tributária e de controlo declarativo, a Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo externo, de âmbito parcial, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2019..., levado a efeito pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... .

 

4.     Este procedimento teve por base a ação inspetiva efetuada ao abrigo do Procedimento Inspetivo n.º OI2019..., na Direção de Finanças de Braga, ao sujeito passivo E..., Unipessoal, Lda., (“E...”), através do qual os referidos Serviços da AT concluíram que aquela entidade efetuou várias transmissões para sujeitos passivos da referida unidade orgânica, incluído à Requerente, concluindo que as faturas emitidas pela E... não tinham subjacente efetivas vendas de bens, mas operações simuladas, não correspondendo a operações reais, não dispondo de estrutura organizacional, quer logística quer de recursos humanos, para o exercício da atividade, designadamente, de compra e venda de castanhas.

 

5.     Em sede de audição prévia ao projeto de relatório, a Requerente apresentou a sua defesa e indicou três testemunhas, C..., D... e B... .

 

6.     A AT não procedeu à inquirição das testemunhas arroladas, não tendo apresentado nenhuma razão para a não realização desta diligência instrutória.

 

7.     No relatório final de inspeção tributária (RIT) foram efetuadas correções de natureza meramente aritmética resultantes de imposição legal em sede de IVA e de IRC, relativas ao ano de 2016. 

 

8.     O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto as liquidações de IVA n.ºs 2021... (16/09M), 2021... (16/10M), 2021... (16/11M), efectuadas no decurso do aludido procedimento inspetivo, nos valores, respetivamente, de € 1.025,08, 3.081,78 e 2.785,66, as quais foram apreciadas administrativamente, tendo a ora Requerente apresentado reclamação graciosa e recurso hierárquico.

 

9.     Em conformidade com os registos contabilísticos da Requerente, em 2016, esta registou a aquisição de castanha à E..., sendo as mesmas suportadas por 12 faturas relativas à transacção de castanhas.

 

10.  O transporte das castanhas foi assegurado pelo fornecedor E... .

 

11.  O fornecedor E..., não entregou à Requerente qualquer guia de transporte, não possuindo em arquivo documentos de transporte relativos às operações em causa inerentes ao fornecedor E... . 

 

12.  As faturas foram emitidas na forma legal pelo fornecedor E... aquando da entrega da mercadoria.

 

13.  Todas as faturas referentes às transações em causa foram apresentadas pela Requerente à AT.

 

14.  As castanhas adquiridas pela Requerente à E... foram objeto de controlo de rastreabilidade.

 

15.  Aquando da receção das castanhas nas instalações da Requerente, esta procedia à elaboração de fichas de rastreabilidade das quais consta a identificação do fornecedor bem como a quantidade e tipo de castanhas adquiridas.

 

16.  Nas fichas de rastreabilidade encontra-se registada a aquisição das castanha efetuada pela Requerente à E..., sendo utilizadas para o efeito as siglas correspondentes especificamente a este fornecedor e indicado o tipo e a quantidade em quilos das castanhas adquiridas.

 

17.  Das fichas de rastreabilidade consta um fator de correção de 2% de aplicabilidade ao peso das castanhas adquiridas, dado tratar-se de um fruto fresco que sofre variações de peso devido a variações de hidratação.

 

18.  Existe sempre um desfasamento entre as quantidades adquiridas para venda e as quantidades constantes das faturas de alienação, devido às variações de hidratação das castanhas.

 

19.  As referidas fichas de rastreabilidade foram exibidas à AT.

 

20.  Os produtos foram objecto de controlo à entrada em armazém, calibragem e separação.

 

21.  Os meios de pagamento utilizados foram a transferência bancária para a conta da empresa ou o cheque nominativo cruzado.

 

2. Factos não provados

 

Não se provou que a Requerente sabia ou deveria ter conhecimento de quaisquer irregularidades praticadas pela E... relativas a faturação falsa.

 

3. Motivação da decisão de facto

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a convicção ficou formada com base nas peças processuais, bem como nos documentos juntos aos autos e no depoimento das testemunhas inquiridas.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. 

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

1. Questões a decidir 

 

Fundamentalmente, cumpre aferir se no caso concreto colhem os vícios de anulabilidade invocados e, caso não procedam, apurar se as transações realizadas entre a Requerente e a sociedade E... correspondem a negócios simulados, sendo inexistentes, encontrando-se reunidos todos os meios de prova necessários para o efeito. 

