Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 298/2022-T
Data da decisão: 2023-01-02  IRC  
Valor do pedido: € 49.595,73
Tema: IRC - Benefício fiscal por criação de emprego; readmissão de trabalhadores.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 28.04.2022, a Requerente, A..., SROC S.A. (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), titular do número de identificação de pessoa coletiva  ..., com sede social na ... n.º ..., Lisboa, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação das autoliquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas referentes aos períodos tributários de 2015 e 2016 e dos  atos de indeferimento parcial do recurso hierárquico n.º ...2020... (2015) e do recurso hierárquico n.º ...2020... (2016),  apresentados contra a decisão de indeferimento da revisão oficiosa n.º ...2019..., e da Reclamação Graciosa n.º ...2019..., deduzidas contras as referidas autoliquidações.

 

A Requerente peticiona, ainda, a restituição do imposto que considera indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 12.07.2022.

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese, os seguintes:

 

  1. A Requerente é uma sociedade anónima de direito português, que se encontra sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC.
  2. A Requerente adota – e adotava, à data dos factos – um período de tributação não coincidente com o ano civil, tendo início a 1 de junho e término a 31 de maio do ano seguinte.
  3. No âmbito da sua atividade, a Requerente contratou diversos trabalhadores, incluindo jovens recém-formados, pelo que usufruiu do benefício fiscal previsto no artigo 19.º do EBF, quanto a alguns desses trabalhadores, nos exercícios ora em apreço (2015 e 2016).
  4. A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa do ato de autoliquidação de IRC referente ao ano fiscal de 2015, e, bem assim, Reclamação Graciosa contra o ato de autoliquidação de IRC relativo ao período de tributação de 2016.
  5. Posteriormente, e uma vez que ambos os pedidos foram indeferidos, a Requerente interpôs recursos hierárquicos contra as referidas decisões, de que  resultou a prolação de dois despachos de deferimento parcial.
  6. Em parte, a AT reconheceu que a Requerente tinha usufruído do benefício fiscal da forma legalmente prevista.
  7. Não obstante, nos termos daquelas decisões, em tudo semelhantes, considerou a Autoridade Tributária que “o art.º 19.º do EBF, tem por objetivo incentivar a criação de emprego resultante da criação de novos postos de trabalho, através da contratação por tempo indeterminado de jovens e desempregados de longa duração (…) é de concluir que uma empresa não pode celebrar com o mesmo trabalhador dois contratos de trabalho por tempo indeterminado cuja finalidade pretendida é o de usufruir do benefício fiscal num determinado período de tributação, alegando que no período de tributação em que ocorreu o primeiro contrato trabalho, não foi apurada criação líquida de posto de trabalho”.
  8. Concluindo que o referido benefício fiscal não se poderia aplicar aos colaboradores B..., C..., D... e E... uma vez que, quanto a estes, “Trata-se de uma criação de emprego fictícia e portanto afastada dos requisitos imposto no art.º 19.º do EBF, para a usufruição do benefício”.
  9. Estes trabalhadores foram admitidos pela Requerente como trabalhadores por conta de outrem por duas vezes, não tendo a Requerente usufruído do benefício fiscal relativamente à primeira admissão de cada um destes trabalhadores.
  10. Mas, nos anos de 2015 e 2016, estando reunidas as condições para usufruir do benefício, a AT deveria ter aceitado a aplicação do benefício fiscal e deferido as reclamação graciosa e pedido de revisão dos atos de autoliquidação, bem como mais tarde os Recursos Hierárquicos apresentados, sob pena de vício de violação de lei.
  11. Ora, ao concluir nas decisões de indeferimento parcial ora em crise que “face ao exposto, os encargos suportados com os trabalhadores indicados não reúnem os requisitos de acesso ao benefício fiscal criação de emprego previsto no artigo 19.º do EBF”, as mesmas padecem de ilegalidade por erro sobre os pressupostos de direito.
  12. No âmbito das autoliquidações aqui em causa (IRC 2015 e IRC 2016) a Requerente procedeu ao pagamento do imposto, sem prejuízo da sua convicção quanto à ilegalidade das mesmas.
  13. Assim, caso lhe venha a ser dada razão, o que se espera, no âmbito do presente pedido, reconhecendo-se os erros dos atos praticados e a ilegalidade do entendimento da AT, deve a Requerente ser ressarcida, a final e desde logo, pelo montante indevidamente pago referente ao benefício fiscal ora em apreço.
  14. Para além disso são devidos juros indemnizatórios, a calcular desde a data do pagamento do imposto até efetivo e integral pagamento, juros esses que deverão ser calculados nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, sobre a quantia efetivamente paga, calculados desde a data do pagamento indevido desse imposto, até efetivo e integral pagamento, à taxa de 4% ao ano, nos termos do disposto nos artigos 35.º, n.º 10 e 43.º, n.º 4 da LGT, bem como do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/03, de 8 de abril.

