Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 345/2022-T
Data da decisão: 2023-01-05  IRS  
Valor do pedido: € 31.626,20
Tema: IRS; Residentes não habituais; Conceito de mais-valias; Métodos de eliminação da dupla tributação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

1. RELATÓRIO

 

  1.  A..., de nacionalidade brasileira, natural de ..., República Federativa do Brasil, contribuinte fiscal..., residente na Rua..., n.º ..., RC - ..., ...-..., em Paço de Arcos (doravante, o Requerente), veio, em 02 de Junho de 2022, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º, e da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º , todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (ao diante, RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição do tribunal arbitral.

 

  1. É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (ao diante, a Requerida).

 

  1. O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou a ora signatária para formar o Tribunal Arbitral Singular, disso notificando as partes, que não se opuseram, e o Tribunal foi constituído a 12 de Agosto de 2022.

 

1.4      O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato o indeferimento do recurso hierárquico apresentado pelo Requerente e por objecto mediato a liquidação de IRS do ano de 2019, n.º 2020..., no valor total de €52.094,77 (cinquenta e dois mil e noventa e quatro euros e setenta e sete cêntimos).

 

O Requerente manifesta a sua discordância com a parte daquele acto de liquidação (no valor de €31.626,20) que resulta da desconsideração das menos-valias mobiliárias realizadas pelo Requerente com a alienação de produtos financeiros com fonte no Brasil.

 

O Requerente considera que o acto, nessa parte, é ilegal, na medida em que a desconsideração, no cálculo do saldo das mais e menos-valias, das menos-valias realizadas pelo Requerente com origem no Brasil, viola o disposto no artigo 43.º, n.º 1, do Código do IRS, que impõe expressamente a ponderação das perdas no apuramento do referido saldo, pois só assim se obtém o efectivo incremento patrimonial susceptível de ser tributado, em conformidade com o princípio da capacidade contributiva.

 

Conclui pugnando pela anulação, naquela parte, do acto de liquidação e, tendo prestado garantia destinada a sustar o processo de execução fiscal, vem peticionar ainda indemnização pelas despesas com esta prestação e garantia, indevida por força da ilegalidade do acto, em montante que não liquida, tudo mais bem discriminado no pedido do Requerente e nos documentos a ele juntos, para os quais aqui se remete.

 

  1. A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA respondeu aos 03.10.2022 e juntou aos autos, na mesma data, o processo administrativo.

 

A Requerida defendeu-se por impugnação, remetendo para os fundamentos insertos na decisão proferida no recurso hierárquico nº ...2021..., reiterando que às mais-valias mobiliárias provenientes do Brasil foi aplicado o método de isenção previsto no art. 81.º, n. º 5 alínea a) do CIRS, conjugado com o art. 13.º, n. º 4 da Convenção Portugal/Brasil, razão pela qual o referido rendimento não foi, nem pode ser, considerado.

  1.    O Tribunal proferiu, aos 08.11.2022, despacho no sentido de se lhe afigurar ser dispensável a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como as alegações e, notificadas, as partes não vieram opor-se. 

 

  1. O Tribunal proferiu, aos 08.11.2022, despacho no sentido de se lhe afigurar ser dispensável a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como as alegações e, notificadas, as partes não vieram opor-se. 

 

2. SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

 

O processo não sofre de quaisquer vícios que o invalidem.