Vejamos.

 

1.1 Violação do Direito de Audição

 

É convicção deste Tribunal que quando a AT não procedeu à inquirição da testemunha em sede de Projeto de Relatório de Inspeção sem o fundamentar, nomeadamente, com a ausência de falta de motivos de facto ou de direito relativos às correções previstas no RIT que tornassem a inquirição das testemunhas arroladas não apenas pertinente ou útil, mas “manifestamente indispensável” (artigo 69.º do CPPT), na descoberta da verdade material a que está sujeita por lei, não aplicou devidamente a lei, como era seu dever.

Com efeito, resulta claramente dos autos que, contrariamente ao ora invocado pela AT aquando do arrolamento das mesmas testemunhas que foram indicadas para depor no exercício do direito de audição prévia sobre o Projeto de Relatório, não está apenas em causa matéria de direito mas matéria de facto fundamental, o que tornava necessária a respetiva audição.

A Requerente tinha o direito de se pronunciar sobre o projeto de indeferimento arrolando testemunhas, direito esse que lhe é atribuído pelos artigos 267.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 60.º, n.º 1, alínea b), da Lei Geral Tributária (LGT) e 60.º do Regime do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA).

Ao não proceder à respetiva inquirição, a AT incorreu em preterição de formalidade legal, porque não deu à Requerente oportunidade para se pronunciar sobre o projeto de decisão que lhe era desfavorável, antes da decisão final.

A verificada preterição constitui vício formal do procedimento, invalidante, e suficiente para que se anule a decisão final da AT, e de quanto causalmente se lhe seguiu no procedimento, designadamente, os atos de liquidação ora atacados.

Com efeito, o direito de audição dos contribuintes encontra-se constitucionalmente consagrado no artigo 267.º, nº.5, da CRP, após a revisão introduzida pela Lei constitucional n.º 1/2001, a qual reconhece o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito.

Por sua vez, o artigo 60.º da LGT consubstancia a transposição do princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhe dizem respeito acolhido na aludida norma constitucional. Destarte, desde que ocorra alguma das hipóteses previstas naquele preceito legal é obrigatória a audição do contribuinte. 

Como se estatui no aludido preceito:

“Artigo 60.º (LGT)

Princípio da participação

1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;

d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;

e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.

2 - É dispensada a audição:

a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;

b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.

3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.

4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.

5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.

6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria.

7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.”

 

Por sua vez, determina o artigo 60.º do RCPITA o seguinte:

 

“Artigo 60.º (RCIPTA)

Audição prévia

1 - Caso os atos de inspeção possam originar atos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspecionada, esta deve ser notificada do projeto de conclusões do relatório, com a identificação desses atos e a sua fundamentação.

2 - A notificação deve fixar um prazo entre 15 e 25 dias para a entidade inspecionada se pronunciar sobre o referido projeto de conclusões, devendo o prazo, no caso de incluir a aplicação da cláusula geral antiabuso constante do n.º 2 do artigo 38.º da Lei

Geral Tributária, ser de 30 dias.

3 - A entidade inspeccionada pode pronunciar-se por escrito ou oralmente, sendo neste caso as suas declarações reduzidas a termo.”

O artigo 4.º, alíneas a) e e), do RCPIT, determina que nos casos omissos aplicam-se, de acordo com a natureza das matérias, a Lei Geral Tributária e o Código do Procedimento Administrativo. 

Regulam o direito de audição dos contribuintes, incluindo o direito de audição no procedimento tributário, para além do direito de pronúncia sobre as questões que constituem objeto do procedimento, o de requerer a realização de diligências e juntar documentos, o n.º 3 do artigo 101.º do CPA, subsidiariamente aplicável (cf. alínea d) do artigo 2.º do CPPT). 

Por sua vez, o n.º 2, do artigo 121.º do CPA aplicável ex vi artigo 4.º, alínea e) do RCPIT, prevê que o inspecionado possa requerer diligências de prova úteis para o esclarecimento dos factos com interesse para a decisão.

Este direito de requerer diligências tem como corolário, no que concerne à entidade instrutora do procedimento tributário, o dever de as levar a cabo, desde que elas sejam necessárias para averiguar factos alegados em sede do direito de audição prévia e cujo conhecimento seja necessário para a decisão do procedimento.