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

  1. A requerente constrói o pedido de pronúncia arbitral sob um pressuposto factual que não prova.
  2. Ao contrário do afirmado em 11º e 64º da PI não houve primeira nem segunda admissão.
  3. Os trabalhadores em causa, mantiveram a continuidade da sua situação laboral, pelo que a AT outra decisão não poderia ter proferido.

Quanto à trabalhadora B...

Após consulta à base de dados da AT verifica-se que esta colaboradora exerce funções na recorrente como trabalhadora dependente desde 2012, regime que manteve até 2017, pelo que não estão reunidos os requisitos para ser considerada uma entrada de 2015, não podendo a requerente celebrar dois contratos de trabalho por tempo indeterminado para aproveitamento do benefício no período de tributação de 2015, desvirtuando o espírito e os pressupostos que estão subjacentes à concessão do benefício fiscal “criação de emprego”.

Quanto à trabalhadora C...

C... foi, alegadamente, “admitida duas vezes na empresa — uma em novembro de 2012 e outra em agosto de 2015” constando, porém, das bases de dados da AT consta que a data da admissão desta colaboradora ocorreu em 2012, mantendo-se até à última declaração de IRS apresentada (2020).

  1. Mais uma vez a A celebrou dois contratos por tempo indeterminado sucessivos, visando ludibriar o sistema e alcançar o benefício fiscal, pois esta situação deturpa o espírito do legislador e os pressupostos que estão subjacentes a concessão do benefício “criação liquida de emprego”.  
  2. E assim também quanto ao trabalhador D...
  3. , pois que da consulta à base de dados da AT resulta que este colaborador exerce funções na recorrente como trabalhador dependente desde 2012.
  4. A data da admissão deste colaborador ocorreu em 2012, mantendo-se até à última declaração de IRS entregue.
  5. Posto que, não estão reunidos os requisitos para se considerar, quanto a estes trabalhadores, entradas no ano de 2015.
  6. O que sucede igualmente por referência ao ano de 2016,  quanto ao trabalhador E....
  7. As declarações de IRS relativas a este colaborador revelam que entre 2014 e 2017 (inclusive) o mesmo exerce funções na recorrente e noutra entidade como trabalhador dependente.
  8. Não obstante a requerente ter apresentado um contrato de trabalho por tempo indeterminado com início a 1 de novembro de 2016, o facto é que após consulta à base de dados da AT se verifica que E... exerce funções na requerente como trabalhador dependente desde 2014 e por esse facto, não estão reunidos os requisitos para ser considerada uma entrada de 2016 pelo que, consequentemente,  é de desconsiderar o benefício fiscal solicitado.
  9. A AT limitou-se a verificar que os trabalhadores em causa permaneceram enquanto trabalhadores da A, como trabalhadores por tempo indeterminado, e com uma só admissão - pese embora as manobras da A com vista a ficcionar realidade distinta.
  10. Pela consulta dos elementos constantes nos presentes autos bem como dos elementos que integram o processo administrativo verificamos que a Requerente nunca apresentou qualquer demonstração das alegadas duas admissões de cada trabalhador.
  11. Antes, a prova, consubstanciada nas declarações mod. 3 de IRS dos trabalhadores, evidencia que estes mantiveram, de facto, a continuidade da situação laboral.
  12. Não se verificando, nos presentes autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer direito a juros indemnizatórios.
  13. Mesmo que se admitisse que à Requerente assistiriam positivamente as suas pretensões – o que não se concede e apenas por mero exercício intelectual se cogita – a AT deverá inelutavelmente ficar exonerada de abonar à Requerente juros indemnizatórios, porquanto o enquadramento jurídico que deu ao presente caso resulta da prova apresentada durante o procedimento e até aí aportada ao processo pela Requerente, a qual, manifestamente, não autorizaria diferente enquadramento.