 

3. MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:

 

 

  1. O Requerente é, desde o ano de 2016, residente fiscal em Portugal, ao abrigo do regime fiscal dos residentes não habituais;

 

  1. Em 21 de Junho de 2020 o Requerente apresentou a Declaração de Rendimentos Modelo 3 do IRS relativa ao ano de 2019;

 

  1. O Requerente declarou, entre outros rendimentos, mais e menos-valias geradas, no decurso do ano de 2019, com a alienação de produtos financeiros com fonte nos Estados Unidos da América, no Brasil, na Irlanda e no Luxemburgo, conforme quadro infra:

 

 

País da

fonte

Realização

Aquisição

Despesas e

encargos

Ano 

Mês 

Valor 

Ano 

Mês 

Valor 

Luxemburgo 

2019 

23 810,09 € 

2018 

24 967,91 € 

0€ 

lrlanda 

2019 

24 234,06 € 

2018 

24 979,72 € 

0€ 

Brasil 

2019 

16 655,35 € 

2018 

11 

16 641,96 € 

188,49€ 

Brasil 

2019 

39 197,60 € 

2018 

12 

39 821,45 € 

103,53€ 

Brasil 

2019 

1 099,31 € 

2018 

12 

1 034,45 € 

162,58€ 

Brasil 

2019 

30 200,71 € 

2019 

25 167,26 € 

65,44€ 

Brasil 

2019 

30 200,71 € 

2019 

24 808,68€ 

64,50€ 

Brasil 

2019 

11 

55 537,09 € 

2019 

48 327,82 € 

414,45€ 

Brasil 

2019 

11 

55 537,09 € 

2019 

46 486,77 € 

120,87€ 

EUA 

2019 

10 

14 272,25 € 

2019 

11 801,96 € 

67,80€ 

EUA 

2019 

12 

9 749,11€ 

2019 

11 

12 238,91 € 

107,87€ 

EUA 

2019 

12 

9 749,11 € 

2019 

11 

12 292,84 € 

31,96€ 

EUA 

2019 

12 

9 749,11€ 

2019 

12 

11 206,22 € 

29,13 € 

Brasil 

2019 

42 274,12 € 

2018 

48 590,44€ 

236,26€ 

Brasil 

2019 

42 519,95 € 

2018 

48 923,67€ 

237,75€ 

Brasil 

2019 

43 364,56 € 

2018 

48 924,11 € 

239,96€ 

Brasil 

2019 

44 034,92 € 

2018 

48 676,44 € 

241,06€ 

Brasil 

2019 

43 807,16 € 

2018 

48 970,77 € 

241,23€ 

Brasil 

2019 

12 

15 015,14 € 

2018 

21 744,48 € 

95,58€ 

Brasil 

2019 

12 

15 018,57 € 

2018 

21 744,48€ 

95,59 € 

Brasil 

2019 

12 

7 516,49€ 

2018 

10 872,24€ 

67,35 € 

Brasil 

2019 

12 

7 516,49 € 

2018 

9 976,84€ 

25,94€ 

Brasil 

2019 

12 

15 051,01 € 

2018 

19 953,68 € 

91,01 € 

Brasil 

2019 

12 

15 014,96 € 

2018 

19 953,68€ 

90,92 € 

Brasil 

2019 

12 

37 537,40 € 

2018 

50 560,13 € 

365,70€ 

Brasil 

2019 

12 

37 537,40 € 

2018 

48 757,98€ 

126,77€ 

Brasil 

2019 

12 

15 014,96 € 

2018 

18 888,57€ 

49,11 € 

Brasil 

2019 

12 

15 033,17 € 

2018 

18 888,57€ 

88,20€ 

Brasil 

2019 

12 

7 516,58 € 

2018 

9 444,28 € 

63,65 € 

Brasil 

2019 

12 

7 516,58 € 

2018 

9 399,80 € 

24,44 € 

Brasil 

2019 

12 

15 042,00 € 

2018 

18 798,80 € 

87,99€ 

Brasil 

2019 

12 