No que respeita à inquirição das testemunhas, “(…) o direito de audição no procedimento tributário inclui, para além do direito de pronúncia sobre as questões que constituem objecto do procedimento, o direito de requerer a realização de diligências e juntar documentos (…)” (cf. Diogo Leite Campos e outros, Lei Geral Tributária, Anotada, Encontros da Escrita, 4.ª edição, 2012, p. 513). 

Ou seja, é inequívoco que os contribuintes têm direito a ser ouvidos e a pronunciar-se nos procedimentos que lhes digam respeito, nomeadamente através do arrolamento de testemunhas, antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados do respetivo sentido. 

Como bem salienta a Requerente, a audiência dos interessados destina-se, no essencial, a possibilitar a participação destes nas decisões que lhes digam respeito, o que permite que os mesmos contribuam para o completo esclarecimento dos factos e, nessa medida, para uma decisão mais ponderada e justa.

Assim, em princípio, a omissão da audição dos interessados constitui uma preterição de formalidade legal determinante da anulabilidade do ato. 

Ora, o exercício do direito de audição inclui não apenas o direito do visado a pronunciar-se sobre todas as questões objeto de procedimento, mas também o seu direito a requerer diligências complementares e a juntar documentos ao processo. Este direito de requerer diligências tem como corolário, no que concerne à entidade instrutora do procedimento tributário, o dever de as levar a cabo, desde que elas sejam necessárias para averiguar factos alegados em sede do direito de audição prévia e cujo conhecimento seja necessário para a decisão do procedimento.

Tal como salienta Jorge Lopes de Sousa “Assim, a violação do conteúdo do direito de audiência, na sua vertente de direito de os interessados requererem a realização de diligências complementares, não se concretizará com a mera falta de tomada de posição sobre o requerimento apresentado, só ocorrendo se for omitida a realização de diligências que, por serem convenientes para averiguar factos cujo conhecimento seja necessário para a justa e rápida decisão do procedimento, deveriam ter sido realizadas.” (LGT Anotada e Comentada, 4.ª Edição, p. 514). 

Sucede que no caso concreto o depoimento das testemunhas se revelava essencial para a correta fixação da matéria de facto.

Ora, ficou provado que a Requerente, notificada do Projeto de RIT, exerceu o seu direito de audição prévia quanto ao mesmo, alegando, em suma, a ilegalidade das correções propostas e arrolando testemunhas, tendo igualmente ficado provado que não foram inquiridas as testemunhas arroladas, não tendo sido avançada nenhuma razão para a não realização desta diligência instrutória. 

Como bem se salienta no Acórdão de 15 de dezembro de 2021 do Tribunal Central Administrativo do Sul exarado no contexto do Processo: 1130/11.9 BELRA, Secção: CT, reproduzindo igualmente considerações tecidas em Acórdão proferido em 18 de abril de 2018 pelo mesmo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do Processo n.º 06559/13, nos quais as questões apreciadas são substancialmente muito idênticas, pelo que passamos a transcrever parcialmente o seu teor, aderindo à fundamentação apresentada: “A não realização das diligências de prova requeridas constitui preterição de formalidade essencial, constitui vício do procedimento tributário, por violação do disposto nos artigos 23.º, n.º 4, 60.º, n.º 1 e 58.º da LGT e 101.º, n.º 3 e 104.º do CPA que o torna nulo ou, ao menos, anulável, exprimindo a violação do próprio direito de audiência prévia da recorrida e gerador de nulidade insuprível de tal acto (cfr. art. 133.º, n.º 1 do CPA) ou ao menos fundante da sua anulação (cfr. artigo 135.º do CPA). 

O exercício do direito de audição prévia constitui uma importante manifestação do princípio do contraditório e uma sólida garantia da defesa dos direitos do contribuinte, sendo reconhecido pela doutrina e jurisprudência como um princípio estruturante da actividade administrativa e fiscal, defender o que defende a AT constitui uma violação ou incorrecta realização daquele Direito e traduz-se numa violação de formalidade essenciais que é determinante da ilegalidade do próprio acto. 

(…)

Admitir que a AT pode pura e simplesmente não se pronunciar quanto às diligências de prova requeridas pelo interessado em sede de audição prévia, sobretudo quando se afiguram relevantes para a descoberta da verdade material, equivaleria a transformar essa fase processual num mero rito procedimental, vazio e sem utilidade, o que não se pode aceitar.