 

5. Verificando-se a inexistência de  qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada  a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.

 

6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

 

7. Cumpre solucionar  as seguintes questões:

1) Ilegalidade das autoliquidações objeto do processo.

2) Direito da Requerente à restituição do imposto e a juros indemnizatórios.

 

 

II – A matéria de facto relevante.

 

 

8. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

8.1. A Requerente é uma sociedade anónima de direito português, que se encontra sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC.

8.2.A Requerente adotava à data dos factos tributários um período de tributação não coincidente com o ano civil, tendo início a 1 de junho e fim  a 31 de maio do ano seguinte.

8.3.No âmbito da sua atividade, a Requerente contratou, nos exercícios  de  2015 e 2016, diversos trabalhadores, incluindo jovens recém-formados, pelo que usufruiu do benefício fiscal previsto no artigo 19.º do EBF, quanto a alguns desses trabalhadores.

8.4.A Requerente procedeu ao recálculo do benefício fiscal associado à criação líquida de emprego relativamente aos períodos de tributação de 2015 e 2016 e apresentou, em 25.10.2019, pedido de revisão oficiosa do ato de autoliquidação de IRC referente ao ano fiscal de 2015, e, bem assim, também em 25.10.2019, reclamação graciosa contra o ato de autoliquidação de IRC relativo ao período de tributação de 2016.

8.5. O pedido de revisão oficiosa, referente ao ano de 2015, foi expressamente indeferido pela Requerida em 7.08.2020.

8.6. A reclamação graciosa, referente ao ano de 2016, foi expressamente indeferida pela Requerida também  em 7.08.2020.

8.7. A Requerente interpôs recursos hierárquicos contra as decisões referidas nos pontos que antecedem.

8.8.Da  interposição do recurso hierárquico referente ao período tributário de 2015 resultou a prolação de do  despacho de deferimento parcial, constante dos autos,  cujo teor de dá por integralmente reproduzido.

8.9. Da  interposição do recurso hierárquico referente ao período tributário de 2016 resultou a prolação de do  despacho de deferimento parcial, constante dos autos, cujo teor de dá por integralmente reproduzido.

8.10.A trabalhadora da Requerente  B... celebrou contrato de trabalho com a Requerente em 1.01.2012,  tendo em 18.12.2015  declarado a cessação do mesmo, com efeitos a 22.12.2015,  com dispensa de aviso prévio.

8.11. Em 2.05.2016 a  Requerente celebrou novo  contrato de trabalho com a trabalhadora identificada no ponto que antecede.

8.12.A trabalhadora C... celebrou contrato de trabalho com a Requerente em 1.11.2012,  tendo em 27.03.2015 declarado a cessação do mesmo, com efeitos a 15.05.2015.

8.13.Em  31.08.2015 a  Requerente, celebrou novo  contrato de trabalho com a trabalhadora identificada no ponto que antecede.

8.14.O trabalhador D... celebrou contrato de trabalho com a Requerente em 1.11.2012,  tendo em 28.11.2014 declarado a denuncia unilateral  do mesmo, com efeitos a 30.01.2015.

8.15.Em  12.01.2016 a  Requerente celebrou novo  contrato de trabalho com o  trabalhador identificado no ponto que antecede.

8.16.O trabalhador E... celebrou contrato de trabalho com a Requerente em 1.09.2014,  tendo em 30.04.2015  declarado a sua rescisão  com efeitos a 31.05.2015.

8.17.Em  01.11.2016 a  Requerente celebrou novo  contrato de trabalho com o  trabalhador identificado no ponto que antecede.

8.18.Da autoliquidação impugnada referente ao exercício de 2015, resultou imposto a reembolsar, no montante de € 7,83 (sete euros e oitenta e três cêntimos).

8.19. A  autoliquidação impugnada referente ao exercício de 2016 deu origem a imposto a pagar no valor de €1.269.590,63, (um milhão, duzentos e sessenta e nove mil e quinhentos e noventa euros e sessenta e três cêntimos) pago em 31.07.2017.

 

 

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados

 

9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, que não foram  impugnados por  nenhuma das  partes, sendo de referir a inexistência de controvérsia entre as partes no que que respeita aos pontos 8.1. a 8.9, 8.18 e 8.19 do probatório.