15 015,14 € 

2018 

18 798,80 € 

87,92 € 

Brasil 

2019 

12 

15 032,99 € 

2018 

18 456,51 € 

87,07€ 

Brasil 

2019 

12 

15 032,99 € 

2018 

18 456,51 € 

87,07€ 

Brasil 

2019 

12 

37 588,77 € 

2018 

12 

0,01€ 

0,88€ 

Brasil 

2019 

12 

7 517,75 € 

2018 

9 228,25 € 

141,26 € 

EUA 

2019 

32 805,09 € 

2019 

19 333,74 € 

220,85 € 

EUA 

2019 

32 805,09 € 

2019 

18129,71 € 

47,13 € 

EUA 

2019 

11 

30 200,68 € 

2019 

31036,09 € 

159,20€ 

EUA 

2019 

11 

30194,48 € 

2019 

31036,09 € 

237,70€ 

EUA 

2019 

11 

30194,48 € 

2019 

29 419,14€ 

76,49 € 

EUA 

2019 

11 

30187,20 € 

2019 

29 419,14 € 

233,47 € 

EUA 

2019 

11 

30187,20 € 

2019 

26 742,15 € 

69,53 € 

EUA 

2019 

11 

30 209,66 € 

2019 

26 742,15 € 

148,08 € 

EUA 

2019 

11 

30 204,27 € 

2019 

25 864,60 € 

145,79€ 

EUA 

2019 

11 

30 200,68 € 

2019 

25 864,60 € 

145,78€ 

EUA 

2019 

11 

60 446,27 € 

2019 

51 520,80 € 

369,70 € 

EUA 

2019 

11 

30 223,14 € 

2019 

21118,92 € 

54,90€ 

EUA 

2019 

11 

30 228,53 € 

2019 

21118,92 € 

290,69 € 

EUA 

2019 

11 

60 457,05 € 

2019 

40 387,17 € 

105,01 € 

EUA 

2019 

12 

25 343,38 € 

2019 

11 

21118,92 € 

131,47€ 

EUA 

2019 

12 

25 325,35 € 

2019 

11 

25 223,51 € 

131,43 € 

EUA 

2019 

12 

25 307,33 € 

2019 

11 

24 405,35 € 

129,26 € 

EUA 

2019 

12 

25 354,37€ 

2019 

11 

24 433,11 € 

129,45 € 

EUA 

2019 

12 

25 362,67 € 

2019 

11 

23 739,14 € 

127,66 € 

EUA 

2019 

10126,82 € 

2019 

8 630,40 € 

48,76 € 

EUA 

2019 

10 

32 256,60 € 

2019 

28 449,05 € 

241,69 € 

EUA 

2019 

10 

32 256,60 € 

2019 

28 694,36 € 

74,60 € 

EUA 

2019 

12 

21256,74 € 

2019 

10 

27 876,21 € 

72,48 € 

  EUA

2019

12

21256,74 €

2019

10

27 474,85 €

347,78 €

  EUA

2019

12

21256,74€

2019

10

26137,90€

67,95 €

  EUA

2019

12

21256,74 €

2019

11

24 244,62 €

63,03 €

  EUA

2019

12

21256,74 €

2019

11

23 544,11€

61,21 €

  EUA

2019

7

92 233,48 €

2018

12

64 404,41€

567,13 €

  EUA

2019

7

61488,99 €

2018

12

42 859,38 €

111,43 €

  EUA

2019

7

62 071,36 €

2019

1

53 696,62 €

301,09€

  EUA

2019

7

32117,79 €

2019

2

28 954,16 €

242,39 €

  EUA

2019

7

32 117,79 €

2019

3

28 375,99 €

73,78€

  EUA

2019

7

32 175,52 €

2019

3

28 233,48 €

240,71 €

  EUA

2019

7

32 175,52 €

2019

3

26 241,12 €

68,23 €

  EUA

2019

7

32 796,18 €

2019

3

26 728,68 €

240,03 €

  EUA

2019

7

32 796,18 €

2019

3

24 991,31 €

64,99€

  EUA

2019

7

32 810,43 €

2019

3

25 436,79 €

236,74€

  EUA

2019

7

32 810,43 €

2019

3

21828,42 €

56,75€

                 
 

 