(…)

Perante esta possibilidade de requerer diligências complementares, recai sobre a entidade administrativa o dever de as realizar, sempre que, naturalmente, as mesmas se afigurem adequadas e úteis a averiguar o circunstancialismo de facto relevante para a decisão a tomar no procedimento. Tal adequação e necessidade de realização de diligências complementares deverá ser – e não poderá ser de outra forma, já que é a entidade administrativa que dirige o curso do procedimento – alvo de um juízo de ponderação que, obviamente, culminará na aceitação, ou rejeição, do pedido formulado pelo administrado/ contribuinte. Com efeito, “mesmo que entenda não dever efectuar as diligências requeridas, a administração tributária deverá pronunciar-se expressamente sobre o pedido da sua realização, se não antes, na decisão final, pois, por força do disposto no art. 107º do CPA, “na decisão final expressa, o órgão competente deve resolver todas as questões pertinentes suscitadas durante o procedimento e que não hajam sido decididas em momento anterior”. Isto é, se for proferida decisão final expressa, há um dever de pronúncia generalizado da administração sobre todas as questões suscitadas pelos interessados, pronúncia essa que, a não ocorrer antes da decisão final, deverá ser nela incluída, o que decorre também do princípio da decisão, enunciado no art. 60º da LGT (deve ler-se, 56º), nos termos do qual “a administração tributária está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo” – vide, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Diogo Leite de Campos e outros, 4ª edição, 2012, Encontro de Escrita, pág. 514. No mesmo sentido, pode ver-se Mário Esteves de Oliveira e outros, in CPA, Anotado e Comentado, Vol. I, 1ª edição, pág. 546, onde se refere, a propósito da decisão final expressa, que aí devem ser incluídas as “opções que o órgão instrutor tenha revelado – seja qual for o grau da sua convicção – em matéria de existência, selecção e comprovação de factos relevantes ou de interpretação e aplicação do direito”, desde que não tenha ocorrido anteriormente uma tomada de decisão expressa. E, na verdade, a não ser assim – entenda-se, ao não se exigir uma tomada de posição expressa sobre as diligências requeridas – facilmente a possibilidade que era concedida pelo artigo 101º, nº1 do CPA redundaria em letra morta, olimpicamente ignorada pela Administração. Neste sentido, veja-se o acórdão do STA, de 01/03/01, recurso nº 45897, em cujo sumário se pode ler que “I - A Administração não está obrigada a realizar todas as diligências de prova que o interessado requeira na fase de audiência prévia, transformando esta numa reabertura da instrução. II - Mas não as poderá omitir sem se pronunciar sobre o pedido que o interessado formule nesse sentido, justificando sumariamente o indeferimento - sob pena de inaceitável degradação da faculdade conferida pelo art. 101º, nº 3, do CPA”. Ora, no caso concreto, já vimos, os serviços de inspecção tributária não se pronunciaram no sentido de deferir, ou indeferir, as diligências de prova requeridas, ou seja, inexiste, no caso, qualquer tomada de posição reveladora de um juízo de ponderação sobre a utilidade da realização da diligência requerida. (…) Por um lado, como já se deixou dito, a AT não está obrigada a realizar todas e quaisquer diligências que lhe são pedidas. Contudo, a não realização das mesmas obriga à ponderação, face às questões a decidir e à matéria controvertida, sobre a adequação e utilidade da realização das mesmas. Este juízo cabe inegavelmente à AT e não ao contribuinte/ administrado. Por outro lado, não é o contribuinte que conhece a organização interna dos serviços administrativos para saber do momento e das condições adequadas à realização de determinadas diligências de prova, em concreto a audição e recolha de depoimentos de testemunhas. (…) (disponível em www.dgsi.pt/)

De salientar que, nos termos do artigo 58.º da LGT a AT deve, no procedimento realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do pedido do autor. Assim sendo, a realização das diligências complementares é exigida pelo disposto no artigo 58.º da LGT. Nas palavras de Joaquim Freitas Rocha e João Damião Caldeira, a actuação da AT não se deve limitar «(…) a questões meramente formais, burocráticas ou documentais, devendo antes apurar todos os factos (desde que necessários à descoberta da verdade), independentemente desses factos serem ou não favoráveis ao sujeito passivo.» (in RCPIT, Anotada, Coimbra Editora, 2013, pág. 44). Continuam os mesmos autores «a circunstância de o ónus da prova de um determinado facto recair sobre o contribuinte não desonera a Administração de realizar oficiosamente as diligências necessárias e adequadas ao apuramento da verdade material caso o contribuinte não consiga dar cumprimento a esse ónus (ob. cit., pág. 47). 