No que respeita, especificamente, ao ponto 8.10. do probatório, a decisão alicerçou-se nos documentos 6,  7 e  8 juntos com a petição inicial e no  documento nº 1, junto com requerimento apresentado pela Requerente em 2.11.2022; quanto ao ponto 8.11 a decisão alicerçou-se no  documento nº 1, junto com requerimento apresentado pela Requerente em 2.11.2022;no que respeita   ao ponto 8.12. a decisão alicerçou-se nos   documentos 9 e 10  juntos com a petição inicial e  documento nº 2, junto com requerimento apresentado pela Requerente em 2.11.2022; quanto ao ponto 8.13. a decisão alicerçou-se no documento nº 2, junto com requerimento apresentado pela Requerente em 2.11.2022; No que concerne ao ponto 8.14. a decisão alicerçou-se nos documentos 11 e 12 juntos pela Requerente em 3.05.2022 e no documento nº 3, junto com requerimento apresentado pela Requerente em 2.11.2022; no que respeita ao ponto 8.15 a decisão alicerçou-se no  documento nº 3, junto com requerimento apresentado pela Requerente em 2.11.2022; quanto ao ponto 8.16., a decisão alicerçou-se nos  documentos 13 e 14 dos documentos   juntos pela Requerente em 3.05.2022 e no  documento nº4 junto com requerimento apresentado pela Requerente em 2.11.2022; no que se refere ao ponto 8.17 a decisão alicerçou-se no  documento nº 4, junto com requerimento apresentado pela Requerente em 2.11.2022).

Acrescente-se que, as declarações de IRS dos trabalhadores juntos aos autos pela Requerida, atendendo aos  valores de retribuição constantes das mesmas como  pagos pela Requerente aos trabalhadores em causa, nos períodos tributários relevantes, em nada conflituam com as vicissitudes contratuais alegadas pela Requerente e que  resultam dos documentos   por ela juntos, antes sendo, ao invés, manifestamente, congruentes com as mesmas.

 

 

-III- O Direito aplicável.

 

10. À data dos factos relevantes, o artigo 19º  do Estatuto dos Benefícios Fiscais tinha o seguinte teor:

“1 - Para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada, os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, são considerados em 150 % do respectivo montante, contabilizado como custo do exercício.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se:

a) 'Jovens' os trabalhadores com idade superior a 16 e inferior a 35 anos, inclusive, aferida na data da celebração do contrato de trabalho, com excepção dos jovens com menos de 23 anos, que não tenham concluído o ensino secundário, e que não estejam a frequentar uma oferta de educação-formação que permita elevar o nível de escolaridade ou qualificação profissional para assegurar a conclusão desse nível de ensino;

b) 'Desempregados de longa duração' os trabalhadores disponíveis para o trabalho, nos termos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, que se encontrem desempregados e inscritos nos centros de emprego há mais de 9 meses, sem prejuízo de terem sido celebrados, durante esse período, contratos a termo por período inferior a 6 meses, cuja duração conjunta não ultrapasse os 12 meses;

c) «Encargos» os montantes suportados pela entidade empregadora com o trabalhador, a título da remuneração fixa e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade;

d) «Criação líquida de postos de trabalho» a diferença positiva, num dado exercício económico, entre o número de contratações elegíveis nos termos do n.º 1 e o número de saídas de trabalhadores que, à data da respectiva admissão, se encontravam nas mesmas condições.

3 - O montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida.

4 - Para efeitos da determinação da criação líquida de postos de trabalho, não são considerados os trabalhadores que integrem o agregado familiar da respectiva entidade patronal.

5 - A majoração referida no n.º 1 aplica-se durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, não sendo cumulável, quer com outros benefícios fiscais da mesma natureza, quer com outros incentivos de apoio ao emprego previstos noutros diplomas, quando aplicáveis ao mesmo trabalhador ou posto de trabalho.

6 - O regime previsto no n.º 1 só pode ser concedido uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou noutra entidade com a qual existam relações especiais nos termos do artigo 63.º do Código do IRC.

 

 

Consta das decisões que indeferiram os recursos hierárquicos em causa, o seguinte:

 “o art.º 19.º do EBF, tem por objetivo incentivar a criação de emprego resultante da criação de novos postos de trabalho.