  1. Na sequência da submissão da referida declaração, foi o Requerente notificado do acto tributário de liquidação de IRS n.º 2020..., nos termos do qual foi apurado, por referência ao ano de 2019, um valor de imposto a pagar de €52.094,77;

 

  1. Daquele valor, €546,00 resultaram da aplicação da taxa liberatória de 28% sobre o valor de rendas auferidas em 2019 pelo Requerente, no montante de €1.950,00, e €51.548,77, da aplicação da taxa liberatória de 28% sobre o saldo positivo apurado pela AT decorrente da venda de produtos financeiros emitidos por entidades sedeadas em Portugal e no estrangeiro (€2.267,58, resultante do saldo positivo apurado pela AT decorrente da venda de produtos financeiros emitidos por entidades sedeadas em Portugal e €49.281,19, do saldo positivo apurado pela AT decorrente da venda de produtos financeiros emitidos por entidades sedeadas no estrangeiro);

 

  1. Parte daquele valor de imposto liquidado (€31.626,20) resulta da desconsideração das menos-valias mobiliárias realizadas pelo Requerente com a alienação de produtos financeiros com fonte no Brasil e declaradas pelo mesmo no quadro 9.2 A, do Anexo J da declaração Modelo 3 do IRS;

 

  1. O requerente não pagou o imposto liquidado no prazo de pagamento voluntário;

 

  1. A AT instaurou o processo de execução fiscal n. º ...2020... com vista à cobrança coerciva daquele valor e os legalmente acrescidos;

 

  1. Em sede de execução fiscal, o Requerente pagou, a 27.11.2022, a quantia de €6,000,00;

 

  1. E prestou garantia, através de hipoteca voluntária sobre a fracção autónoma designada pela letra "C", destinada a habitação, que corresponde à cave esquerda, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., nºs ... - ... - ...- ... e Rua ..., em Lisboa, na freguesia da ..., concelho e distrito de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número...,  e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo..., da freguesia da ..., concelho de Lisboa, para integral pagamento da restante quantia exequenda, de €46.762,03 e juros vencidos, custas processuais e juros vincendos e acréscimos, no valor total de €59.358,31;

 

  1.  O Requerente, em 28.12.2020, apresentou reclamação graciosa contra a parte do acto de liquidação de IRS n.º 2020..., no valor de €31.626,20, que resulta da desconsideração das menos-valias mobiliárias realizadas pelo Requerente com a alienação de produtos financeiros com fonte no Brasil declaradas no quadro 9.2 A, do Anexo J da declaração Modelo 3 do IRS;

 

  1.  Notificado do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, exerceu o direito de audição;

 

  1. A reclamação graciosa foi indeferida, por despacho de que foi o Requerente notificado a 02.09.2021;

 

  1.  O Requerente interpôs recurso hierárquico dessa decisão a 27.09.2021;

 

  1. O recurso hierárquico foi indeferido por despacho do qual foi o Requerente notificado a 07.03.2022.

 

 

Factos não provados

 

Não foram alegados pelas partes quaisquer outros factos, com relevo para a apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.

 

Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto

 

A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se nas afirmações do Requerente e da Requerida não contraditadas pela parte contrária, sustentadas na prova documental pelo Requerente e no processo administrativo junto pela Requerida, cuja autenticidade e correspondência à realidade também não foram questionadas.

 

4. MATÉRIA DE DIREITO - QUESTÕES DECIDENDAS

 

 

As questões que o Tribunal é chamado a apreciar e decidir são as seguintes:

 

  1. As menos valias obtidas no Brasil com a alienação de valores mobiliários, quando o rendimento esteja isento de imposto em Portugal, continuam ou não a concorrer para a determinação do rendimento tributável da categoria G?

 

  1. É devida indemnização pelas despesas que o Requerente teve com a garantia prestada para suspender a execução fiscal na pendência dos meios de reacção contra o acto de liquidação?