Não tem, pois, razão a Recorrente quando alega que estas diligências complementares já não podiam realizar-se nesta fase, uma vez que a sua realização é imposta pelos artigos 58.º da LGT, 60.º LGT e 60.º RCPIT. No caso dos autos, os serviços de inspecção tributária não se pronunciaram sobre a diligência de prova requerida, pelo que inexiste qualquer tomada de posição sobre a utilidade da realização da diligência. E não se diga, como agora a Recorrente, que incumbia à Recorrida especificar no requerimento qual a matéria a que as testemunhas deveriam ser ouvidas, não estando estabelecido nos autos um qualquer nexo entre os factos invocados no exercício do direito de audição e os testemunhos hipoteticamente aptos a suportá-los. Competia, antes, à Administração Tributária, se assim entendesse, notificar previamente o contribuinte para se inteirar sobre a matéria a que as testemunhas iam depor, o que não foi feito, visto que os Serviços de Inspecção simplesmente ignoraram que o sujeito passivo tinha arrolado testemunhas para prova dos factos alegados, que contrariam as propostas feitas no projecto do RIT. Como é jurisprudência pacífica, reiterada e uniforme, quando a liquidação adicional de IVA tem por fundamento o não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, compete à administração tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais legitimadores da sua atuação, passando depois, de feita essa prova, a caber ao contribuinte o ónus da prova de que as operações económicas que estiveram subjacentes à dedução do imposto se realizaram efectivamente (vide neste sentido, entre muitos outros, acs. do TCA Sul de 22/01/2002, processo nº 5884/01, de 31/10/2019, processo n.º 1729/14,do STA de 27/10/2004, proc. n.º 810/04, do TCA Norte de 24/01/2008, proc. n.º 02887/04-Viseu, e acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 27/02/2019, proc. n.º 01424/05, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt). Desta maneira, no que respeita à relevância da requerida prova testemunhal pelo contribuinte, ao contrário do alegado pela Recorrente, não só é necessária, como conveniente para apurar da veracidade do alegado

Face às regras do ónus da prova do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, a prova testemunhal indicada pelo sujeito passivo no âmbito do exercício do direito de audição prévia é relevante e constitui diligência complementar essencial para apurar da veracidade do alegado. Assim, tendo o contribuinte arrolado testemunhas para demonstração da factualidade invocada no direito de audição prévia, que contrariam os factos constantes do projecto de RIT, que não foram ouvidas, e tendo os Serviços de Inspecção Tributária mantido as correcções por falta de prova da versão do sujeito passivo, verifica-se a preterição de uma formalidade essencial à descoberta da verdade, determinante da anulação do acto tributário impugnado (cfr. artigos 60.º RCPIT e 60.º da LGT).”

Por sua vez, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) já se pronunciou em diversos arestos no sentido de que a não inquirição de testemunhas na fase de audição prévia, sem que para tal exista razão suficientemente forte que tenha sido comunicada ao interessado, constitui preterição de formalidade legal que projeta efeitos anulatório no ato tributário impugnado (v.g., em Acórdão de 22 de Abril de 2015, proferido no Processo n.º0511/14, disponível em www.dgsi.pt).

É manifesto no caso concreto que a inquirição das testemunhas arroladas pela ora Requerente constituía diligência complementar conveniente para apurar da veracidade do alegado, não obstante a restante prova já reunida pela AT no âmbito da ação de inspeção.

Termos em que se concorda-se na integra com a Requerente ao defender que foi preterida, sem justificação plausível que lhe tenha sido comunicada, diligência complementar de instrução que foi oportunamente requerida, a qual era manifestamente conveniente para eventual prova do alegado em sede de audição prévia, na observância do princípio do contraditório (cf. artigo 3.º, n.º3 do CPC), o que consubstancia violação do direito de audição prévia ou, pelo menos, impondo a lei (cf. artigo 60.º, n.º 7 da LGT) que os elementos suscitados na audição dos contribuintes sejam tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão – dever que não foi completamente observado, desde logo porque as testemunhas não foram inquiridas sem que tenha sido avançada qualquer razão plausível pela AT –, inquina as liquidações impugnadas de vício de forma, por deficiente fundamentação, determinante da sua anulação.”