Sendo esta a razão de ser do benefício fiscal é de concluir que uma empresa não pode celebrar com o mesmo trabalhador dois contratos de trabalho por tempo indeterminado cuja finalidade pretendida é o de usufruir do benefício fiscal num determinado período de tributação, alegando que no período de tributação em que ocorreu o primeiro contrato de  trabalho, não foi apurada criação líquida de posto de trabalho  através da contratação por tempo indeterminado de jovens e desempregados de longa duração.

Trata-se de uma criação de emprego fictícia e portanto afastada dos requisitos impostos no artº 19º do EBF, para a usufruição do benefício.

Interpretação contrária não tem suporte legal nem encontra eco no espírito do legislador quando estatui este benefício fiscal”

 

Resulta desta fundamentação das decisões que incidiram sobre os recursos hierárquicos que a Requerida, em rigor, não contesta a celebração dos contratos de trabalho em causa (imputando-lhe, todavia,  uma finalidade abusiva, o que  adiante se apreciará).

Mesmo que assim se não entendesse, o certo é que a Requerente produziu prova inequívoca dos factos que alegou, relativamente a todos os trabalhadores:

-Celebração dum primeiro contrato de trabalho por tempo indeterminado.

-Cessação deste contrato.

-Celebração de novo contrato de trabalho por tempo indeterminado.

 

Resulta, assim, claro, que a Requerente provou a celebração dos contrato de trabalho por tempo indeterminado da Requerente com os trabalhadores nos períodos tributários em causa nos autos.

Por outro lado, nem o art. 19º do EBF, nem qualquer outra norma, prevê a exclusão do benefício fiscal nos casos em que os trabalhadores contratados tenham tido, no passado,  relação laboral com a mesma empresa.

Assim sendo, à luz da fundamentação das decisões que incidiram sobre os recursos hierárquicos em causa, não se vislumbra haver fundamento legal para considerar que a Requerente, quanto a estes trabalhadores, não tem direito ao benefício fiscal previsto no art. 19º do EBF.

 

É certo que a Requerida, na resposta apresentada nestes autos, continua a alegar, em linha com o já sustentado na  decisão dos recursos hierárquicos que ” (…) uma empresa não pode celebrar com o mesmo trabalhador dois contratos de trabalho por tempo indeterminado cuja finalidade pretendida é o de usufruir do benefício fiscal num determinado período de tributação” e que “Trata-se de uma criação de emprego fictícia”.

 

Simplesmente, nem a Requerida provou  a alegada “finalidade”  (que, de resto, não resulta minimamente indiciada nos autos), nem sequer concretizou em que medida se teria tratado de criação de emprego “fictícia.”

Afigura-se a este Tribunal que, para que a tese da Requerida tivesse um mínimo de sustentação, seria necessário alegar e demonstrar o fingimento ou a intenção fraudulenta dos contraentes na cessação dos primeiros contratos de trabalho e na futura celebração dos novos contratos de trabalho. Ora,  a AT,  não o demonstrou e, em rigor, nem sequer  concretizou suficientemente a sua alegação a este respeito, não tendo, ademais, lançado mão  do artigo 38º, nº 2 da LGT e do  procedimento previsto no art. 63º do CPPT.

Por último, sempre se dirá que, não obstante se possa admitir não ser  tipicamente  frequente que as partes num contrato de trabalho façam cessar o mesmo e que passado um período de tempo não muito longo, ou até  relativamente curto, venham a celebrar um novo contrato de trabalho, tal não pode ser considerado, só por si,  anormal ou eivado de finalidade abusiva, sobretudo, no caso dum sujeito passivo que, conforme documentado nos autos, procede a um elevado número de contratações de trabalhadores por conta de outrem. A esta luz, os casos dos trabalhadores em causa, pela sua singularidade e excecionalidade  face  ao elevado número  de trabalhadores contratados pela Requerente nos períodos tributários em causa (que resulta dos elementos constantes do processo administrativo junto pela Requerida), nem sequer, à luz das regras da experiência, se podem considerar indiciantes  de hipotética  “criação de emprego fictícia” por parte da Requerente, ao invés, sendo verosímil, à luz do “normal acontecer”, que do universo de trabalhadores contratados pela Requerente nos dois exercícios económicos, algumas dessas pessoas possam ter sido anteriormente trabalhadores da mesma,  e serem novamente contratados por  razões económicas semelhantes à de qualquer outro trabalhador.