 

Assim,

 

  1. Da concorrência das mais e menos valias obtidas no Brasil para a determinação do rendimento da Categoria G do Requerente:

 

 

Os ganhos que resultem da transmissão onerosa de valores mobiliários, por pessoas singulares, qualificam-se, regra geral – i.e., quando não resultem de uma actividade profissional ou empresarial enquadrável na categoria B - como rendimentos da Categoria G do IRS (mais valias e outros incrementos patrimoniais), preenchendo o conceito de mais-valias, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS.

 

O n.º 1 do artigo 43.º do Código do IRS dispõe, a propósito da determinação da matéria colectável ou tributável relativa a essa categoria de rendimentos, que o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias corresponde ao saldo (positivo) apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, “determinadas nos termos dos artigos seguintes”. Esse saldo é o acréscimo patrimonial e de capacidade contributiva que justifica a tributação em IRS e é este saldo que constitui o rendimento sujeito a imposto. É também este saldo que, conforme os casos, é englobado ou que está sujeito à taxa autónoma de 28% prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º.

 

O n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS isenta de tributação em Portugal os rendimentos da categoria G obtidos por residentes não habituais em território português que possam ser tributados no Estado da fonte, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado.

 

O n.º 7 deste artigo impõe o englobamento, para efeitos de determinação da taxa a aplicar aos restantes, destes rendimentos isentos nos termos do n.º 5, excepto quando estes estejam sujeitos a taxas autónomas.

 

Da análise de todas estas normas resulta claro que o conceito de rendimento (isento) a que o legislador se refere no n.º 5 do artigo 81.º não pode deixar de ser o mesmo do artigo 43.º, n.º 1, i.e., o saldo (positivo) apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, desde que esse rendimento possa ser tributado no Estado da fonte.

 

Decorre do n.º 4 do artigo 13.º da Convenção entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, celebrada em Brasília, em 16 de Maio de 2000, que trata das mais valias e ganhos de capital, que os ganhos provenientes da alienação de quaisquer outros bens ou direitos diversos dos mencionados n.º 1, 2 e 3 podem ser tributados em ambos os Estados Contratantes.

 

No caso em apreço e como resulta da matéria de facto dada como provada, parte das mais e menos valias realizadas pelo Requerente no ano de 2019 provem de operações de alienação de produtos financeiros com fonte no Brasil.

 

Pelo que o ganho rendimento destas operações– que, se apurado em Portugal, consistiria no saldo positivo das mais e menos valias com esta fonte - podia ser tributado no Brasil. Assim é ainda que, no Brasil, a forma de apuramento do rendimento seja diversa ou que, no Brasil, o rendimento não esteja sujeito, esteja isento ou não haja sequer rendimento a tributar. Com efeito, a lei não exige que o rendimento tenha sido efectivamente tributado, bastando-lhe que possa ser tributado, porque o método da eliminação da dupla tributação não é, no caso, o de imputação, mas o de isenção.

 

Porque pode ser tributado no Brasil, este rendimento, quando exista, nos termos fixados pela lei portuguesa para a respectiva determinação (que dispõe que o rendimento é o saldo daquelas operações) está isento de tributação em Portugal por força do n.º 5 do artigo 81.º do CIRS, não carecendo sequer de englobamento já que, nos termos das supracitadas disposições legais, está sujeito a taxa autónoma.

 

A questão é que a lei portuguesa não considera rendimento o resultado de cada operação individualmente considerado, mas o saldo das mais e menos valias obtidas no mesmo ano.

 

Consequentemente, o saldo das mais e menos valias obtidas pelo Requerente no Brasil, que, sendo positivo, constituiria rendimento que poderia lá ser tributado e estaria, por isso mesmo, isento de tributação em Portugal. Sendo negativo, haveria, segundo a lei portuguesa, rendimento a tributar e, consequentemente, a isentar de tributação. É verdade que a lei brasileira pode ter um conceito diverso de mais-valia para efeitos de sujeição a imposto, mas isso, no caso, é irrelevante: o que aqui importa são os rendimentos da categoria G apurados segundo a lei portuguesa.