 (…)

Por último, alega a Recorrente que ainda que existisse a preterição de uma formalidade, a mesma tronou-se inconsequente por via do princípio do aproveitamento dos actos administrativos. Mas, não tem razão. O princípio geral de direito que se exprime pela máxima latina utile per inutile non vitiatur tem sido entendido pela jurisprudência que o princípio em questão habilita o juiz a poder negar utilidade anulatória ao erro da administração, (quer por vícios formais, materiais ou qualquer defeito do ato administrativo), (i) no domínio dos atos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do ato se possa afirmar, com inteira segurança, que aquele vício não interferiu com o conteúdo da decisão, nomeadamente, ou porque não afetou as ponderações ou as opções compreendidas nesse espaço discricionário, (ii) ou porque subsistem fundamentos exatos bastantes para suportar a validade do ato, derivados da natureza vinculada dos atos praticados e conforme à lei (iii) ou ainda porque não existe em concreto utilidade prática e efetiva para o impugnante de operar daquela anulação visto os vícios existentes não inquinarem a substância do conteúdo da decisão administrativa em questão não possuindo a anulação qualquer sentido ou alcance prático. (cfr. Acórdão do TCAN de 22/06/2011, processo n.º 00462/2000; e, ac. do TCAN de 05/12/2014, processo n.º 02171/09, ambos disponíveis em www.dgsi.pt/). O princípio do aproveitamento do acto administrativo apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for insusceptível de influenciar a decisão final, isto é, quando a audição prévia não tenha a mínima possibilidade de influenciar o conteúdo da decisão, o que pode ocorrer nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente ou se trate de uma actividade administrativa vinculada. Como se escreveu no Acórdão do STA, de 25/06/2015, proferido no âmbito do processo n.º 01391/14 «A pedra-de-toque para a aplicação do referido princípio deve ser a insusceptibilidade de a participação do interessado influenciar a decisão final, seja no seu sentido seja nos seus fundamentos.» (disponível em www.dgsi.pt/). Na presente situação não está em causa uma actividade vinculada, nem uma solução legal evidente, pelo que não é de aplicar o princípio do aproveitamento do acto. Improcede também neste segmento as conclusões do recurso. Pelo que deixámos dito, entendemos que a sentença recorrida, que anulou a liquidação adicional impugnada com fundamento na violação do direito de audiência, por ter sido preterida diligência complementar de instrução oportunamente requerida, fez correcto julgamento, devendo ser confirmada, pelo que, sucumbem todas as conclusões do recurso e consequentemente é de lhe negar provimento.”

 

Termos em que se conclui, como começámos por referir, que a verificada preterição constitui vício formal do procedimento, invalidante, e suficiente para que se anule a decisão final da AT, e de quanto causalmente se lhe seguiu no procedimento, designadamente, os atos de liquidação ora atacados.

 

1.2 Demais pedidos

 

Face ao exposto, fica prejudicada a apreciação das demais questões ora suscitadas no presente Processo, à exceção do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

1.3. Juros indemnizatórios

 

Nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Entende-se por erro imputável à Administração, o erro que não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto e de direito que, não sejam da responsabilidade do contribuinte.  

Assim, “o direito a juros indemnizatórios abrange apenas uma das causas de responsabilidade da Administração tributária, agindo como tal: a originada pelo pagamento indevido de tributos, que lhe for imputável (...) o direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte provem, regra geral, de um dever de indemnização da Administração tributária resultante da forçada improdutividade das importâncias desembolsadas pelo contribuinte.”(cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, pp. 204 e 205).                                                              

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação impugnados, há lugar a reembolso do imposto, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.

Conclui-se, assim, pela procedência da pretensão da Requerente quanto ao pagamento de juros indemnizatórios ficando o pagamento de juros indemnizatórios condicionado à prova, pela Requerente, do pagamento das liquidações em sede de execução de julgado.

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data dos pagamentos das liquidações em causa que se mostrem efetuados, e calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 deabril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

 

V. DECISÃO 

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral em:

d)    Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de IVA números 2021... (16/09M), 2021... (16/10M), 2021... (16/11M).

e)     Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, ficando o pagamento de juros indemnizatórios condicionado à prova, pela Requerente, do pagamento das liquidações em sede de execução de julgado.

f)     Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 6.892,63 (seis mil, oitocentos e noventa e dois euros e sessenta e três cêntimos). 

 

VII. CUSTAS

 

De acordo com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 612,00€ (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 13 de Dezembro de 2022

A Árbitra

 

 (Clotilde Celorico Palma)