 

Termos em que, carece, em absoluto, de fundamento, a posição da Requerida de desconsiderar à Requerente o benefício fiscal referente aos trabalhadores em causa, não podendo os atos tributários em causa deixar de ser anulados, por violação do artigo 19º, nº 1, do EBF, vigente à data dos factos tributários.

 

11. Dos juros indemnizatórios.

 

Veio, ainda, o Requerente pedir a condenação da Requerida ao pagamento das quantias indevidamente arrecadadas, bem como de juros indemnizatórios que se mostrarem devidos, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de retenção na fonte objeto do processo, é procedente a pretensão do Requerente à restituição por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para restabelecer a situação que existiria se a ilegalidade em causa não tivesse sido praticada.

No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

Dispõe o n.º 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Por sua vez dispõe o nº 2 do mesmo artigo que:

 

“Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”

 

Determina, ainda, o nº 3 do mesmo artigo:


“São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
(…)

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”
 

Resulta do nº 2, do art. 43º, que os erros nas autoliquidações  só são imputáveis aos serviços os erros das mesmas se o contribuinte tiver “seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas”.

 

No entanto, Escrevem Serena Cabrita Neto-Carla Castelo Trindade:

“Quando o erro não se considere imputável aos serviços, por exemplo em caso de erro na autoliquidação quando o sujeito passivo não seguiu uma orientação genérica errónea, este passa a ser imputável à administração tributária após o indeferimento expresso ou tácito da pretensão do contribuinte em sede de reclamação graciosa ou recurso hierárquico. A partir deste momento temos um acto da autoria da Administração Tributária no qual este toma uma posição acerca da situação do contribuinte, pelo que o eventual erro sempre lhe será imputável.  A Administração já teve oportunidade de proferir um acto legal, anulando o acto que padecia de um erro imputável ao sujeito passivo e, não o tendo feito, assumiu a autoria do erro.” (CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, Almedina, 2017, Vol. I, pag. 223)

 

 

Pode também ler-se no acórdão do  PLENO DA SECÇÃO DO CT do STA, de  29 de Junho de 2022, 093/21.7BALSB, o seguinte:

“(…)é jurisprudência deste Tribunal, no que respeita à questão da obrigação de juros indemnizatórios nos casos de retenção indevida de imposto e em que foi deduzido meio gracioso (v.g.reclamação graciosa), que o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de eventual indeferimento, expresso ou silente, da pretensão deduzida pelo contribuinte (cfr. v.g.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/12/2017, rec.926/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/05/2018, rec.250/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/04/2021, rec.360/11.8BELRS[1]).

(…).

Passemos ao exame do termo inicial da obrigação de juros indemnizatórios, quando ligada à existência do procedimento de reclamação graciosa.


De acordo com o probatório da decisão arbitral recorrida, no que diz respeito aos actos tributários que foram objecto de reclamação graciosa (cfr.actos de liquidação de imposto de selo emitidos nos períodos de Fevereiro de 2017 a Dezembro de 2018 - al.J) da matéria de facto supra exarada), foi tal reclamação deduzida em 20 de Março de 2019, mais sendo objecto de indeferimento expresso em 6 de Setembro de 2019 (cfr.al.K) da matéria de facto supra exarada).


Neste segmento da instância recursiva, deve chamar-se à colação a doutrina defendida pelo acórdão fundamento, oriundo do Tribunal Central Administrativo Sul, a qual já foi sufragada por diversos acórdãos deste Tribunal e Secção (cfr.v.g.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/01/2017, rec.890/16; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/05/2018, rec.250/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/04/2021, rec. 360/11.8BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2021, rec.3009/12.8BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2021, rec.1098/16.5BELRS), e que nos diz: em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g.reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T.

Mais se deve recordar que o indeferimento tácito de reclamação graciosa deduzida opera ao fim de quatro meses, prazo esse que é contínuo e se deve contar nos termos do artº.279, do C.Civil (cfr.artº.57, nºs.1 e 3, da L.G.T.; artºs.20, nº.1, e 106, do C.P.P.T.).
Revertendo ao caso dos autos, tendo sido deduzida, a reclamação graciosa, em 20 de Março de 2019, operou o indeferimento tácito da mesma em 22 de Julho de 2019, uma segunda-feira (cfr.artº.279, als.b), c) e e), do C.Civil).