 

Por outras palavras: para efeitos de apuramento do eventual rendimento que está primeiro sujeito e depois, isento de imposto é necessário contabilizar separadamente as mais e menos valias geradas na mesma fonte. Sendo o saldo negativo, não há acréscimo patrimonial que preencha o conceito de mais-valia e, portanto, não há rendimento a tributar [1]; sendo positivo, este rendimento está sujeito a imposto, porque preenche a norma de incidência e, é, depois, isento pela conjugação do CIRS com a Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre os dois Estados que têm pontos de conexão com o rendimento em causa (o Estado da residência e o Estado da fonte).

 

Não se trata, portanto, de uma não sujeição, mas de uma isenção, que pressupõe a prévia sujeição. Como bem refere o Requerente, a isenção, no caso concreto, está a jusante do apuramento da matéria colectável: o artigo 81.º está inserido na fase da liquidação, em sentido estrito, do imposto. Só que essa inserção sistemática não tem o significado nem o efeito que o Requerente pretende.

 

Para efeitos de cálculo da parte do rendimento a isentar - aquela que podia ser tributada no Estado da fonte – sempre seria necessário apurar separadamente o saldo entre as mais e menos valias com essa mesma fonte, porque é esse saldo que preenche o conceito de rendimento sujeito a imposto. Assim impõe a lei portuguesa, em conformidade com os artigos 23.º A e 23.º B da Convenção Modelo da OCDE, até para rendimentos que estivessem sujeitos a englobamento, como se pode ver pelo n.º 1 do artigo 85.º, que limita o crédito de imposto à concorrência da parte da colecta proporcional a esses rendimentos líquidos.

 

Portanto, eventuais menos valias ou saldos negativos assim apurados não podem concorrer para a determinação do rendimento não isento, i.e., não podem ser reportados, deduzidos ou por qualquer forma utilizados ao saldo apurado das mais e menos valias de fonte diversa, porque a lei não prevê o reporte destes prejuízos a não ser nos termos do artigo 55.º do CIRS: reporte para os cinco anos seguintes e desde que tenha havido englobamento.

 

A questão aqui é, na verdade, de linguagem. As mais-valias que integram o rendimento da categoria G são o saldo entre as mais e menos valias de cada transacção do mesmo ano. Mais-valia, portanto, tem um significado diferente quando se fala de transacções individuais ou quando se fale do saldo dessas transacções, de tal maneira que pode haver mais valias em transacções individuais e menos valias noutras, importando apenas, para efeitos de tributação, se o saldo dessas mais e menos valias é positivo. Sendo positivo, a expressão mais-valia adquire um sentido diferente, o de saldo positivo e, portanto, de rendimento, sujeito a imposto seja por englobamento seja por aplicação de taxa autónoma.

 

É o que resulta, aliás, da Ficha Doutrinária emitida no âmbito do processo 3339/2017, despacho de 2017-12-04, da Subdirectora Geral do IR [2], que o Requerente cita no p.p.a.: “O saldo das mais ou menos valias é determinado, numa primeira fase, operação a operação - apurando-se todas as condições que podem influir, positiva ou negativamente na operação em causa-, e, numa segunda fase, pela junção de todos os saldos das operações geradoras de rendimentos de mais-valias mobiliários para efeitos de apuramento do montante que será sujeito a tributação (seja ela autónoma ou determinada pela aplicação das taxas previstas no art.º 68.º do CIRS)”.

 

Só que o efeito desta operação é exactamente o contrário daquele que o Requerente defende. A mais-valia que está isenta de tributação por força do n.º 5 do artigo 81.º do CRIS e da Convenção para evitar a Dupla Tributação não é a mais-valia de cada operação, mas a mais-valia saldo positivo, porque é esta que constitui rendimento e a citada disposição legal isenta precisamente isso, o rendimento.