Portanto, a mencionada data de 22 de Julho de 2019 deve ter-se como "dies a quo" do cômputo dos juros indemnizatórios no caso concreto, em consequência do que, também nesta parcela, deve ser revogada a decisão arbitral que fixou o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios nas datas do pagamento do imposto.


 

Assim sendo, e acompanhando o acórdão em causa, os juros indemnizatórios referentes ao pagamento indevido respeitante ao período tributário do exercício de 2016 são devidos a partir de 26 de fevereiro de 2020, uma vez que o indeferimento tácito ocorreu no dia anterior.

 

Quanto aos juros indemnizatórios referente ao pagamento indevido referente ao período tributário do ano de 2015, diz-nos o mesmo aresto:

 


“Avançando, comecemos pelo exame do termo inicial da obrigação de juros indemnizatórios, quando ligado à existência do procedimento gracioso de revisão oficiosa.
Nesta sede, deve confirmar-se a orientação jurisprudencial, que se tem por consolidada, do Pleno da Secção deste Tribunal, de que é expressão o acórdão fundamento lavrado no processo nº.51/19.1BALSB e datado de 11/12/2019, a qual se expressa no seguinte: pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr.artº.78, nº.1, da L.G.T.) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, al.c), da L.G.T. (cfr. v.g.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 11/12/2019, rec.51/19.1BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.5/19.8BALSB). “

 

Perfilhando-se também este entendimento, tem a Requerente, também, direito juros indemnizatórios referentes ao pagamento indevido referente ao período tributário do ano de 2015. Porém, a contagem dos mesmos apenas se inicia após o decurso de um ano subsequente à apresentação do pedido de revisão oficiosa. Tendo este pedido sido apresentado em 25.10.2019 e sendo o dia 25.10.2020 um domingo, o prazo de um ano terminou em 26.10.2020, pelo que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios contados a partir de 27.10.2020.

Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, contados nos termos supra referidos, até à data do processamento da respetiva nota de crédito

 

 

-IV- Decisão

 

 

Assim, decide o Tribunal arbitral julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:

a)Decretar a ilegalidade e consequente  anulação dos atos tributários impugnados na parte em que não considerou o benefício fiscal previsto no artigo 19º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, em vigor à data dos factos tributários em causa, com referência   aos trabalhadores B... a, C..., D... e E..., respeitante aos exercícios de 2015 e 2016, conforme peticionado pela Requerente.

b) Condenar a Requerida a restituir à Requerente o montante indevidamente pago correspondente aos benefícios fiscais em causa, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa supletiva legal, contados desde 27.10.2020, no que se refere ao montante referente ao ano de 2015 e desde 26.02.2020 no que respeita ao valor  referente ao ano de 2016,  até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Valor da ação: € 49.595,73 (quarenta e nove mil, quinhentos e noventa e cinco euros e setenta e três cêntimos), nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida no valor de 2 142.00 €, nos termos do nº 4, do art. 22º, do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 2.01.2023

 

O Árbitro

 

Marcolino Pisão Pedreiro

 



[1] Consta do sumário do acórdão proferido neste rec.360/11.8BELRS:

“I - A regra do cômputo (dos juros indemnizatórios) desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, além da limitação decorrente de exceções nominadas (e outras detentoras dessa qualidade), tem de ser temperada, calibrada, quando o resultado a que conduz pode ser penalizador, sem justificação, para a autoridade tributária e aduaneira (AT).
II - A indemnização ao contribuinte (decorrente do pagamento de juros indemnizatórios, pela AT) não retroage ao momento da prática do ato de retenção na fonte (da responsabilidade do substituto tributário), porquanto, tratando-se de uma situação de autoliquidação, só com a competente impugnação administrativa, atempada, os serviços da AT ficam em condições de conhecer e reparar uma cometida ilegalidade, sendo, a partir do momento em que não assumem a respetiva reparação, justificado o ressarcimento do sujeito passivo.
III - É justo, adequado e seguro, assumir como marco, para identificar e fixar, nestes casos, o dies a quo, o prazo, fixado por lei, para a decisão do procedimento de reclamação graciosa / recurso hierárquico, isto é, os períodos, na atualidade, de 4 meses e 60 dias, respetivamente.”( destaque nosso)