 

Consequentemente, para accionar a norma que evita a dupla tributação, é necessário, depois de determinar as mais e menos valias de cada operação, reagrupá-las por fonte e apurar o saldo de todas as operações que possam ter a mesma fonte [3]. Sendo positivo, está sujeito, mas é isento se puder ser tributado no Estado fonte. Sendo negativo, não há rendimento e o saldo que segue para a operação seguinte, a do cálculo do saldo entre as restantes mais e menos valias para efeitos de determinação da parte do rendimento que, estando sujeita, não está isenta, é, necessariamente, de zero, sob pena de viciar todo o cálculo e de permitir um reporte de perdas ou menos-valias saldo que a lei não prevê.

 

Note-se, aliás, que aquilo que o Estado residência pode fazer, nos termos do artigo 23.º - A da Convenção Modelo da OCDE, é precisamente o contrário daquilo que o Requerente preconiza: “poderá, contudo, ao calcular o quantitativo do imposto sobre os outros rendimentos ou património desse residente, ter em conta os rendimentos ou o património isentos”. i.e., aplicar um método de isenção com progressão [4]. Não é isso, porém, que faz o Estado português no caso do IRS, a não ser quando há opção pelo englobamento: a isenção é plena e o rendimento não é de todo considerado. Ainda assim, é o rendimento que aqui está em causa, i.e., o saldo e não as mais e menos valias individualmente consideradas.

 

O Requerente também cita a decisão do Tribunal Arbitral constituído no processo 247/2021-T, que, aliás, à semelhança da Ficha Doutrinária também invocada, versa sobre matéria diversa da que se discute nestes autos [5].

 

Neste processo, o Tribunal entendeu que "o rendimento colectável é o resultado de todas as mais valias e menos valias do ano" e que "esta norma (a do artigo 43. º n. º 1 do Código do IRS) não faz qualquer restrição à origem da mais-valia ou da menos valia porque o rendimento dos residentes é todo tributado em território nacional independentemente da origem”.

 

Acontece que, no caso concreto, o rendimento não é todo tributado em território nacional, independentemente da origem. Há rendimento que, em razão precisamente da origem, está isento. É verdade que o artigo 43.º, n.º 1, do CIRS, que estabelece a sujeição a imposto, não restringe, mas a norma do artigo 81.º, que permite a dedução ou estabelece a isenção, fá-lo.

 

É esta norma, a do artigo 81.º, aquela que obriga a que se faça um cálculo intermédio, o do saldo das mais e menos valias com a mesma origem que confiram direito à eliminação da dupla tributação, no caso do n.º 5, por recurso, não a uma dedução à colecta do imposto pago [6], mas de uma isenção. Portanto, sendo este saldo positivo, há rendimento sujeito, mas isento de tributação. Sendo negativo, não há rendimento, mas a lei também não prevê a possibilidade de dedução de perdas, i.e., de compensação deste saldo negativo com o saldo positivo das mais-valias realizado noutra(s) fonte(s), i.e., com o rendimento não isento.

 

Nada disto contende com o artigo 45.º do CIRS, que está - como, curiosamente, quer o Requerente quer a Requerida aceitam - noutra fase do procedimento de liquidação do imposto, a que alguns autores se referem como a fase do lançamento e que se prendem com a determinação do rendimento colectável.

 

A norma do artigo 81.º, n.º 5 (que, como já se disse supra, está numa fase posterior, a de liquidação em sentido estrito) e ambos os métodos possíveis de eliminação da dupla tributação lá previstos – o da imputação (no IRS, por dedução à colecta) do imposto pago e o da isenção – exigem um recálculo do rendimento colectável apurado nos termos do artigo 45.º. Trata-se de um recálculo que separa as operações por fonte e apura o saldo desse grupo de operações, para efeitos de apuramento da concorrência desse saldo para a colecta, quando o método é o da dedução, ou de isenção desse saldo de tributação, quando o método é o da isenção. A diferença é que, como referem os Comentários à Convenção Modelo, o método da isenção olha para o rendimento, enquanto o método da imputação olha para o imposto.

 

O método da isenção é, nesse sentido, imperfeito, já que permite eliminar (até a mera possibilidade de) dupla tributação, mas, em contrapartida, não permite a dedução das menos valias.

 

Não há aqui, porém, qualquer discriminação: esta é a contrapartida de o Estado Contratante (no caso, o da residência) isentar o rendimento obtido no Estado fonte – apesar de poder tributá-lo, à luz da Convenção – e, portanto, de prescindir do potencial imposto. Claro que, no caso concreto, o resultado pode ser menos favorável ao sujeito passivo, mas o objectivo da OCDE na elaboração da Convenção Modelo é precisamente o de evitar que por força de treaty shopping se gerem situações em que o sujeito passivo possa, para usar um coloquialismo britânico, ficar com o bolo e comê-lo também, ou, na expressão portuguesa, tenha sol na eira e chuva no nabal. Obiter dictum.

 

Falece, pois, razão ao Requerente e o acto de liquidação não padece do vício que lhe é apontado, motivo pelo qual tem de improceder a sua pretensão de anulação.

 

  1. Das despesas com a prestação de garantia indevida:

 

Improcedendo a pretensão do requerente e não padecendo a liquidação de ilegalidade que justifique neste processo a sua anulação, a garantia prestada não se mostra indevida, improcedendo também a pretensão do Requerente quanto à indemnização pelas despesas que com ela suportou.

 

 5. DECISÃO

 

Nestes termos e com a fundamentação supra, decide-se:

 

Julgar totalmente improcedentes os pedidos do Requerente.

 

 

 

* * *

 

Fixa-se o valor do processo em 31.626,20€ (trinta e um mil seiscentos e vinte e seus euros e vinte cêntimos) de harmonia com o disposto nos artigos 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT.

 

O montante das custas é fixado em 1.836,00€ (mil oitocentos e trinta e seis euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo do Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT, 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

            Porto e CAAD, aos cinco de Janeiro de dois mil e vinte e três.

            Notifique-se.

 

 

O Árbitro,

Eva Dias Costa



[1] Sem prejuízo, sempre se diga, do reporte que, num ou no outro Estado, as perdas pudessem ter, tema que, extravasa, porém, as questões que foram colocadas ao Tribunal. 

[2] Cujo tema, aliás, não é o que se discute nos autos, mas o do cálculo de mais-valias provenientes de alienação de micro-entidades e de alienações de outras partes sociais, se exercida a opção de englobamento.

[3] Solução similar, aliás, àquela que está vertida à Ficha Doutrinária que o Requerente cita: “Assim, na situação identificada pelo Requerente, nos termos do artigo 43º do Código do IRS, o saldo final entre as mais-valias e as menos-valias é o resultante do somatório entre 50% da mais-valia relativa à participação social numa micro entidade com 100% da mais-valia decorrente da alienação das demais participações.”. O tema, reitere-se, é diverso, mas neste caso também se realizam operações de cálculo intermédias da operação final de apuramento da mais-valia saldo.

[4] Cf. os Comentários à Convenção Modelo da OCDE.

[5] Naquele processo 247/2021-T, como o Requerente não pode ignorar, o n.º 5 do artigo 81 do CIRS não foi analisado no que se refere aos rendimentos obtidos no Brasil, tão só relativamente aos que, naquele caso, foram obtidos nos EUA e que originavam um problema de qualificação, que o Tribunal resolveu.

[6] Até porque, como bem refere o Requerente, não é necessário que o imposto tenha sido de facto pago ou sequer que o Estado fonte tenha pretensão de tributar, a lei basta-se com a possibilidade de o Estado fonte tributar.